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A difícil missão da execução trabalhista

16/03/2022 às 17:50
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O primeiro empecilho aplicado ao exequente é justamente ter de apresentar uma planilha de cálculos, a fim de obter o que lhe foi assegurado em sentença. Neste momento, aquele que era considerado carente passa a ser dotado de conhecimentos, inclusive contábeis.

Por inúmeras vezes ouve-se que o trabalhador é a parte hipossuficiente da relação de trabalho, e até acredita-se nisso, entretanto, essa afirmação só se encontra presente apenas durante parte do processo trabalhista. E é justamente sobre isso que se discorrer-se-á neste artigo.

De início vamos utilizar o disposto no art. 3º da CLT para conceituar o trabalhador:

Art. 3º - Considera-se empregado toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário.

Da leitura do artigo retro percebe-se a subordinação do empregado para com o empregador, isso decorre da necessidade de manter o vínculo e garantir o sustento familiar.

Lado outro, importa demonstrar quem é o empregador conforme o diploma trabalhista:

Art. 2º - Considera-se empregador a empresa, individual ou coletiva, que, assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviço.

Dessa forma, denota-se que o empregador possui um poder superior ao empregado, assim, supõe-se, que seja daí que advenha a alegada hipossuficiência do trabalhador.

Pois bem. Constatada a relação desigual entre as partes integrantes da relação de trabalho o legislador viu a necessidade de criar uma norma, a fim de garantir os direitos trabalhistas. Ressalta-se que os direitos previstos na CLT, em sua maioria já se encontravam presentes no texto constitucional.

Logo, caso um obreiro (trabalhador) seja lesado em algum (ns) do (s) seu (s) direito (s), cabe a ele acionar o poder judiciário, com o fito de assegurar essa garantia. E assim se espera, já que o Juiz não pode deixar de dizer o direito.

A princípio, na fase inicial do processo (conhecimento, na fase de instrução, produção de provas), até se percebe a observância da condição de hipossuficiente do reclamante (empregado). No entanto, após a prolação da sentença, depois de diversos recursos aviados pelo empregador, depois do trânsito em julgado da decisão que condena o reclamado a ressarcir o trabalhador, é que se verifica a inobservância da situação de carência.

Percebe-se que a partir da imutabilidade da decisão, da coisa julgada, é que começa o verdadeiro dilema do trabalhador. Frisa-se, neste momento constata-se que ele deixa de ser considerado como trabalhador, reclamante, autor, e passa a ser considerado exequente, como se esta denominação lhe atribuísse uma condição de superioridade, de paridade com o empregador, reclamado, réu, ora executado.

O primeiro empecilho aplicado ao exequente é justamente ter de apresentar uma planilha de cálculos, a fim de obter o que lhe foi assegurado em sentença ou acórdão. Nota-se neste momento que aquele que a priori era considerado carente, passa a ser dotado de conhecimentos, inclusive, contábeis.

Prosseguindo, após a árdua tarefa de apurar os valores, conforme o comando judicial, com a tão almejada homologação do valor pelo Juízo, acredita-se que terá satisfeito o crédito exequendo. Todavia, engana-se mais uma vez, pois é justamente a partir deste ato que começará realmente seu martírio.

Muito bem, com a homologação o executado (a) é intimado para pagar a dívida ou impugnar os valores. No entanto, em muitos casos nada disso é feito, tendo em vista que a partir da condenação o empregador (executado), como num passe de mágica, some, desaparece, bem como todos os seus bens deixam de existir.

Diante da súbita inexistência de bens ou da impossibilidade de localização dos devedores, começa então a terrível saga do credor. São diversas petições requerendo consultas aos sistemas conveniados do juízo, como por exemplo, RENAJUD, BACENJUD, SISBAJUD, CNIB, BNDT, INFOJUD, além de tantos outros. Destaca-se que, em sua maioria, todas retornam com resultado negativo, outras tantas são indeferidas. E mais. As que obtêm êxito, quase sempre são consideradas impenhoráveis ou são de valor ínfimo, e não satisfazem a dívida.

Após tantas consultas infrutíferas, o exequente, como num último suspiro, clama ao douto juízo que seja iniciado o Incidente de Desconsideração da Personalidade Jurídica, previsto no art. 133 e seguintes do Código de Processo Civil de 2015, com o objetivo de atingir o patrimônio do (s) sócio (s) da empresa. Desse modo, estes serão responsabilizados e responderão pela dívida com o patrimônio próprio. Pelo menos é o que se espera.

Entretanto, surpreendentemente, mais uma vez qualquer bem, que outrora existia, a partir daí desaparece sem deixar vestígios. Salienta-se que novamente são realizadas as infindáveis pesquisas, nos mais diversos sistemas e, mais uma vez nada se encontra.

Não bastasse toda essa frustação, todo esse sentimento de revolta por ganhar mais levar, o exequente ainda tem que passar por inúmeros momentos de tortura, posto que a cada medida frustrada é intimado a apresentar meios para prosseguir na execução. Isso mesmo, o próprio credor a suas custas e expensas tem apresentar n meios de localizar os executados ou bens destes.

Ademais, outro ponto que causa profunda estranheza é o fato do crédito alimentar ser tratado com tanto desdenho. Sabe-se que por muito tempo os rendimentos, salários, verbas, subsídios, aposentadorias, etc. foram considerados impenhoráveis. In verbis:

Art. 833. São impenhoráveis:

IV - os vencimentos, os subsídios, os soldos, os salários, as remunerações, os proventos de aposentadoria, as pensões, os pecúlios e os montepios, bem como as quantias recebidas por liberalidade de terceiro e destinadas ao sustento do devedor e de sua família, os ganhos de trabalhador autônomo e os honorários de profissional liberal, ressalvado o § 2º ;

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Contudo, essa impenhorabilidade deixou de ser absoluta, ao passo que a dívida trabalhista tem caráter alimentar, portanto, há sim, possibilidade de penhora de salário, desde que limitado a um patamar que não retire por total os meios de subsistência do devedor e de sua família. Porém, infelizmente, os Juízes da justiça trabalhista não tem levado tal fato em consideração, tampouco tem comungado com os entendimentos atuais acerca disso. Isso se prova quando há pedido de pesquisa ao CADEG e é negado, sob o fundamento da impenhorabilidade.

Não obstante, pontua-se que a pior das torturas experimentadas pelo trabalhador/credor ainda está por vir, qual seja, a assustadora prescrição intercorrente.

Tal instituto adveio com a dita Reforma Trabalhista, que entrou em vigor em 23 de novembro de 2017. A princípio, acreditava-se que far-se-ia necessária a reforma, mas, com o decorrer do tempo, percebe-se que em alguns pontos, como este (prescrição intercorrente) a nova legislação beneficia o devedor insolvente e é justamente aqui que pula aos olhos a inobservância da hipossuficiência do trabalhador.

Vejamos o que dispõe o artigo 11 - A, incluído pela Lei nº 13.467, de 2017:

Art. 11-A. Ocorre a prescrição intercorrente no processo do trabalho no prazo de dois anos.

§ 1º A fluência do prazo prescricional intercorrente inicia-se quando o exequente deixa de cumprir determinação judicial no curso da execução.

§ 2º A declaração da prescrição intercorrente pode ser requerida ou declarada de ofício em qualquer grau de jurisdição. (Grifos nossos)

Ora, da leitura do artigo supramencionado, bem como dos seus respectivos parágrafos, infere-se que o normativo beneficia, e em muito, o devedor, porquanto priva o credor de um direito, qual seja um crédito alimentar.

Isso é notado, precipuamente, no §2º, haja vista que o executado/devedor não precise se manifestar nos autos nem mesmo para requerer a prescrição/perda do direito do trabalhador. Ou seja, basta que o devedor/executado consiga se ocultar-se, bem como aos seus bens, durante dois anos.

Decorrido ao lapso temporal de 2 (dois) anos o trabalhador perderá a pretensão do seu direito, ou seja, decairá do direito de cobrar o crédito. Talvez a partir desse momento, a justiça trabalhista volte a vê-lo como parte hipossuficiente.

Sem mais.

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Sobre a autora
Lana Cristina Teixeira

Advogada Trabalhista OAB/MG 212.696

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

TEIXEIRA, Lana Cristina. A difícil missão da execução trabalhista. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 27, n. 6832, 16 mar. 2022. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/96573. Acesso em: 27 abr. 2024.

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