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Breves considerações sobre as mudanças do sistema recursal, implementadas pelas leis Nº 11.187/2005 E 11.276/2006

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4. Abordagem sobre a Lei no 11.276, de 07 de fevereiro de 2006

            Trata-se de Lei oriunda do Projeto de Lei no 4.724/2005 – a viger a partir de maio de 2006 – que, dentre outras providências, institui a súmula impeditiva de recursos, modificando a redação dos artigos 504, 506, 515 e 518 do Código de Processo Civil.

            A exposição de motivos do projeto de lei é praticamente igual à da Lei anteriormente analisada (Lei no 11.187/2005), utilizando como justificativa precípua a busca pela celeridade processual, a ser supostamente atingida através da "redução do número excessivo de impugnações sem possibilidades de êxito", o que se efetivaria em decorrência da nova redação do art. 518 do CPC, dispositivo que institui a mencionada súmula impeditiva de recurso.

            O primeiro dispositivo modificado é o art. 504 do CPC, dele passando a constar a impossibilidade de se recorrer de despachos, não mais se especificando, na redação, "despachos de mero expediente".

            Em princípio, pode parecer que tal redação limita a garantia fundamental do duplo grau de jurisdição, mas não o faz. O legislador apenas quis explicitar que despachos sem cunho decisório são irrecorríveis.

            É cediço que muitos despachos têm conteúdo decisório e, também o é, que, mesmo os chamados despachos de mero expediente, podem causar prejuízo à parte, sendo, nesses casos, perfeitamente passíveis de recurso, com base num princípio basilar, o princípio do prejuízo.

            Para que a decisão seja passível de recurso, basta haver carga de lesividade. A jurisprudência e a doutrina, aliás, são uníssonas nesse sentido, sendo certo que a alteração do art. 504 do CPC em nada modifica o que já vinha ocorrendo na prática, em matéria recursal [11].

            A Lei 11.276/2006 inseriu, também, um quarto parágrafo ao artigo 515, nos seguintes termos: "Art. 515. § 4o Constatando a ocorrência de nulidade sanável, o tribunal poderá determinar a realização ou renovação do ato processual, intimadas as partes; cumprida a diligência, sempre que possível prosseguirá o julgamento da apelação.".

            Tal determinação atende à economia processual e acolhe jurisprudência nacionalmente consagrada [12]. Apenas acredito que a redação do parágrafo único do art. 560 do CPC [13] deva ser a ela compatibilizada, a fim de se harmonizar à nova proposta legislativa. O parágrafo único do art. 560 - não revogado - prevê a possibilidade de o Tribunal determinar a conversão do julgamento em diligência, mediante a remessa dos autos ao juiz da causa, quando houver questão preliminar suscitando nulidade sanável.

            Diante da falta de sintonia de ambos os dispositivos (art. 515 e art. 560) nota-se que a nova redação, proposta pelo §4º do art. 515, revogou, tacitamente, o parágrafo único do art. 560, doravante, a meu ver, inaplicável. Conseqüentemente, havendo nulidade sanável pelo Tribunal, desnecessária a remessa dos autos ao 1º Grau de jurisdição.

            O art. 518 cria a súmula impeditiva de recursos, fazendo a sentença judicial já nascer transitada em julgado, estando redigido nos seguintes termos:

            "Art. 518. Interposta a apelação, o juiz, declarando os efeitos em que a recebe, mandará dar vista ao apelado para responder.

            § 1oO juiz não receberá o recurso de apelação quando a sentença estiver em conformidade com súmula do Superior Tribunal de Justiça ou do Supremo Tribunal Federal.

            § 2o Apresentada a resposta, é facultado ao juiz, em cinco dias, o reexame dos pressupostos de admissibilidade do recurso." (grifou-se)

            Isto é, havendo súmula de tribunal superior, quando o juiz julgar a causa com base na súmula, a parte não poderá recorrer, pois, se assim o fizer, terá o seu recurso trancado em 1º grau de jurisdição.

            Além de aviltar o princípio do duplo grau de jurisdição, tal dispositivo, a meu sentir, desrespeita a liberdade de decisão do juiz, que estará condicionado a julgar de acordo com os tribunais superiores, sob pena de ver todas as suas decisões reformadas.

            O art. 518 do CPC permite ao magistrado duas possibilidades: a de julgar conforme a súmula ou a de julgar contrariamente à súmula. Se o juiz julgar conforme a súmula, a parte fica impossibilitada de recorrer e se o juiz julgar contrariamente à súmula, a parte pode interpor recurso, a fim de modificar a decisão, o que significa dizer: doravante, apenas caberá recurso contra sentenças contrárias às súmulas do STJ e do STF, sendo certo que, contra decisões favoráveis às súmulas, a sentença já nascerá transitada em julgado.

            A Lei foi feita para manter a hegemonia das decisões das cortes superiores. A parte poderá recorrer das sentenças que destoem do entendimento das cortes justamente para que não se permita a autonomia do juiz. Quando ele julgar de forma distinta ao entendimento das cortes superiores, a parte poderá recorrer, pois, tão-logo o processo chegue às cortes, a súmula eventualmente contrariada será ratificada e a sentença que a contrariou, modificada.

            Ao contrário, se o juiz mantiver a súmula desnecessária será a interposição de recurso porque a corte terá obtido o êxito de fazer valer a sua decisão, já em 1º grau, não precisando se manifestar em razão de o juiz já ter acatado o seu entendimento.

            É, notoriamente, um gesso que se impõe ao magistrado de 1º grau, pois a sua decisão autônoma – contrária à súmula – terá uma única chance de prevalecer: se alguma das partes não recorrer ao tribunal. E, mais, se não houver duplo grau obrigatório, pois, em havendo, a decisão contrária a súmula não prevalecerá, nem mesmo, na falta de recurso voluntário das partes. Repita- -se: a única chance de uma decisão judicial contrária à súmula de cortes superiores prevalecer é as partes envolvidas optarem, voluntariamente, por não recorrer.

            Além disso, existe questão indireta muito preocupante. Sabe-se que as súmulas, ao serem utilizadas indiscriminadamente, são aplicadas em casos diferentes, que demandariam análise singular em razão de certas peculiaridades.

            Os tribunais, afogados como estão, certamente, não terão condições de analisar, com a merecida cautela, as particularidades de cada caso e, por conseguinte, poderão proferir decisões injustas com base em súmula genérica, abstrata e incabível [14]. Colocar-se-ão numa mesma fôrma questões absolutamente diversas.

            A idéia de acelerar os processos é cada vez mais primordial e o comentário do art. 518, constante na exposição de motivos do projeto que ensejou esta Lei, não deixa dúvida, assim dispondo [15]:

            "(...) 5. O anteprojeto igualmente altera o art. 518 do CPC, e de maneira a inserir em seu §1o a previsão do não recebimento, pelo juiz, do recurso de apelação, quando a sentença estiver em conformidade com Súmula do Superior Tribunal de Justiça ou do Supremo Tribunal Federal. Trata-se, portanto, de uma adequação salutar que contribuirá para a redução do número excessivo de impugnações sem possibilidades de êxito (...)". (grifou-se)

            O legislador pretende agilizar ao máximo o andamento dos processos e o faz validando a premissa de que "os fins justificam os meios". A necessidade de desafogar o judiciário é tamanha que os legisladores estão deixando de ver problemas e conseqüências óbvias que as leis trarão e que as tornarão ineficazes aos fins a que se propõem.

            Por exemplo, no caso desta lei, a celeridade e a diminuição do número de recursos não se estabelecerão, pois, é certo que os advogados e os operadores do direito continuarão recorrendo - mesmo de decisões contrárias a súmulas do STJ e do STF - e para tanto, utilizar-se-ão dentre outros argumentos, de um que me parece claro, o de que o duplo grau é garantia constitucional e como tal não pode ser relativizada.

            Além disso, as súmulas são enunciados abstratos, por demais genéricos, e, em sendo assim, torna-se simples ao operador do direito esquivar-se, no caso concreto, de sua aplicação, bastando, para tanto, evocar as particularidades da questão, comprovando desvirtuarem-se dos precedentes ensejadores da súmula.

            A vigência da Lei 11.276/2006 não impedirá a interposição de recursos de Apelação contra sentenças embasadas em súmulas do STJ e do STF, pois a partes prejudicadas, certamente, evocarão a supremacia do princípio do duplo grau de jurisdição, constitucionalmente assegurado, a fim de garantir a plenitude da sua defesa.


5. Considerações Finais

            A fábrica de leis, com efeito, não é a saída para as mazelas do judiciário.

            Cândido Dinamarco, oportunamente, destacou, ao traçar as linhas gerais do movimento das ondas renovatórias de Cappelletti - em seu artigo "Nasce um novo processo civil" - que tais "ondas" teriam surgido com a pragmática postulação de alterações legislativas, a par da imprescindível mudança de mentalidade dos operadores do sistema, asseverando, literalmente: " (...) e foi o mesmo Mauro Cappelletti quem advertiu para a necessidade de se adaptarem os espíritos, sob pena de nada valerem as reformas..." [16].

            Considero, nesse contexto, deveras apropriada a assertiva em destaque e bastante contextualizada com o tema ora sob comento, uma vez que o espírito das reformas propostas está destoando dos anseios dos jurisdicionados e das garantias do processo e, enquanto isto não se alterar, de nada adiantarão as mudanças legislativas.

            Infere-se, tanto das reformas já concretizadas, quanto das que estão por vir, intensa preocupação quantitativa e - proporcional e inversamente - intenso desprestígio qualitativo; isto é, objetiva-se, a qualquer custo, através de alterações legislativas, desafogar os tribunais; minimizar os conflitos, através da imposição de obstáculos formais; filtrar as matérias levadas aos tribunais superiores; uniformizar entendimentos; distanciar os juízes das partes; limitar as hipóteses recursais, sem assegurar as devidas garantias; acelerar os procedimentos, independentemente das conseqüências daí advindas; obstaculizar o acesso à justiça [17]; enfim, limitando-se à idéia de reforma, a necessidade de desafogar o judiciário, através, exclusivamente, da diminuição do número de demandas.

            Há que se assimilar, para que as reformas sejam eficazes, que o processo é o instrumento de alcance da efetividade da justiça, entretanto, para que a decisão final seja justa, este instrumento – processo - deve ser justo, ou seja, deve assegurar garantias que permitam o alcance da justiça [18].

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            Acelerar demais o processo, indubitavelmente, sacrifica as garantias e a segurança, além do que cria o paradoxo de se produzir direito sem a necessária reflexão, o que pode ser perigoso.

            Dinamarco já apontava, desde 1998, para a nítida preocupação legislativa, no sentido de alterar as leis com o intuito meramente de resolver problemas do judiciário, destacando-se trecho do seu atualíssimo artigo "O relator, a jurisprudência e os recursos" [19], in verbis:

            " (...) as alterações ocorridas em vários dispositivos do Código de Processo Civil revelam com nitidez a intenção de reduzir a carga de trabalho dos órgãos superiores da jurisdição, seja mediante a imposição de mais óbices à admissibilidade dos recursos, seja através do acréscimo de poderes do relator, seja limitando a instauração do incidente de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Poder Público (...) Se louvores merece a nova lei diante do notório congestionamento dos tribunais, também grandes preocupações e perplexidades ela vem provocando, com sérios riscos de causar injustiças (...) no afã de simplificar sem ouvir democraticamente os especialistas, o legislador andou arranhando valores garantidos constitucionalmente e com isso pôs em perigo a efetividade da tutela jurisdicional justa e tempestiva (...)".

            As palavras de Dinamarco refletem exatamente a minha sensibilidade quanto às alterações legislativas propostas no "pacote republicano". Os juristas e operadores em geral passaram a qualificar efetividade como sinônimo de celeridade, o que contraria tudo aquilo que se estudou em processo até os dias de hoje. Imprimir celeridade não significa atingir a efetividade da tutela jurisdicional. Ao revés, tendo a acreditar que quanto mais se imprime celeridade, menos justa é a decisão e menos efetiva é a tutela estatal.

            A garantia da tutela jurisdicional tempestiva atingiu status constitucional [20], através da EC 45/2004, o que é muito importante, porém as outras preocupações e necessidades de melhoria do sistema processual não se anularam pela morosidade da justiça; elas perduram e não podem ser olvidadas. A morosidade é, com efeito, um problema seriíssimo enfrentado pelo judiciário, entretanto, não se a resolve dilacerando outras garantias. A idéia de que o processo não pode demorar mais do que o "estritamente necessário" não é isolada e não deve prevalecer a qualquer custo.


6. Referências Bibliográficas

            ALVIM, Eduardo Pellegrini de Arruda; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim e NERY JÚNIOR, Nelson (coord.). Aspectos polêmicos e atuais dos recursos. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2000.

            BERMUDES, Sergio. A Reforma Judiciária pela Emenda Constitucional no 45. Rio de Janeiro: Forense, 2005.

            CAPPELLETTI, Mauro. Problemas de reforma do processo civil nas sociedades contemporâneas. São Paulo: Revista de Processo, no 65, ano 17, janeiro-março, 1992, p. 127-143.

            DINAMARCO, Cândido Rangel. Nasce um novo processo civil. In: TEIXEIRA, Sálvio de Figueiredo (coord.). Reforma do código de processo civil. São Paulo: Saraiva, 1996, p. 1-17.

            GRECO, Leonardo. A falência do sistema de recursos

, in Revista Dialética de Direito Processual, n° 1, abril de 2003, ed. Dialética, São Paulo, págs.93/108.

            GRECO, Leonardo. A teoria da ação no processo civil. São Paulo: Dialética, 2003.

            GRECO, Leonardo. Novas súmulas do STF e alguns reflexos sobre o mandado de segurança. Disponível na Internet. Acesso em 15 de dezembro de 2005.
Artigo publicado no Mundo Jurídico (www.mundojuridico.adv.br) em 20.11.2003

            GRECO, Leonardo. Garantias Fundamentais do Processo: O Processo Justo. Disponível na Internet: acesso em 30/11/2005. Artigo publicado no Mundo Jurídico (www.mundojuridico.adv.br) em 18.03.2002.

            LASPRO, Oreste Nestor de Souza. Garantia do duplo grau de jurisdição. In: TUCCI, José Rogério Cruz e (coord.). Garantias constitucionais do processo civil: homenagem aos 10 anos da Constituição Federal de 1988. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1999, p. 190-206.

            MARINONI, Luiz Guilherme. A antecipação da tutela. 7ª ed. rev. e ampl.. São Paulo: Malheiros Editores, 2002.

            MARINONI, Luiz Guilherme. Técnica Processual e Tutela dos Direitos. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2004.

            MARINONI, Luiz Guilherme. Garantia da tempestividade da tutela jurisdicional e duplo grau de jurisdição. In: TUCCI, José Rogério Cruz e (coord.). Garantias constitucionais do processo civil: homenagem aos 10 anos da Constituição Federal de 1988. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1999, p. 207-233.

            MARINONI, Luiz Guilherme e ARENHART, Sérgio Cruz. Manual do Processo de Conhecimento. 4ª ed. rev., atual. e ampl.. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005.

            MOREIRA, José Carlos Barbosa. O novo processo civil brasileiro: exposição sistemática do procedimento. 22ª ed. rev. e atual. 5ª tiragem. Rio de Janeiro: Forense, 2002.

            WAMBIER, Teresa Arruda Alvim e NERY JÚNIOR, Nelson (coord.). Aspectos polêmicos e atuais dos recursos cíveis de acordo com a Lei 9.756/98. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1999.

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Sobre a autora
Bárbara Gomes Lupetti Baptista

mestranda em Direito, advogada no Rio de Janeiro (RJ)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BAPTISTA, Bárbara Gomes Lupetti. Breves considerações sobre as mudanças do sistema recursal, implementadas pelas leis Nº 11.187/2005 E 11.276/2006. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 1077, 13 jun. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/8523. Acesso em: 14 mai. 2024.

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