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Breves considerações sobre as mudanças do sistema recursal, implementadas pelas leis Nº 11.187/2005 E 11.276/2006

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RESUMO: Pretende-se analisar neste estudo - sob o prisma das garantias fundamentais do processo - as mudanças a serem implementadas no sistema recursal civil brasileiro, através das recém-promulgadas Leis nos 11.187/2005 e 11.276/2006.

PALAVRAS-CHAVE: recursos, processo, civil, garantias


ABSTRACT: The object of this paper is to analyze, basing on the fundamental garanties of the process, the changes to be implemented in the Brazilian Civil Appealling System by the news Laws ns. 11.187/2005 e 11.276/2006, recently enacteds.

KEY WORDS: Appeal, process, civil, garanties


SUMÁRIO: 1. Considerações Iniciais 2. Contextualizando o tema 3. Abordagem sobre a Lei no 11.187, de 19 de outubro de 2005 4. Abordagem sobre a Lei no 11.276/2006, de 07 de fevereiro de 2006 5. Considerações Finais 6. Referências Bibliográficas


1. Considerações Iniciais

            Como cediço, o processo legislativo é crucial para que as mudanças, no campo prático, se efetivem, entretanto, não pode ser conduzido de forma unilateral, com o intuito de resolver o problema de apenas uma das partes nele envolvidas, mas sim de modo a solucionar a problemática que constituiu a necessidade da reforma.

            Verifica-se que os projetos de reforma processual atuais têm tido preocupações meramente quantitativas e, por conseguinte, unilaterais, visando, apenas, à resolução dos problemas que atingem o Poder Judiciário e não os jurisdicionados, o que acaba por temperar a análise das mudanças legislativas, sob o prisma das garantias fundamentais do processo.

            Neste trabalho, analisar-se-ão as duas recentes leis que alteraram o Código de Processo Civil em matéria recursal; uma limitando a interposição do agravo de instrumento a casos excepcionais (Lei no 11.187/2005) e outra instituindo a súmula impeditiva de recursos (Lei no 11.276/2006), ressaltando-se que ambas fazem parte do "pacote republicano" - apresentado pelo Presidente da República, no dia 15 de dezembro de 2004, em decorrência do trabalho realizado pela Secretaria de Reforma do Judiciário do Ministério da Justiça.


2. Contextualizando o tema

            É recorrente a idéia de que a possibilidade de tipos diversos de recursos, no processo civil, é a principal causa da morosidade da justiça.

            Juristas renomados defendem a idéia de que se diminuam as hipóteses recursais, bem como se relativize a garantia do duplo grau de jurisdição, pois, em sua visão, somente assim, imprimir-se--á a devida celeridade aos processos [01].

            Ao se estudar os argumentos desses juristas, fica a impressão de que a existência da garantia do duplo grau de jurisdição seja, talvez, a única causa da morosidade da justiça e que, uma vez resolvida, isto é, uma vez obstaculizada a possibilidade de se recorrer, ou limitada a casos excepcionais e extremos, o Poder Judiciário deslanchará.

            Ocorre que, além de a possibilidade de recorrer ser uma garantia fundamental das partes a um processo justo e, como tal, não poder ser desconsiderada, não há como se cingir à idéia da morosidade o problema recursal.

            Privar as partes de recorrer sempre que entenderem que a decisão lhes causou algum prejuízo efetivo é denegar a prestação da tutela jurisdicional.

            Leonardo Greco, em seu artigo sobre as "Garantias fundamentais do processo: o processo justo", sustenta a importância do duplo grau como garantia fundamental do processo, valendo destacar o seguinte trecho, literris [02]:

            "(...) reconhece-se, entretanto, que, no âmbito da jurisdição civil, se a lei institui um recurso, o acesso a ele se incorpora ao direito à tutela jurisdicional efetiva, não podendo a sua utilização ficar sujeita a obstáculos irrazoáveis e formalistas. Nesse aspecto, os tribunais brasileiros dão péssimo exemplo, denegando todos os dias recursos por exigências puramente formalistas, muitas delas sequer decorrentes de prescrições legais, no intuito indisfarçável de esvaziar as prateleiras abarrotadas de processos. Se o Estado instituiu a jurisdição recursal, deve velar para que os jurisdicionados, perante ela, gozem plenamente das garantias fundamentais do processo (...)." (grifou-se)

            Djanira Radamés de Sá, no mesmo sentido, destaca a importância dessa garantia fundamental, em seu artigo "O duplo grau de jurisdição como garantia constitucional" [03], no qual destaca a possibilidade de o juiz, como ser passível de falhas, cometer injustiças ao proferir uma decisão, advindo daí a necessidade de se permitir o reexame da matéria posta sob julgamento, a fim de que se atinja uma visão mais completa da causa por outro órgão jurisdicional.

            Nesse sentido, não se pode relativizar o princípio do duplo grau de jurisdição, pois se trata de garantia absoluta, uma vez que é através de seu exercício que a justiça se efetiva, razão pela qual entendo não ser solução razoável mitigar a sua incidência para se imprimir celeridade ao processo.

            Outra consideração preliminar que imputo válida diz respeito à abrupta transformação do pensamento jurídico-processual e do espírito da reforma do sistema recursal, ocorrida desde a década de 90 aos dias atuais.

            Àquela época, sustentava-se que a fase humanística do processo havia tomado o lugar da fase instrumentalista, formalista, mecanicista. O espírito dos processualistas apontava para novos rumos, para uma mudança de perspectiva do direito processual, tanto é assim que Cândido Dinamarco ressaltou, literris [04]:

            " (...) o processualista moderno deixou de ser mero teórico das normas e princípios diretores da vida interior do sistema processual, como tradicionalmente fora. Foi-se o tempo em que o direito processual mesmo era visto e afirmado como mera técnica despojada de ideologias ou valores próprios, sendo uma exclusiva função a atuação do direito substancial. A consciência dos modos como o exercício da jurisdição interfere na vida das pessoas levou os estudiosos do processo a renegar essa pouca honrosa missão ancilar e assim inseri-lo no contexto das instituições sociais e políticas da nação, reconhecida sua missão relativa à felicidade das pessoas (bem-comum) (...) consciente dessas verdades que hoje temos por patentes, o processualista das últimas décadas tornou-se um crítico (...) a fase instrumentalista do direito processual ia exaurindo seu potencial de teorização e propostas doutrinárias e os processualistas tinham a consciência de que pouco valeriam os novos conceitos enquanto não traduzidos em resultados práticos (...).

            Nesse contexto, surgiu inspiração para se implementar as reformas processuais necessárias, que, como cediço, se fizeram em formato de mini-reformas do código.

            Nota-se, portanto, da abordagem que se faz do espírito das referidas reformas, que a idéia era a de ampliar, ao máximo, as vias estreitas do acesso à justiça - tido como acesso à uma ordem jurídica justa - o que se faria através de um processo justo e comprometido com as garantias fundamentais dos cidadãos.

            Falava-se em tutela efetiva, sob o prisma da justiça, isto é, a efetividade seria alcançada através de mecanismos de acesso à tutela jurisdicional. Nesse diapasão, manifestou-se Dinamarco, comentando sobre o espírito da reforma iniciada em 1992 [05], no sentido de registrar que o legislador da época estivera consciente dos óbices à plenitude da "promessa constitucional de tutela jurisdicional justa e efetiva", e que, por conseguinte, lançara-se contra dogmas e temores do tradicionalismo, buscando uma visão atualizada do papel do juiz no processo, mais humanista e próximo das partes.

            No mesmo sentido, Marinoni [06] destacara que houve um momento em que os processualistas passaram a observar a justiça a partir de um ângulo externo e que, conseqüentemente, notaram o seu caráter elitista, razão pela qual, diante dessa mudança de perspectiva, iniciaram estudos e reflexões sobre a necessidade de se permitir acesso efetivo à justiça.

            O foco daquela reforma processual era, pois, a população, os jurisdicionados; e a proposta baseava-se na idéia de se constituir um processo mais participativo, uma justiça acessível a todos os grupos sociais e desburocratizada, fazendo parecer que o direito trilharia novos caminhos.

            Por conta desses fatores parece-me, a essa altura, que houve um retrocesso no que tange à perspectiva de mudanças no plano do acesso à justiça, estando, de certa forma, desfocada a visão atual das reformas processuais, distante dos anseios dos jurisdicionados e comprometida, quase que exclusivamente, em acelerar o processo e desafogar a justiça, esvaziando as prateleiras dos tribunais [07] e diminuindo a carga de trabalho. O escopo atual é, basicamente, padronizar a justiça e esquivar-se dos problemas; saná-los, de fato, parece ser preocupação secundária.


3. Abordagem sobre a Lei no 11.187, de 19 de outubro de 2005

            Trata-se de Lei oriunda do Projeto de Lei da Câmara no 72/2005, cujo número na casa de origem era 4.727/2004, que dá nova redação aos artigos 522, 523 e 527, do Código de Processo Civil, estando vigente desde janeiro do corrente ano.

            A preocupação com a celeridade se materializa, nesta Lei, através da limitação do cabimento do recurso de agravo de instrumento, passando a ser regra geral de impugnação de decisões interlocutórias, o agravo retido.

            O voto do Relator do Projeto de Lei, Deputado José Eduardo Cardozo, proferido na sessão de votação do mesmo, deixa claro o intuito da reforma, valendo destacar o seguinte trecho, in verbis [08]:

            "(...) Há muito é sentida a necessidade de alterações em nossa Lei Adjetiva e muitas têm sido as iniciativas que, em diversos casos, levaram a cabo modificações importantes no sistema jurídico brasileiro, tendo em vista a implementação de nova processualística, mais eficaz e mais célere, para adequação da lei ao movimento atual de modernização do nosso processo civil. A propositura em tela vai nesse sentido, e integra o Pacto por um Judiciário mais rápido e republicano, firmado em dezembro de 2004 que, em iniciativa inédita, reuniu os chefes dos três Poderes em torno de propostas e compromissos para aprimorar a prestação jurisdicional (...)". (grifou-se)

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            A exposição de motivos do projeto, de igual sorte, destaca o intuito de se imprimir celeridade aos processos, realçando-se o trecho a seguir [09]:

            "(...) Sob a perspectiva das diretrizes estabelecidas para a reforma da Justiça, faz-se necessária a alteração do sistema processual brasileiro com o escopo de conferir racionalidade e celeridade ao serviço de prestação jurisdicional, sem, contudo, ferir o direito ao contraditório e à ampla defesa (...) Manifestações de entidades representativas, como o Instituto Brasileiro de Direito Processual, a Associação dos Magistrados Brasileiros, a Associação dos Juizes Federais do Brasil, de órgãos do Poder Judiciário, do Poder Legislativo e do próprio Poder Executivo são acordes em afirmar a necessidade de alteração de dispositivos do Código de Processo Civil e da lei de juizados especiais, para conferir eficiência à tramitação de feitos e evitar a morosidade que atualmente caracteriza a atividade em questão (...)". (grifou-se)

            A nova redação do art. 522 do CPC transforma em regra geral o agravo retido reservando o de instrumento para os casos em que a decisão recorrida cause lesão grave e de difícil reparação à parte, bem assim, nos casos de inadmissão da apelação e naqueles relativos aos efeitos em que é recebida.

            Quanto às decisões de inadmissão do recurso de apelação e àquelas relativas aos efeitos do seu recebimento, não resta dúvida de que não poderia ser diferente. O recurso a ser interposto deve ser, de fato, o agravo de instrumento, sob pena de se imobilizar o processo.

            No entanto, a amplitude e a subjetividade do termo "lesão grave e de difícil reparação" continuará permitindo a interposição indiscriminada do agravo de instrumento.

            Ademais, a existência de outros meios de impugnação de decisões, sucedâneos do agravo, como o mandado de segurança, por exemplo, voltarão a ser utilizados com freqüência, a fim de se evitar abusos, danos e injustiças às partes.

            Creio que a reforma, neste particular, não se prestará ao fim a que se destina. Fatalmente, os operadores do Direito utilizar-se-ão dos outros mecanismos de impugnação existentes quando entenderam que a decisão causará dano à parte.

            O exemplo emprestado pelo processo do trabalho, onde inexiste recurso específico contra decisão interlocutória, não deixa dúvidas. Os meios de impugnação sucedâneos, como a reclamação correicional e o mandado de segurança, são habitualmente utilizados e, além disso, as questões que ficam pendentes - aguardando a remessa dos autos ao tribunal, após a sentença - ocasionam problemas futuros, no ato do julgamento do recurso, enrolando o trâmite do processo e causando, às vezes, nulidades que poderiam ter sido sanadas no transcorrer da lide, em 1º grau, antes da prolação da sentença.

            A utilização do agravo retido como regra geral, a meu ver, não agilizará o trâmite processual, inclusive por ser uma forma de postergar problemas e soluções que poderiam ser sanadas de plano. A reforma tenta sanar um problema – a morosidade do judiciário - criando outros e fabricando maior quantidade de processos.

            O agravo de instrumento poderia continuar sendo usado, tal como previsto na antiga redação do art. 522, devendo, o magistrado de 2º grau, limitar a sua utilização indevida, denegando--o quando inadmissível e impondo as multas pecuniárias cabíveis, quando procrastinatório.

            Denegar direitos às partes nunca é a solução mais adequada, limitá-los, através de bom- -senso, sim. O que se deve fazer é eliminar o mau uso dos recursos existentes, não exterminá-los do sistema processual.

            O §3º do art. 523, modificado por esta Lei, torna obrigatória a interposição oral e imediata do agravo retido.

            A prática forense tem demonstrado que a relação entre juízes e advogados é delicada, sendo comum haver descompasso entre o que o juiz quer consignar em ata de audiência e o que o advogado acha importante registrar.

            Além disso, o tempo destinado às audiências é cada vez mais exíguo, tendo em vista a desumana e indiscutível sobrecarga de trabalho dos magistrados.

            Nesse contexto, impor ao advogado o ônus de, em fração de segundos, elaborar um recurso, oralmente, parece ser solução que não resguarda a ampla defesa e não atende ao escopo de um processo justo. Certamente, uma defesa refletida é mais eficaz e atende ao interesse da parte.

            A oralidade é garantia salutar, mas não deve ser desvirtuada. O seu maior objetivo é aproximar as partes do juiz e não dar celeridade aos processos.

            A revogação do §4º do art. 523 do CPC se deve à mera adequação à nova sistemática recursal - em que o agravo retido passa a ser a regra e o de instrumento, a exceção - harmonizando- -se, pois, com o disposto no §3º do mesmo dispositivo e no art. 522.

            O inciso II do art. 527 do CPC teve a sua redação alterada prevendo, a nova redação, que o relator do Agravo de Instrumento deverá, como regra, convertê-lo em retido, só não o fazendo nos casos do art. 522, em que aquele é, expressamente, cabível. A redação anterior do referido dispositivo preconizava que o relator poderia converter o agravo de instrumento em agravo retido, tratando-se de reles opção e não de imposição legal, como doravante. Reporto-me aos comentários do art. 522.

            O parágrafo único do art. 527 também foi alterado. A atual redação impede a interposição de agravo ao colegiado, face à decisão do relator, em sede liminar, reservando ao julgamento do mérito do agravo a sua eventual reforma.

            Parece-me que, até mesmo por analogia ao art. 557 do CPC, não revogado, se mantém a possibilidade de agravo ao colegiado nos casos em que não se tratar de decisão liminar, tais como, a decisão monocrática do relator dando ou negando provimento ao recurso.

            O colegiado é garantia da parte e a modificação proposta pela Lei, quanto à limitação do agravo interno, privando-a de interpor recurso contra decisão liminar de relator, parece destoar e afastar a sua aplicabilidade, o que pode vir a causar danos irreparáveis.

            Aqui, assim como no caso do art. 522, vejo probabilidade de retorno da impetração ferrenha do mandado de segurança em casos de dano grave, a fim de assegurar direito líquido e certo da parte, o que, como acima asseverado, ao invés de acelerar, atravancará o processo.

            É notório que, na prática, por conta da excessiva demanda do judiciário e da inegável impossibilidade de se atendê-la, os institutos vêm sendo mal utilizados. As decisões proferidas em agravos internos têm sido fictamente colegiadas, pois se sabe que, na verdade, o relator decide e os demais membros da câmara o acompanham, sem maiores discussões sobre o tema.

            Entretanto, permaneço defendendo que não é o mau uso, advindo de circunstâncias externas, que deve motivar o extermínio dos institutos, ao revés, ele deve servir para apontar uma necessidade de reflexão e de mudança e um conseqüente aprimoramento.

            A decisão colegiada garante a discussão mais cautelosa da matéria levada a julgamento, bem como a possibilidade de uma solução mais justa, mais qualitativa, que dê mais segurança ao jurisdicionado, causando menos arbitrariedade - por ser fruto de consenso – e, por conseguinte, não merecendo ser suprimida, ao contrário, incentivada [10].

            Aliás, para que o processo atingisse o seu objetivo garantístico dever-se-ia – ao contrário do que tem sido feito - impor limites, cada vez maiores, ao poder do relator, a fim de assegurar a garantia do princípio do duplo grau de jurisdição, que privilegia o colegiado, e do juiz natural, que, em grau de recurso, é o colegiado, reservando-se a singularidade, somente, ao primeiro grau de jurisdição.

            Se essa não for a visão, de nada adiantará a interposição de recursos, uma vez que o ato de recorrer transformar-se-á em impugnação de cunho meramente hierárquico, o que não é o objetivo. O objeto do colegiado é possibilitar a revisão da decisão por um órgão que discuta a matéria com a merecida reflexão.

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Sobre a autora
Bárbara Gomes Lupetti Baptista

mestranda em Direito, advogada no Rio de Janeiro (RJ)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BAPTISTA, Bárbara Gomes Lupetti. Breves considerações sobre as mudanças do sistema recursal, implementadas pelas leis Nº 11.187/2005 E 11.276/2006. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 1077, 13 jun. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/8523. Acesso em: 28 abr. 2024.

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