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Norberto Bobbio

perfil intelectual do jurista e do teórico da democracia

Norberto Bobbio: perfil intelectual do jurista e do teórico da democracia

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No início deste novo século, Norberto Bobbio é o intelectual italiano mais conhecido no estrangeiro. Franco-atirador, espírito independente e irrequieto, o seu pensamento constitui uma referência na esquerda europeia.

1. Introdução

Nascido a 18 de Outubro de 1909 e tendo falecido a 9 de Janeiro de 2004, em Turim, Norberto Bobbio foi, como um dos seus colaboradores mais próximos o qualificou [02], uma testemunha fundamental dos acontecimentos que ocorreram no século XX e que marcaram a história da Europa e do mundo.

Actor privilegiado no combate intelectual que conduziu ao confronto entre as três principais ideologias do século XX – o fascismo-nazismo, o comunismo e a democracia liberal – responsável, em grande parte, pela arquitectura do sistema internacional e sua modelação bipolar (pelo menos até ao Inverno de 1989), Bobbio foi pensador, activista político, professor de direito e, mais tarde, de ciência política, mas, sobretudo, um protagonista da esquerda europeia.

O seu pensamento circunscrito, durante grande parte da fase da maturidade da sua carreira ao círculo restrito dos meios intelectuais italianos, tornou-se, gradualmente, apreciado no mundo de língua espanhola, francesa e inglesa, primeiro por força dos seus estudos de filosofia do direito, sobre o jusnaturalismo e positivismo jurídicos, seguidamente nos estudos constitucionais, depois nos seus ensaios e controvérsias com a esquerda comunista e socialista sobre democracia representativa, o ofício dos intelectuais, a natureza e as múltiplas dimensões do poder, a díade esquerda-direita, o futuro de um socialismo não-marxista e democrático, e finalmente os problemas da relação truculenta entre ética e política.

A leveza, erudição e classicismo do seu pensamento filosófico e político naquilo que já no fim da vida designou como a visão do velho e o reencontro das memórias [03] são, porventura, responsáveis por um acrescido interesse pela sua obra e pensamento, nomeadamente com a reedição em várias línguas dos seus ensaios políticos e filosóficos [04]. Ensaios que guardam um irresistível sabor narrativo e ético-histórico, mas combinam-no com uma básica actualidade na revisitação dos eternos postulados teóricos do debate filosófico como a liberdade, a igualdade, a tolerância, o pluralismo, os quais como que matizam uma concepção de justiça que tem sido avaro em reconhecer. [05] [06]

Duas notas bibliográficas. Norberto Bobbio nasce em Turim numa família burguesa piemontesa tradicional, filho de um médico-cirurgião, Luigi Bobbio, neto de António Bobbio, professor primário, depois director escolar, católico liberal que se interessava por filosofia e colaborava, periodicamente, nos jornais. Tem uma infância e adolescência «felizes», vive numa família abastada, com criadas e motorista. Inicia-se no gosto da leitura com Bernard Shaw, Balzac, Stendhal, Shelley, Benedeto Croce, Thomas Mann e vários outros. É amigo de infância do escritor Cesare Pavese com quem convive e aprende inglês através da leitura de alguns clássicos: ele era o professor, eu o aluno. Lia, depois traduzia e comentava. [07]

Não obstante as origens abastadas e o estrato social elevado a que pertence, por força da posição social do pai, tem uma educação liberal e aberta. Diz na sua Autobiografia: «na minha família nunca tive a impressão do conflicto de classe entre burgueses e proletários. Fomos educados a considerar todos os homens iguais e apensar que não há nenhuma diferença entre quem é culto e quem não é culto, entre quem é rico e quem não é rico». [08]

E regista: «recordei esta educação para um estilo de vida democrático numa página de Direita e Esquerda em que confesso ter-me sentido pouco à vontade diante do espectáculo das diferenças entre ricos e pobres, entre quem está por cima e por debaixo na escala social, enquanto o populismo fascista tinha em mira arregimentar os italianos dentro de uma organização social que cristalizasse as desigualdades». [09]

Mas a consciência política adquire-a, tardiamente, e relembra: não foi no cortiço familiar que amadureci a aversão ao regime mussoliniano. Eu fazia partre de uma família filofascista como de resto o era grande parte da burguesia. [10]

Adquire a educação política no liceu Massimo d’Azeglio, nas aulas de Augusto Monti, amigo de Piero Gobetti e colaborador na revista La Revoluzioni Liberali, na convivência como Leone Ginzburg, judeu russo, de quem se diz impressionado por uma inteligência viva, um «antifascista abosluto». Completa-o na Universidade na companhia de Vittorio Foa, «antifascista de sempre». Ambos, regista, fazem-no sair, pouco a pouco do «filofascismo familiar». [11]

Acaba no liceu em 1927 e inscreve-se na Faculdade de Jurisprudência, na Universidade de Turim. Convive com professores notáveis que lhe ajudam a moldar a personalidade, os gostos e a traçar o seu próprio caminho: Francesco Ruffini, Luigi Einaudi, Gioele Solari. Em 1931 licencia-se em Jurisprudência com uma tese de Filosofia do Direito. O orientador é Gioele Solari com quem se licenciara Piero Gobetti em 1922 e que será um dos seus maestros mais reverenciados, [12] que substituirá anos mais tarde na cátedra de Filosofia do Direito. Inscreve-se no terceiro ano de Filosofia com o objectivo de tirar um segundo curso, licenciando-se em 1933 com uma tese sobre a fenomenologia de Husserl, [13]orientada por Annibate Pastore.

Nessa década de trinta frequenta o círculo de oposição ao regime de Barbara Allason, e é preso em Maio de 1934 conjuntamente com Vittorio Foà numa acção policial do regime contra o grupo liberal Giustizia e Libertà, não obstante não militar nele. É condenado à pena mais leve, a de advertência.

Em 1935 obtém um lugar de docente de Filosofia de Direito na Universidade de Camerino, mas são-lhe levantadas dificuldades dada a prisão e a pena de advertência a que é condenado. Escreve a Mussolini pedindo que lhe seja removida a pena. A carta é pungente e será sessenta anos mais tarde citada como prova de fraqueza e de cedência dos intelectuais antifascistas. [14] Declara a este propósito ao jornalista Giorgio Fabre que subscrevera a peça Alla lettera no semanário «Panorama»: «quem viveu a experiência do Estado de ditadura sabe que é um Estado diferente de todos os outros. E até esta minha carta, que agora me parece vergonhosa o demonstra (…) A ditadura corrompe o espírito das pessoas. Constrange à hipocrisia à mentira ao servilismo.»

Conquistada a cátedra em Camerino é chamado para a Universidade de Siena em fins de 1938, onde permanece dois anos. Em Dezembro de 1940 obtém a cátedra de Filosofia de Direito na Faculdade de Jurisprudência da Universidade de Pádua.

A sua entrada no antifascismo activo em Camerino faz-se por via do movimento liberal-socialista reunido à volta de Guido Calogero, Aldo Capitini, Umberto Morra do Lavriano, Cesare Luporini que irá incorporar alguns anos mais tarde o Partito d’Azioni. O «proselitismo» escrevia um companheiro seu da frente liberal-socialista, Rugero Zangrandi, [15] «era a actividade de base aguardando o dia em que as coisas mudariam, integrada por tímidas acções de propaganda que se transformavam, no entanto, numa aprendizagem para a luta». O movimento liberal-socialista é uma rede de grupos de oposição que se constitui espontaneamente nas universidades, nas colectividades recreativas, nas associações religiosas e nos organismos culturais, perante o que Zangrandi designa pelo «degelo das consciências» na sequência da promulgação das leis raciais e constitui o primeiro movimento cultural antifascista de inspiração não marxista que se afasta da tradição crociana e que consegue exprimir as suas aspirações sociais e libertárias, «dando resposta às exigências mais vivas da juventude intelectual».

Como Norberto Bobbio sublinhará, décadas mais tarde, em Maestri e Compagni, [16] como que antecipando o seu próprio caminho intelectual e político: «embora proclamando-se liberal-socialista, desde o princípio o movimento fez questão de distinguir o seu liberal-socialismo do dos outros pelo empenho ético-religioso e não apenas político de que o animara. Refutou sempre tenazmente a absolutização da política (que era a saída do totalitarismo) e por isso a resolução de todas as actividade humanas na actividade política, na confusão dos movimentos sociais com os partidos. O liberal-socialismo não era ao princípio (e nunca deveria tornar-se) um partido; era uma atitude de espírito, uma abertura numa direcção, uma certeza e uma esperança em contínua renovação, uma orientação de consciência». É por via dessa postura mais ética e valorativa que politicamente militante que prefigurará anos mais tarde a ponte entre as sensibilidades liberal-socialista de Guido Calogero e Aldo Capitini e o socialismo-liberal pós-marxista de Carlo Rosselli. Em 1941 é fundado o Partido de Acção e o movimento liberal-socialista conflui nele, forçando a entrada da Itália na guerra a passagem do movimento à oposição.

Mais que um verdadeiro e organizado partido de massas, o Partito d’Azioni une os conspiradores contra o fascismo, alimenta o sonho do derrube do mussolinismo e da transição para a democracia, ao mesmo tempo que concebe a ideia de uma combinação harmoniosa entre a tradição europeia e britânica de um liberalismo ético materializado nas instituições da democracia representativa e um programa de ampla justiça social que liberte a Itália e os italianos da pecha do subdesenvolvimento. [17]

A origem do seu antifascismo e a sua ideia classista do papel do intelectual, como consciência crítica da Nação e pedagogo, devem procurar-se na tradição do Risorgimento, na tradição laica e anticlerical que andou sempre associada aos meios intelectuais, no liberalismo ético de um Benedetto Croce [18], no liberalismo europeu de Guido de Ruggiero [19], no socialismo-liberal de Piero Gobetti, Guido de Calogero e Aldo Capitini ou mais remotamente, no século XIX, no pensamento de Carlo Cattaneo [20].

Em 1948, Bobbio transfere-se para a Universidade de Turim cabendo-lhe, primeiro, a regência da cadeira de Filosofia do Direito e depois, a partir de 1972, a de Filosofia Política. A sua dupla atracção pelo direito e pela filosofia mas também pela história das ideias, influenciam um percurso académico distinto do que era tradicional, em Itália, num professor de direito. Ao leccionamento das matérias da filosofia do direito e da teoria das relações jurídicas, Bobbio associa cursos monográficos, de carácter histórico, destinados a divulgar o pensamento dos grandes filósofos e das principais correntes da História das Ideias (e da Filosofia). Estes cursos, como o sublinha Celso Lafer [21], inspiram-se no seu mentor e mestre, Gieole Salori, que divulgara através de apostilas e monografias pensadores como Grotius, Spinoza, Locke, Kant e Hegel «à maneira de um professor da Faculdade de Filosofia e não de uma Faculdade de Direito».

O seu interesse pela história das ideias leva-o a partir de 1962 a leccionar Ciência Política conjuntamente com Filosofia de Direito, constituindo a sua cátedra em Turim paralelamente à de Giovanni Sartori, em Florença, as primeiras na área das Ciências Sociais, em Itália. Em 1972, transita para a Faculdade de Ciências Políticas da mesma cidade, indo substituir Alessandro Passarin d’Entrèves na cátedra de Filosofia Política. Dirige vários cursos, nomeadamente ‘’Teoria das formas do governo na história do pensamento político em que perspectiva a partir da trilogia clássica das formas de governo (monarquia, aristocracia e democracia) a história das tipologias e a formação do pensamento democrático.

Sete anos depois (1979) jubila-se da actividade docente, com setenta anos, mas mantém-se activo na reflexão e na escrita. É substituído pelo seu discípulo Michelangelo Bovero que organizará no fim dos anos 90 uma compilação de apontamentos das suas aulas sob o título Teoria Geral da Política – a filosofia política e as lições dos clássicos. É membro nacional da Academia dei Lincei, desde 1966 e membro correspondente da British Academy, desde 1965.

Dedica os vinte anos seguintes à escrita, ao comentário político e ensaístico, à polémica, ao sabor dos acontecimentos que marcam a vida política italiana. Assume-se a mor das vezes como observador e analista independente, incapaz de se acomodar a uma militância e alinhamento partidários que no fundo julga inibidor e desinteressante. Recusa ostracizar os comunistas, sustenta um diálogo democrático com eles, vendo «não adversários mais interlocutores».

Inconformado com o beco sem saída que o socialismo italiano se remete, Bobbio traz, sobretudo nos anos 70, uma contribuição central ao debate político italiano na revisão dos postulados do socialismo, perguntando em Quale socialismo? [22] o que é que poderia ajudar a resolver a grande contradição entre os dois modelos contrapostos, porquanto quer um quer outro se revelam amplamente insatisfatórios. Polemiza com Togliatti e com Galvano Della Volpe, estudiosos marxistas, «tentando reconhecer as razões que podem ter as pessoas com ideias diferentes das suas».

Na sequência do envolvimento no debate socialista, quebra a promessa que fizera a si próprio de se afastar definitivamente da política partidária, quando o sonho de uma alternativa política liberal se esfumara perante a realidade dos dois partidos de massas dominantes: a democracia-cristã e o partido comunista.

Empenha-se na batalha política que em 1976 leva o PSI das mãos de Francesco de Martino às de Bettino Craxi. Faz parte do grupo de dissidentes que tenta opor-se a Craxi defendendo a candidatura de Giolitti no Congresso de Turim (30 de Março a 2 de Abril de 1978), mas Craxi vence e abre nos dias seguintes ao Congresso as hostilidades contra os comunistas e Berlinguer. Bobbio discorda e di-lo numa carta a Craxi. O afastamento em relação à linha oficial prefigurada por Craxi acentua-se. No Congresso de Verona de Maio de 1984, que reforça o poder pessoal do secretário do PSI, eleito por aclamação, Bobbio escreve em La Stampa uma contundente denúncia dos meandros do poder partidário sob o título irónico La democrazia dell’ aplauso [23] a que Craxi responde. O desencontro entre os dois reatar-se-á em 1987 e 1990 a propósito das reformas introduzidas no programa eleitoral do PSI para as eleições de 14 de Junho de 1987 e de uma conferência organizada pelos socialistas sobre as reformas institucionais e o diálogo com os comunistas. A carta de 12 de Novembro de 1990 citada na sua Autobiografia [24] é a todos os títulos um espelho de uma postura e de uma independência incómoda e incomodada:

Nunca fui comunista, como sabes, mas agora que com o ruir do comunismo histórico teria surgido a ocasião propícia para uma grande iniciativa unitária, a pequena polémica quotidiana parece-me absolutamente estéril. (Bobbio refere-se ao editorial do Avanti órgão oficial do PSI que é dedicado nove em cada dez vezes a qualquer tareia polémica com os comunistas, sic). Na minha opinião não basta mudar o nome do partido, pôr a «unidade» no título e aguardar que o filho pródigo retorne à casa paterna. Sem uma grande iniciativa, receio que não vá tornar (…) [25] Mas eu não sou político, sou apenas um observador. Não exprimo propriamente uma opinião e muito menos faço propostas. Limito-me a expressar uma impressão.

Essa reflexão sobre os caminhos irreconciliáveis entre uma postura cívica digna e as contradições do envolvimento partidário é continuada em Liberalismo e Democracia [26] e em inúmeros artigos recolhidos em ‘’l’Utopia capovolta’’ (a utopia virada ao contrário) [27] ainda inédito fora de Itália.

Em 18 de Julho de 1984 é nomeado senador ad vitam pelo Presidente Sandro Pertini (juntamente com o escritor católico Carlo Bo). [28] Inscreve-se no grupo socialista, como independente integra a Comissão de Justiça do Senado (pertence agora ao grupo parlamentar Democratici di Sinistra-L’Ulivo). Nesse mesmo ano, Bobbio deixa definitivamente a vida universitária, com setenta e cinco anos, e a Faculdade de Ciência Políticas concede-lhe por unanimidade o título de professor emérito. Inicia uma nova actividade pública - a colaboração em La Stampa – e trata matérias da sua predilecção: o pluralismo, os conteúdos do socialismo, a relação com a violência, a terceira via, a crise das instituições. Parte dos artigos serão compilados em Le ideologie e il potere en crisi que sairá em 1981 [29] , seguida anos mais tarde por L’utopia capovolta [30] .

A traumática reconfiguração política italiana iniciada em 1992, quando o sistema político italiano se desmorona como um castelo de cartas em razão da corrupção, das ligações entre a Mafia e a Democracia Cristã de Andreotti, da inépcia da classe política de perceber as mudanças profundas ocorridas na sociedade, de um sistema político que titubeia ao sabor dos governos que se formam e caiem, mobilizam-no para o combate ético e moral, alertando os seus concidadãos para a frágil sustentabilidade da vida democrática, num país com grandes tradições autoritárias e que só conheceu, tardiamente, a unidade política.

Perturba-o uma sociedade que leva muito tempo a recuperar do trauma do assassinato de Aldo Moro às mãos das Brigadas Vermelhas [31] que se contenta com uma justiça parcial face à nuvem de acusações, nunca deslindadas, da cumplicidade da Democracia Cristã, da polícia e dos serviços secretos italianos na sua eliminação. Como escreve Gregorio Peces-Barba Martinez, [32] ao ser visitado na sua casa no dia em que perfaz 90 anos, pelo presidente do Senado, Nicola Manzino, que o felicita pelo aniversário, relembra a ideia do labirinto a propósito da vida política italiana:

A política italiana faz pensar num labirinto…do labirinto, claro está, pode-se sair, embora seja difícil encontrar um caminho para consegui-lo.

E sublinha o caminho para o concretizar:

Acreditamos saber que existe uma única saída mas não sabemos onde está. Não havendo ninguém do lado de fora que nos possa indicá-la, devemos procurá-la por nós mesmos. O que o labirinto ensina não é onde está a saída, mas quais os caminhos que levam a lado algum.

Esta modéstia intelectual condu-lo por vezes a reconhecer a insipiência ou a desactualização de algumas das suas análises mais antigas, ditadas ou pela pressão das circunstâncias ou pela concentração num ou noutro ponto de análise. Como refere o seu editor italiano da obra mais recente ‘’Entre duas repúblicas. Ás origens da democracia italiana’’ [33]: «a bem poucas pessoas do nosso país acontece serem protagonistas durante o curso inteiro de meio século de vida intelectual e civil, exercendo com uma autoridade próxima da sobriedade um magistério moral de extraordinária eficácia. Talvez a ninguém, como a Norberto Bobbio, é concedido poder confrontar, à distância de cinquenta anos, a própria reflexão pessoal a respeito de dois diferentes períodos de transição, dois acontecimentos decisivos para a história política italiana». [34]

Será, portanto, difícil integrar a sua figura de pesquisador incansável, pensador persistente, de homem da cultura [35] com relevante influência política e social, que não se esgota na actual estratificação político-partidária. Homem da escrita, da polémica acutilante e contundente, de convicções e temores, professa um pensamento coerente e exigente que se estriba nos valores de uma sociedade livre, democrática e laica que seja capaz pela prática do diálogo e da tolerância de vencer as suas dificuldades e realizar as promessas de progresso e desenvolvimento com que se comprometeu. [36]

Por isso o seu pensamento político, constitucional e filosófico casa mal com escolas e fidelidades e não enjeita uma dimensão ética e transcendental a que paulatinamente se acerca. [37] Parte de uma reverência especial das lições dos seus mestres intelectuais e de vida: Kant, Rousseau, Hobbes, Kelsen mas também Croce, Weber, Solari, Schmitt, nos primeiros – Passerin d’Entreves, Luigi Einaudi, Renato Treves, Giole Solari, nos segundos. Continua nos exemplos dos seus compagni: Aldo Capitani, Rodolfo Monfoldo, Leone Ginzburg que marcam a sua ligação a: essa minoria de nobres espíritos que defenderam até ao fim, uns com o sacrifico da própria vida, nos anos duríssimos, a liberdade contra a tirania, a tolerância contra o atropelo, a unidade dos homens acima das raças, das classes e das pátrias, contra a divisão entre eleitos e réprobos…» [38] para preencher os caminhos de uma vida intelectual plena como homem da razão e da tolerância. [39]

Esta postura de homem da razão é constante na sua vida ensaística e filosófica: analisar com rigor os conceitos, expressar com clareza o pensamento, explicitar os seus fundamentos inspiradores, seriá-los pelo crivo da crítica e da contraposição analítico-linguística e através de inúmeros exemplos procurar convencer o seu (ou seus) interlocutor(es) pelo exclusivo exercício da Razão e da argumentação. É esta mesma postura que lhe permite peneirar doutrinas filosóficas com que não concorda como o marxismo mas que acha terem dado um contributo especializado para a história das ideias ou polemizar o fracasso do socialismo científico e da sociedade socialista de Leste, colocando-se na perspectiva do adversário (sem partir de uma posição de antagonismo e exclusão absoluta) e explicitando as contradições e lacunas da sua argumentícia. [40]

A mais recente bibliografia dos seus escritos enumera 2025 títulos entre obras de ensaio, direito, ética, filosofia, peças de comentário político [41]. Mas se há um traço comum que une esta vasta e diversificada obra intelectual é a postura do professor que procura de forma simples e intuitiva transmitir a quem o ouve (ou lê) as ideias matrizes de uma riquíssima história das ideias ocidentais e a preserverante defesa das regras do jogo democrático como indispensável à própria sobrevivência da democracia.

Morre a 9 de Janeiro de 2004 em Turim aparentemente sereno. Tinha 95 anos.


2. Bobbio, o teórico da filosofia do direito

No tempo em que lecciona em Camerino, Sienne e Pádua e depois em Turim, Bobbio dedica-se, primacialmente, ao estudo e ao ensino da teoria geral do direito e do sistema jurídico, bem como ao jusnaturalismo e positivismo jurídicos que eram influentes nas faculdades de direito, patente, em obras como Teoria dell’ordinamento giurídico, Turim, Giappichelli (1955), Teoria della norma giurídica, Turim, Giappichelli (1958), Giusnaturalismo e positivismo giurídico, Milão, Commmunità (1965), Dalla struttura alla funzione. Nuovi studi de teoria del diritto, Milão, Commmunità (1977), Dirritto e potere. Saggi so Kelsen, Nápoles, (1992). [42]

A concentração nas questões da filosofia do direito [43] representa uma opção disciplinar relativamente à gestão da cátedra que recebe de Gioene Solari, mas responde igualmente à decisão de abandonar o comprometimento político, na sequência da dissolução do Partido de Acção, dois anos depois da Libertação, incapaz de resistir à tenaz prefigurada, à esquerda, pelo Partido Comunista e, à direita, pelo Partido da Democracia-Cristã.

A emergência do totalitarismo em países com a Itália, a Alemanha e a Espanha ao longo da década de 20 (a que se juntaria Portugal na década seguinte) veio pôr em causa as limitações conceptuais da filosofia do direito tradicional que se abstinha de questionar a «não-razoabilidade» dos regimes nazi e autoritários do Sul da Europa. O positivismo jurídico deixou colocar fora da discussão do sistema jurídico o interrogar da legitimidade de quem faz a lei e quais os critérios de estabelecimento do poder. Recusando as relações entre o direito e os fenómenos sociais, o positivismo jurídico ateve-se ao carácter lógico-formal da norma jurídica para esgotar as questões da validade e eficácia dos comandos normativos.

A ambição do positivismo jurídico foi «assumir uma atitude neutra diante do direito, para estudá-lo assim como é e não como deveria ser: isto é uma teoria e não uma ideologia». [44] Mas não o conseguiu totalmente, já que ele parece não só um certo modo de entender o direito (de destacar-lhe os elementos constitutivos) como também um certo modo de querer o direito» [45] Afirma-se, segundo Bobbio, não só como uma teoria mas como uma ideologia [46] e isso é patente desde logo em Jeremy Bentham na sua Introdução aos princípios da moral e da legislação (1823) na sua crítica radical ao sistema da common law e o apelo à sua codificação consubstanciando as suas concepções ético-políticas.

Também nos juristas franceses da escola da exegese que propugnavam uma interpretação do código napoleónico artigo por artigo em comentário, sem cuidar de saber do seu elemento sistemático, adaptando por esta via interpretativa o direito escrito ás concepções predominantes em França.

Finalmente, nos juspositivistas alemães da segunda metade do século XIX que sofreram a influência da concepção hegeliana do Estado ético, quer-se dizer o Estado que não guarda exclusivamente um valor técnico mas tem um valor ético porquanto é a manifestação suprema do Espírito no seu devir histórico e assim, é ele mesmo o fim último a que os indivíduos estão subordinados. Concepção essa que foi chamada de estatolatria já que preconiza como que uma adoração do Estado.

O desvio dos positivistas conduziu a uma reacção que se veio sentir por duas vias: a corrente do realismo jurídico que critica os aspectos teóricos do juspositivismo afirmando que não representa a realidade do direito [47]; a revigorada corrente do jusnaturalismo que critica os aspectos ideológicos do juspostivismo pondo a nu as consequências perniciosas e práticos da doutrina.

Norberto Bobbio incorpora-se na corrente dos filósofos do direito que identificam no corpo doutrinal três áreas de discussão. Uma área ontológica, da Teoria do Direito, que se preocupa com o direito com existe, procurando alcançar uma compreensão consensualizada dos resultados da Ciência Jurídica, da Sociologia Jurídica, da História do Direito e outras abordagens complementares. Uma área metodológica que compreende uma Teoria da Ciência do Direito e que recai no estudo da metodologia e dos procedimentos lógicos usados na argumentação jurídica e no trabalho de aplicação do Direito. Uma área filosófica materializada numa Teoria da Justiça como análise que determina a valoração ideológica da interpretação e aplicação do Direito, no sentido da valorização crítica do direito positivo.

Ou seja a valorização crítica do direito implica não bastar dizer o que é o direito (raciocínio ontológico), nem como é de facto o direito positivo circunstanciado (abordagem da ciência jurídica) mas como deve ser o direito com expressão de uma eticidade jurídica imanente a qualquer sociedade equilibrada e harmoniosa patente na valorização (e referenciamento finalístico) de metavalores com a liberdade, a igualdade, a justiça, a paz ou a segurança.

Sobre o plano das escolhas metodológicas importa assinalar que Bobbio foi dos primeiros jurisconsultos a acolher a ideia kelseniana de uma «doutrina pura do direito» decantada das impurezas do real e do social, na perspectiva que sendo o Estado a organização da força monopolizada e exprimindo-se através de um ordenamento coactivo – o ordenamento específico normativo que é o Direito – Direito e Estado são unum et idem e aquilo a que se chama o poder político não é mais que um poder que torna real um ordenamento normativo e faz deste ordenamento um quadro efectivo e não imaginário.

Doutrina que segundo o ideal kelseniano deve passar a ser o centro da atenção dos filósofos do direito, libertos dos constrangimentos oriundos dos jusnaturalismo e de Kant. Recorde-se que Kant previa que o conhecimento científico do direito emanava do imperativo categórico, um postulado da razão pura prática. Esse postulado fundacionava o conceito de direito num ideal de convivência das liberdades, já que Kant pensava o homem com um ser autónomo e livre, do ponto de vista moral, para realizar uma escolha que será boa se for puramente moral. Mas como isso é praticamente impossível, já que a vontade humana sendo influenciável pela consciência moral também o pode ser pela intuição psicológica ou pelas paixões, o homem está a um passo de atingir a maioridade e libertar-se das tutelas se levar a bom termo a resolução da tensão entre o ideal (a escolha puramente moral) e a realidade (a panóplia das escolhas reais). Esta tensão corresponde no pensamento iluminista ao progresso moral do homem como membro de uma comunidade. Daí a célebre definição kantiana do direito como:

O conjunto das condições nas quais o arbítrio de cada um pode conciliar-se com o arbítrio dos outros segundo uma lei universal de liberdade. [48]

A incerteza da norma jurídica colocada pelo cepticismo dos jusnaturalistas (e neokantianos) conduziu à reacção idealista ao positivismo jurídico e ao relativismo que possibilitou a institucionalização de regimes ditatoriais.

É neste contexto que pode ser interpretada a doutrina de Kelsen e valorizada com uma reacção ao relativismo e um contributo novo para a filosofia do direito. Se o problema da fundamentação do direito é a questão central da filosofia do direito, e Kelsen acredita-o, «a norma fundamental definida pela Teoria Pura do Direito (a Reine Rechtslehre) não é um direito diferente do direito positivo; ela é apenas o fundamento da sua validade, a condição lógico-transcendental da sua validade e como tal não tem nenhum carácter ético-político, mas só teórico-gnoseológico. [49]

Mas em que se materializa a doutrina pura do direito?

Antes de tudo na identificação do Estado com o direito ou «na dissolução daquele neste»; [50] em segundo lugar na exclusão da noção de direito (e, portanto, de Estado) de qualquer referência a valores, em especial aos de justiça, tidos por irracionais; último, a elaboração de um modelo normativo geral válido para todos os ordenamentos jurídicos. Kelsen parte do pressuposto de que não existem valores absolutos que fundem o direito, logo só é possível reconhecer a validade de valores relativos porquanto a validade do direito positivo – ao contrário do que pretendem os neo-jusnaturalistas – não pode estar dependente da sua relação com a justiça (e seus princípios) para ser eficaz, isto é sancionatória e coactiva. Não há, nem pode haver, justiça absoluta para um conhecimento racional uma vez que se trata de um problema insolúvel para o conhecimento humano e como tal deve ser eliminado do domínio do conhecimento.

O maior reconhecimento da posição estratégica assumida pela teoria pura do direito na história da «jurisprudência teórica» veio dos adversários mais irredutíveis. [51] Para os jusnaturalistas a tese de Kelsen havia-se transformado no protótipo do positivismo jurídico; para os realistas, a essência do formalismo hipócrita; para os juristas soviéticos a essência da jurisprudência burguesa.

Bobbio revê-se, parcialmente, no positivismo kelseniano, na cientificidade da estrutura dos sistemas jurídicos, na sua força coactiva como característica fundacional a um mesmo tempo do Direito e do Estado. É por essa via e através de Hobbes que Bobbio se conduzirá, mais tarde, à procura de uma teoria geral do poder e da política e chegará a Carl Schmitt. Mas em segundo lugar, Bobbio revê-se na filosofia da história kantiana, na Metafísica dos Costumes, na Constituição para uma Paz Perpétua, que funciona para ele como uma referência crítica como um indicativo para a reformulação dos sistemas jurídicos isto é para apresentar a sua Teoria da Justiça. Bobbio procura assim, como fará outras vezes noutros domínios da reflexão, encontrar uma solução sincrética, mais que sintética, para a revitalização de uma filosofia do direito adequada aos problemas do século XX e que é estrutural à sua teoria procedimental da democracia.

Bobbio é, ainda, dos primeiros autores da Europa do Sul a dedicar especial atenção à análise da linguagem [52], da lógica e da filosofia analítica e ao seu impacto nas ciências sociais e no direito, seguindo uma corrente que será importante não só na Alemanha mas também em Itália.

Mas já implicitamente no seu primeiro campo de análise [53], a teoria do direito, desenha-se o seu interesse por uma intrínseca - primeiro pedagógica, depois científica – ligação do direito à filosofia [54] e à análise da problemática da justiça que esmiuça mais tarde na releitura comentada dos grandes clássicos da filosofia e especialmente de Kant, Hobbes, Locke, Rousseau e Hegel.

Sublinha, a propósito, Alfonso Ruiz Miguel em Filosofia de Direito de Norberto Bobbio: [55] «as preocupações filosóficas de Bobbio, como tudo, não se centram nunca de forma perdurável na filosofia pura, em sentido estrito. Exercitam-se mais numa filosofia aplicada ao direito e à sociedade – tanto nos aspectos epistemológicos como nos metodológicos e os de conteúdo – extraída de certas filosofias genéricas em voga na época. Tal é o caso das suas tentativas de aplicação ao estudo do direito e da sociedade, da filosofia idealista italiana de Croce e Gentile [56] ou da fenomenologia de Husserl [57] e, mais tarde, a recepção crítica do existencialismo como filosofia social. De facto, estas três grandes correntes filosóficas – idealismo italiano, fenomenologia e existencialismo – constituem as principais influências sentidas por Bobbio no primeiro decénio da sua actividade académica, que começa em 1934.»


3. Bobbio e o debate da história das ideias

A segunda dimensão do seu trabalho intelectual é o seu contributo para a história das doutrinas políticas, que parte de uma revisita dos grandes clássicos da filosofia [58], especialmente Hobbes, Locke, Rousseau, Kant, Hegel, mas também Platão, Maquiavel, John Stuart Mill, através da qual palmilha o percurso principal do seu trabalho intelectual que é a definição de uma Teoria Geral da Política, tentada fragmentariamente em ‘’Estado, governo e sociedade. Para uma Teoria Geral da Política’’ e por razões não totalmente perceptíveis, não continuada [59].

Bobbio sublinha logo a abrir o texto ‘’Estado, poder e governo’’ que reproduz o verbete «Estado» que escreveu para a Enciclopédia Einaudi, que as duas principais fontes para o estudo do Estado são a história das instituições políticas e a história das doutrinas políticas, sendo a primeira a que tem uma projecção mais tardia e a segunda a adoptada desde sempre por filósofos e cientistas políticos «tanto que os ordenamentos dos vários sistemas políticos se tornam conhecidos através da reconstrução que deles fizeram os escritores». Hobbes – afirma - foi identificado com o Estado absoluto, Locke com a monarquia parlamentar, Montesquieu com o Estado limitado, Rousseau com a democracia, Hegel com a monarquia constitucional [60]. Poderíamos talvez acrescentar Marx e Lenine com o socialismo, Gramsci com o socialismo italiano, Tocqueville, Kelsen, Schmitt, Russell, ou Dahrendorf com a democracia representativa contemporânea.

É esta, aliás, a via escolhida para a explicitação do seu próprio pensamento filosófico. Bobbio não reclama para si uma originalidade pioneira dos seus escritos teóricos à custa do pensamento filosófico anterior como era tradicional nos clássicos. [61] Considera-se mais um continuador, um exegeta do melhor que existe na tradição liberal e humanista, mais que o fundador (ou descobridor) da teoria definitiva (desconfia, aliás, das teorias e teorizadores originais) A cuidadosa exegese dos clássicos para dos seus comentários extrair ilações para o presente desenvolve-a, cautelosa e sistematicamente, em Locke e il diritto naturale, Turim, Giappicheli (1963) [62], Diritto e Stato nel pensiero di Emmanuel Kant, Turim, Giappichelli (1969) [63], Thomas Hobbes, Turim, Einaudi (1989) [64], Studi Hegeliani, Turim, Einaudi (1981) [65] e paulatinamente densifica o seu pensamento e estrutura-o. Acresce-lhe uma compilação Scritti su Gramsci, Milão, Feltrinelli (1990) [66] que é conjuntamente com os seus escritos avulsos dedicados a Marx e ao socialismo [67], uma espécie de ajuste de contas com Marx. Não nega ao filósofo judeu os contributos para a teoria historicista da história ou para a análise do papel das classes sociais. Recusa-lhe, contudo, a inevitabilidade dos seus prognósticos, a sua distorção da Filosofia da História de Hegel (e no fundo, a maioridade perante o grande autor alemão), a incapacidade de teoricizar uma sociedade cujo nascimento sobre os escombros da anterior anuncia apocalípticamente. Caustica, também, a subserviência dogmática e cega que vislumbra nas fileiras socialistas, nos pretensos ‘’salvadores de Marx’’ [68].

Como Charles S. Maier sublinha no seu preâmbulo às séries da Giovanni Agnelli Foundation para a Princeton University Press, [69] o trajecto de Bobbio no estudo das ideias políticas exemplifica um percurso tipicamente europeu: Bobbio começa como estudante de filosofia e direito, o que significa para «a sua geração que completou os estudos durante as guerras, uma educação muito menos técnica que a conduzida nas universidades americanas». As faculdades de direito acolhiam os historiadores das instituições públicas e os filósofos políticos e os departamentos de ciência e história política enquadravam os especialistas na história das doutrinas políticas e dos partidos. Norberto Bobbio combina estas diferentes perspectivas com um comentário geral, circular, fortemente moral, dos temas que escolhe para analisar, designadamente à luz da experiência democrática italiana do pós-guerra de que ele é, ao mesmo tempo «um crítico público» e um «divulgador», mas, sobretudo, do apelo chão aos clássicos.

Neste ponto, há uma continuidade de estilo – afectiva chama-lhe Bobbio [70] – em relação ao seu mestre e antecessor na cátedra de Turim, Giele Solari. Solari era, reconhece Bobbio, um historiador de filosofia, as suas obras principais – L’idea individuale nel diritto privado (1911) e Storicismo e diritto privato (1915) – foram de introdução histórica. [71] São várias as monografias sobre filósofos que aquele faria publicar: Grócio, Espinosa, Locke, Kant, Hegel, Rosmini. Se Bobbio, como referimos, segue na sua senda, revisitando Kant, Hobbes, Locke, Hegel, a certo ponto como na encruzilhada das veredas o caminho de ambos diverge: Bobbio seguindo as tendências mais vangardistas do seu tempo, designadamente dos estudos jurídicos anglo-saxónicos, abraça durante quase toda a década de 50 à temática da natureza da ciência do direito e dos problemas metodológicos e da linguística, aquilo que designa na sua Autobiografia, como a lógica das proposições normativas ou uma lógica deôntica e fica «marcado» durante o resto da sua vida intelectual por essa escolha.

Esta percepção da imperatividade do método e do raciocínio analítico e linguístico sobre a substancialidade das ciências sociais (e desde logo da ciência do direito) é um alicerce estrutural do seu método de análise e de escrita e um dos passadiços na conversação com os clássicos e consigo próprio (e com os leitores) que marcam, de forma inconfundível, o estilo de Bobbio, relembrando a conhecida máxima de Ionesco: só as palavras contam o resto é só conversa.

Se a década de 50 é marcada pelos estudos metodológicos, a década seguinte tem como marco essencial o início das suas aulas de Ciência Política, em 1962, que o vão levar uma década depois a substituir Alessandro Passerin d’Entrèves na cátedra de Filosofia Política na inaugurada Faculdade de Ciência Políticas de Turim. É desses tempos o trabalho de sistematização de alguns dos seus livros mais interessantes sobre os filósofos clássicos (Kant, Hobbes, Locke, Hegel) como também um intenso trabalho ensaístico e de comentário sobre autores italianos como Mosca, Pareto, Gramsci, Croce, Gobetti, ou mesmo condiscípulos como Capitini.

De entre todos estes autores e filósofos, três o influenciam de forma determinante e serão decisivos para o trabalho intelectual que empreende nas décadas seguintes, nomeadamente no campo da teoria do Estado e da democracia e da análise dos problemas da guerra e da criação de um direito cosmopolita: Kelsen, Hobbes e Kant. Afirma expressamente, a dado passo, da Autobiografia: [72]

Dois pensadores marcaram em particular o meu percurso de estudos: o jurista Hans Kelsen e o filósofo Thomas Hobbes. Quando em 1994 recebi o Prémio Balzan, declarei que foi a leitura de Kelsen que inspirou a concepção de democracia como um sistema de regras que permitem a instauração e o desenvolvimento de uma consciência livre e pacífica. O meu primeiro escrito sobre Kelsen data de 1954: La teoria pura di diritto e i suoi critici. (…) Dediquei-lhe entradas enciclopédicas, artigos e recensões e um livro Diritto e Potere. Saggi su Kelsen. (…) Kelsen ocupa um lugar fundamental não só nos meus estudos de direito como também nos de teoria política. A Kelsen devo o ter-me tornado um defensor da chamada concepção processual da democracia, que remonta à ideia da democracia proposta por Schumpeter como competição entre elites que se apoderaram do consenso através de eleições livres. (…) Thomas Hobbes é o filósofo com maior número de citações na Bibliografia dos meus escritos (…) Dele ocupei-me pela primeira vez em 1939, ao recensear o ensaio de Carl Schmitt dedicado ao Levianthan. Depois em 1948 organizei para a UET a edição de De Cive na colecção de «clássicos políticos» dirigida por Luigi Firpo. Do meu amor pelo filósofo inglês falei em 1989, por ocasião das comemorações dos oitenta anos da Universidade de Turim.

Se há uma manifesta identificação de Bobbio com Kelsen ele existe desde logo na adopção (pelo menos parcial) da teoria pura do direito de que o primeiro se serve para questionar a natureza científica do direito, enquanto ciência do conhecimento, mas que passa também pela identificação com a teoria da democracia do autor alemão, nos importantes estudos que este dedica à república de Weimar. Ambos partilham – com Schumpeter – uma concepção procedimental de democracia – fundada na prevalência de regras do jogo, consensualmente estabelecidas no contrato societário implícito e materializadas no edifício constitucional e nos checks and balances entre poderes legislativo, executivo e judicial – e amiúde e repetidamente usada por Bobbio em obras como Liberalismo e Democracia e O Futuro da Democracia, para «marcar o terreno» quer em relação aos partidários de um autoritarismo centralista que na linha de Vico ou Pareto sublinham a vontade de potência, quer os partidários da democracia directa, da apologética da crise da democracia e da sua refundação que ganham auditório na sequência da crise estudantil e social do Maio de 68. [73]

A relação intelectual com a obra de Hobbes é mais exigente: é por via dela que Bobbio trabalha na noção política de Estado, como monopolizador da força organizada, grande entidade territorial moderna, guardião da soberania no plano externo, embora se refugie no argumento que o seu «encantamento» é uma vez mais pela questão do método:

A importância de Hobbes foi-me revelada pelo estudo que fiz nos anos anteriores do sistema jurídico de Samuel von Pufendorf, que é à sua maneira um hobbesiano. Impressionou-se sobretudo a novidade de Hobbes em relação ao método. O discurso de Hobbes já não estava assente no princípio da autoridade, histórica ou revelada, mas exclusivamente no raciocínio em argumentos racionais. [74]

Mas a influência de Hobbes no seu pensamento político incide em outros quatro pontos «mais substanciais»: o reconhecimento do individualismo, do contratualismo e da paz na organização e mandato do poder soberano, a percepção de um certo pessimismo na natureza humana e nas lições a extrair da história. É por via desse pessimismo consistente que se agiganta com o passar dos anos que Bobbio não deixando de reconhecer-se como um iluminista e finalisticamente defensor moderado do progressismo humano comtiano [75], se procura precaver (alertando os seus leitores) quanto aos abusos que decorrem da conspícua relação do homem com o poder e da sua contraditória natureza. [76]

Este é o ponto que liga Bobbio a um dos mais controversos autores da contemporaneidade – Carl Schmitt – e por onde passa parte do intercâmbio epistolar efectuado entre os dois intelectuais, entre 1948 e 1953, isto é no day-after da 2ª Guerra Mundial. [77] É pelo reconhecimento do carácter, ao mesmo tempo estrutural e instrumental, da relação do homem com o poder que se podem compreender as instituições de um governo legítimo e transparente, o mandato dos governantes, o papel dos partidos, a importância fundamental da engenharia constitucional e a malha de controlos múltiplos e diversificados do governo representativo, que Bobbio retira do 2º Tratado do Governo de Locke.

A relação com Kant, parecendo menos assumida, não é menos fundacional. Isso ocorre por duas vias. Em primeiro lugar e ainda no domínio da filosofia do direito na forma como Bobbio, assumindo-se como um neopositivista (na linha de Kelsen) defende um depuramento do direito, enquanto ciência normativa, dos resquícios do social e do moral, mas contemporizando com a tradição jusnaturalista da escola do direito natural, [78] alerta que não há direito (justo) sem princípios da justiça, da liberdade e da igualdade. [79] Em segundo lugar, no domínio das relações entre Estados soberanos, na necessidade de perseveração da paz e na criação a nível internacional de mecanismos permanentes de diálogo e formação de consenso, na condenação do armamentismo e da política do confronto sistemático [80].

A concluir este ponto, importa tocar num aspecto particular no método analítico e de associação conceptual e ideográfico empregue por Bobbio que lhe marca, de forma muito própria, o estilo: a revisita dos clássicos, o estudo dos problemas da filosofia e da normatividade do direito serve para evidenciar as ligações inquebrantáveis entre a história do pensamento político e jurídico e a teoria geral da política, diversamente da tradição isolacionista da escola jurídica que recusava a segunda ou a subsumia às estritas questões do constitucionalismo; ou da nova ciência política anglo-saxónica que minimiza as relações entre direito e filosofia em nome da autoridade disciplinar e científica dos estudos de ciência política.

Existe em Bobbio, ao longo de uma obra ensaística de mais de quarenta anos, uma grande unidade de método, uma grelha conceptual e de interpretação comum, uma pluridisciplinaridade [81] que não pode, sob pena da quebra da coerência interna, ser fragmentada, compartimentada ou sujeita a etiquetas tão em uso nas ciências sociais. É essa meu ver uma das suas originalidades.


4. A tentativa fragmentada de erguer uma Teoria Geral da Política

Uma terceira dimensão do pensamento intelectual de Norberto Bobbio consiste na procura de uma Teoria Geral da Política que possa abranger os vários domínios de análise conceptual e disciplinar e o «garimpamento» dos clássicos, como lhe chamou Celso Lafer [82] Conceptualização que constrói em redor de cinco pilares: Estado, Democracia, Poder e Ideologias, Intelectuais. A política é aquilo que Hobbes designou como a «conversação da humanidade» e como conversação é um diálogo entre diversas perspectivas e interpretações da realidade e, no caso de Bobbio, um diálogo com os outros e consigo mesmo.

§ 1º - O Estado

O pilar Estado é para Bobbio o ponto de partida dos estudos sobre o sistema político, interessando mais que o seu desenvolvimento histórico a relação entre as suas estruturas, funções, elementos constitutivos, mecanismos, órgãos e com outros sistemas contíguos. Bobbio considera a Teoria do Estado como uma disciplina fragmentada entre duas disciplinas didacticamente distintas: primeiro, a filosofia política que coloca fundamentalmente três perguntas: a) a melhor forma de governo ou a óptima república; b) o fundamento do Estado e do poder político e a consequente justificação da obrigação política; c) a essência da categoria do político ou da politicidade com a relevante discussão e distinção entre ética e política.

Em segundo lugar, a ciência política entendida como a investigação no campo da vida política capaz de responder a três questões: a) o princípio de verificação ou de falsificação como critério de aceitabilidade dos seus resultados; b) o uso de técnicas da Razão que permitam dar uma explicação causal do fenómeno investigado; c) a abstenção ou abstinência dos juízos de valor, a chamada «avaloratividade».

Bobbio trata a problemática do Estado em quatro obras fundamentais, que são apostilas de seminários teóricos que lecciona aos seus alunos em Turim: Diritto e Stato nel pensiero di Emmanuel Kant, Turim, Giappichelli (1969), Estado, governo e sociedade, S. Paulo, Editora Paz e Terra, La teoria delle forme di governo della storia del pensiero politico, Turim, Giappichelli (1976), Studi Hegeliani. Diritto, società civile e Stato. Importa reter, também, as súmulas aos nemen júris «Estado» e «Poder» que inclui no Dicionário de Política, em co-autoria com Nicola Matteucci e Gianfranco Pasquino, publicado pela UTET- Editrice Torrinese.

§ 2º - A Democracia

O segundo pilar é o da Democracia, a que Bobbio dedica algumas das obras mais significativas da sua extensa bibliografia: O Futuro da Democracia, publicado originariamente pela Einaudi (1984) e com versão portuguesa das Publicações Dom Quixote (1988); Liberalismo e democrazia, Milão, Franco Angeli, 1991, Dal fascismo alla democrazia, Milão, editado por Michelangelo Bovero, Baltidini e Castoldi (1997) e inédito fora de Itália. É sua também a anotação ao termo homónimo incluído no Dicionário de Política.

Como já referimos, a perspectiva de Bobbio é procedimental no que concerne à discussão filosófica e política (e também jurídico-constitucional) da bondade da democracia sobre as demais formas de governo. Bobbio dessubstancializa a discussão da democracia apelando às tradições liberal, democrática e socialista que alimentam a história da ideias ocidental. O fundamental é o método e a salvaguarda do método – les régles du jeux – sem o qual não há democracia possível, apesar (e por causa) das várias concepções de justiça e felicidade em confronto na sociedade civil. Mas quando fala em democracia parte de uma definição mínima de democracia que busca em Kelsen, mas enriquece em Schumpeter, Dahl, Duverger, e noutros. O cuidado que experimenta no esmiuçar dos conceitos, na seriação das suas espécies é a afirmação que ninguém tem o exclusivo da verdade: o que pode ser democracia para uns pode não ser para outros. Mas é também o reconhecimento que nada substitui a perda da liberdade: é a sua insistência na democracia o que destaca a liberdade como valor por si privilegiado. Como sublinha, com particular felicidade, Alfonso Ruiz Miguel: [83]

Esse maior apego à liberdade tem muito a ver com um terceiro Bobbio (os outros seriam o Bobbio filósofo e o Bobbio ideólogo), talvez o mais oculto: o Bobbio cultural ou se se quiser o Bobbio Homem. É o Bobbio (…) que na sua juventude foi amigo de Leone Ginzburg e de Cesare Pavese e que pertence à privilegiada geração dos Geymonat, dos Argan, dos Levi, dos Foá….que influenciada principalmente por Gobetti, Croce, Solari e Einaudi, se forma no final da ditadura fascista e se dispõe a lutar contra ela, cumprindo cada um o seu destino ideológico, mas mantendo todo o compromisso por um sistema democrático radicalmente novo. A frustração da unidade antifascista, o naufrágio dos puros ideais a seguir à Libertação podem ajudar a explicar a difícil aliança que formam em Bobbio o seu imesiricordioso realismo político e o seu insatisfeito sentido crítico.

É o reconhecimento do bem avaro e raro da democracia (e da liberdade) - ele que viu perder à irracionalidade das paixões e da utopia, a Primeira República, sob o bengalim do fascismo militarista de Mussolini - que leva à sua «intolerância» perante os assédios do radicalismo à democracia representativa: recusa a miríade da democracia directa propalada pela revolta estudantil que varre Itália (e a Europa) nos anos 60 e que conduz à contestação das autoridades universitárias e à diabolização das régles du jeux. Teima na velha ideia liberal que a democracia é um mau sistema de governo mas todos os outros comparados com ela são bem piores e recusa liminarmente as novas utopias do poder popular, que considera a passadeira para a ditadura e a autocracia [84].

Mas Bobbio não restringe a análise procedimental da democracia ao sistema político visto de um ponto de vista teórico. Importa-lhe, também, a aplicação prática, a sua resistibilidade aos problemas da contextura social das sociedades contemporâneas, designadamente a italiana que mais conhece.

§ 3º- As ideologias

Intimamente ligado com o ponto anterior é a importância que a problemática das ideologias tem no seu pensamento político e na visão da modernidade da vida política. Ela é o terceiro pilar. Como sublinha Andrea Greppi [85] «o pensamento político de Bobbio caracteriza-se por uma paciente busca de um determinado modo de aproximar-se à política, de um método, em que se destaca uma forte componente «realista» e «anti-utópica», com as dificuldades e oscilações que cada um destes termos implica. Caracteriza-se, antes de mais, «por prestar uma atenção prioritária às diferentes formas da linguagem ideológica, na medida em que a linguagem ocupa um lugar essencial nos processo de formação do consenso e exercício do poder». Influindo na complexidade do debate ideológico e das várias expressões do pluralismo como acentua também Chantal Mouffe [86].

Ora Bobbio dedica grande parte dos trabalhos ensaísticos à problemática da ideologia, numa tripla perspectiva: por um lado, produzindo a mais sistemática apologia do liberalismo, ideologia e método analítico em que se revê; cruzando-o com o socialismo, na perspectiva de uma associação sincrética mais que sintética; finalmente, aproveitando-o para uma certa retoricização do Poder numa múltipla avaliação da argumentícia weberiana e schmittiana [87] (ou seja as relações entre ética/moral e poder, ciência e política, poder e burocracia, legitimidade e potência).

Há na vertente da fenomenologia das ideologias e do poder um conjunto de obras suas muito significativas, embora grande parte dos escritos de Bobbio continuem inéditos: os já citados Liberalismo e Democracia [88], editado em francês pelas Éditions du Cerf, Paris (1996), Gramsci e la concezione della societá civile, Milão, Feltrinelli (1976), A Ideologia e o poder em crise, editado em francês por Le Monnier, Florence (1981), mas com versão em língua portuguesa disponível no Brasil, Il profilo ideologico del Novecento italiano, Turim, Einaudi (1985) [89] e duas obras referenciais sobre o socialismo: Quale Socialismo?, Turim, Einaudi (1976), Direita e Esquerda- razões e significados de uma distinção política, Editorial Presença (1994).

A sua caracterização das ideologias da esquerda completa-se com a análise que Bobbio desenvolve nos prefácios dos livros dos liberais italianos que mais o influenciaram na aproximação e militância no liberal-socialismo: Carlo Rosselli e Piero Gobetti. Do primeiro retém a importância de Socialismo Liberal (publicado só depois da sua morte em França e Itália, dele existindo tradução portuguesa no Brasil sob coordenação de Carlos Henrique Cardim, S. Paulo, 1988), para a renovação da esquerda italiana e para o programa político do efémero Partido de Acção de que Rosselli é um dos fundadores teóricos. Do segundo, relembra a importância da revista «La Rivoluzione liberale» para o fortalecimento de uma oposição liberal ao fascismo emergente e para a formação do Partido de Acção, como sublinha em prólogo à edição inglesa da obra do intelectual italiano (On Liberal Revolution, Piero Gobetti, editado por Nadia Urbinati e prefaciado por Norberto Bobbio, Yale University Press)

§4º O Poder; Os Intelectuais

Uma última referência cabe à problemática dos intelectuais que é na visão de Bobbio um pilar fundamental na análise do sistema político, na vitalidade da democracia, na preservação da paz. Saliento a sua compilação de ensaios Os Intelectuais e o Poder. Dúvidas e opções dos homens de cultura na sociedade contemporânea, com edição portuguesa da Editora UNESP, S. Paulo (Brasil) (1996), bem como de três volumes de testemunho sobre as principais figuras da cultura italiana do século publicados pela editora Passigli de Florença: Italia civile (1964), Maestri e compagni (1984), Italia fedele (1986) ainda inéditos fora de Itália.

Em ‘’Os Intelectuais e o Poder, Bobbio sublinha que ‘’a tarefa do intelectual é a de agitar ideias, levantar problemas, elaborar programas ou apenas teorias gerais; a tarefa do político é a de tomar decisões’’, orientação de autocontenção militante a que regressa, sistematicamente, ora para justificar um pudor mal-disfarçado em não se envolver na luta politico-partidária e na compita pelo acesso às benesses do poder (que rejeita), ora para se resguardar dos tempos em que o compromisso, a preclusão dos princípios, faz o mister na política italiana e europeia.

Essa linha de envolvimento subtil na política, irrepremivelmente de sabor aristocrático, reforça-se noutra passagem da mesma obra ‘’se eu tivesse de designar um modelo ideal de conduta, diria que a conduta do intelectual deve ser caracterizada por uma forte vontade de participar nas lutas políticas e sociais do seu tempo que não o deixe se alienar ao ponto de não sentir aquilo que Hegel chamava ‘o elevado rumor da história do mundo’, mas ao mesmo tempo mantendo aquela distância crítica que o impeça de se identificar completamente com uma parte, até ficar ligado por inteiro a uma palavra de ordem. «Independenza, ma non indiferenza».

Bobbio acredita que cabe aos intelectuais uma patronagem dos principais problemas da humanidade, uma espécie de reserva crítica última de sociedades conturbadas ou à procura dos seus valores, porque são eles os últimos guardiões da consciência ética, tão menosprezada ou delapidada pelos políticos. Dá particular conta desse propósito, na Autobiografia em palavras que destina ao papel da Società Europea di Cultura [90]:

A Sociedade nascera para opor uma resistência moral à «guerra fria» que parecia que deveria preparar a Terceira Guerra Mundial. Opúnhamos à política dos políticos, a que chamávamos «política vulgar», a «política da cultura», que era a política própria dos intelectuais acima das divisões políticas, cuja tarefa específica deveria ser a de defender as próprias condições de sobrevivência da cultura ameaçadas pela contraposição entre os blocos. Tínhamo-nos comprometido a não discutir entre nós sobre questões de política contingente. Unia-nos o reconhecimento do património cultural comum à França, como à Rússia, tanto à Inglaterra como à Checoslováquia, tanto à Itália como à Polónia. A Europa da cultura não conhecia a «cortina de ferro», que era uma divisão política e só política. A nossa Europa não era a do Leste contraposta à do Oeste [91].


5. Guerra e paz: um cosmopolitismo generoso e exigente

A reflexão sobre a guerra ocupa um lugar considerável na obra política de Norberto Bobbio, sobretudo no período subsequente à sua jubilação da actividade docente na Universidade de Turim e acompanha a sua colaboração, como analista político, no periódico La Stampa. Ela é condicionada pela lição de Hobbes e de Kant, mais que todos os outros filósofos, os «clássicos» que Bobbio venera.

Em 1989, aquando da queda do Muro de Berlim, Bobbio publica (em Turim, pela Einaudi) os seus escritos hobbesianos sob o título Thomas Hobbes em que inclui uma análise detalhada sobre a problemática da guerra, como corporização do poder soberano [92]. Mas não esquece as lições que extraíra de Kant no início da sua actividade ensaística no domínio da filosofia do direito e do contributo do jusnaturalismo para a filosofia, o constitucionalismo, a moral [93].

De Kant apropria-se da solução oferecida pelo projecto federalista, fundado sobre a convicção que a ultrapassagem da condição estrutural da anarquia internacional (outro princípio hobbesiano) não pode ser concretizada senão pela abolição da política da força, que é prerrogativa dos Estados obcecados pela sua soberania, e por uma concepção universalizada dos direitos humanos:

A constituição do estado civil resolve o problema das relações entre os indivíduos no estado de natureza. Esse evento constitui o triunfo do direito sobre o Estado não-jurídico, ou somente provisoriamente jurídico. Mas com a constituição do Estado, ou seja, com a supressão do estado natural entre os indivíduos, o triunfo do direito não é ainda completo. Aquele mesmo estado de natureza que estava em vigor antes da constituição do Estado entre os indivíduos, continua vigorando nas relações entre os Estados. O triunfo do direito na sociedade humana não será completo enquanto não for instaurado um estado jurídico civil e não-natural também entre os Estados [94].

Neste quadro se insere o conjunto de textos, particularmente rico e significativo, consagrado à teoria da guerra e da paz, à natureza da guerra nuclear e à inaceitabilidade moral e ética das suas exigências de salvaguarda de um «equilíbrio de potências sustentado no terror» (contemplado por exemplo em ‘’Il problema della guerra e le Vie della Pace’’, publicado em 1979, em Bolonha pela Il Mulino). Ou a compilação de ensaios que com o título L’État et la démocracie internacionale. De l’histoire des idées à la science politique são dados à estampa pelas Éditions Compléxe [95].

Um pacifismo activo, que Bobbio contrapõe ao passivo, porque incapaz de combater a guerra, e que projecta em três frentes: 1) um pacifismo instrumental que defende o desarmamento e a resolução pacífica de todos os conflitos entre potências; 2) um pacifismo institucional desdobrando-se em duas vertentes – um pacifismo jurídico, que busca a paz pelo Direito através de organizações internacionais: um pacifismo social, que identifica a guerra com a opressão de uma classe no plano interno, e pela expansão imperialista no plano internacional; 3) um pacifismo de fins que procura agir sobre os homens, convencendo-os que a guerra deve ser erradicada.

Perante a queda do comunismo que antecipara de um ponto de vista filosófico, rejeita a visão do fim da história difundido entre outros por Francis Fukuyama. Num «mundo de espantosas injustiças» teima «não se pode pensar que a esperança da revolução tenha morrido, só porque a utopia comunista faliu» E questiona ‘’estarão as democracias que governam os países mais ricos do mundo em condições de resolver os problemas que o comunismo não conseguiu resolver?’’ [96]

O seu envolvimento cívico e político passa, igualmente, por artigos de opinião que publica em La Stampa de Turim e noutros influentes jornais italianos, pela intervenção em conferências e pela participação em protestos contra a ingerência e o abuso da força nas relações internacionais, ao lado dos pacifistas dos anos 80/90 e que sairiam em compilação sob o título ‘’Il terzo assente’’, em 1989, na editora Sonda, de Turim (traduzido para espanhol pela Editora Cátedra) [97].


6. Bobbio: a inexorável dimensão ética de um homem de cultura

Intelectual comprometido, compagnon de route da esquerda italiana não-comunista, recusa o radicalismo gratuito e estéril mas não foge ao combate intelectual quando o momento o exige ou a gravidade da sua avaliação legitima a incomodidade. Nesse aspecto é o polemista, o panfletário sóbrio, que lembra, em muitos aspectos os escritores dos Federalist Papers. Guarda com eles a mesma hostilidade ao radicalismo, ao espírito de fracção, mas distingue-se deles porque como filósofo da Razão e último iluminista aceita a inevitabilidade (e a importância) do antagonismo na esfera do político, a importância do dissenso como outra face do pluralismo. Guarda a mesma dimensão ética da acção política, recusa a separação maquiavélica dos dois domínios, mas interroga-se sobre a valência da Providência Divina e o nexo entre sofrimento e culpa face à procissão de horrores, perseguições, morticínios. Lembra Auschwitz, os seus mortos e os seus perpetradores, a propósito de Sarajevo, num dos seus escritos éticos mais notáveis incluídos em Elogio della mitezza e altri scriti morali [98]:

Não só não é de maneira nenhuma demonstrável que por trás de uma pena haja culpa, como também não é demonstrável que na economia geral do universo quem sofra mais seja o malvado. As vicissitudes da história humana vêm demonstrar, para quem quiser observá-las sem preconceito, exactamente o contrário: o tirano Estaline morre no seu leito, Anne Frank, imagem da inocência, morre num campo de extermínio.(…) Tem sentido fazer a pergunta, que todavia naquele dia nos perturbou tanto? Porque foi que, no último momento, um oficial do séquito de Hitler deslocou inconscientemente a bomba que o coronel von Stauffenberg tinha levado consigo para atentar contra a vida de Hitler, e Hitler se salvou e não só não morreu como pôde pôr em acção as suas ferozes vinganças? Não, não tem nenhum sentido. Esta é uma pergunta sem resposta. Mas desde sempre o homem simples já deu a resposta. ‘’Neste mundo não há justiça’’.

Os temas que pontuam os seus artigos e comentários nos jornais incluem questões como a emergência e a resistência ao fascismo, o diálogo difícil com os comunistas em plena expansão do estalinismo, a construção da democracia, a valência do socialismo para responder aos problemas dos cidadãos, a guerra e a paz mas também «o crescente desinteresse pelos acontecimentos políticos quotidianos» da parte dos seus concidadãos e as responsabilidades dos políticos no défice de cultura cívica.

O seu contributo para a cultura política contemporânea e europeia passa também por outros domínios. Em 1944, Bobbio publicara um dos primeiros livros sobre o existencialismo, ‘’La filosofia del decadentismo’’. Em 1969 escrevera um magistral ‘’Profilo ideológico del Novecento’’ (com tradução inglesa), em que deixa inventariados os traços mais significativos da história italiana do século, nas diversas facetas da evolução do pensamento filosófico, político, social e cultural.

Cabe uma última referência aos seus escritos autobiográficos, entre os quais se encontram ‘’De Senectute’’ publicado pela Einaudi em 1996 (com tradução no Brasil, pela Editorial Campus, sob o título ‘’O Tempo da Memória: De Senectute e outros escritos autobiográficos)

No início deste novo século, Norberto Bobbio é seguramente o intelectual italiano mais conhecido no estrangeiro, tanto quanto Benedetto Croce o foi na primeira metade do século que findou.

Testemunha do seu tempo, franco-atirador, espírito independente e irrequieto atento aos sinais do tempo e dos Deuses, o seu pensamento constitui uma referência na esquerda europeia e a tentativa de reconstrução dos seus pressupostos teóricos no contexto de uma tradição liberal e laica sobre que confessa em vários passos da sua obra uma profunda admiração, no apego às liberdades individuais, na preservação da democracia como bases de uma concepção de justiça social e de igualdade, numa compreensão do divino e das opções religiosas de cada um, mas rejeitando a confusão entre o espiritual e o temporal.


7. Posfácio.

Norberto Bobbio é pela importância que revela a multiplicidade, diversidade e enraizamento da sua obra e pensamento na cultura europeia contemporânea um desses casos de uma síntese denodada, nem sempre fácil e transparente, mas sempre filosoficamente complexa entre os dois apelos, o da liberdade e da igualdade, que a cidadania europeia é hoje, talvez mais que no passado, largamente tributária.

Personagem invulgar pelo seu espírito livre, tolerante, não-sectário, pela sobriedade e acutilância com que observa e opina sobre os problemas do seu tempo e a luta política em Itália e na Europa, sem deixar de polemizar com os adversários políticos da democracia e do constitucionalismo, é um dos exemplos mais relevantes de uma geração de intelectuais, de senadores da República, que soube estar na política e no debate de ideias, sem cair na banalidade da questiúncula partidária e da luta de fracções. Geração que é a meu ver responsável pela qualidade das formulações doutrinárias e contributos para a filosofia política contemporânea e para o debate de muitas questões que durante algum tempo foram consideradas espúrias por uma classe política que crê esgotar-se em si a renovação do sistema político e a continuidade dos princípios democráticos.

Sendo a questão do diálogo-oposição entre liberalismo e socialismo um dos pontos sempre em aberto no pensamento político contemporâneo, pareceu-me interessante a abordagem do pensamento político do filósofo italiano, entendendo-o como afirmação de uma identidade cultural europeia (e não exclusivamente italiana) que é também nesta matéria singular e estimulante. Tenho sempre presente que nos momentos de radicalização política do discurso da esquerda durante os anos difíceis da Guerra Fria, em que a virtualidade de ser instrumentalizado pela lógica aglutinadora dos dois blocos político-ideológicos e militares foi real, foi precisamente de Itália mais que de França, que provieram os projectos de renovação política do pensamento intelectual europeu, mesmo no campo comunista, contra essa mesma lógica bipolarizadora.

São ainda raras as obras de recensão e análise do pensamento do Mestre italiano fora do Itália, embora ele venha a despertar uma crescente atenção da comunidade académica brasileira, espanhola e mais recentemente da anglófona..

Há quem entenda a discussão das várias vias do socialismo despicienda – que a temática da validade de uma concepção ideológica liberal-socialista suscita - até porque se vulgariza uma communis opinio que a crê caduca face ao implodir do comunismo e à transição para o capitalismo [99] do conjunto de países de economia colectivizada que integravam o bloco comunista.

Trata-se uma ideia errada, feita de muita simplificação e que é consistente com a ilusão dominante que a história se desenvolve por um processo rectilínio em direcção ao progresso e à modernidade, de que só existem transitórias inflexões [100]. Os conflitos etno-raciais recentes em África, na Europa Central, mas também no Médio Oriente mostram à saciedade que o processo histórico – como a história das ideias – é circular, que eventos e ideias antigas renascem sob novas facies e colocam novos desafios de interpretação [101]. Com isto quero afirmar que é perigosa a ideia dominante na ciência política que o socialismo, como concepção de vida e do mundo, está moribundo ou se converteu à universalidade do liberalismo e da economia de mercado num espaço de uma geração [102].

É minha convicção profunda que sempre que as condições de exclusão, de desigualdade, de competição económica, conduzam os povos e os homens ao desespero (ou à descrença) há sempre condições para o regresso de doutrinas pan-teológicas (embora laicas na sua aparente formulação doutrinal), que predicam a luta contra os poderosos e a instituição revolucionária de uma sociedade igualitária sobre os escombros da existente.


Notas

02 Luigi Bonanate, Profil bio-bibliographique, www.erasmo.it/bobbio/copertine/norbertobobbioprofil.html

03 In BOBBIO, Norberto, De Senectute e altri saggi autobiografici, Turim, Einaudi, 1996.

04 Registo a edição das suas principais obras em língua portuguesa no Brasil pela editora Campus.

05 GREPPI, Andrea, Teoria e Ideologia en el pensamiento político de Norberto Bobbio, Marcial Pons, Madrid, 1998.

06 A republicação dos seus ensaios e obras mais importantes no domínio da filosofia política tem sido possível graças aos trabalhos dos seus seguidores Lydia G. Cochrane, Teresa Chataway, Alan Cameron, Alfonso Ruiz-Miguel, Andrea Greppi, Michelangelo Bovero ou Nadia Urbinati.

07 BOBBIO, Norberto, Autobiografia,(com a colaboração de Alberto Papuzzi), Editorial Bizâncio, Lisboa, 1995, p. 13.

08 Idem, p. 14.

09 Idem, p. 14.

10 Idem, p. 15.

11 Idem, p. 17.

12 Com ele recorda aprende a função cívica da filosofia do direito: a função cívica desta cadeira consistia precisamente em manter desperta a atenção dos jovens para os problemas gerais do Estado e do Direito que eram bastante mais complexos e profundo do que a pública ortodoxia dava a entender, ao elevar o problema político a problema filosófico e, portanto, em última análise, a problema de consciência. BOBBIO, Autobiografia , p. 21.

13 Interesse que continuará com a publicação em 1935 do seu primeiro ensaio académico, La filosofia di Husserl e la tendenza fenomenologica, publicada na «Rivista di Filosofia», XXVI, Jan-Março de 1935.

14 Ver Autobiografia p. 31-6.

15 ZANGRANDI, Ruggero, Il lungo viaggio attraverso il fascismo, feltrinelli, Milão, 1964, pp. 193-4.

16 BOBBIO, Norberto, Maestri e compagni, Passigli, Firenzi, 1984, p. 279-280.

17 Para uma análise circunstanciada da formação, orientação e trajecto do Partito d’Azione ver BOBBIO, Norberto, Ideological Profile of Twenty Century Italy, Princeton, Princeton University Press, 1995, pp. 143, 147-154, 157-158, 168,183. Uma síntese da inserção do Partido na tradição liberal-socialista italiana e o seu envolvimento partidário é feita por Bobbio em Autobiografia,(com a colaboração de Alberto Papuzzi, Editorial Bizâncio, Lisboa, 1995, p.44-54.

18 Benedetto Croce (1866-1952), filósofo italiano, historiador e político. Funda em 1903 o jornal anticlerical La Critica, onde publica parte significativa dos seus escritos. Torna-se membro do Senado italiano em 1910, Ministro da Educação entre 1920 e 1921. Opositor ao fascismo e a Mussolini. Em 1947, funda o Instituto Italiano de Estudos Históricos. Muito influenciado por G. W. F. Hegel explicita o seu pensamento filosófico como uma «filosofia do espírito». Nela compreende estética, lógica, ética, filosofia da história num sistema unificado dominado pela sua ideia do poder criativo humano. A sua teoria estética funda-se na ideia que a arte como forma da criatividade é um critério mais revelador que as ciências. Na sua análise da lógica, Croce contrasta o pensamento lógico como um sistema de relações universais com as formas mais específicas da intuição individual. Acredita no livre arbítrio e num modo de vida baseado na apreciação da beleza, vendo a história como a filosofia em movimento, uma interpretação do passado em termos do presente e os filósofos como os verdadeiros historiadores. Entre as principais obras de Croce estão Ariosto, Shakespeare, e Corneille (1920); História da Europa no Século XIX (1932) e Croce, o Rei e os Aliados (1951). Bobbio dedica-lhe o capítulo VI de Ideological Profile of the Twentieth Century Italy, p. 69-80 e recorda o velho Mestre artigo em citações frequentes da História da Europa.

19 Professor Universitário, Ministro do Governo italiano, autor de História del Liberalismo Europeo, Ediciones Pegaso, Madrid, 1944 e grande referência do liberalismo europeu deste século.

20 Carlo Cattaneo viveu entre 1801 e 1869 em Milão e desempenhou um papel proeminente no Risorgimento italiano. Democrata e federalista europeu, Cattaneo, reconhece Bobbio na sua Autobiografia, p. 83-84 exerceu uma influência determinante no «arranque dos meus estudos do pensamento político, quási sempre ligados à actualidade». Bobbio considera-o um dos pouquíssimos intelectuais do Risorgimento que nunca puderam ser utilizados pelo fascismo, na medida em que a sua concepção de Estado como «grande transacção» está nas antípodas da doutrina fascista do Estado ético. Bobbio organiza entre 1944 e 1945 uma colectânea de escritos de Cattaneo que sai sob o título Stati Uniti d’Italia, a cura di Norberto Bobbio, Turim, Chiantore, 1945. A colectânea mantém-se inédita fora de Itália.

21 LAFER, Celso, Um professor: a autobiografia de Bobbio, incluído em Bobbio no Brasil, colecção de comunicações presentes a um Encontro sobre Bobbio, organizado pela Universidade de Brasília em 1983 e publicadas em 2001, pela editora UnB, sob coordenação de Carlos Henrique Cardim.

22 BOBBIO, Norberto, Qual Socialismo ?, Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1987.

23 Que é também um tema fundamental no pensamento filosófico de Hannah Arendt.

24 Sobre a turbulenta relação com Craxi ver Autobiografia, ibid, pp. 173-174, 176-177 e 179-182.

25 Na verdadeira revolução que atravessa a política partidária italiana a partir dos anos 90 e que conduziu à transformação ou pulverização dos partidos históricos italianos, seria interessante conhecer como o nosso autor a comenta, sobretudo do ponto de vista da unidade da esquerda, «utopia» que nunca abandona. Só a organização da correspondência e escritos avulsos de Norberto Bobbio a cargo do Centro Studi Piero Gobetti (via Fabro, 6 – 10122 Torino) dirigido por Pietro Polito poderá fazer alguma luz, no futuro.

26 BOBBIO, Norberto, Libéralisme et démocratie , Paris, Les Éditions du Cerf, 1996.

27 BOBBIO, Norberto, L’utopia capovolta, Turim, La Stampa, 1990.

28 Segundo a Constituição italiana são cinco os senadores vitalícios que podem ser nomeados por cada Presidente. Bobbio fez companhia conjuntamente com Carlo Bo a Amintore Fanfani, Cesare Mrezagora, Leo Valiani, Eduardo De Filippo e Camilla Ravera que já eram senadores vitalícios.

29 BOBBIO, Norberto, As ideologias e o poder em crise, Brasília, Editora UnB, 1988.

30 BOBBIO, Norberto, L’utopia capovolta.

31 Aldo Moro é raptado pelas Brigadas Vermelhas (Brigate Rosse) na Via Fani em Roma em 16 de Abril de 1978. O seu corpo é encontrado em 9 de Maio na Via Caetani, também em Roma. Os quarenta e cinco dias do seu encarceramento são o ponto mais alto dos ataques terroristas ao Estado italiano, um anátema segundo Bobbio da história recente de Itália. Que regressariam vinte e um anos mais tarde com a morte de consultor do Ministro de Trabalho, Massimo D’Antona e a 19 de Março de 2002 com o assassinato de Marco Biagi mostrando que se trata de algo que a democracia italiana ainda não conseguiu resolver e conjurar.

32 MARTINEZ, Gregorio Peces-Barba, Los noventa anos de Bobbio – un gigantesco depósito de razón, Ideas Políticas.

33 BOBBIO, Norberto, Entre duas Repúblicas, às origens da democracia italiana, Brasília, Editora UnB, 2001.

34 O período de 1945-6 do fim do fascismo e transição para a democracia e o período que se inicia em 1996 com aquilo que Bobbio designa pela introdução dos partidos-pessoa e a transfiguração da própria democracia no hedonismo do poder mediático e político-empresarial de Berlusconi.

35 PERRONE-MOISÉS, Cláudia, A política de cultura de Norberto Bobbio http://www.jt.com.br/noticias/98/01/24/sa8htm

36 Ver TAMBOSI, Orlando, Norberto Bobbio e o século XX,http://www.prw.com.br/prw/resenhas/bobbio.htm

37 Neste sentido, CHATAWAY, Teresa, In Praise of Meekness, Cambridge, Polity Press, 2000.

38 BOBBIO, Norberto, Maestri e compagni, Passigli, Firenze, 1984.

39 DI CASTRO, Elizabeta. Razón y política; la obra de Norberto Bobbio, México, UNAM/Fontamara, 1998, pp. 21-32.

40 Como por exemplo no conjunto de artigos e intervenções que publica no Mondoperaio – editados posteriormente sob o título Quale Socialismo, pela Einaudi, em Turim (1976) - em polémica com as principais figuras do Partido Comunista Italiano e em que questiona duas questões fundamentais: a inexistência de uma análise do Estado e das suas instituições no pensamento marxista, designadamente no chamado período de transição para o socialismo; a incompatibilidade entre democracia e socialismo na sociedade «socialista»de leste e, portanto, a sua inadequabilidade á evolução da democracia para o socialismo.

41 ‘’Norberto Bobbio e la Teoria generale del diritto. Bibliografia regionata 1934-1982’’, Quaderni di Filosofia Analitica di Diritto, nº 4, Milano, Giuffré, 1982.

42 Existe uma recolha francesa de excertos de alguns destes textos como ‘’Essais de Théorie du Droit’’, publicada em Paris, em 1998, pela Librairie Générale do Droit et de la Jurisprudence.

43 Falamos aqui em filosofia do direito, também chamado no mundo anglo-saxónico como jurisprudence, querendo referir o estudo de problemas conceptuais e teóricos relativos à natureza do Direito propriamente dito ou comuns aos vários sistemas jurídicos. Os problemas que se colocam nesta disciplina pertencem, fundamentalmente, a dois grupos: primeiro, os problemas internos ao direito e aos sistemas jurídicos enquanto tal e que incluem, por exemplo, a natureza das normas jurídicas, as condições em que podem existir e produzir efeitos, a estrutura e carácter lógico das mesmas normas, as condições estruturais dos sistemas jurídicos, etc; segundo, os problemas das relações entre a lei como instituição social específica numa dada sociedade e as condições políticas, morais dessa mesma sociedade e que integram temas como a natureza da obrigação jurídica, a coercibilidade da lei, as suas funções, o conceito legal de responsabilidade, a análise e justificação das penas coarctivas, a relação entre sistemas jurídicos, morais e políticos, etc. Ver philosophy of law in The Cambridge Dictionary of Philosophy, second edition, Editor Robert Audi, Cambridge, Cambridge University Press, 1999, p 676-7.

44 BOBBIO, Norberto, O Positivismo Jurídico – Lições de Filosofia do Direito, S.Paulo, Ícone Editora, 1995, pp. 223-4.

45 BOBBIO, idem. p 224.

46 Bobbio distingue muito claramente entre uma teoria e uma ideologia. A primeira é a expressão da atitude puramente cognoscitiva que o homem assume perante uma certa realidade, sendo preenchida por juízos de facto, que têm a finalidade de informar os outros acerca de tal realidade. A segunda é a expressão do comportamento avaliativo que o homem assume face a uma dada realidade configurando um conjunto de juízos de valor relativos a ela, «juízos estes fundamentados no sistema de valores acolhido por aquele que o formula e que tem como objectivo influírem sobre essa mesma realidade». Ou seja não faz sentido apregoar o sentido verdadeiro ou falso de uma ideologia (como o faríamos quanto a uma teoria) mas exclusivamente se é conservadora ou progressiva, se é reformista ou revolucionária. BOBBIO, O positivismo jurídico, p. 223.

47 BOBBIO, idem, p. 225.

48 TRUYOL Y SERRA, Compêndio da História da Filosofia do Direito , Lisboa, Faculdade de Direito de Lisboa, 1954, p. 106-7.

49 KELSEN, Hans, O problema da Justiça, S. Paulo, Edições Martins Fontes, 1996.

50 GAVAZZI, Giacomo, Introdução- Kelsen e a doutrina pura do Direto, in A Democracia compilação de cinco ensaios de Kelsen, S. Paulo, Edições Martins Fontes, 1993, p. 1-2.

51 RUIZ MIGUEL, Alfonso, Contribucion a la teoria del derecho- Norberto Bobbio, Madrid, Universidad Autónoma de Madrid, 1980, p 242.

52 Entendida como o estudo filosófico da linguagem e das suas manifestações, particularmente os sentidos linguísticos e o uso da linguagem. Há uma profusão de teorias integráveis nesta perspectiva de análise linguística com aplicação ao domínio das Ciências Sociais, mas existe uma preocupação de através de uma rigorosa análise semântica reconstruir sentidos e relações entre as palavras e o mundo não-linguístico. Ver philosophy of language, in The Cambridge Dictionary of Philosophy, ibid, p 673-6.

53 Diz Alfonso Ruiz Miguel «em Bobbio como em tantos outros intelectuais – penso sobretudo em Bertrand Russell ou em Hans Kelsen – a tendência filosófica analítica e para o empirismo acompanha uma concepção relativista mas não céptica da moral e uma ideologia democrático-liberal firmemente enraizada» ob, cit, p. 14.

54 Diz Bobbio na sua Autobiografia, p. 21 «a função cívica desta cadeira (filosofia do direito) consistia precisamente em manter desperta a atenção dos jovens para os problemas gerais do Estado e do Direito, que eram bastante mais complexos e profundos que a pública ortodoxia dava a entender, ao elevar o problema político e, portanto, em última análise, o problema da consciência, ao tornar afinal dramático o que no comportamento da maioria se tornara um exercício de cómodo conformismo»

55 RUIZ MIGUEL, Alfonso, Contribucion a la teoria del derecho- Norberto Bobbio, idem. .

56 Filósofo italiano que viveu entre 1875 e 1944 sendo o teórico da restauração da ordem fascista e um dos expoentes do idealismo italiano, embora contraposto a Croce com quem manteve várias polémicas. Participou no debate sobre a reforma escolar fascista, sendo eleito Ministro por Mussolini. Convertido à liderança populista do duce defendeu o carácter religioso do fascismo italiano, justificando a supressão da liberdade (e a perseguição aos judeus em Itália) em nome do «supremo interesse da nação», professando uma visão do Estado italiano como Estado ético. Cfr. Profile of the Twentieth Century, Norberto Bobbio, p. 125-9. Hannah Arendt refere em Le Système Totalitaire, Éditions du Seuil, Essais, 1972. p. 247 que mais que os «mitos» de Sorel foi « «actualismo» de Gentile (a ideia que os únicos princípios que deveriam ditar a actuação do Estado fascista seriam a inspiração e a acção do chefe) que melhor exprimiu o espírito do fascismo italiano.

57 Filósofo alemão que viveu entre 1859 e 1938, fundador da fenomenologia, influenciou Bertrand Russell e Wittengstein, Heidegger, Sartre e Merleau-Ponty. Husserl defendia que as coisas apresentam-se-nos de várias formas e que a filosofia deveria aplicar-se na precisa descrição destas aparências, evitando construir grandes teorias construtivistas e defender quaisquer ideologias. À filosofia caberia descrever os diferentes caminhos em que as «regiões do ser» como os objectos, as coisas vivas, as outras pessoas e os objectos culturais são dados, como o passado e o presente se relacionam, como a fala, os números, o tempo e o espaço nos são revelados. Ver The Cambridge Dictionary of Philosophy, ibid, p. 403-7.

58 Como o fez seu mestre e antecessor na cátedra de filosofia de direito em Turim, Gioele Solari. Ver Autobiografia, p. 129-130.

59 Publicado originalmente pela Einaudi em 1985 e editado em língua portuguesa em 1986 pela Editora Paz e Terra, S. Paulo (Brasil).

60 Estado, governo e sociedade, edição brasileira, p. 53-54.

61 Hobbes em relação a todos os filósofos anglófonos, Nietzsche ou Marx em relação aos germanófolos e por aí fora.

62 Publicado também pela Editora UnB (Brasília)

63 Idem, edição já esgotada.

64 Editado em língua inglesa com o título ‘’Thomas Hobbes and the Natural Law Tradition’’, Chicago, The University of Chicago Press, 1998.

65 Publicado também pela Editora UnB (Brasília), edição já esgotada.

66 Editado em língua portuguesa pela Paz e Terra, S. Paulo, 1999.

67 Editado também pela Editorial FCE do México com o título ‘’Ni com Marx, ni contra Marx’’.

68 Ver Autobiografia, p. 112-114

69 Ver BOBBIO, Norberto, Ideological Profile of Twentieth-Century Italy , tradução de Lydia G. Cochrane, Princeton, Princeton University Press, p. viii-ix.

70 BOBBIO, Norberto, Autobiografia, p. 125-135.

71 Esta abordagem é também nos especialistas de filosofia do direito. Ver TRUYOL Y SERRA, António, Compêndio de história da filosofia do direito, Lisboa, 1954; VILLEY, Michel, La formation du pnsé juridique moderne, Paris, Montchrétien, 1975

72 BOBBIO, Norberto, idem, p. 132-3.

73 MARCUSE, Herbert, L’Homme unidimensionnel, Paris, Editions du Minuit, 1968.

74 BOBBIO, Norberto, Autobiografia, ibid, p. 134.

75 Ver entrevista a Frederico Coen, Crises de la idea de progreso, La Jornada Semanal, 3 Outubro de 1995.

76 Diz Bobbio em «Cultura vechia politica nuova» em Politica e Cultura, Turi, Einaudi, 1955: detrás do pensamento dos velhos iluministas encontram-se pelo menos estas três ideias: 1) fé na razão face ao ressurgimento de novos e velhos mitos; 2) a aspiração de utilizar a ciência para fins de utilidade social frente a um saber contemplativo e ociosamente edificante; 3) confiança no progresso ilimitado da humanidade contra a aceitação da uma história que monotamente se repete. Pela minha parte acolho de bom gosto o primeiro e segundo pontos. Mas mentiria se dissesse que estava disposto a aceitar o terceiro. Assim gostava de empregar uma fórmula que pode parece paradoxal, sou um iluminista pessimista. Sou, se se prefere, um iluminista que aprendeu a lição de Hobbes e de Maistre, de Maquiavel e de Marx».

77 Ver Autobiografia, ibid, p. 135-142.

78 A análise do pensamento jusnaturalista de Bobbio, importante numa exegese da liberdade como autonomia é ainda hoje, infelizmente, dificultada pelo seu carácter disperso e ensaístico, materializado em artigos, comentários e recensões espalhadas por revistas jurídicas e filosóficas de muito difícil acesso. Para uma análise pormenorizada remeto para o trabalho de MIGUEL, Alfonso Ruiz, Filosofia y Derecho en Norberto Bobbio, Madrid, Centro de Estudios Constitucionales, 1983, e para a obra colectiva La figura y el pensamiento de Norberto Bobbio, Madrid, Universidad Carlos III-BOE, 1994.

79 Desde logo na doutrina dos direitos do homem de que é, desde sempre, uma das maiores autoridades europeias. Ver A Era dos Direitos , Rio de Janeiro, Editorial Campus, 1992 e El Tercero Ausente, Madrid, Ediciones Cátedra, 1997.

80 As elegias que desenvolve em redor das principais obras de Kant, neste capítulo: Uma Constituição para uma Paz Perpétua e Que é o Iluminismo? são reveladores de uma identificação que ultrapassa a mera coincidência.

81 Neste sentido, CHATAWAY, Teresa, Norberto Bobbio-Intellectual Biography, Political Expressions Sidney, vol 1, nº1, 1995, p. 51 e segs, GREPPI, Andrea, Teoria e Ideologia en el Pensamiento político de Norberto Bobbio, Madrid, Marcial Pons, 1998, p. 25-37, também TELÒ, Mario na Introdução a BOBBIO, Norberto, État et la démocratie internationale. De l’histoire des idées à la science politique’’, Éditions Complexes, Études européennes, 1998, p. 18.

82 LAFER, Celso, Um professor: a autobiografia de Bobbio, Bobbio no Brasil, Brasília, Editora UnB, 2001, p. 85,

83 Ibid p. 15.

84 Há algo profundamente autobiográfico nesta senda de Bobbio contra a tentação da democracia directa. O seu primogénito, Luigi, é um dos dirigentes do movimento estudantil, torna-se secretário da Interfaculdades e participa na contestação às autoridades académicas durante os anos de 1967 e 1968. Bobbio vive a experiência directa do confronto com o movimento estudantil quando aceita a nomeação para membro da Comissão Ordenadora com Marcello Boldrini da Universidade Católica e Benjamino Andreatta da Universidade de Bolonha. Ver Autobiografia , ibid, p. 144-150.

85 GREPPI, Andrea, Teoria e Ideologia en el pensamento político de Norberto Bobbio, Madrid, Marcial Pons, Ediciones Jurídicas y Sociales, 1998.

86 «Creio que a questão da identidade política é fundamental e que a tentativa de construir identidades para os «cidadãos» é uma das tarefas da política democrática. Mas existem muitas concepções diferentes de cidadania e no seu concurso estão em jogo muitas questões vitais. A forma como definirmos cidadania está ligado ao tipo de sociedade e comunidade política que desejamos». MOUFFE Chantal, O Regresso do Político, Gradiva, 1996, p. 83.

87 Bobbio tem-se escrito (Andrea Greppi) (Celso Lafer) guarda em relação ao constitucionalista alemão uma posição contraditória, feita por um lado de grande veneração e respeito pelo seu contributo para o positivismo jurídico e o constitucionalismo, mas por outro lado de uma educada mas firme censura pela forma como Schmitt fez da apologia do poder e do antagonismo amigo-inimigo um caminho que franqueou a porta ao nacional-socialismo e sepultou a República de Weimar. Bobbio aceita o primado da análise realista de Schmitt quando aplicado às relações internacionais, mas teme pelo seu extremismo e radicalismo no campo interno. Não se tratará tanto, como afirma Celso Lafer na sua autobiografia de Bobbio (incluída no já citado Bobbio no Brasil, p.86) da tentação demoníaca do poder em Schmitt, mas o reconhecimento do incontornável contributo do teórico alemão para o estudo e explicação dos fenómenos políticos, que levado à letra pode acarretar uma lógica perversa e niilista da própria democracia. Quanto aos usos que se podem fazer das palavras dos filósofos, depois de mortos, trata-se de uma das mais velhas e inconclusivas discussões da filosofia.

88 Importante o também citado O Futuro da Democracia, que inclui um excelente ensaio «Velho e novo liberalismo» e o ainda inédito fora de Itália Dal fascismo alla democrazia, editado por Michelangelo Bovero, seu sucessor na cátedra da Universidade de Turim..

89 Traduzido por Lydia G. Cochrane para a Princeton University Press, 1995. Massimo L.Salvadori sublinha na introdução, p. xv, «a primeira coisa que pode surpreender o leitor que pega neste livro é o adjectivo «ideológico» que Bobbio coloca no título. É um objectivo que não é comummente usado na historiografia contemporânea e na literatura política, nomeadamente quanto à Itália, mas serve um leque variado de propósitos. Bobbio refere no seu Prefácio que «uma das razões para usar o termo neste livro é que as ideologias – correntes de ideias - têm sido o principal capital da política italiana neste século e têm tido uma influência concreta nas forças políticas em Itália. A segunda razão é que o livro não esconde o ponto de vista ideológico do autor em relação a eventos e a pessoas. Trata-se portanto de um livro ideológico». Como é sabido existe uma tradição profundamente ideoligizada no pensamento intelectual europeu contrastando com a tradição mais ‘’pragmática’’ inglesa ou americana. Essa distinção é muito clara nos estudos de Ciência Política.

90 Nasce em Maio de 1950, com sede em Veneza, tendo Campagnolo como secretário e Antony Babel como presidente. Bobbio sucederia ao primeiro em 1976 e torna-se uma das referências da Sociedade. Mário Soares integra o Conselho da SEC desde princípios dos anos 90.

91 Autobiografia, ibid, p. 92-95.

92 BOBBIO, Norberto, Thomas Hobbes and the natural law tradition, Norberto Bobbio, traduzido por Daniela Gobetti, The University of Chicago Press, 1993. O sistema político de Hobbes funda-se numa grande dicotomia entre um estado de natureza, em que os homens vivem sem leis para regular os seus interesses contrapostos e uma sociedade civil em que existe um poder comum que os coage contra a sua vontade a obedecer ás leis necessárias para garantir uma coabitação pacífica. A passagem de uma para outra condição pode ocorrer por duas vias: através da conquista pelo qual o mais forte se impõe aos outros; pelo contrato social através do qual todos os interessados concordam em alienar os seus direitos, renunciar ao uso individual da força e instituir um poder comum. A primeira solução é característica de uma concepção realista de política que toma a sociedade do ponto de vista das paixões em choque que necessitam de ser sustidas por um poder externo. A segunda solução é própria de uma concepção racionalística de política de acordo com a qual a política é o domínio em que interesses opostos se confrontam. Bobbio reconhece a prática da primeira mas inclina-se claramente para a segunda como a preferível em democracia.

93BOBBIO, Norberto, Diritto e Stato nel pensiero di Emmanuel Kant, Turim, Giappichelli, 1969.

94 Direito e Estado no pensamento de Emanuel Kant, Editorial Brasília, p.153-159

95 Inclui os ensaios O modelo do direito natural (publicado primeiramente pela Rivista internazionale de filosofia del diritto, 1973), A teoria política de Hobbes (idem, Storia delle idee politiche economiche e sociali, 1980), A Revolução Francesa e os Direitos do Homem (Câmara dos Deputados, Roma, 1988), A paz perpétua e a concepção kantiana da federação internacional (Idem, Introduzione a E. Kant, Per la pace perpetua. Un projecto filosofico. A cura di N. Merker, Roma, Editori Riuniti, 1985), Hegel e o direito (Idem, Incidenza di Hegel, a cura di F. Tessitore, Nápole, Morano, 1970), Estado, poder e governo (Idem, Enciclopedia Einaudi, Stato, vol XIII, 1981).

96

BOBBIO, Noprberto, L’Utopia capovolta, Turim, la Stampa, 1990.

97 Ver também o capitulo VII da sua Autobiografia, p. 198-222.

98 BOBBIO, Norberto, Elogio della mitezza e altri scriti morali (Elogio da Brandura e outros escritos morais), Milan, Linea d’Ombra, 1994.

99 Uso aqui o conceito numa acepção essencialmente descritiva, herdada da economia política.

100 A emergência dos fenómenos do fundamentalismo islâmico, primeiro no Irão, depois no Afeganistão, Indonésia, Filipinas, Sudão, Iraque é vista, nessa perspectiva, mais como um anátema do processo histórico universal do que como um fenómeno com ampla projecção e consequências.

101 Relembro a propósito a conhecida e inultrapassada abertura do 18 de Brumário de Luís Bonaparte de Karl Marx: Hegel faz notar algures, que todos os grandes acontecimentos e personagens históricos ocorrem , por assim dizer, duas vezes. Esqueceu-se de acrescentar: a primeira vez como tragédia, a segunda como farsa. Publicado por Textos do Nosso Tempo, Coimbra, 1971, p. 15.

102 Há, a propósito, duas reflexões fundamentais sobre este problema: Socialismo e Mercado do galego Ramom L. Suevos, editado em 1994, em Portugal, pelo Campo das Letras e Socialism after Communism. The new Market Socialism, de Christopher Pierson, publicado pela Polity Press, 1995.


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GONÇALVES, Arnaldo Manuel Abrantes. Norberto Bobbio: perfil intelectual do jurista e do teórico da democracia. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 1102, 8 jul. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/8615. Acesso em: 5 maio 2024.