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O controle concomitante dos atos administrativos pelo Ministério Público como instrumento de combate à corrupção

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14/07/2008 às 00:00
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5.CONTROLE CONCOMITANTE PELO MINISTÉRIO PÚBLICO COMO INSTRUMENTO PREVENTIVO DE COMBATE À CORRUPÇÃO

Indubitavelmente, é preferível ao Estado criar mecanismos para se prevenir a corrupção a reprimi-lá. Devem-se buscar remédios que impeçam sua prática, pois uma vez ocorrido o ato corrompido é difícil se descobrir e mais ainda se punir o responsável e reparar seus danos. O provérbio popular que diz que: "É melhor prevenir do que remediar " vem a calhar com a proposta feita neste artigo.

Nesse aspecto, Wallace Paiva Martins Júnior [20]doutrina:

"A existência desse controle interno específico da probidade administrativa reservado à própria Administração Pública não elimina, e até incentiva, a adoção de outros meios com um caráter mais permanente de vigilância na probidade administrativa. Está se falando exatamente de medidas de conferência da exatidão dos gastos públicos, de modo a evitar o desperdício e o malbaratamento do dinheiro público, lamentavelmente submetido a anos de má gestão. Não basta apenas o despertar de uma consciência ética nos agentes públicos. É preciso que o controle seja mais eficiente e impessoal."

A esse respeito, em artigo intitulado [21] CORRUPÇÃO E DESPERDÍCIO NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA: ANTES DE TUDO, É PRECISO PREVENIR, César Miola afirma que: "Em verdade, a reflexão que ora se propõe tem em vista, basicamente, uma fiscalização mais eficaz, mais presente, com uma atuação que se antecipe ao fato consumado e, por conseguinte, traga melhores resultados à sociedade brasileira".

Além disso, a Convenção Internacional contra a Corrupção dá a devida importância às práticas preventivas que devem ser adotadas pelos Estados-partes. Seu art. 5.º dispõe que:

"Artigo 5 - Políticas e práticas de prevenção da corrupção

(...)

2.Cada Estado Parte procurará estabelecer e fomentar práticas eficazes encaminhadas a prevenir a corrupção.

3.Cada Estado Parte procurará avaliar periodicamente os instrumentos jurídicos e as medidas administrativas pertinentes a fim de determinar se são adequadas para combater a corrupção.

4.Os Estados Partes, segundo procede e de conformidade com os princípios fundamentais de seu ordenamento jurídico, colaborarão entre si e com as organizações internacionais e regionais pertinentes na promoção e formulação das medidas mencionadas no presente Artigo. Essa colaboração poderá compreender a participação em programas e projetos internacionais destinados a prevenir a corrupção" (g.n.)

Em regra, os atos administrativos são controlados somente a posteriori. No entanto, para uma estratégia eficaz de combate à corrupção, impõe-se aos órgãos controladores, conhecedores dos meandros em que escorrem o dinheiro público, seu acompanhamento, a vigilância sobre sua execução, vale dizer, o controle concomitante dos atos administrativos.

Na legislação infraconstitucional, há previsão dessa espécie de controle concomitante, também, no art. 113 da Lei n.º 8.666/93 que prescreve:

"Art. 113. O controle das despesas decorrentes dos contratos e demais instrumentos regidos por esta Lei será feito pelo Tribunal de Contas competente na forma da legislação pertinente, ficando os órgãos interessados da Administração responsáveis pela demonstração da legalidade e regularidade da despesa e execução, nos termos da Constituição e sem prejuízo do sistema de controle interno nela previsto.

(...)

§2.º Os Tribunais de Contas e os órgãos integrantes do sistema de controle interno poderão solicitar para exame, até o dia útil imediatamente anterior à data de recebimento das propostas, cópia do edital de licitação já publicado, obrigando-se os órgãos ou entidades da Administração interessada à adoção de medidas corretivas pertinentes que, em função desse exame, lhes forem determinadas."

A propósito, Diógenes Gasparini [22]explica:

"No que se refere especificamente ao controle das despesas decorrentes dos contratos administrativos e demais atos regidos pela Lei federal das Licitações e Contratos da Administração Pública, a disciplina está substancialmente indicada no art. 113 e seus parágrafos. Essa função é exercida segundo a legislação pertinente do Tribunal de Contas competente, ficando os órgãos a ela submetidos responsáveis pela demonstração de legalidade e regularidade da despesa e execução, prescreve o caput desse dispositivo. No caso, não prevalece, em favor da Administração Pública, o princípio da presunção de legitimidade dos atos e contratos administrativos. Sempre que necessário o Tribunal de Contas competente pode solicitar para exame cópia do edital de licitação já publicado."

Vale citar a experiência tida pelo Tribunal de Contas do Estado do Rio Grande do Sul que realiza as denominadas "auditorias de acompanhamento", e que tem tido um resultado bastante proveitoso no que diz respeito ao controle dos gastos públicos. A respeito César Miola [23]menciona:

"É sabido que o "controle prévio" não é expressamente previsto pela Constituição Brasileira para as Cortes de Contas. Porém, tampouco se encontra vedada essa modelagem de controle. Dispositivos como o artigo 113 da Lei Federal nº 8.666/93 não deixam de contemplá-lo. E acerca do "controle concomitante" serve de exemplo o artigo 59 da LRF (este intimamente ligado ao "princípio da prudência fiscal"). Mas não é só disso que se trata. Propõe-se – isto sim – que esse controle concomitante, pari passu, possa ser muito mais abrangente. É preciso incidir sobre as causas que podem levar ao desvio e à perda de recursos públicos. A respeito, cabe referir que o TCE/RS já realiza a "auditoria de acompanhamento" ao longo do exercício, com a qual se pretende superar muitas dessas dificuldades."

O Tribunal de Contas da União também exerce esse controle concomitante, cujo modus operandi se evidencia no seguinte trecho de ementa:

"(...).

5. A identificação de graves irregularidades na fiscalização de procedimento licitatório enseja a fixação de prazo à entidade para que adote as providências necessárias ao exato cumprimento da lei, objetivando a anulação de contrato celebrado em decorrência de certame impugnado, bem como a aplicação de multa aos responsáveis."

(Acórdão nº 2338/2006, Rel. Min. AUGUSTO NARDES - grifei) (g.n.)

A sobredita fiscalização da Corte de Contas Federal foi questionada perante o Supremo Tribunal Federal e, em seu julgamento, obteve a seguinte solução, sob a relatoria do Em. Ministro Celso de Mello, nos Autos do MS 26547/DF [24]:

"Na realidade, o exercício do poder de cautela, pelo Tribunal de Contas, destina-se a garantir a própria utilidade da deliberação final a ser por ele tomada, em ordem a impedir que o eventual retardamento na apreciação do mérito da questão suscitada culmine por afetar, comprometer e frustrar o resultado definitivo do exame da controvérsia.

Torna-se essencial reconhecer - especialmente em função do próprio modelo brasileiro de fiscalização financeira e orçamentária, e considerada, ainda, a doutrina dos poderes implícitos (MARCELO CAETANO, "Direito Constitucional", vol. II/12-13, item n. 9, 1978, Forense; CASTRO NUNES, "Teoria e Prática do Poder Judiciário", p. 641/650, 1943, Forense; RUI BARBOSA, "Comentários à Constituição Federal Brasileira", vol. I/203-225, coligidos e ordenados por Homero Pires, 1932, Saraiva, v.g.) - que a tutela cautelar apresenta-se como instrumento processual necessário e compatível com o sistema de controle externo, em cuja concretização o Tribunal de Contas desempenha, como protagonista autônomo, um dos mais relevantes papéis constitucionais deferidos aos órgãos e às instituições estatais."

A grande virtude do controle concomitante reside na capacidade de propiciar a correção de rumo do ato administrativo, de forma a ensejar o exato cumprimento da lei. Ou seja, verificada alguma irregularidade no curso da prática do ato administrativo, do contrato administrativo ou da realização de despesa, impõe-se seu conserto, ou caso ele não se faça possível, deve-se anulá-lo.

Embora a previsão legislativa para o controle concomitante refira-se somente aos Tribunais de Contas, o Ministério Público também poderá fazê-lo com base nos dispositivos constitucionais que lhe impõem o múnus de zelar pelo respeito aos Poderes Públicos, o dever de instaurar inquérito civil público e o poder de requisitar informações. Assim, as Promotorias de Justiça e Procuradorias da República terão a faculdade de fazê-lo, haja vista estarem mais próximos da Administração Pública contratante, muitas vezes conhecendo o seu proceder.

Evidentemente, os Tribunais de Contas são órgãos mais aptos e sofisticados no controle da execução orçamentária e na análise dos processos licitatórios e contratos administrativos justamente em vista de seus misteres constitucionais. No entanto, os Membros do Ministério Público Comum (Federal e Estadual), por lidarem diariamente com casos administrativos e judiciais envolvendo a Administração Pública, bem como crimes e ilicitudes praticadas por seus dirigentes, podem visualizar, de forma mais fácil, o esquema criminoso existente em determinada cidade ou num órgão administrativo. Além disso, gozam de plena independência funcional (art. 127, §1.° da CRFB). Assim, podem e até mesmo devem, buscar formas de prevenção à ilicitude, mediante o acompanhamento dos futuros atos e contratos administrativos sobre os quais pairem suspeitas ou dúvidas a respeito da legalidade/moralidade.

O presente trabalho não está propondo, obviamente, que o Ministério Público acompanhe toda contratação administrativa. Certamente, isso inviabilizaria a atuação do Parquet, distorceria as suas funções, e dobraria os gastos públicos. O que se propõe é que, onde haja probabilidade ou suspeita de corrupção, ou onde os valores públicos despendidos sejam bastante relevantes, o Membro do Ministério Público passe a acompanhar de forma mais próxima o processo de licitação e contratação pública, bem como a execução do contrato. Vale dizer, tenham-se os olhos mais voltados para onde comumente ocorre a sua prática, como, p. ex., contratos de obras públicas, de fornecimento e de publicidade, repasses a organizações não-governamentais etc.

Vale o exemplo. Se em determinada unidade do Ministério Público existem inúmeros procedimentos administrativos ou representações instauradas visando apurar atos de improbidade administrativa praticados por administradores locais, é de boa ordem que o(s) seu(s) Membro(s) passe(m) a acompanhar mais de perto a atuação dos responsáveis por essas Administrações Públicas. Assim, os futuros contratos poderão ser fiscalizados concomitantemente à sua execução pelo mesmo Parquet. Isso certamente inibirá a atuação desonesta dos agentes públicos e propiciará medidas acauteladoras da prática espúria, como p. ex., expedição de recomendação (Art. 6.º, inciso XX da Lei Complementar n.º 75∕93), celebração de termo de ajustamento de conduta (art. 5.º, §6.° da Lei n.º 7.347∕85) ou, ainda, ingresso de ação judicial pleiteando a sustação do ato etc.

Esse controle concomitante da Administração Pública pelo Ministério Público não significa outra coisa senão o dever de vigilância e zelo pelo patrimônio público.

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Além disso, pode o Ministério Público não atuar sozinho nessa tarefa. Para facilitar seus trabalhos e conferir uma maior agilidade e eficácia às suas ações, impõe-se a cooperação com outros órgãos que cuidam do controle dos gastos públicos, estabelecendo-se termos de cooperação, parcerias, partilha de informações etc.

Como exemplos de cooperação para o combate à corrupção, devem-se ressaltar os trabalhos levados a efeito pelo Fórum Permanente de Combate à Corrupção em Pernambuco; Focco - Fórum Paraibano de Combate à Corrupção; Marcco – Movimento Articulado de combate à Corrupção do Rio Grande do Norte e Fórum de Articulação Integrada do Controle dos Gastos Públicos do Ceará [25], todos com participação do Ministério Público.

Assim, havendo suspeita de corrupção ou desconfiança acerca da boa regularidade da contratação administrativa, pode o Ministério Público, valendo-se de suas prerrogativas funcionais, exercer o controle concomitante da Administração Pública, vale dizer, o acompanhamento do ato administrativo.


6.CONCLUSÃO

Extrai-se deste artigo que a corrupção é uma das maiores mazelas da sociedade brasileira, alcançando índices alarmantes. Por estar espalhada em vários setores afeta valores essenciais da comunidade.

No plano jurídico, o Brasil declarou verdadeira guerra à corrupção. Em todo ordenamento jurídico nota-se a ênfase e a preocupação com a probidade administrativa.

Na tentativa de se reprimir e combater a corrupção, o Estado brasileiro tem adotado, como principal norte, a lógica repressivo-punitiva, apesar de seus embaraços e dificuldades, destacando-se as sanções de improbidade administrativa e criminais.

Porém, a estratégia mais eficaz no combate é a preventiva, focado na antecipação ao fato consumado. Ou seja, é mais válido e fácil evitar que o ato de corrupção ocorra do que constatá-lo e tentar desfazer seus efeitos.

Nesse sentido, o controle concomitante dos atos administrativos ergue-se de importância, possibilitando aos órgãos controladores, em especial o Ministério Público, que acompanhem o agir da Administração Pública. Somente dessa forma, podem-se evitar atentados aos postulados administrativos, visando corrigir o ato inicialmente viciado ou mesmo anulá-lo perante o Poder Judiciário.

O Membro do Ministério Público, por gozar de plena independência funcional e conhecer a práxis de determinada Administração, sabendo do seu corriqueiro respeito ou não à lei, pode acompanhar concomitantemente a realização das licitações, dos concursos públicos, dos convênios e a execução das despesas públicas, visando aferir-lhes a legalidade e a legitimidade.

Portanto, o Ministério Público, por lidar diariamente com a atuação da Administração Pública perante os seus administrados, torna-se sabedor do apreço ou não aos valores atribuídos à legalidade e à moralidade por determinados agentes políticos e servidores públicos. Dessa forma, possui a grande capacidade de acompanhar a prática administrativa, podendo fiscalizá-la ao mesmo tempo em que ocorre, a fim de corrigir o ato desleal e viciado, ou até mesmo postular perante o Judiciário sua anulação ou sustação.

Por fim, conclui-se que o Ministério Público, seja sozinho, seja mediante parcerias com outros órgãos ou entidade da sociedade civil, deve atuar preventivamente no combate à corrupção, podendo adotar para tanto o controle concomitante do ato administrativo.

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Sobre o autor
José Rubens Plates

Bacharel em Direito. Analista Processual do Ministério Público da União

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PLATES, José Rubens. O controle concomitante dos atos administrativos pelo Ministério Público como instrumento de combate à corrupção. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1839, 14 jul. 2008. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/11492. Acesso em: 28 abr. 2024.

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