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Mercosul e a integração regional

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07/08/2004 às 00:00
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INTEGRAÇÃO ADMINISTRATIVA

A Administração Pública [24], objeto do Direito Administrativo, em sentido subjetivo designa os entes que exercem a atividade administrativa – pessoas jurídicas, órgãos e agentes públicos – incumbidos de exercer a função administrativa. Em sentido objetivo, material ou funcional designa a natureza da atividade exercida pelos referidos entes. Nesse sentido, a administração pública é a própria função administrativa que incumbe, predominantemente, ao poder executivo.

É a lei que fixa a finalidade a ser alcançada pelo administrador e rege toda a atividade administrativa.

Na integração administrativa a preocupação é com a natureza da atividade administrativa, por exemplo o incentivo à iniciativa privada, subvenções, financiamentos, subsídios, desapropriações. No caso da polícia administrativa, a administração integrada volta os seus olhos para medidas de ordens, notificações, licenças, autorizações, fiscalizações e sanções. Quanto ao serviço público, qualquer tratamento diferenciado por parte de um Estado-membro é problemático - assistência médica ou serviços educacionais colocados à disposição da população gratuitamente - por exemplo.

Para que se evitem distorções, os Estados-membros devem adotar uma política agrícola comum. Subvenções, financiamentos, favores fiscais concedidos a um agricultor coloca-o em vantagem em relação a outros agricultores de outros Estados, que não tiveram o mesmo tratamento.

A Comunidade Européia incentivou seus agricultores a produzir de acordo com os mesmos padrões de qualidade, mas tendo em conta a necessidade de apoio financeiro comunitário. Foi a Comunidade que conduziu o fomento, equilibrando a política agrícola.

A integração administrativa está condicionada à integração política e depende da vontade daqueles que exercem a administração pública.


INTEGRAÇÃO POLÍTICA

A acepção jurídica de política tem o sentido filosófico de ciência de bem governar um povo, constituído em Estado. Seu objetivo é estabelecer princípios à realização de um mais perfeito governo, cumprindo finalidades proveitosas aos governantes e governados. As normas jurídicas são necessárias ao bom funcionamento das instituições administrativas do Estado, também para que haja a tranqüilidade e o bem-estar do povo.

A forma de escolher governantes, limitações de poder, direitos e garantias dos nacionais e estrutura de governo são fatores atrelados à política que definem a integração.

Um exemplo das dificuldades neste ponto se dá agora quando a Turquia pretende integrar o bloco da União Européia. Trata-se de um Estado muçulmano, com aspirações ocidentais, que oscila entre o Estado laico e as investidas de grupos religiosos para implantar um Estado islâmico. É uma república parlamentarista que teve como vencedor nas últimas eleições um partido islâmico. É o único país muçulmano da OTAN [25]. Os europeus alegam que os turcos têm dificuldade para entender conceitos elementares, como direitos humanos. Estão colocados o dilema e a conseqüente dificuldade quando se trata de integração política.

A idéia que se persegue na Europa é a de uma Organização Internacional Federal. O termo federação, "derivado do latim foederatio, de foederare (unir, legar por aliança), é empregado na técnica do Direito Público, como a união indissoluvelmente instituída por Estados independentes ou da mesma nacionalidade para a formação de uma só entidade soberana." [26]

Há um laço de unidade entre as comunidades federadas que envolvem um sentimento de coesão e de harmonia e inclui a adoção de princípios, técnicas e instrumentos operacionais condensados na mesma relação.

Segundo Corrêa Lima [27], em uma Organização Internacional de integração poderiam estar previstos órgãos jurisdicionais para lidar com o Direito de integração e

"....mais importante que o número de órgãos jurisdicionais federais, é a existência de regras processuais, que assegurem o acesso à prestação jurisdicional eficiente e dinâmica a todos os cidadãos dos Estados-membros."


MERCOSUL

Tendo em vista as manifestações de integração, que nem sempre seguem modelo, ordem cronológica ou critérios definidos, voltamo-nos para o Mercosul, com o objetivo de dar notícias deste processo de integração, que nos diz respeito tão de perto.

Mercosul - Mercado Comum do Sul, designa o espaço integracionista instituído pelo Tratado de Assunção em 26 de março de 1991, com vistas a criar um mercado comum entre Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai, num esquema intergovernamental de cooperação e de coordenação, e não comunitário, como o modelo da União Européia.

O Mercosul não expressa vontade no sentido de recepcionar eventuais poderes delegados pelos Estados. O Protocolo de Ouro Preto, em seu artigo 2º destaca:

"Art. 2º São órgãos com capacidade decisória, de natureza intergovernamental, o Conselho do Mercado Comum, o Grupo Mercado Comum e a Comissão de Comércio do Mercosul".

Comentando este artigo, Elizabeth Accioly [28] conclui

"que tal dispositivo revela a ausência de supranacionalidade ao definir expressamente a natureza intergovernamental de seus órgãos legislativos. Assim, no Mercosul continua existindo a necessidade de internalizar os tratados e decisões adotadas. Portanto, os juízes dos Estados-membros devem, antes de aplicar as referidas normas, analisar a aplicabilidade e vigência destas no território de seus Estados".

Em virtude do Protocolo de Cooperação e Assistência Jurisdicional em Matéria Civil, Comercial, Trabalhista e Administrativa, assinado no Vale de Las Leñas, Província de Mendonza, Argentina, no dia 27 de junho de 1991 (promulgado no Brasil pelo Decreto n. 2.067, de 12 de novembro de 1996), os signatários comprometeram-se a prestar assistência mútua e ampla cooperação jurisdicional nas matérias mencionadas. A assistência jurisdicional se estenderá aos procedimentos administrativos em que se admitam recursos perante os tribunais. Os cidadãos e os residentes permanentes de um dos Estados-partes gozarão, nas mesmas condições dos cidadãos e residentes permanentes do outro Estado-parte, do livre acesso à jurisdição desse Estado para a defesa de seus direitos e interesses. Tal entendimento também se estende às pessoas jurídicas constituídas legalmente nos Estados-partes.

Foram subscritos tratados de adesão parcial – em nível de zona de livre comércio – com o Chile (desde 1996) e Bolívia (desde 1997) e foram realizadas tratativas destinadas a fazer com que o mesmo regime de integração seja estendido à União Européia; esse foi o propósito dos encontros de Copenhague (1993), São Paulo (1994) e Paris (1995) e das recentes visitas de Chefes de Estado do Mercosul a países europeus. [29]

Foram cinco as liberdades estabelecidas no Tratado de Assunção: a liberdade na circulação de mercadorias, a liberdade de circulação de pessoas e serviços, a liberdade de investimentos e a liberdade de circulação de capitais.

Não surtiu os efeitos desejados o Tratado de Montevidéu, de 1960, que teve como objetivo a criação de uma zona de livre comércio, através da eliminação de barreiras aduaneiras. Esta seria a primeira fase na adoção de políticas econômicas destinadas a fortalecer os elos econômicos entre os países da América Latina.

Foi frustrante a tentativa, em 1967, em Punta del Leste, de buscar fórmulas para um programa de Mercado Comum Latino-Americano. Os grandes investimentos do Plano Marshall e do Tesouro Americano levados a efeito na Europa e no Japão não deixavam sobras de dólar no mercado mundial.

Três documentos seqüencialmente assinados foram importantes para a formação do Mercosul: a Ata ou "Declaração de Iguaçu", em 1985, que formalizou o Programa de Integração e Cooperação Econômica Brasil-Argentina, o tratado bilateral, também entre Brasil e Argentina, chamado "Tratado de Integração, Cooperação e Desenvolvimento" de 1988 e, em março de 1991, o Tratado de Assunção, instituindo assim o Mercosul.


INTEGRAÇÃO COMERCIAL E TRANSFERÊNCIA DE TECNOLOGIA

A transferência de tecnologia é um capítulo à parte e uma questão essencial para a luta contra o subdesenvolvimento, além de se constituir em tema bastante difícil e de grande resistência para os países ricos. Nada se conseguiu ainda em termos de regulamentação jurídica internacional. "Pelo contrário, no início dos anos 80 a Organização Internacional do Trabalho protestava que a tecnologia tornava o 3º Mundo mais pobre, vez que provocava desemprego que levava à miséria." [30]

Ensina o Professor Celso D.A. Mello que a opinião dos autores tem sido uniforme no sentido de que a legislação existente de propriedade industrial beneficia os países ricos e prejudica os países pobres, e acrescenta:

"Pode-se mesmo dizer que esta é mais uma antinomia da sociedade internacional, vez que esta consagra a existência de um direito ao desenvolvimento...Alega-se em favor deste sistema que sem a proteção não haverá interesse para se investir em pesquisa de novas tecnologia." [31]

A vida hoje é internacionalizada. Com a transmissão instantânea de imagem, notícia, bens, dinheiro, as distâncias físicas ficaram diminutas e motivou os homens ao intercâmbio. Tais mudanças se refletem nas instituições e sistemas jurídicos de cada país.

Michel Alaby, [32] presidente da Associação de Empresas Brasileiras para a Integração de Mercados (Adebim) quando aborda questões como a integração comercial considera como de grande importância o "restabelecimento do Convênio de Crédito Recíproco – CCR – para tentar financiar as importações da Argentina, por um lado, e melhorar as exportações brasileiras, por outro." Algumas medidas já foram tomadas pela Camex [33] (Câmara do Comércio Exterior), que aprovou em dezembro de 2003 medidas que atendem a reivindicações dos exportadores de máquinas, equipamentos e serviços. Há uma expectativa de aumento de cerca de U$ 3 bilhões nas exportações de 2004. Foram revogadas as limitações ao uso do Convênio de Crédito Recíproco (CCR) nas importações brasileiras, para criar condições de reciprocidade nas exportações, com o fim do teto de US$ 100 mil, da exigência de depósito prévio e do prazo de apenas 360 dias. Foram criados o Comitê de Financiamento e Garantia das Exportações (Cofig) e o Programa de Incentivo à Produção Exportável de Pequenas e Médias Empresas (Propex).

Alberto Alzueta, presidente da Câmara de Comércio Argentino-Brasileira de São Paulo - Camarbra, lembra que os CCRs tinham o limite de US$ 100 mil até a mudança do regime cambial na Argentina, que provocou a desvalorização da moeda e uma inadimplência histórica frente aos exportadores brasileiros. As operações da indústria automobilística foram saldadas através de CCRs. Parte da dívida argentina é corporativa, acumulada em operações transnacionais, em que a Ford argentina, por exemplo, passou a dever para a Ford brasileira, ressalta Alzueta.

Michel Alaby explica que a idéia de o Brasil abrir suas fronteiras comerciais para a Argentina – medida que poderia ser considerada humanitária, no momento em que seu principal parceiro no Mercosul enfrenta uma das piores crises econômicas de sua história – teria que ser estendida aos outros parceiros do bloco. É o tratado entre os países que assim o exige, pela regra de não-discriminação. O Brasil não pode favorecer um país em detrimento dos demais países do bloco.


INTEGRAÇÃO ECONÔMICA, MONETÁRIA E FINANCEIRA

O sistema monetário brasileiro não está isolado dos demais sistemas monetários do mundo e, da mesma forma, os sistemas monetários dos Estados-partes do Mercosul não estão isolados uns dos outros. Um dos efeitos da globalização econômica é a crescente internacionalização dos mercados de bens, serviços e créditos, e tal ocorre como conseqüência da redução de tarifas de exportação e de outros obstáculos aduaneiros, além da padronização das operações mercantis.

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A importância do Tratado de Assunção fica evidenciada quando se constata que não mais é possível a adoção de medidas políticas econômicas apenas em um país isoladamente. Os blocos econômicos surgem para concretizar um novo espaço que exige a adoção de novas políticas econômicas, além de incrementar e agilizar o intercâmbio entre países integrados. É uma tendência mundial, que redefine conceitos como o de abertura externa das economias nacionais diante do fenômenos da globalização e da regionalização da economia. Tem como objetivos a união de forças econômicas e comerciais em favor dos países integrantes. Novas normas haverão de definir e delimitar o comércio de bens, serviços, tecnologia e investimento.

Neste sentido, em novembro de 1994 foi assinado o Acordo de Cooperação Mútua entre os bancos nacionais dos países integrantes do Mercosul - o BANASUR, que teve como objetivos a concessão de financiamentos que facilitem o incremento das relações de câmbio e de comércio exterior; promoção de intercâmbio de empregados ligados à área de processamento de dados e comércio exterior; promoção do comércio dentro do Mercosul, entre outros.

Com a entrada em vigor, em 15 de dezembro de 1995, do Protocolo de Ouro Preto, o Mercosul passou a ter personalidade jurídica de direito internacional, podendo negociar como bloco com outros países e outros blocos ou organismos internacionais.

Os presidentes da Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai, e dos membros associados do Mercosul, durante a XIV Reunião do Conselho do Mercado Comum, assinaram em 23 de julho de 1998 em Ushuaia na Argentina, documento que prevê a criação da moeda única do Mercosul. Não há definição de data para que ocorra a unificação monetária. Os ministros de Economia e presidentes do Banco Central de cada Estado-parte concordaram em se reunir periodicamente para coordenação de políticas macroeconômicas entre os países do bloco, além de Bolívia e Chile. Nessa oportunidade, os Presidentes dos países do Mercosul assinalaram que o processo de aprofundamento da União Aduaneira, deve ser aprimorado mediante novas iniciativas capazes de definir disciplinas fiscais e de investimentos, trabalhar na harmonização de políticas macroeconômicas e considerar os demais aspectos que poderiam facilitar, no futuro, o estabelecimento de uma moeda única no Mercosul, conforme já apontado anteriormente.

Muitas questões ainda não foram discutidas e sequer foi estabelecido um cronograma para que a moeda única comece a circular. A idéia é que tal aconteça gradativamente. Muita negociação entre os Estados-parte deverá ocorrer para definir critérios de convergência macroeconômica, a moeda a ser escolhida, a sede e a direção do Banco Central unificado, e ainda, a forma como a nova instituição tomará as decisões.

Como acontece na União Européia, o objetivo do Mercosul se encaminha para uma convergência de políticas econômicas que não exclui a adoção de uma moeda única, e que tem como conseqüência o incremento da competitividade, um sentido maior para a busca de cooperação e eficiência na alocação de recursos, reforço da integração e aproximação dos países, além do reconhecimento e aceitação da pelo sistema monetário internacional.

Fala-se, também, em troca direta de produtos. É o mais velho mecanismo, chamado tecnicamente de "escambo", e que foi utilizado na Europa logo após o término da Segunda Guerra. Países carentes de divisas criaram um sistema de troca de bens que foi o embrião da União Européia. Hoje, países do Mercosul, vivendo também uma generalizada escassez de dólares e sem linhas de crédito, articulam uma saída oportuna e inteligente – troca de produtos agropecuários entre integrantes do bloco. O escambo pode ser um passo e uma solução temporária.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva fala em uma moeda verde como forma de neutralizar a pressão sobre o peso e o real, já que a troca de produtos não implicará gastos de reservas. O primeiro passo do atual governo foi dado. A primeira visita foi feita à Argentina. Mais do que um sinal político, demonstra a firme disposição de fortalecer o Mercosul e negociar "a quatro" com a Alca, via Mercosul.

O Mercosul tem muito a lucrar com o exemplo e a experiência da União Européia, principalmente observando e participando de discussões sobre a sua formação até a implantação da moeda única, e depois dela. Provavelmente o nosso tempo poderá ser mais curto do que aquele exigido pela UE, além de se poder direcionar o tempo em favor de um crescimento harmônico e integrado dos países do Cone Sul.

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Sobre a autora
Alice Mouzinho Barbosa

professora de Direito Tributário da Universidade Santa Úrsula (RJ), mestre em Direito da Cidadania e Estado pela Universidade Gama Filho

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BARBOSA, Alice Mouzinho. Mercosul e a integração regional. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 396, 7 ago. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/5531. Acesso em: 30 abr. 2024.

Mais informações

Trabalho de conclusão da disciplina de Direito Internacional Econômico, ministrada pelo professor Celso D. Albuquerque Mello, no Mestrado de Direito da Universidade Gama Filho, tendo obtido nota máxima.

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