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A prescrição das ações de responsabilidade civil na Justiça do Trabalho

A prescrição das ações de responsabilidade civil na Justiça do Trabalho

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Não mais havendo dúvida quanto a competência da Justiça Especializada para julgamento das ações envolvendo acidente do trabalho, passou-se a verificar profunda celeuma na fixação do prazo prescricional aplicável a estas ações acidentárias em face do empregador.

1. Delimitação do objeto de estudo

Com a alteração dada ao texto constitucional pela Emenda 45 de 2004, ampliando significativamente a competência da Justiça do Trabalho, passaram a surgir variadas discussões nos mais diversos campos da investigação científica, notadamente quanto à prescrição a ser aplicada às ações de responsabilidade civil objeto de apreciação pela Justiça Especializada.

Inicialmente houve grande cizânia doutrinária e jurisprudencial acerca da afirmação da competência da Justiça do Trabalho para julgar as ações cujos objetos eram acidentes do trabalho ou doenças ocupacionais e suas conseqüências. Em um primeiro momento parte da jurisprudência continuou entendendo que as lides que envolviam acidente do trabalho continuavam de competência da Justiça Comum, mesmo após a edição da Emenda Constitucional 45 de 2004. Superadas as iniciais incertezas, ocorreu, mesmo que em sede de julgamento sem efeitos vinculantes, a pacificação da competência da Justiça Especializada para julgar as ações citadas, conforme julgamento plenário do STF no CC 7.204-1/MG.

Não mais havendo dúvida quanto a competência da Justiça Especializada para julgamento das ações envolvendo acidente do trabalho, inclusive com remessa dos autos dos processos pendentes de julgamento da Justiça Comum Estadual para a Justiça do Trabalho, passou-se a verificar profunda celeuma na fixação do prazo prescricional aplicável a estas ações acidentárias em face do empregador.

Em outras palavras, passaram a surgir diversos questionamentos quanto à incidência das regras prescricionais do Código Civil ou as regras da Constituição Federal, com duas outras correntes minoritárias, ora defendendo uma posição mista, com aplicação de ambas as regras, ora defendendo a imprescritibilidade da ação.

Para tentar trazer subsídios científicos para dar resposta a pergunta feita, fui convidado a proferir palestra no 1º Ciclo Mato-grossense de Conferências sobre Direito Civil na Justiça do Trabalho, cujas conclusões, que não têm a pretensão de serem exaustivas, estão alinhavadas no desenvolvimento deste singelo trabalho.

De início, gostaria de fazer a advertência de que a orientação em que se discutirá o tema observará a vertente acadêmica, de modo a proporcionar subsídios para formação de um discurso teorético-científico, com evidente análise de sua aplicação em casos práticos, no entanto com o escopo de formar posição crítica e inquieta e não meramente repetir posicionamentos já pacificados.


2. A prescrição e a sua purificação científica

Conforme já citado no tópico anterior, formaram-se atualmente variadas correntes acerca da aplicação da regra de prescrição nas ações de responsabilidade civil em julgamento na Justiça do Trabalho, confundindo-se, na maioria dos casos, a competência para apreciar o feito com a regra de direito material a ser aplicada no mérito do julgamento. A fim de situar o leitor cientificamente entre todas as correntes postas, é importante esquadrinharmos acerca do surgimento e da individualização do instituto da prescrição, para sua melhor compreensão, e com posterior reinserção em cotejo com os demais institutos jurídicos a ele correlatos, como é a competência.

Com efeito, no remoto Direito Romano tinha-se a idéia de que as ações eram perpétuas, não podendo o titular do direito sofrer limitação pela sua inércia. Somente com o início da fase do direito pretoriano é que se passou a admitir como exceção à regra a possibilidade de perda da ação. Exceção esta que, após algumas decantações jurisprudenciais, passou a se constituir em regra geral, culminando com o axioma dormientibus non sucurrit ius (o direito não socorre aos que dormem).

SAVIGNY, principal estudioso das ações e da prescrição, concluiu que a idéia de perda do direito de ação estava focada na necessidade de serem afastadas as incertezas quanto às relações jurídicas, buscando a pacificação social, com o fim das dúvidas jurídicas após o transcurso de determinado lapso de tempo.

No Brasil, com as Ordenações Filipinas, já se dizia que: "por a negligência, que a parte teve, de não demandar em tanto tempo sua coisa, ou dívida, havemos por bem, que seja prescrita a ação, que tinha para demandar" (Livro IV, Título 79).

A partir das idéias de SAVIGNY, toda a plêiade de estudiosos da época fixou a idéia de que a prescrição iniciava-se com o nascimento da ação (actio nata), demarcada esta exatamente pela violação de um direito. Em outras palavras: enquanto o direito da parte não é violado pelo sujeito passivo da relação não se pode falar em pretensão de exercício quanto a esse direito, pelo que, por corolário lógico, não surgiu a ação a ser exercitada. O multicitado baluarte do instituto elenca duas condições essenciais para a verificação da actio nata: a) a existência de um direito atual, suscetível de ser reclamado em juízo e b) violação desse mesmo direito pelo sujeito passivo da relação material. Essa era a teoria prevalecente à época.

Caminhando mais a frente, ainda firme nas idéias de SAVIGNY, podemos dar um segundo passo no sentido de diferenciar a ação de direito material da ação de direito processual. É dizer: quando um direito passa a ser exercitável, o seu titular pode exigi-lo diretamente, sem necessidade da busca do aparato judicial, do sujeito passivo da relação material. Esse direito de exigir extrajudicialmente a prestação é chamado de pretensão (rectius: ação de direito material), também conhecida na doutrina alemã por Anspruch. Em segundo momento, e não havendo adimplemento da ação de direito material pelo sujeito passivo, é que pode o seu titular exercê-lo por intermédio da ação de direito processual (rectius: ação em sentido estrito), desta feita já com a utilização de todo o aparato estatal de resolução dos conflitos.

O que ocorre na imensa maioria dos casos é que a pretensão, vincada na idéia de exercitabilidade da ação de direito material, e a violação do direito nascem quase ao mesmo tempo, quase que simultaneamente, motivo pelo qual poucos são os que percebem a diferenciação entre a ação de direito material e a ação de direito processual. É quase certo que a exercitabilidade do direito irá ganhar corpo apenas com a violação do direito, mas o axioma não é absoluto, como veremos a frente.

A partir da célebre polêmica entre WINDSCHEID e MUTHER, que deu novas vestes ao direito processual e a idéia de separação entre este e o direito material, fez com que o primeiro dos professores fixasse os limites da diferenciação da ação de direito material da ação de direito processual e, por corolário, conceituou a pretensão, para verberar que esta é a actio do direito romano e do direito comum desprovida de todo o aparato processual de resolução dos conflitos.

O acatado Professor Titular da Universidade Federal da Paraíba, AGNELO AMORIM FILHO, em um célebre ensaio sobre a distinção científica entre prescrição e decadência, antes de adentrar propriamente no tema, faz um breve apanhado da teoria das ações e diferenciou a pretensão material da ação de direito processual. Colho trecho de sua magnífica tese:

"A pretensão é um poder dirigido contra o sujeito passivo da relação de direito substancial, ao passo que a ação processual é poder dirigido contra o Estado, para que esse satisfaça a prestação jurisdicional a que está obrigado.  A rigor, só quando a pretensão não é satisfeita pelo sujeito passivo, ou seja, só quando o sujeito passivo não atende a exigência do titular do direito, é que surge, como conseqüência, a ação, isto é, o poder de provocar a atividade jurisdicional do Estado.  Em resumo: violado o direito (pessoal ou real), nasce a pretensão (ação material) contra o sujeito passivo; recusando-se o sujeito passivo a atender a pretensão, nasce a ação processual, com a qual se provoca a intervenção do Estado." (Critério científico para distinguir a prescrição da decadência e para identificar as ações imprescritíveis. Revista de Direito Processual Civil. São Paulo, v. 3, p. 95-132, jan/jun 1961).

A doutrina clássica alhures exposta merece uma única adequação, a de que a ação em sentido estrito, assim considerada atualmente como direito abstrato previsto constitucionalmente, não nasce com a violação do direito, mas apenas passa a ser exercitável, saindo de seu estado de inação, a partir da insatisfação da pretensão (ação de direito material não adimplida extrajudicialmente). Aí radica a idéia das condições da ação, mais especificamente o interesse processual, pois sem o anterior exercício da pretensão, extrajudicialmente, não há ação em sentido estrito a ser exercitada (pretensão resistida), por absoluta falta de utilidade do provimento jurisdicional a ser pleiteado. Seguro dizer, pois, que a ação material (pretensão) nasce em momento distinto que o direito abstrato de ação processual.

Os modernos Professores Doutores da Universidade Federal do Paraná, LUIZ GUILHERME MARINONI e SÉRGIO CRUZ ARENHART, trilhando os mesmos passos do mestre paraibano, fizerem a seguinte distinção, verbo ad verbum:

"Quando uma norma confere a alguém um direito subjetivo, e esse direito não é observado, surge àquele que tem o referido direito a possibilidade de exigir que ele seja respeitado.

Essa possibilidade de exigir, exatamente porque é uma ‘possibilidade’, é simples faculdade, denominada ‘pretensão’. A pretensão de direito material, em outras palavras, é mera faculdade.

Quando alguém exige a observância de seu direito, ocorre o exercício da pretensão de direito material, que deixa de ser, portanto, mera potencialidade.

Aquele que exerce sua pretensão de direito material, e assim exige a observância de seu direito, fica a espera de uma resposta positiva.

Ora, quem espera não age, isto é, não atua forçadamente para que o seu direito seja observado. Na verdade, se é possível, em face do Estado contemporâneo, exigir a observância de um direito, e assim exercer a pretensão de direito material, não é possível agir forçadamente para que o direito seja observado, uma vez que foi proibida a autotutela.

Como foi proibida a autotutela, e o Estado tem o dever de conferir ao cidadão o mesmo resultado que se verificaria caso o agir privado (a ação de direito material) não estivesse proibido, é adequado e politicamente generoso o estudo do direito de ação como o direito à invocação do poder do Estado para que este realize a ação de direito material que ele mesmo proibiu, utilizando-se dos instrumentos processuais que devem estar adequadamente preordenados para atender ao direito material." (Manual do Processo de Conhecimento, 3ª edição, RT, 2004, pág. 67/68).

Conclui-se, por absoluto exercício lógico, que a prescrição não nasce com o nascimento da ação (actio nata), como muitos atualmente defendem, isso porque a ação como direito abstrato já nasceu muito anteriormente ao surgimento da relação de direito material que visa resguardar. E também porque é a pretensão (ação de direito material) que depois de violada faz iniciar o prazo prescricional. A não ser assim, chegar-se-ia a inusitada aceitação de que para todas as novas relações jurídicas de direito material criadas pelo legislador, deveria ser criada uma ação de direito processual apta a defendê-la (artigo 75 do Código Civil de 1916). E não é mais assim em tempos atuais, na medida em que com a autonomia do direito processual, a ação judicial já existe muito antes da criação legislativa das relações jurídicas de direito material. Somente após o surgimento da relação material e do descumprimento da pretensão é que a ação judicial pode ser invocada pelo titular do direito, sem que com isso se chegue à conclusão que ela não existia anteriormente. Faltava-se apenas uma de suas condições de exercitabilidade para que pudesse ser invocada a prestação jurisdicional, isto é, o interesse processual.

O Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/90), tido como um dos mais avançados diplomas de nosso ordenamento, já mudou a vetusta idéia de que a ação nascia juntamente com a violação do direito material, para, a contragosto do artigo 75 do CC/1916, verberar que: "Para a defesa dos direitos e interesses protegidos pos este Código são admissíveis todas as espécies de ações capazes de proporcionar sua adequada e efetiva tutela." (artigo 83).

Somente poderia ter nascido do gênio dos professores ADA PELLEGRINI GRINOVER e KAZUO WATANABE, entre outros, o anteprojeto do CDC, de modo que os afamados mestres do Largo do São Francisco, antes de 1990, com a idéia de efetividade e instrumentalidade, vieram positivar a tese de que a ação já existe bem antes do surgimento do direito material, de forma que quaisquer das modalidades de ações já existentes podem ser invocadas para salvaguarda dos direitos criados.

A pretensão é, pois, um antecedente lógico imediato à ação processual, a qual não nasce diretamente da violação do direito, mas sim da recusa do sujeito passivo da relação material em satisfazer àquela, já legalmente exigível e com suas condições implementadas. O que a prescrição fulmina é a pretensão de direito material e não diretamente a ação processual, a qual somente é atingida por via reflexa, indiretamente ou em decorrência da perda de sua exercitabilidade.

Deve ficar extreme de dúvidas, também, que o direito material em si não é fulminado com a prescrição, ele apenas perde o seu poder de exigência judicial com a perda da ação de direito material (pretensão) e, consequentemente, com a perda indireta da ação de direito processual (ação judicial). Tanto isso é verdade que o pagamento de dívida prescrita não admite repetição, na medida em que, como dito, o direito em si persistia, nada obstante a sua exigibilidade tivesse sido atingida.

O Código Civil alemão, de forma bem didática, vaticina claramente que: "A prescrição começa com o nascimento da pretensão" (§ 198), afastando qualquer confusão que pudesse existir naquele ordenamento quanto à perda do direito de ação processual e a perda da pretensão de direito material, dúvidas, aliás, que persistem em nossa jurisprudência, conforme citaremos no ponto seguinte.

Uma outra prova cabal de que a prescrição atinge a pretensão e não o direito de ação processual é que os cheques têm sua pretensão de executabilidade prescrita em seis meses (artigo 59 da Lei 7.357 de 1985), sem, contudo, vedar o exercício da ação ordinária de enriquecimento sem causa, desta feita no prazo de dois anos (artigo 61 da mesma Lei), contados a partir do vencimento do prazo anterior de seis meses, em clara demonstração de que a expiração do prazo para execução não causa a perda do direito de ação, muito menos fulmina o direito material em si, que pode, como dito, ser exercitado por intermédio de ação distinta.

Ao que tudo indica, o Código Civil atual encampou a classificação acima sistematizada, para prever, em seu novo texto do artigo 189, que: "Violado o direito, nasce para o titular a pretensão, a qual se extingue, pela prescrição, nos prazos a que aludem os arts. 205 e 206". Demonstrou-se clara aceitação da teoria de que a prescrição nasce com a pretensão de direito material e não com a ação processual.

A título exemplificativo, colho diversos ensinamentos doutrinários:

O professor SÍLVIO DE SALVO VENOSA, com percuciência, anota esta diferenciação: "Adota-se o princípio da actio nata, admitindo-se que a prescrição tolhe o direito de ação, ou, mais especificamente, dentro do direito material, a prescrição faz extinguir a pretensão, que é o espelho do direito de ação." (Direito Civil, Volume 1, 3ª edição, Atlas, 2003, pág. 642).

No mesmo sentido, com maior clarividência, NELSON NERY JR e ROSA MARIA DE ANDRADE NERY: "Prescrição. Conceito. Causa extintiva da pretensão de direito material pelo seu não exercício no prazo estipulado pela lei. O texto da lei é claro ao dar como objeto da prescrição a pretensão de direito material e não a ação." (Código Civil Comentado, 3ª edição, Revista dos Tribunais, 2005, pág. 286).

O próprio encarregado da elaboração do projeto do novo código, o ilustre MIGUEL REALE, disse em doutrina que: "Ainda a propósito da prescrição, há problema terminológico digno de especial ressalte. Trata-se de saber se prescreve a ação ou a pretensão. Após amadurecidos estudos, preferiu-se a segunda solução, por ser considerada a mais condizente com o Direito Processual contemporâneo, que de há muito superou a teoria da ação como simples projeção de direitos subjetivos." (O Projeto do Novo Código Civil, 2ª edição, Saraiva, 1999, pág. 68).

Não era outro o posicionamento do pranteado PONTES DE MIRANDA, que sempre a frente de seu tempo, já lecionava em 1970 que: "A prescrição apenas encobre eficácia da pretensão, ou apenas da ação. Não a elimina. Conforme teremos de ver, não há prescrição do direito ou da dívida, o que há é prescrição da pretensão ou só da ação. Para sermos mais exatos, devemos dizer ‘prescrição da pretensão’, porque o que fica encoberto é a pretensão, desde o momento em que o devedor alega a prescrição, isto é, exerce o seu direito de exceção por prescrição." (Tratado de Direito Privado, Volume 6, 3ª edição, Editor Borsoi, 1970, pág. 32).

O Professor Doutor da Universidade de São Paulo, ROBERTO SENISE LISBOA, com maior profundidade leciona, verbis:

"Deixa-se de lado a doutrina civilista clássica segundo a qual a prescrição seria a perda do direito de ação judicial, enquanto a decadência seria a perda do direito material. Adota-se a teoria da pretensão, considerando-se a prescrição a perda do direito de apreciação judicial da pretensão, e não de se propor a ação judicial propriamente dita. Considera-se, nesse passo, que todas as pessoas possuem o direito fundamental de acesso ao Poder Judiciário (princípio constitucional da inafastabilidade da tutela jurisdicional), o que não significa que toda pretensão deduzida em juízo deverá ser apreciada.".

E arremata com lucidez:

"Possuir a titularidade do direito de ação processual não significa, entretanto, possuir o direito. A teoria imanentista da ação, consubstanciada no vetusto dispositivo ‘a todo direito corresponde uma ação, que o assegura’, foi lançada por terra com a autonomia do processo como ciência e o surgimento da teoria processualista abstrata da ação. Compreender a distinção entre a ação material e a ação processual tornou-se tema de grande importância, desde a famosa polêmica entre Windscheid e Muther, na segunda metade do século XIX. Ao tradicional sistema romano de ações, consagrado pelo CC de 1916 em seu art. 75, sucedeu-se o sistema de direitos, deixando o direito processual de ser um mero apêndice do direito privado.

Diante desse quadro, agiu acertadamente o novo legislador em adotar a teoria da pretensão, buscando uma harmonização entre a processualística e a civilística." (Comentários ao Código Civil, RT, 2006, pág. 190).

Como dito linhas acima, a pretensão e a violação do direito nascem quase que simultaneamente, daí a imensa confusão ocorrida na doutrina clássica para diferenciar a violação do direito material e a exercitabilidade do direito processual autônomo. Pode, entretanto, ocorrer o início do prazo prescricional, com a pretensão material, sem que com isso, necessariamente, tenha ocorrido a violação do direito da parte. É dizer: nasce a pretensão sem qualquer violação de direito.

Talvez essa seja a única ressalva a ser feita à nova redação e à técnica abraçada pelo novel legislador civil, a de vincular o nascimento da pretensão com a violação do direito, o que nem sempre ocorre, pois é perfeitamente admissível, e isso não representa qualquer desdouro à melhor técnica, que possa a pretensão surgir, sem que com isso, necessariamente, tenha havido violação do direito. Em algumas oportunidades pode a pretensão, e conseqüentemente a prescrição, vir ao mundo jurídico muito antes da violação do direito. Enfim, esta única ressalva que entendemos pertinente não tem o condão de lançar a pecha da erronia à redação utilizada pelo legislador civil, pelo contrário apenas prova que todos os equívocos do Código anterior foram corrigidos, restando apenas uma pequena ressalva.

Dois exemplos podem esclarecer didaticamente a ressalva que lançamos.

O já citado Professor da Universidade Federal da Paraíba, em seu ilustre ensaio, traz o exemplo das dívidas quérable, isto é àquelas dívidas em que após o implemento das suas condições de exigibilidade (notadamente o prazo), deve o credor se dirigir até o domicílio do devedor para recebê-la. Nas situações em que todas as condições já foram implementadas, mas que o credor não compareceu no domicílio do devedor para recebimento, nem este se recusou ao pagamento, não há como dizer que houve violação do direito, nada obstante tenha nascido à pretensão para sua exigência e, por conseguinte, a possibilidade de exercício da ação judicial.

Seria o mesmo caso, já nos limites do Direito do Trabalho, do empregado que dispensado sem recebimento de suas verbas rescisórias, deixa de comparecer no dia aprazado no Sindicato de sua categoria a fim de homologar a rescisão e receber as verbas devidas, do mesmo modo que o empregador lá comparece e não opõe qualquer recusa ao pagamento. Não houve violação do direito do obreiro, pois o total devido estava à sua disposição, no local e na data aprazada em lei, mas não há como defender que a pretensão e a prescrição não se iniciaram.

Mesmo sem qualquer violação ao direito do obreiro, nasceu a pretensão e implementaram-se todas as condições para exercício do direito de ação.

Nestes didáticos exemplos pode-se perceber, sem qualquer dúvida, que o prazo de prescrição teve início com o implemento das condições de exigibilidade da dívida e, por lógico, com o nascimento da pretensão (ação de direito material), nada obstante não tenha havido violação do direito. A não ser assim, concluir-se-ia de modo teratológico que o prazo de prescrição fica em estado de inação, sem se iniciar, até quando o credor resolver procurar o devedor para recebimento da dívida, para com a recusa deste ocorrer a violação do direito e início do prazo prescricional, sistemática esta que estaria fugindo de todo o antecedente de pacificação social.

Por estes motivos, aqui expostos muito sucintamente, que defendemos a superação da teoria da actio nata. Não mais seria defensável a tese de que o dies a quo para a contagem do prazo prescricional seja a violação do direito, pois ocorre em várias oportunidades o início do prazo de prescrição sem que tenha ocorrido a violação do direito, como nos dois exemplos citados acima. O fato jurídico que, na verdade e com maior rigor científico, representa o nascimento do prazo prescricional é a implementação de todas as condições de exigibilidade da prestação material.

Adotando esta sistemática, pensamos que existe perfeita compatibilização entre as modernas teorias do direito material e do direito processual autônomo, isso porque somente haverá prazo de prescrição nas ações condenatórias [01], as quais são caracterizadas pelo direito a uma prestação, de modo que quando a prestação a ser exigida implementar todas suas condições de exigibilidade inicia-se a contagem do prazo prescricional, sem a necessidade técnica de qualquer violação do direito.

Por lógico, como já ressaltado em linhas atrás, que na maioria dos casos as condições de exigibilidade serão implementadas quase simultaneamente com a violação do direito, daí a justificada confusão do dies a quo do prazo prescricional e o pressuposto de violação do direito. A tese que estamos a defender, de que é com o implemento das condições de exigibilidade da prestação que inicia-se o prazo é compatível com a nossa sistemática processual, pois somente haverá interesse de agir (necessidade e utilidade) quando a prestação puder ser exigida.

Esta possibilidade de nascimento da prescrição sem a violação do direito foi bem percebida pelos professores HUMBERTO THEODORO JÚNIOR, NELSON NERY JÚNIOR, RENAN LOTUFO e JOÃO BAPTISTA VILELLA, que ao comentarem o novel artigo 189 do Código Civil atual, firmaram o Enunciado 14 da 1ª Jornada de Direito Civil promovida pelo Superior Tribunal e Justiça. Ei-lo: "1. O início do prazo prescricional ocorre com o surgimento da pretensão, que decorre da exigibilidade do direito subjetivo. 2. O art. 189 diz respeito a casos em que a pretensão nasce imediatamente após a violação do direito absoluto ou da obrigação de não fazer.".

A partir deste breve apanhado científico, chega-se a conclusão já trilhada por muitos estudiosos de que a prescrição nasce com a pretensão, estando com isso capilarmente ligada ao direito material que alicerça a relação jurídica, bem por isso não sofre qualquer alteração em razão da mudança da competência para julgar a ação de direito processual, como muitos têm confundido em relação à alteração de competência para julgamento das ações acidentárias. Já está mais do que provado que a ação de direito material não se confunde com a ação processual.

Acrescentamos que com a vigência do atual Código de Processo Civil é fora de dúvidas que a pronúncia da prescrição importa em extinção do processo com resolução do mérito (inciso IV do artigo 269), logicamente porque a prescrição está intimamente ligada ao direito material e ao mérito da ação, pouco importando o ramo do Poder Judiciário competente para analisar a lide. A competência, outrossim, é questão de natureza processual, importando, quando verificada a incompetência, em extinção do processo sem resolução do mérito [02] (inciso IV do artigo 267).

O Professor MOREIRA ALVES, responsável pela Parte Geral do Projeto do novo Código, disse em passagem doutrinária que: "Atendendo-se à circunstância de que a prescrição é instituto de direito material, usou-se o termo ‘pretensão’, que diz respeito à figura jurídica do campo do direito material." (A parte geral do Projeto de Código Civil brasileiro, 1ª edição, Saraiva, 1986, pág. 151/152).

Valho-me, mais uma vez, do notável PONTES DE MIRANDA: "O ramo do direito em que nasce a pretensão é o que lhe marca a prescrição, ou estabelece prazo preclusivo ao direito. Se essa regra jurídica não foi prevista, rege o que o ramo do direito aponta como fundo comum a ele e a outros ramos do direito. No plano internacional, o sistema jurídico que é estatuto da pretensão também o é da prescrição." (Tratado de Direito Privado, Volume 6, 3ª ed., Editor Borsoi, pág. 101).

Destarte, após o apanhado histórico, científico e doutrinário do instituto da prescrição, podemos eriçar algumas pilastras que serão úteis quando da análise prática da hipótese em estudo, qual seja a prescrição nas ações de responsabilidade civil em julgamento na Justiça do Trabalho. Quatro conclusões nos parecem óbvias:

1)A ação de direito material (pretensão) não se confunde com a ação de direito processual (ação judicial);

2)Com o batismo legal do novo Código Civil (artigo 189), o legislador nacional adotou a tese, correta, de que a prescrição atinge a pretensão material e não o direito de ação propriamente dito;

3)Como a prescrição está intimamente ligada à pretensão de direito material, não altera a sua observância às mudanças de competência para apreciar as ações judiciais a ela relacionadas;

4)Regra geral, a pretensão e a violação do direito verificam-se quase que simultaneamente, no entanto pode ocorrer o início do prazo de prescrição, sem que com isso, necessariamente, ocorra a violação do direito. O que importa para nascer a pretensão é a implementação de todos os requisitos de exigibilidade da prestação material.


3. Reinserção do instituto da prescrição nas relações de trabalho

Cumprindo a advertência feita no início do trabalho, realizamos no tópico antecedente a purificação do instituto da prescrição, isto é, o seu estudo histórico e científico desapegado de qualquer ramo específico do Direito, para que com a fixação das suas características básicas, pudéssemos novamente reinseri-lo nas relações de trabalho, notadamente nas ações de responsabilidade civil julgadas nos limites da Justiça Especializada, sem os vícios patológicos de outrora.

Com efeito, é muito fácil observar que com a ampliação da competência da Justiça do Trabalho dada pela Emenda Constitucional 45 de 2004, este ramo do Poder Judiciário passou a ter competência para apreciar diversas outras ações que não aquelas referentes às lides entre empregados e empregadores. Vale dizer, passou-se dos limites da relação de emprego para os limites da relação de trabalho lato sensu. E para que esse traspasse de competência material fosse feito de forma harmônica, muito se discutiu acerca das regras de direito material a serem aplicadas às novas ações: estariam os autônomos, representantes comerciais ou prestadores de serviço agora albergados pelas normas protetivas da Consolidação? A resposta é desenganadamente negativa, isso porque, como já exaustivamente visto, as normas jurídicas sistematizadoras da relação de direito material não se alteram ao gosto da regra de competência para julgamento das ações. Independentemente do ramo do Poder Judiciário que está a julgar o processo, as regras materiais serão aquelas do diploma substancial que alicerça a relação jurídica material.

Com efeito, o que se discute não é saber qual a prescrição aplicável às ações de responsabilidade civil agora de competência da Justiça do Trabalho, mas sim verificar qual a regra de prescrição aplicável a todas as ações em que discute a responsabilidade civil como instituto de direito material, independentemente de ser posta à situação sob os cuidados da Justiça Especializada, da Justiça Federal ou da Justiça Estadual, seja em qualquer das Varas especializadas ou de feitos gerais.

A utilização das normas de direito material alheias à CLT nos julgamentos proferidos pela Justiça do Trabalho não é tarefa recente, apenas o que ocorreu atualmente foi certa perplexidade dos operadores jurídicos trabalhistas, não todos, pois para nós, assim como para muitos outros, desde antes da publicação da EC 45 de 2004 já aplicávamos tranqüilamente a prescrição e as regras de direito material estranhas à Consolidação quando às relações postas a nosso julgamento assim demandavam. A citada perplexidade tem, pensamos, matizes muito mais políticas, históricas e tradicionalistas, do que científicos e jurídicos. É a citada interpretação retrospectiva do Professor BARBOSA MOREIRA, muito bem explicada pelo seu conterrâneo e discípulo LUÍS ROBERTO BARROSO:

"Atente-se para a lição mais relevante: as normas legais têm de ser reinterpretadas em face da nova Constituição, não se lhes aplicando, automática e acriticamente, a jurisprudência forjada no regime anterior. Deve-se rejeitar uma das patologias crônicas da hermenêutica constitucional brasileira, que é a interpretação retrospectiva, pela qual se procura interpretar o texto novo de maneira a que ele não inova nada, mas, ao revés, fique tão parecido quanto possível com o antigo." (Interpretação e Aplicação da Constituição, 6ª ed., Saraiva, pág. 70/71).

A lição acima transcrita encontra todo o seu espectro de abrangência no tema em que estamos a tratar, isso porque a ampliação de competência material que foi dada à Justiça do Trabalho é norma recente (novel artigo 114 da CF/88), que deve ser interpretada pela sua vertente progressista, desapegada dos vícios e dos tradicionalismos de outrora. O texto da Carta Política foi modificado e isso é fato, não há como fugir dessa maior atribuição que o legislador nos deu. Logo, devemos todos, juízes, advogados, procuradores do trabalho e estudantes, interpretarmos o novel texto constitucional com os olhos voltados para o futuro, de modo a forjar nova jurisprudência quanto ao tema, bem por isso não me convence aqueles que invocam a jurisprudência ou o tradicionalismo rançoso como argumentos para, dentro do possível, manter tudo como antes estava, tolhendo pela interpretação retrospectiva todos os avanços legislativos que demoraram anos para serem conquistados.

E é exatamente o argumento que utilizo quando alguns me questionam para objetar que nunca se discutiu que a prescrição aplicada nas ações de danos morais julgados na Justiça Especializada, isso antes da EC 45 de 2004, sempre era a regra constitucional (inciso XXIX do artigo 7º) [03]. Na verdade, parcial razão assiste aos ilustres debatedores. De fato, quase todos, entre os quais nos incluímos, motivo pelo qual aqui nos penitenciamos, aplicavam a prescrição qüinqüenal da Carta Maior nos julgamentos envolvendo dano moral trabalhista, quando a prescrição era a vintenária do Código Civil de 1916. Para estes, a única resposta é a de que, data venia, quase todos estavam laborando em erro, justamente pelo tradicionalismo rechaçado linhas acima, não enxergando a diferença entre a competência para julgar o feito e a regra de direito material a ser aplicada no mérito da demanda.

E não se venha dizer que não é razoável admitir que uma grande parte dos operadores do direito estivesse laborando em equívoco, pois este fenômeno, inobstante não seja recomendável, é plenamente possível de acontecer, como o foi com o julgamento plenário do e. STF no CC 7.204-1/MG, que mudou a orientação daquela Excelsa Corte quanto à competência para julgamento dos acidentes do trabalho. Quase todos os Ministros reconheceram, humildemente e com todas as nossas homenagens por este ato, que estavam equivocados desde 1988 na interpretação da Constituição Federal, ressalvando o ponto do vista do eminente Ministro MARCO AURÉLIO que sempre defendeu desde a promulgação da Carta Política de 1988 a competência da Justiça Especializada para tais ações.

Neste particular, calha a conclusão de FRANCESCO CARNELUTTI:

"As incertezas e contrastes da jurisprudência são como poros através dos quais o Direito respira a Justiça. E, quando, pelo fetichismo da uniformidade, os juízes descansam nas soluções feitas, e o conjunto de máximas adquire na prática o valor de um código desmedido, cerra-se a via normal de renovação do Direito." (apud Délio Maranhão, in "Instituições de Direito do Trabalho", volume 1, LTr, 2000, pág. 166).

Mas não é por conta das belíssimas palavras do mestre peninsular que, após enxergarmos o erro em que estávamos cometendo, que devemos continuar caminhando no próprio equívoco apenas por apego às coisas do passado, ou no dizer do próprio mestre de Milão, pelo fetichismo das soluções feitas.

Tal anomalia também pode ser explicada pelo apego à vetusta idéia de que a utilização de normas previstas fora da legislação trabalhista típica importaria em reconhecimento da falta de autonomia do Direito do Trabalho e do Processo do Trabalho frente aos demais ramos da Ciência Jurídica. Para a satisfação de uma coqueluche meramente acadêmica, viravam-se as costas para todos os pilares da ciência jurídica expostos nas linhas acima, esquecendo-se a idéia de sistema.

Há muitos anos a doutrina e a jurisprudência pátria desapegaram da tese de que a Justiça do Trabalho somente estava autorizada a aplicar a legislação trabalhista (rectius: CLT). Rememoro o célebre julgamento do e. Supremo Tribunal Federal, no qual o Ministro SEPÚLVEDA PERTENCE advertiu que:

"Para saber se a lide decorre da relação de trabalho não tenho como decisivo, data vênia, que a sua composição judicial penda ou não de solução de temas jurídicos de direito comum, e não, especificamente, de direito do trabalho. O fundamental é que a relação jurídica alegada como suporte do pedido esteja vinculada, como o efeito à causa, à relação empregatícia, como me parece inquestionável que se passa aqui, não obstante o seu conteúdo específico seja o de uma promessa de venda, instituto de direito civil." (STF – Pleno – CC 6.959-6 – Rel. Min. Sepúlveda Pertence – DJU 23.05.1990).

É de aceitação unânime na doutrina processual que o pedido e a causa de pedir definem a natureza da lide e, por corolário, a competência material para dirimi-la. Se a causa de pedir remota (fatos de que resulte o litígio) se ampara em uma relação de trabalho, é o que basta para fixação da competência material da Justiça do Trabalho, mesmo que para tanto, em análise das prejudiciais e do mérito propriamente dito, o juiz utilize de normas dispostas em outros ordenamentos que não a CLT, tais como o Código Civil, o Código de Defesa do Consumidor, a legislação extravagante etc., inclusive a utilização subsidiária da legislação comum tem indicação supletiva da própria CLT (parágrafo único do artigo 8º).

O raciocínio exposto tem por fundamento a adoção em nossa ciência processual da teoria da substanciação, incumbindo ao autor indicar em sua petição inicial a causa de pedir próxima (fundamentos jurídicos do pedido) e a causa de pedir remota (fatos de que resulte o litígio), a indicar se o litígio posto sob apreciação da Justiça do Trabalho tem como causa de pedir remota uma relação de trabalho, para poder com isso ser reafirmada ou declinada a competência da Justiça do Trabalho, pouco importando quais sejam os fundamentos jurídicos do pedido, isto é, independente de qual diploma material serão colhidas às regras substanciais a serem observadas no julgamento de mérito. Nunca é demais rememorar que a competência, questão preliminar, não se confunde com as prejudiciais e o mérito propriamente dito, entre as prejudiciais de mérito se encontra a prescrição.

Até para aqueles partidários de que não são requisitos da petição inicial no processo do trabalho a exposição das causas de pedir próxima e remota, em face da redação do § 1º do artigo 840 da CLT, ainda assim é indispensável a exposição dos fatos de que resulte o litígio (causa de pedir remota), oportunizando a fixação da competência com base nos fatos trazidos na peça madrugadora, isto é, desde logo, com base nas alegações de inicial, o juiz do trabalho verificará se é fato essencial da causa de pedir a relação de trabalho. Em sendo positiva a verificação, in statu assertionis, está fixada a competência da Justiça Especializada, pouco importando se a relação material já afirmada será ou não confirmada durante a instrução do feito. Aí já será um problema de mérito e com ele deve ser decidido, não mais havendo possibilidade de extinção do processo ou remessa dos autos a outro juízo.

Admitindo que a causa de pedir próxima possa ser qualquer norma de direito material prevista em nosso ordenamento, bastando para tanto que a causa de pedir remota seja uma relação de trabalho para a fixação da competência, sem maiores traumas é de fácil verificação que a prescrição a ser observada nos litígios sob apreciação da Justiça Especializada deve apenas guardar pertinência com as normas de direito material que alicerçam as relações jurídicas (causa próxima).

Com solar clareza: a alteração constitucional do artigo 114 em nada alterou as regras materiais a serem aplicadas nos julgamentos das ações não-empregatícas que eram julgadas sob o manto do Código Civil pela Justiça Comum e que agora devem ser julgadas com os mesmos fundamentos materiais pela Justiça do Trabalho, apenas ressaltando que quanto a este ramo do Judiciário será aplicada a maior sensibilidade e a percuciência social que o magistrado trabalhista carrega em sua formação, talvez este detalhe seja o que mais foi levado em conta para a ampliação da competência. O juiz do trabalho interpretará as normas da legislação civil com o viés social e humanitário, no entanto não passará a aplicar regra material diversa pelo simples fato da alteração de competência.

E assim sempre o foi com o julgamento dos contratos de pequena empreitada (inciso III do artigo 652 da CLT), em que mesmo na Justiça do Trabalho aplicavam-se as regras do Código Civil para a resolução dos conflitos, no qual o contrato de empreitada estava disciplinado. Não há de se esquecer, por outra cardeal, que muitos operadores jurídicos faziam imensa confusão quanto a este ponto, pronunciando a prescrição bienal prevista no inciso XXIX da CF/88, mesmo nos julgamentos de contratos de pequena empreitada. Vício este, como já dito, que deve ser corrigido e não utilizado como argumento para se manter o status quo.

O ilustre magistrado JULIO BERNARDO DO CARMO, representando a corrente doutrinária que, data venia, ancora-se na jurisprudência do passado para respaldar sua posição atual, ao invés de rever a interpretação pacificada em face da nova redação constitucional, leciona que:

"O fundamento da natureza civil do litígio (como tem sido proclamada pelo colendo Tribunal Superior do Trabalho, salvo engano em arestos da lavra dos eminentes Ministros Lélio Bentes e Oreste Dalazen, que com base nesta característica aplicam a prescrição civil e não a trabalhista), desserve, a meu ver, como critério norteador da prescrição prevista no Código Civil, porque a ser assim, os litígios envolvendo pequena empreitada deveriam observar a prescrição civil relativa à empreitada, quando é incontroverso que a prescrição aplicável é a do juízo natural competente para apreciar a demanda, com incidência pacífica do artigo 7º, inciso XXIX, da CF/88 e anteriormente à sua vigência, o artigo 11, da CLT. A aplicação da prescrição trabalhista para esse litígio de típica natureza civil, onde o trabalhador, como operário ou artífice, participava de pequena empreitada, nunca foi objeto de cizânia doutrinária ou jurisprudencial. Como a competência para a apreciação de tais litígios decorre diretamente da ;>legislação consolidada, que foi encampada pela EC/45/04, inexistindo controvérsia em torno do juízo natural ou migração de processos de um para outro juízo natural em face do aniquilamento do princípio da perpetuatio jurisdictionis por lei constitucional superveniente, a prescrição não autoriza a adoção de regras de contemporização, porque tais ações ajuizáveis originariamente na Justiça do Trabalho orientam-se pelo norte inexorável da prescrição trabalhista bienal ou qüinqüenal no curso do contrato de trabalho." (A prescrição em face da reparação de danos morais e materiais decorrentes de acidentes de trabalho ou doença profissional ao mesmo equiparada. Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n. 1034, publicado em 1º de maio 2006. Disponível no endereço eletrônico <https://jus.com.br/artigos/8309 >, acesso 03 dez. 2006).

Vê-se, claramente, pela posição externada pelo afamado professor, que a corrente doutrinária mais conservadora utiliza-se da jurisprudência equivocada de anos atrás como forma de fundamentar a posição a ser tomada atualmente quanto ao tema que estamos a discutir; ao invés de verificar com mais vivacidade o erro que todos estávamos cometendo e consertá-lo, parte da doutrina ancora-se no erro para defender a sobrevida da tese pertinente à confusão entre competência e prescrição.

Em arremate a este tópico, concluo que as novas ações ajuizadas na Justiça do Trabalho sobre empreitada, representação comercial, mandato, prestação de serviços, parceria, entre tantas outras incluídas no conceito lato de relação de trabalho, constituir-se-ão as causas de pedir próximas das normas de direito material do Código Civil e das legislações extravagantes, como ocorre com a representação comercial (Lei 4.886/65), sem sombra de dúvidas que também a prescrição a ser observada é aquela dos mesmos diplomas materiais.

E assim também será quanto aos pedidos, que nada obstante realizados no bojo de uma relação de emprego, nos moldes da CLT, não guardem decorrência direta dos créditos trabalhistas ordinários. Quando do contrato de emprego surgirem pedidos (indenização por danos morais, v.g.) em que a causa de pedir próxima está radicada em um diploma material alheio à CLT, quanto a este pedido a prescrição aplicável também é aquela da norma de direito material da legislação de regência, sem prejuízo da aplicação da prescrição trabalhista para os créditos trabalhistas típicos decorrentes do contrato de emprego.


4. Especificamente quanto à responsabilidade civil

Como em quase todos os institutos jurídicos de direito material, o brotar da responsabilidade civil também se deve aos romanistas, firmes na idéia de que era uma das máximas do Direito não lesar a outrem [04], sob pena de reparar o dano. A expressão responsabilidade tem sua origem no radical latino respondere, apontando a obrigação que tinham as pessoas de arcar com as conseqüências de seus atos.

A responsabilidade em sentido lato engloba todas as áreas do Direito, não só do direito privado, podendo subdividir-se em várias espécies de responsabilidade, como a penal, civil, trabalhista, tributária, administrativa etc. O empregador que após o vencimento do prazo legal não paga os salários de seus empregados, adquire perante estes a responsabilidade pela quitação, responsabilidade essa de matiz trabalhista, pois o ordenamento jurídico que ampara a pretensão é a CLT. E assim o é quanto a todos os demais outros ramos jurídicos e suas normas materiais.

Por conseqüência, um único fato jurídico pode, o que não é incomum, desencadear em várias esferas a responsabilidade do ofensor, como no caso de um acidente de trabalho com morte causado por ato omissivo do empregador. Este pode ser responsabilizado nos campos trabalhista (salários, férias, décimos terceiros e demais verbas contratuais devidas ao ex-empregado), penal (persecução penal quanto ao homicídio culposo [05]) e civil (pagamento de danos morais e materiais ao espólio e aos herdeiros do empregado), sem se falar nas repercussões na esfera previdenciária, com o pagamento pelo INSS de pensão por morte aos dependentes.

A responsabilidade em sentido lato pode ser conceituada como um dever jurídico decorrente, imposto por lei, de que o ofensor deve assumir as vicissitudes do fato jurídico por ele causado, ressalvando as hipóteses de responsabilidade objetiva em que não há a necessidade do fato jurídico ter decorrido de ato do responsável.

Já fixando pilares na área específica de nossa investigação, ressaltamos que a responsabilidade civil pode ser classificada quanto ao critério da natureza da norma jurídica descumprida como responsabilidade contratual e responsabilidade extracontratual ou aquiliana, conforme a pretensão nasça da violação das regras do contrato ou da lei propriamente dita, respectivamente. A primeira das espécies ora citadas materializa-se pelo descumprimento de um dever contratual de adimplir a prestação ajustada, verifica-se sempre quanto a um dever positivo. A mora passiva do sujeito contratual induz à sua responsabilização pelo adimplemento do pactuado, ou quando não for possível pela indenização do equivalente (perdas e danos). De outra banda, encontra-se a responsabilidade extracontratual, calcada em um dever legal de abstenção. Quando se viola o direito subjetivo de alguém, com uma ação ou omissão vedada em lei, este dano causado deve ser ressarcido, geralmente com o pagamento de uma indenização equivalente ou compensatória.

Notadamente, a segunda das espécies de responsabilidade civil é a que se aplica aos danos causados aos empregados por atos omissivos ou comissivos do empregador ou seus prepostos que violem direitos subjetivos daqueles, como o direito à vida, à honra, à imagem, à dignidade da pessoa humana, ao meio ambiente de trabalho equilibrado, à saúde, entre tantos outros. Mas o que empolga a ação de responsabilização civil são as normas dispostas no Código Civil, notadamente os artigos 186 e 187 para a responsabilidade subjetiva e o artigo 927 para a objetiva.

De nada adiantaria a previsão constitucional desses direitos tão caros aos cidadãos se não houvesse meio infraconstitucional de sua efetivação. Veja-se o que aconteceu com o direito ao salário-mínimo digno previsto constitucionalmente para saber do que estamos falando. Em palavras outras, são as normas da legislação ordinária, mais especificamente o título sobre responsabilidade civil do Código atual, que são diretamente atacadas e fazem nascer a pretensão para responsabilização do ofensor. A violação do direito dos empregados [06] é, nesta situação, que vai fazer surgir a pretensão e com ela o prazo prescricional, que sem maiores esforços, deve ser o da legislação material que sustenta os pedidos feitos, qual seja o do artigo 206 do Código Civil atual.

Não há sequer uma única decisão na Justiça do Trabalho que fundamente julgamento de responsabilidade civil, seja de empregado ou de outros trabalhadores, que não estejam diretamente vinculadas aos artigos do Código Civil (mormente os artigos 186, 187 e 927, parágrafo único), razão pela qual é estupenda a clareza de que a causa de pedir próxima dessas ações são as normas do Código Civil, de modo a vincular, por absoluto exercício de lógica jurídica, a aplicação das regras de prescrição dispostas neste mesmo diploma material civil, seja o de 1916 ou de 2002, conforme a data em que o dano ocorreu [07].

Se o dano ocorreu na vigência do Código Civil de 1916, até 10.01.2003, a prescrição aplicável é a vintenária do artigo 177 do antigo diploma; por outro lado, se o dano ocorreu já na vigência do novel diploma, a prescrição é aquela de três anos para as ações de responsabilidade civil do inciso V do § 3º do artigo 206.

No entanto, muitas situações jurídicas estarão situadas em momento de transição entre as regras anteriores e a do novel diploma material, mas para abraçar estas situações, de modo a não ocorrerem injustiças, é impositiva a regra disposta no artigo 2.028 do Código Civil de 2002. Vale dizer: para os danos ocorridos antes de 11.01.1993 a prescrição é de 20 anos, contados desde a data da lesão; para os danos ocorridos entre 12.01.1993 e 11.01.2003, a prescrição é de 3 anos contada a partir da vigência do novo Código Civil [08], ou seja, com prazo fatal em 11.01.2006; por fim, para os danos ocorridos após 12.01.2003 a prescrição é a de 3 anos, contada da data de ocorrência da lesão ao direito.


5. Desafiando os argumentos da corrente contrária

Firmada nossa conclusão quanto à aplicação dos prazos de prescrição do Código Civil, seja o de 1916, seja o de 2002, às ações de responsabilidade civil sob julgamento da Justiça do Trabalho, pouco importando se o fato jurídico ocorreu antes ou após a publicação da Emenda Constitucional 45 de 2004, o certo é que, de outra banda, existem abalizadas vozes em sentido contrário defendendo a aplicação do prazo da Constituição Federal (inciso XXIX do artigo 7º), cuja tese aparenta ser a mais simpática aos nossos Tribunais e à doutrina trabalhista pátria. Citada corrente é dividida em dois grupos: os que acham que a prescrição desde 1988 sempre foi a do inciso XXIX do artigo 7º da CF/88 e, de outro lado, os que defendem que a prescrição era a do Código Civil até a Emenda 45 de 2004 e a partir dela, com a alteração de competência, passou a ser a prescrição constitucional.

No entanto, para tentar sustentar ainda mais a conclusão que tomamos nos capítulos anteriores, passaremos a desafiar os principais argumentos eriçados pelos adeptos da tese contraposta, senão para convencermos do acerto da nossa posição, ao menos fomentar o debate para maior aprofundamento científico. Cada vez mais na literatura jurídica nacional tem-se privilegiado às soluções feitas, com a conseqüente robotização dos operadores do direito [09], deixando de lado o dissenso e o debate, molas propulsoras do aprimoramento científico da ciência jurídica.

Antes da atual Carta Política de 1988 a prescrição aplicável aos direitos trabalhistas dos empregados urbanos era aquela do artigo 11 da CLT, isto é, dois anos contados da lesão do direito, pouco importando se houve ou não a extinção do contrato de trabalho. Aos trabalhadores rurais o prazo de prescrição era distinto.

Durante os debates nas comissões da Assembléia Nacional Constituinte, enquanto os empresários queriam acabar com a estabilidade no emprego para os empregados que tivessem mais de dez anos no serviço, de outra cardeal os representantes dos empregados passaram a defender que o prazo prescricional da CLT de dois anos era muito curto, pouco possibilitando ao empregado a defesa de seus direitos, notadamente durante a relação de trabalho, momento em que estão subjugados à posição hierárquica de inferioridade e podem perder o emprego.

Após as diversas indas e vindas das discussões políticas, o texto final que foi aprovado contemplou parcialmente as reivindicações de ambas as categorias, com a positivação da obrigatoriedade do regime do FGTS como meio de acabar com a estabilidade decenal e também com o batismo de prescrição mais elástica em relação à bienal da CLT para os trabalhadores urbanos e rurais. Daí porque o prazo de prescrição do inciso XXIX é considerado como direito dos trabalhadores, conforme verbera o caput do artigo, na medida em que dilatou o prazo prescricional para os trabalhadores urbanos e rurais. Regra geral, prescrição não é direito e sim punição ao detentor do direito material, mas no contexto histórico que rapidamente reconstituímos, o prazo do artigo 7º era um benefício ao trabalhador.

Se a intenção do constituinte era boa em conferir maior prazo prescricional aos trabalhadores para a defesa de seus direitos, o batismo constitucional de regras que deveriam estar inseridas na legislação ordinária gerou controvérsias e outros dissabores que contaminam até os dias atuais a doutrina trabalhista.

O inigualável ARNALDO SUSSEKIND, logo após a promulgação da Carta Política de 1988, já fazia a advertência quanto à falta de primor técnico do legislador constituinte originário de lançar a prescrição como norma constitucional, com muito menos razão deveria figurar no rol de direitos dos trabalhadores. Veja-se a sua lição:

"A prescrição não é direito social; é perda do direito de ação por inércia do titular do questionado direito. Se não deveria figurar na Lei Maior, certo é que afronta a boa técnica legislativa a inserção de regras sobre prescrição no elenco dos direitos sociais consubstanciados no art. 7º. Mas lá está no inciso XXIX." ("Prescrição", artigo publicado na Revista LTr, vol. 53, n. 9, setembro de 1989, São Paulo, pág. 1.022).

E para nós é este o ponto nevrálgico para definição da regra de prescrição aplicável aos direitos ditos trabalhistas. É dizer: qual é o alcance exato da incidência do inciso XXIX do artigo 7º da CF/88? Ele alcançaria todas as relações de trabalho ou somente às relações de emprego? Existem créditos nascidos no bojo de uma relação de emprego que estejam fora do alcance do prazo constitucional?

A resposta a estas perguntas é que vai sepultar definitivamente quaisquer dúvidas que ainda existam quanto à regra de prescrição aplicável nas lides postas sob os cuidados da Justiça do Trabalho.

Passemos ao desafio da questão.

O texto em análise é exatamente o seguinte: "XXIX – ação, quanto aos créditos resultantes das relações de trabalho, com prazo prescricional de 5 (cinco) anos para os trabalhadores urbanos e rurais, até o limite de 2 (dois) anos após a extinção do contrato de trabalho.".

O texto constitucional fala em créditos resultantes da relação de trabalho, demonstrando por uma leitura literal que em todas as relações de trabalho, seja ela subordinada (rectius: relação de emprego) ou não, o prazo de prescrição seria o ora descrito pelo inciso XXIX. No entanto, não há dúvida entre os exegetas que o prazo prescricional constitucional apenas se aplica às relações de emprego, isso porque o texto constitucional veio para substituir e elastecer o prazo do artigo 11 da CLT, esse aplicável apenas à relação de emprego, como também o termo relação de trabalho tinha em 1988 a inequívoca representação da relação de emprego. Não é demais lembrar que sob a égide do artigo 442 da CLT os termos relação de trabalho e relação de emprego eram usados como sinônimos, daí a razão do caput do artigo 7º falar em direitos dos trabalhadores e não direitos dos empregados, não havendo quem tente sustentar que qualquer trabalhador não-subordinado tenha direito ao aviso prévio, FGTS, férias, décimos terceiros salários etc.

Um outro detalhe interessante é que os trabalhadores domésticos, que mesmo mantendo uma relação de emprego, não estão inseridos no alcance do prazo prescricional constitucional, na medida em que o parágrafo único do artigo 7º não elenca o inciso XXIX como extensível à categoria doméstica [10]. Este detalhe faz prova de que o constituinte originário quis fazer a distinção do prazo de prescrição dos empregados e dos trabalhadores não-subordinados, tanto é que os empregados domésticos não foram incluídos entre àqueles que foram albergados pelo prazo da norma constitucional. Raciocinar em sentido contrário, entendendo diretamente aplicável aos domésticos e a todos os trabalhadores não-subordinados a prescrição constitucional, iria esvaziar a ressalva feita no parágrafo único do citado artigo. É regra basilar de hermenêutica que a lei não contém palavras inúteis.

Certo de que o termo relação de trabalho do inciso XXIX do artigo 7º quer significar relação de emprego nos moldes da CLT, não há duvida alguma que para os trabalhadores não-subordinados, agora de competência da Justiça do Trabalho, o prazo de prescrição aplicável à suas pretensões é aquele da norma material que rege cada contrato em particular, notadamente o Código Civil. Para estes, também, não haverá dúvida que a prescrição aplicável às ações de responsabilidade civil é aquela do inciso V do § 3º do artigo 206 do Código Civil de 2002.

Firmada a pilastra anterior, passemos a resposta da segunda pergunta feita, qual seja: se existem créditos nascidos no bojo de uma relação de emprego que estejam fora do prazo prescricional constitucional? A resposta para nós só pode ser afirmativa, pois quando o constituinte originário disse que créditos resultantes das relações de trabalho terão o prazo de prescrição da Carta Magna, este quis referir-se aos créditos trabalhistas típicos, ou seja, aqueles descritos como direitos trabalhistas que decorrem normalmente de qualquer contrato de emprego; as suas conseqüências ordinárias e naturais. Quando a natureza jurídica da parcela for de verba trabalhista típica o prazo de prescrição será o do inciso XXIX do artigo 7º; se, por outro lado, mesmo nascido no bojo de uma relação de emprego, o crédito não tiver natureza trabalhista típica, o prazo será o da legislação material de regência.

O mesmo raciocínio é tomado quanto ao FGTS, pois nada obstante tenha nascido o direito no bojo de uma relação de emprego, a sua natureza jurídica não é a trabalhista típica [11], bem por isso o prazo de prescrição é o da legislação material que alicerça o direito (Lei 8.036 de 1990) e não o da Constituição Federal.

A se enveredar a jurisprudência trabalhista pela tese diversa da que aqui estamos a defender, ao que tudo parece é o que vai prevalecer, por imposição de coerência científica dever-se-á rever a posição pacífica quanto ao prazo trintenário da prescrição das contribuições do FGTS (Súmula 362 do TST), isso porque se se considerar as indenizações por responsabilidade civil como direitos trabalhistas típicos, com muito mais razão deve considerar também o FGTS. E o que é pior, faz o Excelso Pretório trabalhista, data máxima vênia, verdadeira miscelânea, adotando parte da regra de prescrição da Constituição Federal, quanto aos dois anos após a extinção do pacto para cobrança dos depósitos, da mesma forma que adota o prazo de trinta anos durante o período do vínculo. Ora, como já visto, não há como aplicar validamente dois prazos de prescrição distintos ao mesmo fato jurídico; ou se aplica apenas a de trinta anos ou apenas a do inciso XXIX do artigo 7º da CF/88.

O Ministro LELIO BENTES CORRÊA do c. Tribunal Superior do Trabalho, antes mesmo da EC 45 de 2004, já entendia pela aplicação do prazo do Código Civil quanto aos danos morais surgidos em contrato de emprego, tendo em vista que a indenização não tinha natureza tipicamente trabalhista, senão vejamos:

"Indenização por Danos Morais - Prescrição - Observada a natureza civil do pedido de reparação por danos morais, pode-se concluir que a indenização deferida a tal título em lide cujo trâmite se deu na Justiça do Trabalho, não constitui crédito trabalhista, mas crédito de natureza civil resultante de ato praticado no curso da relação de trabalho. Assim, ainda que justificada a competência desta Especializada para processar a lide não resulta daí, automaticamente, a incidência da prescrição trabalhista. A circunstância de o fato gerador do crédito de natureza civil ter ocorrido na vigência do contrato de trabalho, e decorrer da prática de ato calunioso ou desonroso praticado por empregador contra trabalhador não transmuda a natureza do direito, uma vez que o dano moral se caracteriza pela projeção de um gravame na esfera da honra e da imagem do indivíduo, transcendendo os limites da condição de trabalhador do ofendido. Dessa forma, aplica-se, na hipótese, o prazo prescricional de 20 anos previsto no artigo 177 do Código Civil, em observância ao art. 2.028 do novo Código Civil Brasileiro, e não o previsto no ordenamento jurídico-trabalhista, consagrado no artigo 7º, XXIX, da Constituição Federal. Embargos conhecidos e providos. (TST – SDI I – ERR 08871/2002-900-02-00.4 – Rel. Min. Lelio Bentes Corrêa – DJ 5.3.2004).

Sua Excelência, coerente com sua posição anterior e firme nos critérios científicos expostos no corpo deste trabalho, continuou entendendo, mesmo após a EC 45 de 2004, que a despeito da competência da Justiça do Trabalho, o prazo de prescrição aplicável às ações de responsabilidade civil é o do Código Civil [12].

Dentro do Tribunal Superior do Trabalho a tese da aplicação da prescrição do Código Civil ganha fôlego perante outros demais julgadores, consoante se infere da ementa da lavra do Ministro JOÃO ORESTE DALAZEN, verbo ad verbum:

"PRESCRIÇÃO – DANO MORAL E MATERIAL TRABALHISTA – 1. O prazo de prescrição do direito de ação de reparação por dano moral e material trabalhista é o previsto no Código Civil. 2. À Justiça do Trabalho não se antepõe qualquer obstáculo para que aplique prazos prescricionais diversos dos previstos nas Leis trabalhistas, podendo valer-se das normas do Código Civil e da legislação esparsa. 3. De outro lado, embora o dano moral trabalhista encontre matizes específicos no Direito do Trabalho, a indenização propriamente dita resulta de normas de Direito Civil, ostentando, portanto, natureza de crédito não-trabalhista. 4. Por fim, a prescrição é um instituto de direito material e, portanto, não há como olvidar a inarredável vinculação entre a sede normativa da pretensão de direito material e as normas que regem o respectivo prazo prescricional. 5. Recurso de revista de que se conhece e a que se dá provimento." (TST – RR 1162/2002-014-03-00.1 – 1ª T. – Red. p/o Ac. Min. João Oreste Dalazen – DJU 11.11.2005).

A professora e magistrada ILSE MARCELINA BERNARDI LORA, quando de seus comentários doutrinários acerca da prescrição do FGTS, teceu importantes considerações quanto à natureza jurídica do crédito oriundo do contrato de emprego e a estreita relação com a prescrição a ele aplicada, ressalvando a incidência da prescrição constitucional do artigo 7º apenas para as verbas trabalhistas típicas:

"Não obstante o teor do Enunciado 362 da Súmula de Jurisprudência do Colendo TST, entende-se que não se aplica ao FGTS o prazo de dois anos previsto no art. 7º da Constituição Federal, contado da extinção do contrato, dada a natureza especial de que se reveste o Fundo, consoante alhures se discorreu. Dito prazo diz respeito a verbas salariais típicas decorrentes do contrato, não alcançando o FGTS, fundo com destinação específica e que tem como fim a utilização, pelo trabalhador, em momento de necessidade." (A Prescrição no Direito do Trabalho, LTr, 2001, p. 107).

Em igual sentido o Professor Doutor RAIMUNDO SIMÃO DE MELO:

"Ao tratar da prescrição trabalhista, a Constituição Federal (art. 7º, inciso XXIX) refere-se a ‘créditos resultantes das relações de trabalho’. Entretanto, a reparação do dano moral, mesmo praticado em face da relação de emprego, não constitui crédito trabalhista stricto sensu. Aliás, nem de crédito se trata, quanto mais de crédito trabalhista.

(...) não é a natureza da matéria que determina a competência da Justiça do Trabalho, como também não é a competência material que fixa o prazo prescricional de uma ação. A prescrição é instituto de direito material, enquanto que a competência pertence ao direito processual. Logo, o argumento da competência da Justiça laboral é insuficiente para justificar a aplicação da prescrição trabalhista ao dano moral no Direito do Trabalho." (Direito Ambiental do Trabalho e a Saúde do Trabalhador, 2004, LTr, São Paulo, pág. 457).

Para nós, então, está sepultada a tese de que todos os direitos nascidos no bojo de um contrato de emprego devem ter a prescrição constitucional. Somente haverá a incidência da prescrição do artigo 7º da Carta Política quando se tratar de verba trabalhista típica, isto é quando a natureza jurídica do crédito for trabalhista.

No entanto, os adeptos da corrente contraposta poderiam objetar que as indenizações de responsabilidade civil decorrentes dos acidentes do trabalho ou das doenças ocupacionais foram inseridas no inciso XXIII do mesmo artigo 7º da CF/88, por isso devem ser consideradas como créditos trabalhistas, exigindo a aplicação do prazo de prescrição do inciso XXIX do artigo 7º [13]. Para estes vale ressaltar que no inciso XXIII do artigo constitucional também foi dito que é direito dos trabalhadores o recebimento de seguro contra acidentes do trabalho a cargo do empregador, o qual é pago pela Previdência Social e como tal se reveste de natureza jurídica de verba previdenciária, bem por isso a prescrição [14] é a da legislação previdenciária e não o do inciso XXIX. De igual forma, nada obstante a indenização por responsabilidade civil esteja catalogada como direito dos trabalhadores, a sua natureza jurídica não é de verba trabalhista típica, daí porque não é aplicável a prescrição constitucional.

Ademais, não se deve olvidar que os benefícios previdenciários podem ser concedidos para pessoas que sequer são empregadas, como os trabalhadores sem vínculo empregatício (artigo 19 da Lei 8.213/90), então como fundamentar que para estes a prescrição deva ser a da Constituição?

Com efeito, uma coisa é o legislador constitucional originário batizar o FGTS, o seguro contra acidente de trabalho e a indenização por responsabilidade civil como direitos dos trabalhadores, coisa diversa é a natureza jurídica de cada uma das parcelas. O que vai definir a regra de prescrição é a natureza jurídica da parcela e não o fato de estar ou não elencada no rol do artigo 7º da CF/88.

Já é ponto pacífico na doutrina constitucional que a lei maior não deve ser interpretada gramaticalmente, muito menos se emprestar grande relevância apenas à técnica redacional do constituinte originário, na medida em que, sendo ela um documento político, as palavras empregadas não foram colocadas de modo técnico.

O Professor Doutor LUÍS ROBERTO BARROSO retrata em sua obra quais eram as perspectivas fáticas do momento político de formação da atual Constituição:

"É inegável que a Constituição de 1988 tem a virtude de espelhar a reconquista dos direitos fundamentais, notadamente os de cidadania e os individuais, simbolizando a superação de um projeto autoritário, pretensioso e intolerante que se impusera no País. Os anseios de participação, represados à força nas duas décadas anteriores, fizeram da constituinte uma apoteose cívica, marcada, todavia, por interesses e paixões.

Além das dificuldades naturais advindas da heterogeneidade das visões políticas, também a metodologia de trabalho utilizada contribuiu para as deficiências do texto final. Dividida, inicialmente, em 24 subcomissões e, posteriormente, em 8 comissões, cada uma delas elaborou um anteprojeto parcial, encaminhado à Comissão de Sistematização. Em 25 de junho do mesmo ano, o relator desta Comissão, Deputado Bernardo Cabral, apresentou um trabalho em que reuniu todos estes anteprojetos em uma peça de 551 artigos!

A falta de coordenação entre as diversas comissões e a abrangência desmensurada com que cada uma cuidou do seu tema foram responsáveis por uma das maiores vicissitudes da Constituição de 1988: as superposições e o detalhismo minucioso, prolixo, casuístico, inteiramente impróprio para um documento dessa natureza. De outra parte, assédio dos lobbies, dos grupos de pressão de toda ordem, geraram um texto com inúmeras esquizofrenias ideológicas e densamente corporativo.

A crítica, cabível e necessária, não empana o seu caráter democrático, mas apenas realça a fisionomia ainda imatura de um País fragilizado pelas sucessivas rupturas institucionais e pela perversidade de suas relações sociais. Como protagonista e beneficiária das disfunções atávicas da sociedade brasileira, sobrepaira uma classe dominante – a elite econômica e intelectual – que jamais se interessou ou foi capaz de elaborar um projeto generoso de país, apto a integrar à cidadania, ao consumo mínimo, enfim, à vida civilizada, os enormes contingentes historicamente marginalizados." (O Direito Constitucional e a Efetividade de suas Normas, 8ª edição, Renovar, 2006, pág. 41/42).

Certamente sabedor dessas vicissitudes e esquizofrenias da Constituinte, foi que o Ministro do Supremo Tribunal Federal SYDNEY SANCHES advertiu que:

"Porém, muito embora a teoria do Direito Constitucional aponte para a presunção de correção dos termos pousados nas constituições, ante o alto grau de elaboração e análise a que foi submetido o texto, não se haverá olvidar que o nosso processo constituinte foi feito de maneira bastante insatisfatória e atravancada, apesar do longo período elaborativo, legando à Norma Suprema o infeliz apelido de ‘colcha de retalhos’. Deve ser visto com a devida cautela o critério interpretativo de conceder muita importância ao uso dos termos, haja vista a freqüência com que se usou um termo por outro na Constituição Federal." (STF – Tribunal Pleno - ADIn 378-DF – Rel. Min. Sydney Sanches – RTJ 143:27, 1993).

E a utilização de um termo por outro, como diz o afamado Ministro, é que foi apontado como um dos grandes erros da leitura gramatical do artigo 7º, pois tanto o termo relação de trabalho foi utilizado indistintamente para representar relação de emprego, como os direitos catalogados no rol do citado artigo não são todos eles direitos trabalhistas típicos, de forma que a simples positivação no inciso XXIII do direito do empregado às indenizações por responsabilidade civil em face do empregador não tem o condão de alterar a natureza jurídica das indenizações. Muito menos, rogata máxima venia, não há como defender que somente após a edição da Emenda Constitucional 45 de 2004 que as indenizações por responsabilidade civil passaram a ter natureza trabalhista, como verberam alguns, para justificar a adoção de critério misto, ora entendendo que a prescrição era a civil nas ações acidentárias julgadas pela Justiça Comum, ora entendendo que as mesmas ações, agora de competência da Justiça do Trabalho, devam ter a aplicação da prescrição do artigo 7º da Constituição Federal.

Ora, o texto do artigo 7º não foi alterado pela Emenda Constitucional 45, nem uma vírgula, que fique bem claro, daí não havendo qualquer razão, mesmo que superficialmente fundamentada, que possa sustentar a adoção da corrente mista que entende que a Reforma do Judiciário é o divisor de águas da prescrição.

E justamente àqueles que pregam a interpretação literal da Constituição quanto ao inciso XXIX do artigo 7º, vacilam ao defender que quanto aos danos morais pós-contratuais, como a difamação de um ex-empregado por seu anterior empregador, a prescrição deve ser a bienal, contada da lesão do direito, ou seja, do ato lesivo ocorrido após o fim do pacto. Para estes, ou uma posição ou outra. Ou se considera a interpretação literal da Carta Maior e não altere o marco bienal, que deve ser contato sempre do fim do contrato, ou se considere a prescrição civil. Como responder à indagação de qual será o prazo de prescrição para os danos morais pós-contratuais ocorridos após três anos do fim do contrato de emprego? Nesta situação, a corrente contraposta a nossa, flexibilizará a interpretação literal do inciso XXIX para arrastar o prazo bienal para a data do fato jurídico ocorrido após o fim do pacto e porque não, guardando coerência com a mesma interpretação sistemática que fizeram, também não emprestar interpretação meramente gramatical em relação ao termo créditos trabalhistas e a positivação das indenizações por responsabilidade civil a cargo do empregador do inciso XVIII?

Há exatamente uma década, o emérito Professor Doutor RENAN LOTUFO já defendia a competência da Justiça do Trabalho para o julgamento das ações que envolviam responsabilização civil do empregador em caso de acidente de trabalho, bem como defendia a aplicação da prescrição civil já que a natureza jurídica das indenizações não era trabalhista, mas sim civil. Eis trecho de sua lição:

"Ocorre que essa é uma matéria de Direito Pessoal, personalíssimo inclusive, da lesão sofrida pela pessoa e, por isso mesmo, por ser uma ação relativa ao Direito Pessoal o prazo prescricional é o vintenário." (Indenização por acidente de trabalho fundada no direito comum. Revista do Advogado, nº 49, São Paulo, AASP, dezembro de 1996, pág. 18).

Capitaneando a tese majoritária de aplicação da prescrição constitucional, O Professor Doutor da Universidade de São Paulo ESTEVÃO MALLET defende que:

"De todo modo, qual é a prescrição para reclamar a indenização decorrente de acidente de trabalho?

Respondo que, se a pretensão é trabalhista, se a controvérsia envolve empregado e empregador, se a competência para julgamento da causa é da Justiça do Trabalho, a prescrição é e só pode ser a trabalhista, do artigo 7º do inciso XXIX, da Constituição, e não a prescrição civil, de 20 anos, no antigo Código, e de 3 anos, no novo. Não importa que a responsabilidade civil seja assunto disciplinado no Código Civil. O que importa é que a pretensão é trabalhista, porque decorre diretamente do contrato de trabalho. Não se pode dizer, de outro lado, que a regra especial de prescrição do Direito Civil prevalece ante a regra geral do Direito do Trabalho. O art. 7º, inciso XXIX, da Constituição, disciplinou o prazo prescricional trabalhista, sem estabelecer exceções." (O novo Código Civil e o Direito do Trabalho, publicado na Revista Eletrônica Júris Plenum, CD 1, ed. 70, Editora Plenum, março/abril de 2003).

Com todas as vênias que merece o afamado professor paulista, verifico que em suas justificativas há confusão com a natureza jurídica do instituto da responsabilidade civil, facilmente perceptível quando primeiramente diz ele que a pretensão de indenização é trabalhista, para logo adiante, em sentido oposto, asseverar que a relação jurídica está disciplinada no Código Civil. Se a relação material está disciplinada no Código Civil é lógico que a pretensão é civil e não trabalhista e, por corolário lógico, a prescrição deve ser àquela prevista no CC/2002. A não ser assim, admitir-se-ia que as pretensões de recebimento de parcela previdenciária (v.g. auxílio-doença acidentário) devem sofrer incidência das regras de prescrição da Constituição Federal, pois decorrem diretamente da existência do vínculo de emprego e o seu direito está garantido na primeira parte do inciso XXIII, nada importando que a disciplina legal do tema esteja na legislação previdenciária.

Igualmente peca quando confunde competência para julgamento com as regras de direito material a serem aplicadas no julgamento de fundo. Se toda ação que se encontra sob apreciação do Judiciário Trabalhista demanda aplicação de regras de Direito do Trabalho, o que dizer da previsão expressa do parágrafo único do artigo 8º da CLT, com muito mais razão porque se admite a prescrição trintenária dos depósitos para o FGTS?

Não há como argumentar que o prazo especial do Código Civil deve ou não prevalecer sobre o prazo ordinário constitucional, pois só há prevalência de uma regra sobre outra quando ambas são aplicáveis igualmente na mesma situação. Aí sim, há que se perquirir quanto ao confronto de regras, solucionável pelos critérios da hierarquia, temporalidade e da especialidade. Coisa diversa é a hipótese em estudo, em que só há uma regra de direito material a ser aplicada: a do Código Civil, pois não há qualquer confronto que justifique questionamento de incidência dos princípios da norma mais favorável ou da condição mais benéfica.

Por fim, não é correta a afirmação de que a Constituição Federal fixou um único prazo uniforme de prescrição para todas as pretensões de caráter trabalhista. O que a Carta Política fixou, desapegada da melhor técnica, como visto, foram os prazos de prescrição das verbas tipicamente trabalhistas, que decorrem logicamente e ordinariamente dos contratos de emprego e não àquelas verbas extraordinárias ou acidentais como são as de responsabilização civil por acidente de trabalho.

É esta a idêntica conclusão do Professor Doutor da Universidade de São Paulo e magistrado trabalhista, JORGE LUIZ SOUTO MAIOR, que assim vaticina:

"Sob o ponto de vista de nossa investigação, ademais, relevante notar que a própria Constituição especifica o instituto em questão como indenização e, por óbvio, indenização não é crédito que decorra da relação de trabalho, não se lhe podendo, também por esse motivo, fazer incidir a regra da prescrição trabalhista, prevista na mesma Constituição." (A Prescrição do Direito de Ação para Pleitear Indenização por Dano Moral e Material decorrente de Acidente do Trabalho, publicado no site da Associação dos Magistrados do Trabalho da 10ª Região, fev. de 2006).

Um último argumento deve ser desfraldado para a demonstração de que as indenizações por acidente do trabalho ou doenças ocupacionais não são verbas de caráter trabalhista. A nova Lei de Falências e de Recuperação de Empresas, Lei 11.101 de 2005, em seu artigo 83, classifica a ordem de preferência dos créditos para quitação aos credores do falido, senão vejamos:

"A classificação dos créditos na falência obedece a seguinte ordem:

I – os créditos derivados da legislação do trabalho, limitados a 150 (cento e cinqüenta) salários-mínimos por credor; e os decorrentes de acidentes do trabalho.".

Destarte, se as indenizações por acidentes do trabalho fossem verbas de natureza trabalhista típica não haveria qualquer razão para o novel legislador fazer a distinção entre créditos derivados da legislação do trabalho e aqueles decorrentes de acidentes do trabalho. Mais uma prova de que as ações de responsabilidade civil propostas em face do empregador não contém pedidos trabalhistas típicos e que os créditos resultantes da condenação não são considerados decorrentes da legislação do trabalho. Daí porque afastada está a prescrição constitucional (inciso XXIX).

Firmada esta segunda premissa quanto à natureza jurídica das parcelas e a íntima ligação com o prazo de prescrição aplicável, descortina-se, por completo, a erronia da tese mista que defende a aplicação dos prazos do Código Civil para as ações ajuizadas antes da EC 45 de 2004 e o prazo prescricional constitucional para as ações que foram ajuizadas após a publicação da emenda, cuja tese ganha fôlego e ares de sedimentação dentro do TRT da 23ª Região [15].

Com efeito, a alteração de competência para a Justiça do Trabalho das citadas ações de acidente do trabalho não teve o condão de alterar a natureza jurídica das indenizações de responsabilidade civil. Se, para os defensores desta corrente, o inciso XXIII do artigo 7º da CF/88 é que garante a natureza trabalhista das indenizações, então o prazo prescricional deveria ser o do inciso subseqüente desde 1988. Ora, o texto da Constitucional é o mesmo desde 1988, no que pertine ao inciso XXIII, e somente em razão de alteração de competência passou-se a entender que a sua natureza jurídica deixou de ser civil para ser trabalhista? Qual a razão jurídica para citada conclusão?

Evidentemente que não há resposta abalizada para as perguntas feitas, isso porque a natureza jurídica das indenizações por acidente de trabalho foi, é e sempre será de natureza jurídica civil e não trabalhista. Com todas as vênias, não é uma única decisão do e. STF em ação com efeitos inter partes [16] que vai ter o condão de alterar a natureza jurídica da responsabilidade civil e abrir a possibilidade de se entender que apenas após a EC 45 de 2004 que o prazo de prescrição passou a ser o do inciso XXIX do artigo 7º da CF/88.

Para estes, que defendem que a prescrição trabalhista do inciso XXIX do artigo 7º da CF/88 é aplicável em razão da previsão do anterior inciso XXIII, devem ao menos ser coerentes e defender que a prescrição sempre foi a da Carta Maior, independentemente da competência da Justiça Comum Estadual antes da Emenda Constitucional 45 de 2004, ou a Justiça Comum não deveria observar as regras da Constituição em seus julgados, independentemente do artigo estivesse positivada a regra prescricional?

Vejamos com um exemplo simples quais as deturpações pode ocasionar a aplicação da tese da prescrição constitucional. Um edifício contrata um prestador de serviços para fazer a pintura externa do prédio e coloca dois de seus empregados para auxiliá-lo. Imaginem que os três estejam pendurados em um andaime do lado de fora do prédio realizando as tarefas e por culpa dos prepostos do edifício os três caem do andaime e verifica-se a seguinte situação fática: o prestador de serviços machuca-se gravemente, um dos empregados morre e o outro empregado do condomínio fica levemente ferido. A se adotar a tese da prescrição do inciso XXIX aos empregados, teríamos a curiosa situação do prestador de serviços, como não é alcançado pela regra constitucional, ter o prazo de três anos para ajuizar a ação de responsabilidade em face do contratante (artigo 206 do Código Civil). O empregado sobrevivente terá o prazo de cinco anos, conforme a regra constitucional, e o espólio do empregado que faleceu tem apenas dois anos para exercício dos direitos, já que o contrato se extinguiu com a morte (parte final do inciso XXIX do artigo 7º). Isso sem falar nas dúvidas quanto ao prazo prescricional aplicável aos herdeiros quando estes pleiteiam indenizações em nome próprio.

Com efeito, os trabalhadores que deveriam ter maior proteção da lei, ficam subjugados, notadamente o falecido, cujo espólio terá prazo menor que o prestador de serviços para exercer a pretensão, isso sem falar que em relação a ambos os empregados, aquele que sofreu maior dano [17] (falecimento) terá prazo menor que a metade do prazo do colega supérstite (levemente ferido) para ajuizar a ação.

Idênticas deturpações não são verificadas quando da aplicação do prazo de prescrição do Código Civil, pois todas as pretensões dos três trabalhadores lesados prescreverão em idêntico prazo de três anos, pacificando a relação jurídica e voltando à idéia inicial deste trabalho, qual seja de que a prescrição nasceu com o objetivo de acabar com as incertezas das relações sociais e não como mais um peso a ser suportado pelos jurisdicionados que, hodiernamente, não têm qualquer segurança quanto ao prazo prescricional a ser aplicado às suas pretensões.

A razão de ser do instituto vem sendo esquecida.

Fica a nossa proposta à reflexão e ao debate [18].


Notas

01 Quanto às ações constitutivas o prazo é de decadência e as declaratórias são imprescritíveis.

02 Ressalvando as situações, não muito comuns na Justiça do Trabalho, de processos com um único pedido ou com alguns poucos pedidos, quando a incompetência do Juízo para todos os pedidos acarretará a remessa dos autos ao Juízo competente, sem extinção do processo.

03 Por todos: "PRESCRIÇÃO – DANO MORAL – Em se tratando de dano moral decorrente da relação de trabalho, é competente a Justiça do Trabalho para apreciar o pedido de indenização. Proposta a ação quando ultrapassado o biênio após a extinção do contrato está prescrita a pretensão ao pagamento da indenização correspondente. Recurso de revista conhecido e não provido." (TST – RR 70/2003-005-13-00.0 – 5ª T. – Rel. Min. Aloysio Corrêa da Veiga – DJU 16.09.2005).

04 Na verdade, eram proclamadas três máximas fundamentais do Direito: viver honestamente, não lesar a ninguém e dar a cada um aquilo que é seu (honeste vivere, neminem laedere, suum cuique tribuere), nas exatas palavras do jurisconsulto romano DOMÍCIO ULPIANO.

05 Já havendo corrente doutrinária de fôlego, entre os quais me incluo, defendendo a competência da Justiça do Trabalho nesse particular, inclusive com adeptos dentro do TRT da 23ª Região.

06 Remetemos o leitor ao segundo capítulo deste trabalho, quando fizemos a distinção entre a violação do direito e o nascimento da pretensão, para concluirmos que a pretensão não nasce diretamente da violação do direito, mas do momento em que todas as condições de exigibilidade da prestação material foram satisfeitas. Concluímos que está superada a tese da actio nata.

07 Com todas as ressalvas quanto ao momento de configuração do dano nas hipóteses de doenças ocupacionais, tema que empolgou a edição da Súmula 278 do STJ, mas que seu aprofundamento foge dos estritos limites deste singelo trabalho.

08 Igual conclusão foi trilhada pela 1ª Jornada de Direito Civil promovida pelo Superior Tribunal de Justiça: "A partir da vigência do novo Código Civil, o prazo prescricional das ações de reparação e danos que não houver atingido a metade do tempo previsto no CC/1916 fluirá por inteiro nos termos da nova lei (CC 206)".

09 Prova maior da robotização dos operadores do direito são as Súmulas Vinculantes e as Escolas Nacionais de formação de juízes, promotores e advogados, que ao invés de incentivarem o raciocínio crítico, investem na formação de meros repetidores de Súmulas e posicionamentos pacificados, fenômeno ao qual se emprestou o epíteto de disciplina judiciária, mas que, na verdade, concessa venia¸ retira todo o humanismo e percuciência pessoal dos operadores jurídicos quando da análise de cada caso concreto e cessa a principal via de renovação e aprimoramento do Direito.

10 Deve-se ressaltar que a jurisprudência majoritária, analogicamente, tem estendido aos domésticos o prazo de prescrição do inciso XXIX do artigo 7º da CF/88.

11 Após a dúvida que se teve quanto à natureza jurídica do FGTS, o e. Supremo Tribunal Federal, no julgamento do célebre RE 100.249-2, pacificou a controvérsia, pelo que foi acompanhado pelos demais Tribunais do país, reconhecendo à natureza jurídica previdenciária do fundo, daí porque aplicar o prazo de prescrição do artigo 23 da Lei 8.036 de 1990, face a sua natureza jurídica diversa em relação aos créditos trabalhistas típicos.

12 RR 1189/2003-100-03-00.0.

13 Nesse sentido Sebastião Geraldo de Oliveira. Indenizações por Acidente do Trabalho ou Doença Ocupacional, LTr, 2005 e Eduardo Fornazari Alencar. A prescrição do dano moral decorrente de acidente do trabalho, LTr, 2004.

14 Prazo prescricional do artigo 104 da Lei 8.213 de 1990.

15 E também em outras Regiões da Justiça do Trabalho, sempre fortes nas lições do professor e magistrado Sebastião Geraldo de Oliveira, cujo acórdão de sua relatoria sintetiza a sua posição, verbis:

"INDENIZAÇÃO POR ACIDENTE DO TRABALHO OU DOENÇA PROFISSIONAL. PRESCRIÇÃO. AÇÕES AJUIZADAS APÓS A EC/45/2004. A indenização por acidente de trabalho é um direito de natureza trabalhista, a teor do disposto no artigo 7º, inciso XXIX, da Constituição da República, que estabelece que : "São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social : (...) XXVIII – seguro contra acidentes de trabalho, a cargo do empregador, sem excluir a indenização a que este está obrigado, quando incorrer em dolo ou culpa ". Com efeito, a referida indenização constitui um crédito resultante da relação de trabalho, ainda que atípico, porquanto proveniente de um ilícito trabalhista. Após a edição da Emenda Constitucional n. 45/2004 ficou ainda mais evidente a natureza jurídica trabalhista do direito à indenização por dano moral e material decorrente de acidente do trabalho, em face da nova redação dada ao artigo 114 da Constituição da República. Dessa sorte, para as ações ajuizadas a partir da vigência da Emenda n. 45/2004, é imperioso concluir que a prescrição aplicável é a trabalhista." ( TRT 3ª Região, processo n. 00805-2005-RO, Rel. Juiz Sebastião Geraldo de Oliveira, 2ª. Turma, DJMG de 10.03.2006, p. 9 ).

16 CC 7.204-1 MG.

17 Ressalvando novamente o espólio no pólo ativo da ação.

18 Críticas e sugestões serão sempre muito bem aceitas, tanto para o aprofundamento do debate, quanto para o aprimoramento do nosso parco conhecimento: <[email protected]>


Autor

  • André Araújo Molina

    André Araújo Molina

    Doutorando em Filosofia do Direito (PUC-SP), Mestre em Direito do Trabalho (PUC-SP), Especialista em Direito do Trabalho e Direito Processual Civil (UCB-RJ), Bacharel em Direito (UFMT), Professor da Escola Superior da Magistratura Trabalhista de Mato Grosso e Juiz do Trabalho Titular na 23ª Região.

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Informações sobre o texto

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MOLINA, André Araújo. A prescrição das ações de responsabilidade civil na Justiça do Trabalho. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1378, 10 abr. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/9698. Acesso em: 29 abr. 2024.