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A mecanização dos atos judiciais e seus perigos para o acesso à justiça

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19/09/2007 às 00:00
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6. ALGUNS EXEMPLOS DE CASSAÇÃO DE DECISÕES PADRONIZADAS FRUTOS DA MECANIZAÇÃO DOS ATOS JUDICIAIS

Terminando esta breve exposição, gostaríamos de ressaltar a existência de corajosa jurisprudência, proferida por magistrados que não se apegaram nem um pouco ao corporativismo e, ao se depararem com decisões anômalas, as quais colocam em risco a própria confiança dos cidadãos no Poder Judiciário Brasileiro, não titubearam em cassar este tipo de decisões.

Apresentemos alguns poucos exemplos de decisões nesse sentido:

"REVISAO DE CONTRATOS BANCARIOS. DEBATE EM TESE. SENTENCA VIRTUAL: DESCONSTITUICAO. Se são juntos aos autos dois contratos - abertura de credito em conta corrente e financiamento direto ao consumidor - deve a sentença referir qual deles e revisto, ou se ambos o são, na medida em que e afirmada uma renegociação que não veio lançada na conta corrente. ademais, trata-se de sentença virtual, padronizada, sem sequer referir questões fáticas de suma relevância para o desate de mérito. Desconstituíram a sentença, prejudicados os recursos interpostos. (05 fls)." [16]

"PROCESSUAL. SENTENCA CITRA PETITA. E DE SER DESCONSTITUIDA A SENTENCA QUE, PROFERIDA DE FORMA PADRONIZADA, NAO EXAMINOU A TOTALIDADE DOS PEDIDOS CONTIDOS NA INICIAL. SENTENCA DESCONSTITUIDA DE OFICIO." [17]

"SENTENÇA PADRONIZADA, INCOMPLETA NO RELATÓRIO E OMISSA NA FUNDAMENTAÇÃO - INFRINGÊNCIA AO ART. 458, I E II, DO CPC – NULIDADE." [18] (grifo nosso)

"APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE ACIDENTE. PROCEDÊNCIA. divergentes os laudos do assistente e do perito. impugnação. sentença com características padronizadas. conclusões do laudo, deixando de se fundamentar em exames a que o obreiro teria que ser submetido. período de fraudes na comarca. Prova duvidosa. Ausência de comprovação de que o apelante tivesse descumprido os seus prazos. art. 183, do CPC. Nulidade do processo, a partir da perícia. Provimento do recurso. Decisão unânime." [19]

Eis aí alguns bons exemplos de julgamentos, os quais demonstram invejável firmeza e total desprendimento com eventual espirit de corps e que deve pautar toda a atuação do Poder Judiciário.


7. CONCLUSÕES

Estas eram as informações que almejávamos trazer aos leitores nesta pequena resenha literária no intuito de promover o debate sobre tão espinhoso assunto.

Convém destacar (antes que alguns mais apressados entendam que este articulista é contra o avanço tecnológico) que não somos, nem um pouco, contrários à utilização de trechos de peças anteriormente redigidas, mesmo em discussão de casos diferentes.

Não seríamos hipócritas de afirmar que nunca nos utilizamos deste expediente e que nunca repetiríamos capítulo de petição já confeccionado anteriormente para debate de outra causa.

Já repetimos sim (até porque se o capítulo reputa-se bem confeccionado merece ser repetido), entretanto procuramos utilizá-lo com cuidado e serenidade, para que a comodidade não coloque em risco o bom trabalho e a boa defesa do cliente.

Ora, exigir que o magistrado, que tem alto volume de processos para decidir, não possa repetir parte de sentença que já tenha utilizado em outros casos análogos seria de uma ilogicidade gritante.

Entretanto, o que não podemos admitir é que tal repetição se dê sem critérios e que o magistrado, para suprimir trabalho, repita sentença sem ao menos analisar as provas produzidas nos autos e as peculiaridades de cada caso posto em debate.

Não é porque o magistrado já tem posicionamento fortemente firmado em um tipo de demanda que ele reaproveitará sentença proferida anteriormente e dispensará a análise das argumentações das partes, bem como suas provas produzidas para decidir.

Por isso, acreditamos que a melhor solução para este tipo de dilema seja aquela apresentada pelo TRF da 4ª Região, o qual, com sensibilidade e argúcia, admitiu a utilização deste tipo de mecanismo mas, não sem advertir que o mesmo deve ser utilizado com critérios e com vistas a não ser utilizado com exageros, ao ponto de se produzir peça totalmente destoante da realidade jurídica debatida no caso. [20]

Eis aí mais um desafio a ser enfrentado por todos nós!


8. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BARBOSA, Rui. Obras Completas de Rui Barbosa. V. 40, t. 4, 1913, p. 21 Observações: Trecho do discurso "O Caso do Amazonas". Não há original no Arquivo da FCRB.

CALMON DE PASSOS, José Joaquim. Comentários ao Código de Processo Civil. 8 ed. Rio de Janeiro: Forense, 20011, páginas 40-41.

CARNEIRO, Athos Gusmão. Sentença Mal Fundamentada e Sentença Não Fundamentada – conceitos – nulidade. Artigo publicado na Revista Jurídica n.° 216, outubro de 1995, pág. 5.

GRECO FILHO, Vicente. Direito Processual Civil. 2º vol. 14 ed., São Paulo: Saraiva, 2000.

GUIMARÃES, Mário. O Juiz e a função jurisdicional. Rio de Janeiro: Forense, 1958.

MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Manual do processo de conhecimento : a tutela jurisdicional através do processo de conhecimento. 2 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003.

RIBEIRO, Antônio de Pádua. Das Nulidades. Artigo publicado na Revista Jurídica n.º 201, julho de 1994, página 5.

SANTOS, Moacyr Amaral. Primeiras Linhas de Direito Processual Civil. 1º vol. 22 ed. São Paulo: Saraiva, 2002.

THEODORO JR., Humberto. As nulidades no Código de Processo Civil. Artigo publicado na Revista Síntese de Direito Civil e Processual Civil nº 01 - SET-OUT/1999, pág. 136.

WAMBIER, Tereza Arruda Alvim. Nulidades do processo e da sentença. 5 ed. revista, atualizada e ampliada. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, página 323.


NOTAS

01 Afirma-se que a pesquisa é mais perfeita hoje em dia porque anos atrás poucas revistas jurídicas eram admitidas como repertórios oficiais de jurisprudências, sem contar que muitos profissionais, devido ao alto custo deste tipo de publicação, não conseguiam mantê-las em seus escritórios tendo que recorrer as bibliotecas das faculdades ou então as bibliotecas públicas para o acesso à informação. Atualmente, ao contrário, com o advento da internet, quase todos os tribunais do país fornecem acesso ao conteúdo de suas decisões, sem que o profissional e o cidadão tenham que pagar alguma coisa por isso, o que torna a pesquisa mais eficiente e menos custosa.

02 Todo operador de computador sabe que ao utilizar-se dos recursos da tecla "Crtl" associada ao comando da letra "C" simultaneamente teremos a cópia do caractere ou da expressão selecionada, bem como com o uso do recurso da tecla "Ctrl" associada ao comando da letra "V" simultaneamente teremos a colagem do caractere, oração ou texto copiado para o editor de texto que o usuário deseja.

03 Eis o posicionamento do Ministro Antonio de Pádua Ribeiro do Superior Tribunal de Justiça:

"O Estado moderno chamou a si a tarefa de solucionar os conflitos intersubjetivos de interesses, consubstanciadores de litígios ou lides, altamente comprometedores da paz social. Por isso mesmo, proíbe a todos aqueles, sujeitos à sua soberania, fazer justiça pelas próprias mãos, ao tempo em que o direito objetivo define, como crime, tal prática, admitida apenas em raras exceções." (Das Nulidades. Artigo publicado na Revista Jurídica n.º 201, julho de 1994, página 5)

04 Exemplos claros desses casos são as indenizações por danos morais; ações de despejo; ações de responsabilização civil por acidentes, dentre tantos outros.

05 BARBOSA, Rui. Obras Completas de Rui Barbosa. V. 40, t. 4, 1913, p. 21 Observações: Trecho do discurso "O Caso do Amazonas". Não há original no Arquivo da FCRB.

06 "APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE RESCISÃO DE CONTRATO DE COMPRA E VENDA - RAZÕES RECURSAIS QUE NÃO ATACAM ESPECIFICAMENTE OS FUNDAMENTOS DA SENTENÇA RECORRIDA - MERA REPETIÇÃO DA PEÇA INICIAL - INFRINGÊNCIA DO ARTIGO 514, INCISO II, E ARTIGO 515, AMBOS DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL - AUSÊNCIA DE REQUISITO DE ADMISSIBILIDADE RECURSAL - RECURSO NÃO CONHECIDO.

O conhecimento da apelação pressupõe a impugnação, de ponto por ponto, da sentença combatida, apresentando-se os fundamentos de fato e de direito que demonstrem o equívoco do julgamento (artigo 514, II, CPC), sob pena de não se transferir ao juízo ''ad quem'' o conhecimento da matéria em discussão (artigo 515, do mesmo Codex).

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Portanto, a ausência de impugnação específica da matéria, como acontece no caso presente, impede o conhecimento do recurso interposto." (TJPR, apelação cível n.º 158.707-3, 6ª Câmara Cível, relator Desembargador Milani de Moura, publicado no DJ n.º 6839 de 1º.04.2005.) "APELAÇÃO – RAZÕES DE RECURSO DISSOCIADAS DA DECISÃO OBJURGADA – PRINCÍPIO DA DIALETICIDADE – NÃO CONHECIMENTO – Se o recurso não preenche o requisito da dialeticidade, deixando de enfrentar com argumentos contrários os fundamentos da sentença que deseja ver modificada, dele não se conhece." (TJDF – APC 20000710002850 – DF – 2ª T.Cív. – Rel. Des. Edson Alfredo Smaniotto – DJU 24.03.2004 – p. 25)

Ver também o recurso especial n.º 255169 de São Paulo julgado pela 2ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, relator Ministro Franciulli Netto, publicado no DJU de 15.10.2001 – p. 00256.

07 Art. 514. A apelação, interposta por petição dirigida ao juiz, conterá:

(...)

II - os fundamentos de fato e de direito;

08 TJPR, apelação cível n.º 289.581-4, 15ª Câmara Cível, relator Desembargador Miguel Kfouri Neto, julgamento em 28.06.2005.

09 Idem.

10 "PROCESSO CIVIL. APELAÇÃO PADRONIZADA. 1. Apelação padronizada, apresentando razões que não guardam qualquer relação com o mérito da causa. 2. Todo o recurso deve necessariamente conter a exposição do fato e do direito e as razões do pedido de nova decisão. 3. Apelo divorciado da questão deduzida em juízo não merece conhecimento." (TRF 4ª Região, Apelação Cível n.° 9004057269, 1ª Turma, relatora Juíza Ellen Gracie Northfleet, julgado em 27.09.90)

11 "Processo Civil. Apelação. Fundamentação genérica. Não conhecimento do recurso. Não se conhece de recurso de apelação interposto sem exposição dos fundamentos de fato e de direito que embasam a pretensão do recorrente, com alegações genéricas e dissociadas das questões debatidas na sentença. Referência legislativa: Código de Processo Civil, artigos 514, inciso II e 515." (TJPR, Apelação Cível n.° 108.522-5, 1ª Câmara Cível, relator Desembargador Ulysses Lopes, julgamento em 18.12.2001) (grifo nosso)

12 CARNEIRO, Athos Gusmão. Sentença Mal Fundamentada e Sentença Não Fundamentada – conceitos – nulidade. Artigo publicado na Revista Jurídica n.° 216, outubro de 1995, pág. 5.

13 WAMBIER, Tereza Arruda Alvim. Nulidades do processo e da sentença. 5 ed. revista, atualizada e ampliada. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, página 323.

14 CALMON DE PASSOS, José Joaquim. Comentários ao Código de Processo Civil. 8 ed. Rio de Janeiro: Forense, 20011, páginas 40-41.

15 TJPR, apelação cível n.º 170.257-2, 5ª Câmara Cível, relator Desembargador Lauro Augusto Fabrício de Melo, julgamento em 14.06.2005.

16 TJRS, apelação cível n.º 70000037838, 17ª Câmara Cível, relator: Fernando Braf Henning Júnior, julgado em 22.02.2000.

17 TJRS, apelação cível n.º 197148984, 5ª Câmara Cível, relator: Silvestre Jasson Ayres Torres, julgado em 12.02.1998.

18 TJGO, Ap. C. n.° 23519-0/188, 1ª CC, r. Des. Júlio Resplande de Araújo, publicado no DJ n.° 10.962.

19 TJRJ, Apelação Cível n.° 1999.001.07142, 15ª Câmara Cível, relator Desembargador José Mota Filho, julgamento em 11.09.1999.

20 "PROCESSUAL CIVIL. SENTENÇA TERMINATIVA. RECURSO. PEÇA PADRONIZADA. AUSÊNCIA DE OBJETO. (...) 2. Contra esta decisão, recorreu a parte autora, em arrazoado visivelmente padronizado que, longe de atacar os motivos que ensejaram a extinção sem julgamento de mérito, apenas fez remissões divagantes aos termos da inicial. 3. Como é de cediço conhecimento, tanto os advogados, como os procuradores autárquicos ou até mesmo os juízes são forçados a utilizarem certos mecanismos, como a padronização de formas de expressão para casos análogos, com o fito de ter uma razoável produção os primeiros e atender minimamente a demanda os últimos. 4. Entretanto, tal constatação que, conseqüentemente, induz a uma maior tolerância, não pode ir até o exagero, como o caso dos autos, em que o apelo não tem qualquer relação com o decisum. 5. Apelo não conhecido." (TRF 4ª Região, Apelação Cível n.° 9604438700, 5ª Turma, relatora Desembargadora Marga Inge Bath Tesller, julgado em 29.11.1996) (grifo nosso)

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Sobre o autor
Leonardo Cesar de Agostini

Professor Universitário - Direito Civil, Mestrando em Direito Constitucional pela UniBrasil, Membro do corpo editorial da Revista Eletrônica Direitos Fundamentais & Democracia da UniBrasil, Advogado militante na Cidade de Curitiba(PR)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

AGOSTINI, Leonardo Cesar. A mecanização dos atos judiciais e seus perigos para o acesso à justiça. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1540, 19 set. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/10426. Acesso em: 29 abr. 2024.

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