Medida protetiva e violência doméstica e familiar contra a mulher.

Lei Maria da Penha, em conjunto com a Lei Complementar n.º 14.550/23

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17/04/2024 às 17:51
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DA ALTERAÇÃO NA MEDIDA PROTETIVA DE URGÊNCIA A MULHER, IMPLEMENTADA PELA LEI COMPLEMENTAR DE N.º 14.550/23

A lei complementar de n.º 14.550/23, promulgada em 2023, trouxe significativas mudanças no tocante as medidas protetivas de urgência que a Lei Maria da Penha o permite. Importante dizer que a lei em si traz as hipóteses em que o juiz, por meio de um processo judicial, conceda à ofendida uma medida protetiva ao passo que dê maior segurança de vida afastando o agressor de suas proximidades. Com a lei complementar, agora é permitido que o policial atendente da ocorrência ou o delegado de polícia do município, conceda a medida protetiva à vítima, sem antes levar ao poder judiciário.

A complementação introduziu os parágrafos 4º, 5º e 6º no artigo 19, o foco do legislador foi ser claro no manejo das medidas protetivas bem como da sua natureza jurídica. Mormente, é importante deixar claro que não se ampliou qualquer atribuição da autoridade policial, tão menos se alterou a competência material e territorial da autoridade judiciária no trato das medidas protetivas (FERNANDES, et al, 2021, n. p.).

A alteração na legislação acerca das medidas protetivas de urgência mostram- se harmônicas ao entendimento de possuir uma natureza jurídica de tutela inibitória, porquanto satisfativas e autônomas, com foco na proteção da mulher em situações de risco a sua própria vida, sem a participação direta de um juiz através de um processo principal de classe penal (DUTRA, 2023, n. p.).

Na Lei Maria da Penha, ainda antes da alteração feita em 2023, o atendimento pela autoridade policial já possuía seu regramento próprio nos artigos 10, 11 e 12. Tais artigos trazem a previsão das possibilidades de deferimento de medida protetiva pela autoridade policial em situação bem específica (FERNANDES, et al, 2021, n. p.).

Parafraseando o argumento dos autores, vejamos:

Art. 12-C. Verificada a existência de risco atual ou iminente à vida ou à integridade física ou psicológica da mulher em situação de violência doméstica e familiar, ou de seus dependentes, o agressor será imediatamente afastado do lar, domicílio ou local de convivência com a ofendida:

  1. Pela autoridade judicial;

  2. Pelo delegado de polícia, quando o Município não for sede de comarca; ou

  3. Pelo policial, quando o Município não for sede de comarca e não houver delegado disponível no momento da denúncia.

§ 1º Nas hipóteses dos incisos II e III do caput deste artigo, o juiz será comunicado no prazo máximo de 24 (vinte e quatro) horas e decidirá, em igual prazo, sobre a manutenção ou a revogação da medida aplicada, devendo dar ciência ao Ministério Público concomitantemente.

[…].

Feita a concessão nos moldes do artigo acima, o policial está obrigado a comunicar o juiz em até 24h, que decidirá em igual prazo, se manterá ou revogará a aplicação da medida protetiva. Todavia, a autoridade policial não está livre de aplicar qualquer medida, está limitada a aplicá-las apenas o afastamento do agressor do lar, domicílio ou local de convivência com a ofendida. As demais medidas protetivas continuam sendo de aplicação exclusiva do juiz (CANTO, 2021, n. p.).

Sendo assim, a concessão dessa medida de afastamento se dá apenas pelo fato do risco iminente que a vítima se encontra, assim, o legislador pensou em resguardar os Direitos Humanos da vítima, dando a autoridade policial o poder de decisão provisória, resguardando a necessidade de homologação ou relaxamento da medida aplicada, em até 24h, pelo juiz da comarca.

Se não fosse a significativa mudança que a Lei n.º 14.550/23, trouxe para dar mais segurança à vida das mulheres, vítimas de violência doméstica e familiar, elas teriam de se valer do pedido das medidas protetivas por meio do Poder Judiciário. A propósito, uma mulher saiu da casa onde vivia maritalmente com seu ex-companheiro, após não suportar mais ser vítima de violência física e psicológica que se alastrou por vários anos em sua vida, para garantir a própria segurança, a mulher saiu de casa apenas as roupas do corpo e procurou a autoridade policial (G1 ÚLTIMAS NOTÍCIAS, 2023, n. p.).

Isso ocorreu porque a mulher não conseguiu a medida protetiva solicitada ao Poder Judiciário, pois o relatório do Boletim de Ocorrência feito pela vítima não foi considerado suficiente para tanto. Após recorrer da decisão judicial e ganhar grande repercussão acerca do caso, a mulher foi procurada pela emissora da Globo. Em sua entrevista, a vítima descreveu a angústia que passava nas delicadas palavras:

Você fica presa. Você é a prisioneira. Porque você não pode sair na rua, você não tem o seu trabalho, você não tem a sua vida. Você põe o pé na rua de manhã é aquela sensação de que você olha para os lados... Barulho de um carro, de uma moto, seu coração trava (G1 ÚLTIMAS NOTÍCIAS, 2023, n. p.).

Nota-se a sensação de desespero no relato da vítima, que por anos sofreu violência dentro do âmbito familiar. Felizmente, ou infelizmente, foi sancionada a lei de n.º 14.550/23, que complementa as disposições da lei Maria da Penha de n.º 11.340/06. Ressalta-se a inquietação da infelicidade da lei complementar ser promulgada em 2023, pelo fato da morosidade do poder legislativo esperar o pior acontecer para depois legislar.

Pois bem, com a alteração da Lei 14.550/23, para a concessão das medidas protetivas de urgência, o depoimento da vítima quando do atendimento policial passou a ser suficiente. Não há necessidade de testemunhas, laudos periciais ou outros elementos de convicção. Aliás, embora o depoimento da vítima já seja tratado como prova na legislação, aqui surge um regramento específico que estabelece a prioridade desse elemento para aferir a existência de indícios de violência (ainda que não tipificada) e o perigo (FERNANDES, et al, 2021, n. p.).

Desta maneira, não há que negar que o acréscimo na lei possibilitou certa segurança jurídica, pois a legislação agora permite que o policial ao vislumbrar uma situação de risco iminente à vida da vítima, conceda a medida protetiva apenas com base no depoimento da ofendida, senão vejamos:

Art. 19, […] § 4.º As medidas protetivas de urgência serão concedidas em juízo de cognição sumária a partir do depoimento da ofendida perante a autoridade policial ou da apresentação de suas alegações escritas e poderão ser indeferidas no caso de avaliação pela autoridade de inexistência de risco à integridade física, psicológica, sexual, patrimonial ou moral da ofendida ou de seus dependentes.

A alteração era necessária, assim como foi necessário a constatação na Constituição Federal de 1988 que todos são iguais perante a lei, independentemente se forem homens, mulheres ou qualquer outro gênero, após a brava luta para a criação da Lei Maria da Penha, chegou a necessidade de dizer o óbvio: mulheres precisam de proteção afetiva, doméstica e familiar. Qualquer interpretação restritiva a esses direitos é inconstitucional, vinculando o Estado à responsabilidade pela morte violenta de mulheres (FERNANDES, et al, 2021, n. p.).

Certa segurança se firma com a disposição do parágrafo 5.º, incluído da Lei complementar epígrafe, pois deixa bem claro que: “As medidas protetivas de urgência serão concedidas independentemente da tipificação penal da violência, do ajuizamento de ação penal ou cível, da existência de inquérito policial ou do registro de boletim de ocorrência”.

Nota-se que a inclusão do novo parágrafo traz, de certa forma, mais segurança jurídica a vida da vítima, pois caso não houvesse, não poderia o policial concedê-la a medida protetiva de plano, no estado de iminência que se encontra a vítima, tendo de se valer das vias mais burocráticas da lei, ou seja, registrar o boletim de ocorrência, para após, o Delegado instaurar o inquérito e assim que finalizado, o Delegado encaminhar para o Ministério Público e o MP oferecer a denúncia ao poder judiciário para então, o juiz conhecer a causa, analisar os requisitos para concessão da medida protetiva e, caso preenchidos, concedê-la.

Para tudo isso ocorrer, precisaria de no mínimo uns 04 meses de preparação do inquérito policial, oferecimento da denúncia e apreciação do processo pelo magistrado, (senão mais), sem contar o risco do juiz negá-la a concessão por falta de requisitos que comprovem que a agressão ocorreu de fato é que o agressor ofereça riscos a vida da vítima, é um tempo mais que suficiente para que a ofendida mulher perca sua vida.


DO DESCUMPRIMENTO DAS MEDIDAS PROTETIVAS DE URGÊNCIA

Como visto nos subtítulos acima, após a medida protetiva de urgência ser concedida à ofendida e restar homologada em juízo, por meio de um processo judicial devidamente protocolizado, o agressor da vítima, deverá cumpri-las, sob pena de detenção de 03 meses a 02 anos. Pois bem, desobedecer a determinação de cumprimento da medida protetiva urgência, configura-se crime de desobediência conforme o artigo 24-A da Lei Maria da Pena.

Pois bem, importante ressaltar que o descumprimento de uma medida protetiva pode gerar um risco imensurável a ofendida, isso porquê:

Quando se fala nas medidas protetivas de urgência a primeira a ser lembrada, pelo fato de ser a mais comum, é a que se refere ao afastamento do agressor do lugar onde mantém convivência com a ofendida, sendo assim, em casos de violência doméstica contra a mulher, quando denunciada, na maioria dos casos é deferida a medida protetiva de urgência em questão, logo, tem-se que na teoria é vista como uma das mais eficazes, todavia, visivelmente compreende-se que a fiscalização de tal medida é imprecisa, ocorrendo corriqueiramente o descumprimento da mesma e, consequentemente, ocorrendo o que a vítima mais teme, uma nova violência, inclusive, mais grave, cujo resultado pode alcançar a morte (SILVA, 2022, p. 35).

Até o ano de 2018, não havia previsão legal de consequências para o descumprimento das medidas protetivas. No entanto, com o intuito de dar maior segurança com mais efetividade das medidas ante descumprimento das determinações judiciais, foi incluído na Lei Maria da Penha, o tipo de desobediência ao descumprimento das medidas impostas (art. 24-A), sobretudo, com a possibilidade de decretação da prisão preventiva do agressor em qualquer fase da persecução penal (MARQUES e SILVA, 2023, p. 12).

Nesse diapasão, levando-se em consideração o tempo contemporâneo, faz-se necessário os importantes questionamentos: por qual maneira seria combatido o descumprimento das medidas protetivas, acaso não fosse caracterizado crime de desobediência? Como prender em flagrante delito, pela antecipação de tutela possibilitada pela Lei Maria da Penha, pelas rondas e patrulhas da polícia militar, se descumprir medida protetiva não é considerada crime? Ou será obrigação adicional da vítima comunicar o juízo que, então sim, para garantir a efetividade das medidas protetivas de urgência, poderá requisitar auxílio da força policial (art. 22, § 3º, da Lei Maria da Penha)? Em suma, eventual “sanção” processual cautelar, destacam-se as aspas, pois não se trata de antecipação de pena, mas sim uma causa de obstrução da tipificação do crime de desobediência (NETO, 2014, p.150).

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Isso diz respeito à infração penal da medida protetiva, que tem como dolo o elemento subjetivo, ou seja, há uma livre vontade e consistente de cometer a conduta criminosa. No entanto, para que seja configurado o delito, é preciso comprovar a ciência formal do autor acerca da decisão que concedeu a medida protetiva de urgência à ofendida (MARQUES e SILVA, 2023, p. 12).

A ciência da decisão que concedeu a medida é atestada por meio certidão lavrada pelo Oficial de Justiça, juntada nos autos no processo, certificando a intimação do autor da infração. Porém, em período de recesso forense, a tramitação para que isso ocorra pode ser morosa, prejudicando a consulta pela autoridade policial, o nome do acusado de agredi-la uma mulher, quando do atendimento da ocorrência. Não configurando desse modo, o crime de desobediência (descumprimento da medida protetiva de urgência), inviabilizando a lavratura do auto de prisão em flagrante delito (MARQUES e SILVA, 2023, p. 12).

Necessário o destaque, que o flagrante não será configurado, conforme a passagem acima, pelo crime de desobediência disposto no art. 24-A, da Lei 14.550/23, no entanto, quando do atendimento da ocorrência pela autoridade policial, por não haver elementos hábeis para caracterizar o crime de desobediência a decisão judicial, o autor da infração sofrerá, salvo o princípio non bis in idem, todas às aplicações penais e infracionais cabíveis, caso não tenha uma ação já protocolizada sobre os mesmos fatos, fundamentos e pedidos, que caracterize litispendência.

Ora, das penalidades que o acusado poderá sofrer caso descumpra uma medida protetiva que fora concedida pela autoridade policial e homologada em juízo, ou, concedida diretamente pelo juiz por meio dos autos, são elas:

Art. 24-A. Descumprir decisão judicial que defere medidas protetivas de urgência previstas nesta Lei:

Pena – detenção, de 3 (três) meses a 2 (dois) anos.

§ 1º A configuração do crime independe da competência civil ou criminal do juiz que deferiu as medidas.

§ 2º Na hipótese de prisão em flagrante, apenas a autoridade judicial poderá conceder fiança.

§ 3º O disposto neste artigo não exclui a aplicação de outras sanções cabíveis.

Vislumbra-se que a disposição acerca do descumprimento da medida protetiva é clara e simples, descumpriu, deverá arcar com as consequências penais, civis e quaisquer outras que sejam por direitos aplicáveis ao caso concreto.

Ainda que parte da doutrina entende ser crime de desobediência nesses casos, havia uma contende com o judiciário, pois os agressores não acreditavam que iam de fato responder penalmente, porque mesmo após ser intimado do deferimento das medidas protetivas, muitos assediavam e ameaçavam as vítimas, porquanto não havia a coercibilidade da decisão. Daí porque se criou a Lei n.º 13.641, de 2018, que alterou a Lei Maria da Penha, acrescentando a disposição acerca do descumprimento, prevendo uma pena de detenção (FREITAS, et al, 2023, p. 35).

Assim, descumprir qualquer medida protetiva de urgência, implica o crime geral de desobediência, eis que contrariam às obrigações de fazer ou não fazer, afastar-se, proibição de condutas, não contatar, proibição de frequentar lugares específicos e outros. O descumprimento gera a perda ou a suspensão de direito (art. 359. do Código Penal), pois presente à suspensão/restrição de direitos: de porte de arma, e de direito de visita, regulado no âmbito do direito de família (NETO, 2014, p.150).

Há doutrinadores bem divididos nos quais defendem que desobedecer uma medida protetiva configura-se um crime de desobediência bem como outra corrente de doutrinadores dos quais defendem não haver a configuração do crime, sobretudo, importante gizar que descumprindo a medida protetiva de urgência concedida à ofendida, a mulher (vítima de violência doméstica e familiar), estará em riscos, ou seja, a disposição na legislação que prevê pena para infrator que não respeitar as medidas protetivas, não é suficiente para assegurá-la a integridade física, psicológica, patrimonial e moral da mulher agredida.

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