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O art. 61 da Lei dos Juizados Especiais Criminais estaduais (Lei nº 9.099/95) com o advento da Lei dos Juizados Especiais Criminais na Justiça Federal

O art. 61 da Lei dos Juizados Especiais Criminais estaduais (Lei nº 9.099/95) com o advento da Lei dos Juizados Especiais Criminais na Justiça Federal

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"Vi ainda tôdas as opressões que se fazem debaixo do sol: eis as lágrimas dos que foram oprimidos, sem que ninguém os consolasse; vi a violência na mão dos opressores, sem que ninguém os consolasse (...). Então via que todo trabalho, e tôda destreza em obras, provém da inveja do homem contra o seu próximo. Também isto é vaidade e correr atrás do vento".

Eclesiastes 4: 1-4

"O direito não é uma pura teoria, mas uma força viva. Todos os direitos da humanidade foram conseguidos na luta. O direito é um trabalho incessante, não somente dos poderes públicos, mas da nação inteira".

Ihering, A luta pelo direito.

SUMÁRIO: INTRODUÇÃO; CAPÍTULO I DOS JUIZADOS ESPECIAIS CRIMINAIS ESTADUAIS, 1.Criação dos Juizados Especiais – Histórico da Lei n.˚ 9.099/95, 1.1.Juizados Especiais Criminais Estaduais, 2.Competência dos Juizados Especiais Criminais, 3.Objetivo da lei dos juizados especiais criminais, 4.Objetivos do processo nos juizados especiais criminais, 4.1. Reparação dos danos sofridos pela vítima, 4.2. Aplicação de pena não privativa de liberdade, CAPÍTULO II-DOS JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS, 1.Criação dos Juizados Especiais Federais, 2.Objetivos dos Juizados Especiais Federais, 3.Disciplinamento do Poder Judiciário e a Justiça Federal, 4.Instituição dos Juizados Especiais Federais e Aplicação Subsidiária da Lei n.˚ 9.099/95, 5.Da Competência dos Juizados Especiais Federais, CAPÍTULO III- A LEI DOS JUIZADOS ESPECIAIS CRIMINAIS ESTADUAIS (LEI N.˚ 9.099/95) COM O ADVENTO DA LEI DOS JUIZADOS ESPECIAIS CRIMINAIS NA JUSTIÇA FEDERAL (LEI N.˚ 10.259/01), 1.Sistema Penal Brasileiro, 2.Interpretação, 3.Princípios e Regras Constitucionais, 4.Derrogação, 4.1.O princípio da retroatividade da lei mais benigna, 5.Exegese equivocada da nova lei e juízes-legisladores; CAPÍTULO IV-DA INCONSTITUCIONALIDADE DO ART. 2º, PARÁGRAFO ÚNICO, DA LEI N. 10.259 DE 12 DE JULHO DE 2001, 1. Separação das funções estatais – limitação do poder e garantia dos direitos fundamentais, 2.Funções estatais, imunidades e garantias em face do princípio da igualdade, 3.Funções estatais: Poder Legislativo e Poder Judiciário, 4.Lei Federal versus Lei Nacional, 5.Lei em Sentido Formal e em Sentido Material, 6.Princípio da Supremacia da Constituição e Controle de Constitucionalidade, 7.Conceito e Tipos de Inconstitucionalidade, 8.Fundamentação para a inconstitucionalidade do art. 2º, parágrafo único da Lei n˚ 10.259/0172; CONCLUSÃO; REFERÊNCIAS; ANEXOS, ANEXO I – Lei n˚ 9.099, de 26 de setembro de 1995, ANEXO II – Lei n˚ 10.259, de 12 de julho de 2001, ANEXO III – Representação pela inconstitucionalidade da lei 10.259/01, ANEXO IV – Parecer Geraldo Brindeiro, ANEXO V – Recurso em sentido estrito interposto pelo Ministério Público


INTRODUÇÃO

Dispõe o art. 98, inciso I, da Constituição Federal que a União, no Distrito Federal e nos Territórios, e os Estados criarão juizados especiais.

A criação dos Juizados Especiais Criminais na Justiça Federal ocorreu com a Emenda Constitucional n.˚ 22, de 18.03.1999, a qual acrescentou um parágrafo ao art. 98 da Carta Magna, prevendo a criação de juizados especiais na esfera da Justiça Federal.

Assim, nos âmbitos estadual e federal foram criados os juizados, os quais são disciplinados pelas Leis n.˚ 9.099, de 26 de setembro de 1995, e 10.259, de 12 de julho de 2001, respectivamente.

Com a instituição dos Juizados Federais (Lei n.˚ 10.259/01), surgiu grande controvérsia, no aspecto criminal, com relação à interpretação do art. 61 da Lei n.˚ 9.099/95, perante os arts. 1˚, 2˚ e 20 da referida lei.

Expressa o art. 61 da Lei 9.099/95 que:

Art. 61. Consideram-se infrações de menor potencial ofensivo, para os efeitos desta Lei, as contravenções penais e os crimes a que a lei comine pena máxima não superior a 1 (um) ano, excetuados os casos em que a lei preveja procedimento especial. (Grifou-se)

Os arts. 1º, 2º e 20 (Lei n.˚ 10.259/01), respectivamente, preconizam:

Art. 1º. São instituídos os Juizados Especiais Cíveis e Criminais da Justiça Federal, aos quais se aplica, no que não conflitar com esta Lei, o disposto na Lei n.˚ 9.099, de 26 de setembro de 1995. (Grifou-se)

Art. 2º. Compete ao Juizado Especial Federal Criminal processar e julgar os feitos de competência da Justiça Federal relativos às infrações de menor potencial ofensivo.

Parágrafo único. Consideram-se infrações de menor potencial ofensivo, para os efeitos desta Lei, os crimes a que a lei comine pena máxima não superior a 2 (dois) anos, ou multa. (Grifou-se)

Art. 20. Onde não houver Vara Federal, a causa poderá ser proposta no Juizado Especial Federal mais próximo do foro definido no art. 4º da Lei n.˚ 9.099, de 26 de setembro de 1995, vedada a aplicação desta Lei no juízo estadual. (Grifou-se)

Diante dessas definições, argüi-se se o conceito de menor potencial ofensivo implementado pela Lei 10.259/01 também seria válido para os Juizados Especiais Estaduais. Noutros termos, o sistema jurídico brasileiro, segundo disposições doutrinárias, seria bipartido (dois conceitos autônomos e independentes para o conceito de menor potencial ofensivo) ou unitário (conceito único válido para todos os juizados do país)? Qual a competência dos Juizados Especiais Criminais Estaduais e Federais? A Lei n.˚ 10.259/2001 deve ser declarada inconstitucional?

Nesse sentido, a área temática deste trabalho se encontra envolta nas dúvidas advindas, desde a instituição da Lei n˚ 10.259/01, quanto à definição de menor potencialidade ofensiva.

Necessário se faz, para tanto, que sejam as normas em destaque interpretadas em conformidade com os termos trazidos a lume pelo sistema jurídico, alcançando a finalidade precípua do Direito, a Justiça.

De acordo com esse contexto serão analisados:

a) no Capítulo I (Dos Juizados Especiais Estaduais): Criação dos Juizados Especiais – Histórico da Lei n.˚ 9.099/95; Juizados Especiais Criminais Estaduais; Competência dos Juizados Especiais Criminais; Objetivo da lei dos juizados especiais criminais; Objetivos do processo nos juizados especiais criminais; Reparação dos danos sofridos pela vítima; Aplicação de pena não privativa de liberdade;

b) no Capítulo II (Dos Juizados Especiais Federais): Criação dos Juizados Especiais Federais; Objetivos dos Juizados Especiais Federais; Disciplinamento do Poder Judiciário e a Justiça Federal; Instituição dos Juizados Especiais Federais e Aplicação Subsidiária da Lei n.˚ 9.099/95; Da Competência dos Juizados Especiais Federais;

c) no Capítulo III (A Lei dos Juizados Especiais Criminais Estaduais (Lei n.˚ 9.099/95) com o advento da Lei dos Juizados Especiais Criminais na Justiça Federal (Lei n.˚ 10.259/01): Sistema Penal Brasileiro; Interpretação; Princípios e Regras Constitucionais; Derrogação; O princípio da retroatividade da lei mais benigna; Exegese equivocada da nova lei e juízes-legisladores; e,

d) no Capítulo IV (Da Inconstitucionalidade do art. 2º, parágrafo único, da Lei n. 10.259, de 12 de julho de 2001): Separação das funções estatais – limitação do poder e garantia dos direitos fundamentais; Funções estatais, imunidades e garantias em face do princípio da igualdade; Funções estatais: Poder Legislativo e Poder Judiciário; Lei Federal versus Lei Nacional; Lei em Sentido Formal e em Sentido Material; Princípio da Supremacia da Constituição e Controle de Constitucionalidade; Conceito e Tipos de Inconstitucionalidade; Fundamentação para a inconstitucionalidade do art. 2º, parágrafo único, da Lei n˚ 10.259/01.

Utilizar-se-á, para tanto, o método dedutivo-bibliográfico para responder às hipóteses levantadas, visando a observação, estudo e a análise da doutrina e da jurisprudência pertinentes ao tema, com vistas a alcançar a atualização e a justificação lógica do assunto, bem como para formular a proposição da generalização necessária à conclusão do tema sob exame.

Dentro do método dedutivo, verificar-se-á: o estudo puro, teórico ou fundamental, objetivando descobrir fatos, teorias e modelos que contribuam para a elucidação das hipóteses formuladas; e o estudo analítico-sintético, destinado a realizar a interpretação analítica dos textos normativos obtidos através da pesquisa bibliográfica e sua aplicação ao fato concreto sob exame.

Diante do exposto, passa-se a análise do tema proposto.


CAPÍTULO I

DOS JUIZADOS ESPECIAIS CRIMINAIS ESTADUAIS

1.Criação dos Juizados Especiais - Histórico da Lei n.º 9.099/95

Buscando romper as falhas da organização judiciária no que concerne à lentidão do Judiciário e à impunidade de infratores que sempre obtinham a extinção da punibilidade devido à morosidade dos processos, analisou-se a necessidade de reforma das leis processuais.

Tais leis se tornaram disfuncionais e ultrapassadas, principalmente no que se refere aos ritos sumaríssimos para a verificação de contravenções e de crimes de menor gravidade.

Para tanto, houve a exigência de um processo penal melhor qualificado, cujos instrumentos fossem mais adequados à proteção dos direitos de todos os cidadãos, assegurando-se-lhes a utilidade das decisões judiciais, e também a implantação de um processo criminal com mecanismos céleres, simples e econômicos com o objetivo de suprir a lentidão no julgamento de ilícitos menores, desafogando a Justiça Criminal, para aperfeiçoar a aplicação da lei penal aos autores dos mais graves atentados aos valores sociais vigentes.

Com a elevação incandescente da criminalidade, as pequenas infrações penais ficavam relegadas a um segundo plano, dando-se preferência àquelas mais graves, diante da indispensável debandada do convívio social dos elementos considerados mais perigosos.

Ressalte-se, ainda, a necessidade de instauração de um procedimento sumário para a apuração dessas infrações menores, cujos métodos dariam imediata resposta ao ato infracional, evitando, por conseguinte, qualquer manobra protelatória, e conseqüentemente, a impunibilidade.

Diante de tais fatos, o legislador introduziu na Constituição Federal de 1988 o disposto no art. 98, inciso I, determinando que a União, no Distrito Federal e nos Territórios, e os Estados deveriam criar juizados especiais, providos por juízes togados, ou togados e leigos, competentes para a conciliação, o julgamento e a execução de causas cíveis de menor complexidade e infrações penais de menor potencial ofensivo, através dos procedimentos oral e sumaríssimo.

Assim, a Carta Magna de 1988 impôs a criação dos Juizados Especiais com o fito de desburocratizar e simplificar a Justiça Penal; nos moldes dos instrumentos jurídicos já utilizados nos Estados Unidos e Itália, por exemplo.

Tal simplificação se daria pelo consenso das partes com a reparação dos danos sofridos pela vítima, quer pela transação, com a aplicação de penas não privativas de liberdade, quer através de um procedimento célere para a apuração da responsabilidade penal dos autores de infrações penais de menor potencial ofensivo, quando apurasse a possibilidade de aplicação de qualquer uma dessas medidas renovadoras.

Tendo em vista os objetivos expostos, durante os trabalhos da Assembléia Constituinte foi apresentada à Associação Paulista de Magistrados a minuta de um anteprojeto de lei federal, disciplinando a matéria referente aos Juizados Especiais Criminais.

Logo após a promulgação da Carta Magna de 1988, foi constituído um Grupo de Trabalho para examinar a referida proposta. Esta comissão elaborou um substitutivo à proposta, sendo apresentado um anteprojeto à Presidência do Tribunal de Alçada Criminal, que recebeu sugestões da Ordem dos Advogados do Brasil, Seção de São Paulo. Com essas sugestões o anteprojeto foi apresentado ao Deputado Michel Temer, que o transformou no projeto de Lei n.º 1.480-D, de 1989.

Na Câmara dos Deputados haviam sido apresentados outros projetos relativos às causas cíveis de menor complexidade e às infrações penais de menor potencial ofensivo: os de n.º 1.129/88, do Deputado Jorge Arbage; 1.708/89, do Deputado Manoel Moreira; 2.959/89, do Deputado Daso Coimbra; 3.883/89, do Deputado Gonzaga Patriota; 3.698/89, do Deputado Nelson Jobim.

O relator da Comissão de Constituição e Justiça, Deputado Ibrahim Abi-Ackel selecionou, entre todos, o Projeto Michel Temer, no âmbito penal, e o Projeto n.º 3.698/89, do Deputado Nelson Jobim, na esfera cível, determinando a unificação de ambos em um substitutivo, que foi aprovado na Câmara dos Deputados e encaminhado ao Senado.

No Senado, o relator Senador José Paulo Bisol elaborou um substitutivo de normas genéricas deixando a matéria a ser regulada por leis estaduais.

Entretanto, voltando à Câmara dos Deputados, foi mantido o substitutivo por ela aprovado, editando-se a Lei n.º 9.099, de 26 de setembro de 1995.

Assim, seis anos após a apresentação dos primeiros projetos aprovou-se a lei autorizadora para a criação dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais, obedecendo ao disposto na Constituição Federal de 1988.

1.1. Juizados Especiais Criminais Estaduais

A Constituição Federal, em seu artigo 98, inciso I, previu a criação dos Juizados Especiais, competentes para a conciliação, o julgamento e a execução das infrações penais de menor potencial ofensivo.

Esse dispositivo possui a característica de norma constitucional de eficácia limitada, pois, o conceito de infração penal de menor potencial ofensivo exige complementação por intermédio de legislação infraconstitucional, para que possam surtir os efeitos essenciais, visados pelo Constituinte.

Vale dizer, a mediatização da norma constitucional fica relegada ao legislador ordinário, que tem a incumbência de fixar os parâmetros caracterizadores das infrações de menor potencial ofensivo.

É incumbência dos Estados a criação dos Juizados Especiais Criminais com competência para processar e julgar as infrações penais de menor potencial ofensivo.

Conforme dispõe o art. 24, XI, da Constituição Federal, pode a lei estadual acomodar, concorrentemente com a União, procedimentos em matéria processual, ou seja, desdobrar os princípios ou diretrizes inscritos na Lei n.º 9.099/95.

Verifica-se, portanto, que promulgada e em vigor a Lei n.º 9.099/95, cabe à União e aos Estados criarem, através de lei, os Juizados Especiais Cíveis e Criminais no Distrito Federal e Territórios e nos Estados, respectivamente. Não só o art. 98, I, da Carta Magna, mas também os arts. 1º, 93 e 95 da referida Lei determinam que os Juizados sejam criados por lei local.

Constata-se do art. 93 que lei estadual "disporá sobre o Sistema de Juizados Especiais Cíveis e Criminais, sua organização, composição e competência".

As matérias relativas à organização judiciária (alteração, composição dos juizados, etc.), ao procedimento (envio das partes a juízo, existência ou não de plantões, etc.) e à competência (territorial, para a execução das penas, etc.) dependem de lei.

A mesma deverá dispor, ainda, sobre a composição dos Juizados Especiais, ou seja, definir quem exercerá a jurisdição. Ela pode conferi-la aos Juízes de Direito, como também criar cargos específicos para magistrados que devem prover tais órgãos estaduais.

A jurisdição não poderá ser exercida exclusivamente por leigo, pois, como se verifica na Carta Magna (art. 98) e na Lei n.º 9.099/95 (art. 60) é obrigatória a presença de juiz togado.

Ressalte-se que disposições complementares referentes aos Juizados Especiais podem ser editadas por lei local ou normas de organização judiciária (art. 64, 73, parágrafo único, 87, 94, e outros).

2.Competência dos Juizados Especiais Criminais

Por força dos arts. 93, da Constituição Federal, e 1º, da Lei n.º 9.099/95: Os Juizados Especiais Cíveis e Criminais, órgãos da Justiça Ordinária, serão criados pela União, no Distrito Federal e nos Territórios, e pelos Estados, para conciliação, processo, julgamento e execução, nas causas de sua competência.

Competência, para Pedro Henrique Demercian e Jorge Assaf Maluly, é a fixação de limite imposta pela lei; é a medida da jurisdição, em razão da matéria, do local, da prerrogativa de função, além de outras causas.

O critério de fixação da competência dos Juizados Especiais ocorre em razão da natureza do delito, ou seja "as infrações de menor potencial ofensivo", acarretando a impossibilidade de julgamento no Juizado Criminal de outras infrações, sob pena de nulidade absoluta.

A Lei Federal delimitou que são consideradas infrações de menor potencial ofensivo as contravenções penais, os crimes a que a lei comine pena máxima não superior a 1 (um) ano, e os crimes para os quais a lei não preveja procedimento especial.

Enfatiza-se, pois, que aos Juizados Especiais cabe toda a matéria que não for da competência da Justiça Eleitoral (art. 121, CF/88) ou da Justiça Militar (art. 124, da CF/88).

Segundo Mirabete é competência do Juizado Criminal a homologação da composição (arts. 73 e 74), o julgamento da transação (art. 76) e o do processo sumaríssimo (art. 77), e a execução das penas de multa instituídas na transação e no julgamento (arts. 84 e 85), exceto, a priori, o procedimento executivo das sanções restantes (art. 86).

Extrai-se ainda que

a expressão conciliação abrange a composição (art. 72 e 75) e a transação (art. 76). O procedimento sumaríssimo e o julgamento estão disciplinados nos arts. 77 a 81. Quanto à execução, entretanto, por disposição expressa não se podem executar as penas restritivas de direitos e privativas de liberdade que forem impostas na transação ou no julgamento do processo sumaríssimo, mas somente as penas de multa (art. 84). Aquelas sanções serão submetidas ao Juízo da Execução, de acordo com o disposto na Lei n.º 7.210/84 (Lei de Execução Penal).

Excetua-se esse prognóstico se lei local conferir esta competência ao Juizado Especial.

No sentido acima exarado se enveredam os Pretórios:

"RHC – Constitucional – Infração de menor potencial ofensivo – Lei estadual – A definição de infração penal é privativa da União Federal (Const. Art. 22). Para a hipótese, irrelevante a exceção do respectivo parágrafo único. O tema não se confunde com a competência concorrente da União e dos Estados relativa a procedimentos em matéria penal (Const. Art. 24). Inconstitucionalidade da Lei n.º 1.071 de Mato Grosso do Sul, proclamada pelo Supremo Tribunal Federal. Resolução do Senado Federal suspendeu a execução do referido texto legal" (STJ – RSTJ 110/407). (grifou-se)

3.Objetivo da Lei dos Juizados Especiais Criminais

A Lei n.º 9.099/95 expressa que, sempre que possível, deve-se buscar a conciliação ou a transação.

Dessa forma, o objetivo primordial da mencionada lei é o de, seguindo determinadas formalidades, buscar a paz social, dentro dos limites da prática de infrações de menor gravidade.

Para tanto, sempre se procura a composição do dano social resultante do fato, prevendo-se a reparação imediata do dano, mesmo que seja em parte, com a composição, ou a transação, tida na lei como a anuência pelo autor do fato de penas não privativas de liberdade.

Portanto, averigua-se com o dispositivo Constitucional (art. 98, I), uma rápida solução do conflito de interesses, com a aceitação das partes envolvidas.

4.Objetivos do Processo nos Juizados Especiais Criminais

4.1. Reparação dos Danos Sofridos Pela Vítima

Conforme explanado, um dos objetivos que revela a lei dos Juizados Especiais Criminais é o de, sempre que possível, reparar os danos sofridos pela vítima.

Tal fato se verifica em decorrência do expresso nos arts. 186, 187 e 927 do Código Civil, in verbis, respectivamente:

Art. 186.Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.

Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.

Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.

Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.

Determina a lei penal que é efeito da condenação tornar certa a obrigação de indenizar o dano causado pelo crime (art. 91, inc. I, do CP).

Dispõe ainda a lei processual que, "transitada em julgado a sentença condenatória, poderão promover-lhe a execução, no juízo cível, para efeito da reparação do dano, o ofendido, seu representante legal e seus herdeiros" (art. 63 do CPP).

No intuito de privilegiar e se evitar que o ofendido promova uma ação ordinária de reparação de danos ou aguardar o trânsito em julgado da sentença condenatória para propor sua execução no juízo cível, a Lei n.º 9.099/95 criou o instituto da composição dos danos civis nos processos de competência dos Juizados Especiais.

A proposta de composição dos danos e sua eventual aceitação podem ocorrer na audiência preliminar (art. 72) ou mesmo no decorrer da audiência de instrução e julgamento do rito sumaríssimo, quando não tiver havido possibilidade de tentativa de conciliação naquela fase inicial (art. 79), e pode, também, ocorrer em qualquer dos processos de competência do Juizado, não importando a natureza da infração penal atribuída ao agente.

Quando for homologada a composição entre as partes, a decisão ganha eficácia de título executivo no juízo cível.

Tratando-se de ação penal de iniciativa privada ou de ação penal condicionada à representação da vítima, o acordo homologado acarreta a renúncia ao direito de queixa ou representação (arts. 72 e 74), ficando assim extinta a punibilidade do agente (art. 107, V, do Código Penal). Este é um dos casos da denominada "despenalização", na qual se evita a aplicação da sanção penal nas infrações penais de menor potencial ofensivo. Sob esse aspecto, depara-se com a relevância que a lei dá a reparação do dano causado ao ofendido em detrimento à persecução do autor do ilícito.

Ao contrário do que ocorre nas demais ações, a composição não impede a instauração do processo penal na hipótese de ação penal pública incondicionada, mas elimina a possibilidade de o ofendido promover no cível a execução de eventual sentença penal condenatória transitada em julgado ou de ação ordinária na inexistência da mesma.

Ressalte-se que a composição, sendo considerada reparação do dano, constitui arrependimento posterior, previsto no art. 16 do Código Penal, implicando redução obrigatória de um a dois terços da pena em caso de condenação. E mais, o ressarcimento do prejuízo possibilita ao condenado o sursis especial (art. 78, § 2º).

4.2 Aplicação de Pena Não Privativa de Liberdade

Além do objetivo acima exposto, a lei também tenta evitar, tanto quanto possível, a aplicação ao autor do fato de pena privativa de liberdade.

Isso ocorre em decorrência dos inconvenientes do recolhimento dos condenados ao cárcere, especialmente quanto aos autores de ilícitos menos graves.

Percebe-se, na doutrina e legislações modernas, a tendência de se substituir a pena privativa de liberdade por outras sanções, tais como a multa e as restrições de direitos.

Na reforma penal implementada pela Lei n.º 7.210/84 firmou-se um sistema de penas alternativas ou substitutivas das penas privativas de liberdade, aplicadas até seis meses, por pena de multa, e de menos de um ano, por restritivas de direitos, nos crimes dolosos e sem limites nos crimes culposos, desde que completas satisfatoriamente as condições legais (arts. 43 a 48 e 60, § 2º do CP).

Na nova redação dada ao art. 44 do CP, as possibilidades foram ampliadas, permitidas para penas não superiores a quatro anos nos crimes não cometidos com violência ou grave ameaça à pessoa, substituídas por penas restritivas de direitos, ou até um ano, por pena de multa. Como restritivas de direitos ficaram instituídas, após a referida lei, as penas de prestação pecuniária, de perda de bens e valores, de prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas, e de interdições temporárias de direitos (art. 43 do Código Penal), sendo estas a proibição do exercício de cargo, função ou atividade pública, bem como de mandato eletivo, a proibição do exercício de profissão, atividade ou ofício que dependam de habilitação especial, de licença ou autorização do poder público, a suspensão de autorização ou de habilitação para dirigir veículo e a proibição de freqüentar determinados lugares (art. 47 do Código Penal).

A Lei n.º 9.099/95 retém a mesma orientação, quando ao instituir a transação permite que por proposta do Ministério Público aceita pelo suposto autor do fato, seja aplicada, de imediato, pena restritiva de direitos ou multa, a serem especificadas na proposta (art. 76).


CAPÍTULO II

DOS JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS

1. Criação dos Juizados Especiais Federais

Os Juizados Especiais Cíveis e Criminais, compreendendo a Justiça Federal, foram instituídos pela Emenda Constitucional nº 22, de 18 de março de 1999, a qual expõe no novo parágrafo único, acrescentado pelo art. 98, que a lei federal trataria da criação de juizados especiais delimitada à Justiça Federal.

Os Juizados Especiais, antes da referida Emenda, eram prerrogativa do Distrito Federal e dos Estados federados, criados pela Lei nº 9.099/95, que assim exarava:

A União, no Distrito Federal e nos Territórios, e os Estados criarão: I – juizados especiais, providos por juízes togados, ou togados e leigos, competentes para a conciliação, o julgamento e a execução de causas cíveis de menor potencial ofensivo, mediante os procedimentos oral e sumaríssimo, permitidos, nas hipóteses previstas em lei, a transação e o julgamento de recursos por turmas de juízes de primeiro grau; (...)", no entanto, "a doutrina sempre reivindicou a sua extensão à União, suas autarquias e fundações públicas.

Assim, a União somente poderia criar Juizados Especiais na Justiça do Distrito Federal e Territórios (art. 22, XVIII CF/88), mas não na Justiça Federal (art. 109 CF/88), pois, "a simples lei ordinária não justificaria a criação dos Juizados Especiais na Justiça Federal", tendo em vista a não previsão constitucional para estes, antes da Emenda Constitucional nº 22/99.

A emenda constitucional autorizadora da criação dos Juizados Especiais Federais foi promulgada em março de 1999. Em outubro do mesmo ano, a Associação dos Juízes Federais do Brasil (AJUFE) iniciou a discussão sobre os contornos da lei exigida pela nova sistemática constitucional, em decorrência do 16º Encontro Nacional dos Juízes Federais (realizado em Fortaleza-CE). Ainda em 1999, o Tribunal Regional Federal da 5ª Região promoveu um seminário para tratar do tema, procedendo na apresentação de um anteprojeto envolvendo a matéria.

Em 2000 esta discussão angariou caráter sistemático e objetivo. O anteprojeto, elaborado na esfera Judiciária Federal, foi enviado ao Poder Executivo, donde se constituiria uma comissão interministerial para cuidar do assunto. Vários diálogos, envolvendo o STJ e a AJUFE, para manter ativo o processo de busca de consensos em volta do projeto a ser sujeito ao Congresso Nacional, foram procedidos.

O referido projeto, em janeiro de 2001, foi enviado ao Congresso Nacional pelo Presidente da República, sendo aprovado em ambas as Casas Legislativas no mês de junho do mesmo ano, com algumas alterações.

Os Juizados Especiais Cíveis e Criminais da Justiça Federal vieram a ser instituídos, então, pela Lei n.º 10.259, de 12 de julho de 2001.

2. Objetivos dos Juizados Especiais Federais

Os Juizados Federais foram instituídos com a finalidade de proferir decisões finais a serem alcançadas e efetivadas de modo mais célere, principalmente a favor daqueles que necessitam desta justiça, e desafogar o Superior Tribunal de Justiça e os Tribunais Regionais Federais, que poderão examinar, mais rapidamente, as ações de maior repercussão social e complexidade.

3. Disciplinamento do Poder Judiciário e a Justiça Federal

Cuida o art 92 da Constituição Federal do disciplinamento do Poder Judiciário em sua composição, dispondo:

"Art. 92. São órgãos do Poder Judiciário:

I – O Supremo Tribunal Federal;

II – O Superior Tribunal de Justiça;

III – Os Tribunais Regionais Federais e os Juízes Federais;

IV – Os Tribunais e Juízes do Trabalho;

V – Os Tribunais e Juízes Eleitorais;

VI – Os Tribunais e Juízes Militares;

VII – Os Tribunais e Juízes dos Estados e do Distrito Federal e Territórios".

A Justiça Federal, de acordo com o art. 105, parágrafo único, "funcionará junto ao Superior Tribunal de Justiça, cabendo-lhe, na forma da lei, exercer a supervisão administrativa e orçamentária da Justiça Federal de primeiro e segundo grau".

O Conselho da Justiça Federal é regulamentado pela Lei. º 7.746, de 30 de março de 1989.

O art. 107, da Constituição Federal, trata dos Tribunais Regionais Federais, e o art. 27, § 6º, do ADCT da Constituição Federal de 1988 criou cinco Tribunais Regionais Federais, a serem disciplinados pelo então Tribunal Federal de Recursos. A Lei n.º 7.727/89 dispôs sobre a composição e instalação dos Tribunais Regionais Federais. Tais estão assim distribuídos: O TRF da 1ª Região com sede em Brasília-DF; O TRF da 2ª Região com sede na cidade do Rio de Janeiro-RJ; O TRF da 3ª Região com sede na cidade de São Paulo-SP; O TRF da 4ª Região com sede na cidade de Porto Alegre-RS e o da 5ª Região com sede na cidade do Recife-PE.

Para efeito da Justiça Federal de primeiro grau, o território brasileiro é dividido em seções judiciárias (uma no Distrito Federal e uma correspondendo a cada Estado, com sede na respectiva capital e varas localizadas segundo o estabelecido em lei. (art. 110, CF/88). O número de varas em cada seção judiciária é variável.

Com relação à Justiça Federal de primeira instância, a Constituição Federal de 1988 a organizou delimitando a sua competência e a natureza, como expõem os arts. 109 e 110. É a mesma representada por juízes federais que se localizam em todos os Estados e no Distrito Federal; refere-se a juízes monocráticos.

A Lei Complementar nº 35/79, que trata da Lei Orgânica da Magistratura Nacional, engloba disposições da magistratura estadual e federal.

Cada Estado, bem como o Distrito Federal, terá uma seção judiciária, e como sede a respectiva capital e varas localizadas segundo o estabelecido em lei, nos termos do art. 110 da Constituição Federal de 1988.

E, por fim, a Emenda Constitucional n. 22/99, acresceu um parágrafo único ao art. 98, determinando que lei federal irá dispor a respeito da criação de juizados especiais no que concerne à Justiça Federal.

4. Instituição dos Juizados Especiais Federais e Aplicação Subsidiária da Lei nº 9.099/95

O art. 1º da Lei n.º 10.259/2001 determina que "são instituídos os Juizados Especiais Cíveis e Criminais da Justiça Federal, aos quais se aplica, no que não conflitar com a presente Lei, o disposto na Lei n.º 9.099, de 26 de setembro de 1995".

A Lei n.º 9.099/95 trata de um procedimento de solução das lides entre particulares (pessoas físicas, jurídicas e morais), e não poderia o legislador prever a sua aplicação no âmbito federal sem fazer tal reserva legal expressa, visto que a Lei n.º 10.259/01 trata da resolução de conflitos diversos, entre particulares e a Administração Pública federal, autárquica e fundacional; e vários preceitos aplicáveis aos juizados especiais estaduais não se adequam aos juizados especiais federais, motivo pelo qual a aplicação subsidiária da Lei nº 9.099/95 à Lei nº 10.259/01 deve respeitar esse requisito de compatibilidade.

5. Da Competência dos Juizados Especiais Federais

Os processos a serem instaurados são inúmeros, em decorrência dos conflitos interindividuais que surgem em um país, e múltiplos também os órgãos jurisdicionais, daí a necessidade de distribuição desses processos dentre os diversos órgãos.

A jurisdição como expressão do poder estatal é uma só, não comportando divisões ou fragmentações: cada juiz, cada tribunal, é plenamente investido dela. Mas o exercício da jurisdição é distribuído, pela Constituição e pela lei ordinária, entre os muitos órgãos jurisdicionais; cada qual então a exercerá dentro de determinados limites (ou seja, com referência a determinado grupo de litígios).

Dispõe Liebman que competência é a "quantidade de jurisdição cujo exercício é atribuído a cada órgão ou grupo de órgãos".

E assim, a função jurisdicional, que é uma só e atribuída abstratamente a todos os órgão integrantes do Poder Judiciário, passa por um processo gradativo de concretização, até chegar-se à determinação do juiz competente para determinado processo; através das regras legais que atribuem a cada órgão o exercício da jurisdição com referência a dada categoria de causas (regras de competência), excluem-se os demais órgãos jurisdicionais para que só aquele deva exercê-la ali, em concreto.

Afirma-se, portanto, que existe uma relação de "adequação legítima entre o processo e o órgão jurisdicional, conforme Celso Neves" .

No Brasil, a distribuição da competência é proporcionada em diversos níveis jurídico-positivos, assim consignados: a) na Constituição Federal, especialmente a determinação da competência de cada uma das Justiças e dos Tribunais Superiores da União; b) na lei federal (Código de Processo Civil, Código de Processo Penal, etc), principalmente as regras sobre o foro competente (comarcas); c) nas Constituições estaduais, a competência originária dos tribunais locais; d) nas leis de organização judiciária, as regras sobre competência de juízo (varas especializadas).

Os países estruturam seus órgãos judiciários de determinada forma, conforme seus próprios critérios, orientando-se o legislador pelas diretrizes históricas do ordenamento jurídico nacional e considerando as conveniências atuais da conjuntura social e política.

Assim, para estudar a competência perante o direito brasileiro é preciso, primeiramente, ter presente a estrutura dos órgãos judiciários brasileiros, dentre os quais se distribui o exercício da jurisdição nacional.

Conforme se depreende, a competência é dividida em duas etapas: a) competência hierárquica, em sentido vertical; e, b) competência horizontal.

Ressalte-se a competência vertical, na qual se verifica: a) a existência de órgãos jurisdicionais isolados, no ápice da pirâmide judiciária, e, portanto, acima de todos os outros (STF, STJ); b) a existência de diversos organismos jurisdicionais autônomos entre si (as diversas ‘Justiças’); c) a existência, em cada ‘Justiça’, de órgãos judiciários superiores e órgãos judiciários inferiores (o duplo grau de jurisdição); d) a divisão judiciária, com distribuição de órgãos judiciários por todo o território nacional (comarcas, seções judiciárias); e) a existência de mais de um órgão judiciário de igual categoria no mesmo lugar (na mesma comarca, na mesma seção judiciária); f) instituição de juízes substitutos ou auxiliares, com competência reduzida.

Dispõe o art. 109 da Constituição Federal que

Aos juízes federais compete processar e julgar:

I – as causas em que a União, entidade autárquica ou empresa pública federal forem interessadas na condição de autoras, rés, assistentes ou oponentes, exceto as de falência, as de acidentes de trabalho e as sujeitas à Justiça Eleitoral e à Justiça do Trabalho;

II – as causas entre Estado estrangeiro ou organismo internacional e Município ou pessoa domiciliada ou residente no País;

III – as causas fundadas em tratado ou contrato da União com Estado estrangeiro ou organismo internacional;

IV – os crimes políticos e as infrações penais praticadas em detrimento de bens, serviços ou interesse da União ou de suas entidades autárquicas ou empresas públicas, excluídas as contravenções e ressalvadas a competência da Justiça Militar e da Justiça Eleitoral;

V – os crimes previstos em tratado ou convenção internacional, quando, iniciada a execução no País, o resultado tenha ou devesse ter ocorrido no estrangeiro, ou reciprocamente;

VI – os crimes contra a organização do trabalho e, nos casos determinados por lei, contra o sistema financeiro e a ordem econômico-financeira;

VII – os habeas corpus, em matéria criminal de sua competência ou quando o constrangimento provier de autoridade cujos atos não estejam diretamente sujeitos a outra jurisdição;

VIII – os mandados de segurança e os habeas data contra ato de autoridade federal, excetuados os casos de competência dos tribunais federais;

IX – os crimes cometidos a bordo de navios ou aeronaves, ressalvada a competência da Justiça Militar;

X – os crimes de ingresso ou permanência irregular de estrangeiro, a execução de carta rogatória, após o exequatur, e de sentença estrangeira, após a homologação, as causas referentes à nacionalidade, inclusive a respectiva opção, e à naturalização;

XI – a disputa sobre direitos indígenas.

O art. 1º da Lei nº 10.259/01 exara que: "São instituídos os Juizados Especiais Cíveis e Criminais da Justiça Federal, aos quais se aplica, no que não conflitar com a presente lei, o disposto na Lei 9.099, de 26 de setembro de 1995."

A referida Lei trata ainda da competência dos Juizados Federais Criminais, no seu art. 2º, cabendo-lhes processar e julgar os feitos de competência da Justiça Federal relativos às infrações de menor potencial ofensivo.

De acordo com o parágrafo único do art. 2º, "Consideram-se infrações de menor potencial ofensivo, para os efeitos desta Lei, os crimes a que a lei comine pena máxima superior a dois anos, ou multa".

Existe a citada definição justamente para evitar controvérsias, ou para limitar o alcance de determinados conceitos indeterminados, tornando-os concretos. Se a própria lei conceitua infrações de menor potencial ofensivo, não há que se falar em negar-lhe eficácia, restringindo-a ou ampliando-a.

O referido art. 2˚, tratando da competência dos juizados federais, discorreu menos do que devia (Lex minus dixit quam voluit) abordando o processamento e o julgamento das infrações de menor potencial ofensivo. No entanto, a execução também lhe pertence, conforme o disposto no art. 98, I, da Constituição Federal.

Lei ordinária não pode modificar essa ordem constitucional, sob pena de ver-se declarada sua inconstitucionalidade. Logo, as penas e as medidas aplicadas pelos juizados federais devem ser executadas nos próprios juizados federais.

O crime ou infração é um fato advindo da conduta humana, voluntária ou involuntária, e que provoca um perigo de dano (crimes de perigo) ou um dano efetivo (crime de dano) no ambiente social, e cuja ofensa é menor ou maior em conformidade com a natureza ou o quantitativo da pena aplicada em abstrato ao crime.

Assim, a Lei n.º 9.099/95 considerou como infração de menor potencial ofensivo as contravenções penais e os crimes a que a lei comine pena máxima não superior a um ano, salvos os casos em que a lei preveja procedimento especial (art. 61). A Lei n.º 10.259/01, no entanto, considerou de menor potencial ofensivo os crimes a que a lei comine pena máxima não superior a dois anos, ou multa.

O Ministro do Superior Tribunal de Justiça Ruy Rosado Aguiar expõe que a competência do Juizado será estipulada pelo local em que foi praticada a infração penal. Em regra, são julgados os crimes de ação penal pública, cuja pena máxima cominada pela lei não ultrapasse dois anos, resguardando-se o dano simples e o exercício arbitrário das próprias razões sem violência, crimes de ação penal privada, mas que também podem ser julgados pelos Juizados.


CAPÍTULO III

A LEI DOS JUIZADOS ESPECIAIS CRIMINAIS ESTADUAIS (LEI N.˚ 9.099/95) COM O ADVENTO DA LEI DOS JUIZADOS ESPECIAIS CRIMINAIS NA JUSTIÇA FEDERAL (LEI N.˚ 10.259/01)

1. Sistema Penal Brasileiro

O sistema penal brasileiro encontra-se dividido da seguinte forma:

a) sistema clássico: denominado de espaço de conflito, acolhe as infrações penais de grande potencial ofensivo e norteia-se na pena de prisão; abarca o devido processo legal (inquérito policial, denúncia, direito de contraditório e ampla defesa, provas, debates, sentença, recursos, etc.);

b) sistema consensual: também denominado de espaço de consenso, protege as infrações penais de menor ou médio potencial ofensivo e que tenham como base a não aplicação de pena de prisão; é o que ocorre no novo devido processo legal (consensual), consignado na Lei 9.099/95, o qual analisa quatro medidas despenalizadoras: composição civil (art. 74), transação penal (art. 76), representação nas lesões corporais (art. 88) e suspensão condicional do processo (art. 89), bem como na Lei 10.259/01.

Sob a égide do sistema consensual surgiram, com o advento da Lei 10.259/01, dois sistemas para o conceito de menor potencial ofensivo: o unitário e o bipartido ou dualista.

O sistema unitário considera infrações de menor potencial ofensivo, para os efeitos da lei dos juizados, os crimes a que a lei aplique pena máxima não superior a 2 (dois) anos, ou multa.

Os adeptos desta teoria destacam que essa seria a melhor posição, devido, sobretudo, ao princípio constitucional da igualdade (ou do tratamento isonômico, conforme o art. 5˚ da Constituição Federal), ao princípio da proporcionalidade ou razoabilidade, bem como por tratar-se de lei nova com conteúdo penal mais favorável (art. 2˚, parágrafo único, do Código Penal).

Tendo em vista que a fonte normativa dos Juizados é a mesma, legislação federal (Lei 9.099/95 e Lei 10.259/2001), não se poderia concordar com a argumentação de que quis o legislador instituir dois sistemas distintos sobre Juizados, ou seja, um federal divergente do estadual.

Segundo o sistema bipartido ou dualista, no entanto, há dois conceitos de infração de menor potencial ofensivo: um federal (Lei n.10.259/2001, art. 2˚, parágrafo único) e outro estadual (Lei n.9.099/95, art. 61).

Pondera tal tese que: a lei nova não seria mais benéfica, já que o "sistema consensuado não é mais favorável ao acusado"; os bens jurídicos defendidos no âmbito federal são distintos do estadual; a Carta Magna quis distinguir os dois Juizados, federal e estadual; a Lei dos Juizados Federais (Lei 10.259/2001) em seu art. 2˚, parágrafo único, dá ênfase aos termos "para os efeitos desta Lei" (grifou-se); o art. 20 da mencionada Lei proíbe a cominação da Lei dos Juizados Federais aos Estados; não existe lacuna legislativa; e, o Judiciário não pode substituir o legislador, nem alterar conceitos legais.

2. Interpretação

Interpretar é determinar o significado e alcance da lei, não podendo ser confundida com a integração. Por meio desta, são preenchidas as lacunas da lei, através da analogia e dos princípios gerais do direito.

Ensina Martin Heidegger que

A interpretação de algo como algo funda-se, essencialmente, numa posição prévia, visão prévia e concepção prévia. A interpretação nunca é a apreensão de um dado preliminar, isenta de pressuposições. Se a concreção da interpretação, no sentido da interpretação textual exata, se compraz em se basear nisso que ‘está’ no texto, aquilo que, de imediato, apresenta como estando no texto nada mais é do que a opinião prévia, indiscutida e supostamente evidente, do intérprete. Em todo princípio de interpretação, ela se apresenta como sendo aquilo que a interpretação necessariamente já ‘põe’, ou seja, que é preliminarmente dado na posição prévia, visão prévia e concepção prévia.

De acordo com Julio Fabrini Mirabete

ao menos para se alcançar o sentido léxico das palavras utilizadas pelo legislador, a interpretação da lei é indispensável. A interpretação é o processo lógico que procura estabelecer a vontade da lei, que não é, necessariamente, a vontade do legislador. A lei deve ser considerada como entidade objetiva e independente e a intenção do legislador só deve ser aproveitada como auxílio ao intérprete para desvendar o verdadeiro sentido da norma jurídica. Interpretar é descobrir o verdadeiro conteúdo da norma jurídica, precedendo sempre à aplicação, processo pelo qual se submete o caso concreto à norma geral.

Interpretar é descobrir o sentido e o alcance da norma, buscando o verdadeiro significado dos conceitos jurídicos. É, portanto, esclarecer, explicar, dar veracidade ao vocábulo, retirando da norma o seu conteúdo, e apresentando o seu apropriado e real sentido para a vida.

As leis, para que possam ser estendidas a todos os casos da mesma espécie, são formuladas em termos gerais e abstratos.

Ao aplicador do direito, seja juiz, tabelião, advogado, administrador ou contratante, cabe transferir o texto abstrato para o caso concreto, da norma jurídica ao fato real.

Para tanto, necessário se faz fixar o verdadeiro sentido da norma jurídica e, em seguida, determinar o seu alcance ou extensão.

Interpretar, de acordo com André Franco Montoro: "é fixar o verdadeiro sentido e alcance de uma norma jurídica". Para Coviello, é a "investigação e explicação do sentido da lei"; "é determinar o sentido e o alcance das expressões do direito", como explicita Carlos Maximiliano.

São três os elementos integrantes do conceito de interpretação: a fixação do sentido; e o alcance; da norma jurídica.

Fixação é a significação, o sentido ou finalidade. Interpretar não é simplesmente esclarecer os termos da norma jurídica de forma abstrata, mas revelar o sentido apropriado para a vida real, conduzindo-a a uma aplicação justa.

Cabe, também, ao intérprete determinar o alcance do preceito jurídico. Duas leis com o mesmo sentido podem ter extensão ou alcance diferentes, como ocorre, por exemplo, com as leis dos juizados especiais. Enquanto uma, Lei 9.099/95, é aplicável a quem comete crime no âmbito estadual, a outra, Lei 10.259/01, se estende a quem comete crime contra a União.

Por fim, norma jurídica não significa apenas as leis, mas também os tratados, acordos ou convenções, decretos, medidas provisórias, portarias, despachos, sentenças, usos e costumes, contratos, testamentos, e outros.

A interpretação sempre é necessária, sejam claras ou obscuras as palavras da lei ou de qualquer outra norma; e será imprescindível determinar o seu alcance.

Como adverte Coviello, a clareza de um texto é algo relativo e subjetivo: o que parece ser claro a alguém não o é a outrem. Ou, ainda, uma palavra pode ser clara segundo a linguagem comum e ter, no entanto, um significado próprio e técnico, diferente do seu sentido vulgar.

A interpretação pode ser classificada conforme diversos critérios: a) quanto à sua origem ou fonte de que emana (judiciária ou usual, legal ou autêntica, administrativa, doutrinária ou científica); b) quanto ao método utilizado pelo intérprete (gramatical ou filológica, lógico-sistemática, histórica, sociológica); c) quanto a seus resultados ou efeitos (declarativa, extensiva, restritiva).

As funções da interpretação, conforme ensinamento de Machado Neto são: a) conferir a aplicabilidade da norma jurídica às relações sociais que lhe deram origem; b) estender o sentido da norma a relações novas, inédita ao tempo de sua criação; c) temperar o alcance do processo normativo, para fazê-lo corresponder às necessidades reais e atuais de caráter social.

A História do Direito mostra um ideal constante de adaptação entre a lei e as várias transformações circunstanciais ligadas ao espaço e ao tempo, uma experiência invadida ao mesmo tempo pelo justo e pela estabilidade reclamada com relação à certeza e à segurança.

Entende-se a norma como abstraída do processo em que ela se constitui e se insere. Uma norma não pode ser exterminada do processo de que faz parte; deve ser interpretada envolvendo seus aspectos histórico e social. Não deve ficar, assim, presa ou interligada às circunstâncias que originariamente a condicionaram, sobrepujando-as.

A exegese dos processos interpretativos não deixa outra conclusão senão no desacerto da tese que defende a ampliação do conceito de crime de menor potencial ofensivo: no que tange ao plano gramatical, pela letra do parágrafo único do art. 2º da Lei n. 10.259/01; no plano lógico, vez que há coerência do texto infraconstitucional com o constitucional, notadamente o parágrafo único do art. 98, e dos dois textos infraconstitucionais; no enfoque sistemático, vez que a novel lei é um microssistema normativo em compasso com a Carta Política; no contexto histórico, dado que todo o trabalho preparatório e de discussões só dizia respeito à criação dos juizados especiais federais e não à ampliação do conceito de crimes de menor potencial ofensivo; e no âmbito teleológico, considerando cristalino que a intenção do legislador não foi ampliar o conceito de menor potencial ofensivo, mas sim de instituir os juizados especiais federais.

O parágrafo único do art. 2º da Lei 10.259/2001 ao definir os crimes de menor potencial ofensivo o fez exclusivamente para os efeitos desta lei, e assim o diz expressamente. Em nenhum momento, a lei previu a aplicação desta definição fora do âmbito dos Juizados Especiais Criminais Federais.

Não se presumem, na lei, palavras inúteis, já dizia o brocardo Verba cum effectu sunt accipienda. Sutherland, citado por Carlos Maximiliano, já sustentava que "As expressões de Direito interpretam-se de modo que não resultem frases sem significação real, vocábulos supérfluos, ociosos, inúteis". Portanto, não podemos deixar de atribuir sentido à restrição prevista pelo dispositivo supra citado ao se referir que a definição de crimes de menor potencial ofensivo ali regulada é somente para os efeitos desta lei.

3. Princípios e Regras Constitucionais

Embora não seja correto sustentar a existência de diferenciação hierárquica entre normas constitucionais, não se pode negar a necessidade de subdivisão desse gênero, norma constitucional, em duas espécies diferenciadas: as regras e os princípios, devido às distintas funções que cada uma delas tem o dever de cumprir, além de também ser variável o seu grau de generalidade e abstração.

Com efeito, existem normas na Constituição cujos comandos, levando-se em consideração o seu grau de concreção, impõem-se a hipóteses mais definidas e menos numerosas. Cite-se, por exemplo, os dispositivos que fixam as fases do processo legislativo, as espécies de tributos a serem instituídas pelas unidades da Federação, etc. Estes são os casos de regras constitucionais, que desempenham o papel de dirigir, de maneira mais específica e direta, a ordenação dos órgãos estatais e da sociedade.

Os princípios constitucionais, por outro lado, "traçam diretrizes ou fixam valores a serem observados para a aplicação das outras normas constitucionais e também para a elaboração e aplicação do direito infraconstitucional", ao invés de disporem de forma direta sobre situações específicas.

Segundo Geraldo Ataliba, tais princípios, por propagarem as idéias, as concepções fundamentais, os valores sobre os quais o ordenamento jurídico é instituído, são as chaves de todo o sistema de direito positivo vigente em determinado Estado. A Constituição, estatuto fundamental da ordem jurídica, deve, portanto, conter princípios que a estruturam.

Princípio jurídico, para Celso Antônio Bandeira de Mello, é mandamento central, verdadeiro alicerce de um sistema, cuja disposição se espalha sobre diversas normas construindo-lhes o espírito e servindo de critério para sua perfeita compreensão e inteligência, "exatamente por definir a lógica e a racionalização do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e dá sentido harmônico".

E mais:

(...)Violar um princípio é muito mais grave que transgredir uma norma qualquer. A desatenção ao princípio implica ofensa não apenas a um específico mandamento obrigatório, mas a todo o sistema de comandos. É a mais grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade, conforme o escalão do princípio atingido, porque representa insurgência contra todo o sistema, subversão de seus valores fundamentais, contumélia irremissível a seu arcabouço lógico e corrosão de sua estrutura mestra. (Grifou-se).

Geraldo Ataliba assegura que existe "uma ordem que faz com que as regras tenham sua interpretação e eficácia condicionadas pelos princípios".

A Constituição Federal determina os princípios direcionadores, como base jurídica da coletividade, para os quais devem formar unidade política e exercer tarefas estatais.

Canotilho dispõe sobre os critérios utilizados para distinguir os princípios das regras constitucionais, levantando as funções que deverão cumprir aqueles: a) grau de abstração: nos princípios se apresenta em um grau mais elevado do que nas regras; b) grau de determinabilidade na aplicação ao caso concreto: os princípios carecem de mediação judicial ou legislativa, enquanto as regras, em geral, são imediatamente aplicáveis; c) caráter de fundamentalidade no sistema de fontes de direito: os princípios têm importância determinante para a compreensão do ordenamento jurídico, ao contrário das regras; d) proximidade da idéia de direito: os princípios são como pauta, como padrões informadores da concepção de justiça, os quais informam o ordenamento positivo; e) natureza normogenética: os princípios são o fundamento, a razão das regras.

Canotilho expressa que os princípios fundamentais são "historicamente objetivados e progressivamente introduzidos na consciência jurídica e encontram uma recepção expressa ou implícita no texto constitucional (...) e constituem um importante fundamento para a interpretação, integração, conhecimento e aplicação do direito positivo".

Quanto à classificação dos princípios constitucionais, Luís Roberto Barroso sistematiza-os em conformidade com o seu grau de destaque em torno do sistema e sua conseqüente abrangência, já que variam tanto na atuação quanto na amplitude de sua aplicação e influência:

a) princípios constitucionais fundamentais: são aqueles que contêm as decisões políticas estruturais do Estado, os fundamentos da organização política do Estado, determinam a posição ideológica da Constituição e formam o seu centro imodificável e irredutível, são: os princípios republicano, federativo, do Estado democrático de Direito, da separação dos poderes, presidencialista e o da livre iniciativa;

b) princípios constitucionais gerais: são especificações dos princípios fundamentais, os quais se emitem por toda a ordem jurídica, como desdobramentos deles, dentre eles: legalidade, liberdade, isonomia, acesso ao Judiciário, devido processo legal;

c) princípios constitucionais setoriais ou especiais: instituem um conjunto específico de normas sobre determinado tema, sendo aplicáveis, portanto, limitadamente; no entanto, são supremos com relação ao seu âmbito de atuação, podendo ser desdobramentos dos princípios gerais, como, por exemplo, no caso de legalidade em matéria tributária, ou serem providos de autonomia.

O Estatuto Supremo é o primeiro nível do ordenamento jurídico vigente, decorrendo daí sua imposição para todos os atos estatais, inclusive e principalmente os legislativos, devendo ser praticados em consonância com as exigências formais e materiais estatuídas por ele.

A Constituição Federal, de acordo com Kelsen, detém a idéia de "um princípio supremo que determina por inteiro a ordem estatal e a essência da comunidade constituída por essa ordem. Como quer que se a defina, a Constituição é sempre o fundamento do Estado, a base do ordenamento jurídico que se pretende conhecer".

Os princípios justificadores para a aplicação da Lei 10.259/01 aos Juizados Especiais Estaduais são: igualdade, proporcionalidade e razoabilidade. Veja-se:

A Carta Magna garante a todos, genericamente, a inviolabilidade do direito à igualdade, ou seja, todos os cidadãos têm o direito de tratamento idêntico pela lei, em conformidade com os critérios acolhidos pelo ordenamento jurídico.

O primitivo conceito de igualdade, formal e negativa (a lei não deve estabelecer qualquer diferença entre os indivíduos), clamou-se pela passagem à igualdade substancial. E hoje, na conceituação positiva da isonomia (iguais oportunidades para todos, a serem propiciadas pelo Estado), realça-se o conceito realista, que pugna pela igualdade proporcional, a qual, significa, em síntese, tratamento igual aos substancialmente iguais.

São vedadas, dessa forma, as distinções arbitrárias, as discriminações absurdas, tendo em vista que o tratamento desigual dos casos desiguais, na medida em que se desigualam, é exigência do conceito de Justiça, sobretudo com relação à proteção de certas finalidades, tendo-se por lesado "o princípio constitucional quando o elemento discriminador não se encontra a serviço de uma finalidade acolhida pelo direito".

A igualdade se configura como uma eficácia transcendente de modo que toda situação de desigualdade persistente à entrada em vigor da norma constitucional deve ser considerada não recepcionada, se não demonstrar compatibilidade com os valores que a constituição, como norma suprema, proclama.

Ensina Daniel Basterra que tal princípio, aplicável ao Direito Brasileiro, não é entendido apenas como igualdade de todos perante a lei, mas também igualdade com relação à sua aplicação a todos, ou seja, os poderes públicos encarregados de sua aplicação devem fazê-lo sem restrições ou tratamentos desiguais, excetuando-se, contudo, os casos em que a mesma os preveja justificadamente.

Existem dois planos diferentes previstos pela Constituição para o princípio da igualdade. De um lado, perante o legislador ou o executivo, na edição de leis, atos normativos e medidas provisórias, respectivamente, impossibilita-se a criação de tratamentos abusivamente distintos a pessoas que se encontram em situações igualitárias. De outro, entretanto, é dever da autoridade pública aplicar a lei e atos normativos equivalentemente, sem estabelecer distinção por motivo de sexo, religião, convicções filosóficas ou políticas, raça, classe social.

Ocorre desigualdade legal no momento em que a norma dá, de forma não razoável ou arbitrária, um tratamento específico a pessoas diversas. É indispensável, para as distinções normativas serem consideradas não discriminatórias, que haja uma justificativa objetiva e razoável, conforme critérios e juízos de valores aceitos de uma forma geral.

Lammêgo Bulos, por sua vez, informa que a boa hermenêutica reclama observância ao princípio da razoabilidade, meio pelo qual o intérprete busca a adequação, a racionalidade, a idoneidade, a logicidade, a prudência e a moderação no ato de se compreender os textos normativos. Trata-se, segundo ele, de um mecanismo de controle da discricionariedade administrativa e legislativa, permitindo ao Judiciário invalidar as ações abusivas ou destemperadas dos administradores e dos legisladores. A palavra de ordem que anima a existência de tal princípio é Justiça.

A razoabilidade envolve uma relação de proporcionalidade entre os meios empregados e a finalidade perseguida, conforme os direitos e garantias protegidos pela Constituição quanto à finalidade e efeitos da medida considerada.

Sendo, portanto, proporcionalmente razoável ao fim buscado, têm compatibilidade com a Constituição Federal os tratamentos normativos diferenciados.

O Colendo Supremo Tribunal Federal já decidiu oportunamente que "Não cabe invocar o princípio da isonomia onde a Constituição, implícita ou explicitamente, admitiu a desigualdade" (RDA 128/220) (grifou-se).

Frise-se que o princípio da igualdade se limita a uma tríplice finalidade: "limitação ao legislador, ao intérprete/autoridade pública e ao particular. O legislador, no exercício de sua função constitucional de edição normativa, não poderá afastar-se do princípio da igualdade, sob pena de flagrante inconstitucionalidade".

Não poderá o intérprete/autoridade pública criar ou expandir desigualdades arbitrárias quando da aplicação das leis e atos normativos aos casos concretos.

O Judiciário, principalmente, na tarefa de dizer o direito ao caso concreto, utilizará obrigatoriamente os mecanismos constitucionais no intuito de dar uma única e igualitária interpretação às normas jurídicas.

Ressalte-se que a própria Constituição pode justificar distinções entre indivíduos, com o fito de assegurar igualdade material e substancial, representando esse tratamento distinto técnica de realização de justiça, sendo que as exceções à regra de igualdade de tratamento devem provar sua constitucionalidade, por meio do teste de proporcionalidade, sujeitando-se ao efetivo controle judicial.

O recurso extraordinário ao Supremo Tribunal Federal (uniformização na interpretação da Constituição Federal) e o recurso especial ao Superior Tribunal de Justiça (uniformização na interpretação da legislação federal, respectivamente) foram instituídos pelo legislador com a intenção de sanar falhas advindas. E mais, é procedimento obrigatório da legislação processual estabelecer mecanismos de uniformização de jurisprudência aos Tribunais generalizadamente.

Relativamente ao princípio da igualdade, San Tiago Dantas expõe:

Quanto mais progridem e se organizam as coletividades, maior é o grau de diferenciação a que atinge seu sistema legislativo. A lei raramente colhe no mesmo comando todos os indivíduos, quase sempre atende a diferenças de sexo, de profissão, de atividade, de situação econômica, de posição jurídica, de direito anterior; raramente regula do mesmo modo a situação de todos os bens, quase sempre se distingue conforme a natureza, a utilidade, a raridade, a intensidade de valia que ofereceu a todos; raramente qualifica de um modo único as múltiplas ocorrências de um mesmo fato, quase sempre os distingue conforme as circunstâncias em que se produzem, ou conforme a repercussão que têm no interesse geral. Todas essas situações, inspiradas no agrupamento natural e reacional dos indivíduos e dos fatos, são essenciais ao processo legislativo, e não ferem o princípio da igualdade. Servem, porém, para indicar a necessidade de uma construção teórica, que permita distinguir as leis arbitrárias das leis conforme o direito, e leve até esta alta triagem a tarefa do órgão do Poder Judiciário.

Quanto ao princípio da proporcionalidade, na Carta brasileira o mesmo não vem expresso; contudo, devido à formação sistemática do ordenamento jurídico e à constitucionalização dos direitos fundamentais, funciona ao lado do princípio da igualdade, como garantia, sendo instrumento de defesa contrário à arbitrariedade ou abuso do Estado, no que ofender a liberdade individual ou restrições aos direitos fundamentais.

Para Luís Roberto Barroso:

ao lado do princípio da igualdade perante a lei, essa versão substantiva do devido processo legal tornou-se importante instrumento de defesa dos direitos individuais, ensejando o controle do arbítrio do Legislativo e da discricionariedade governamental. É por seu intermédio que se procede ao exame da razoabilidade (reasonbaleness) e da racionalidade (rationality) das normas jurídicas e dos atos do Poder Público em geral.

O princípio da proporcionalidade é afeto pela sua destinação, como técnica de guarida contra o arbítrio; mostra-se como instrumento de proibição de excesso, permitindo a revisão de todo e qualquer ato estatal que tenha por objetivo interferir no patrimônio jurídico individual.

Além disso, a proporcionalidade só pode ser constatada na avaliação do caso concreto, no momento em que a medida administrativa ou legislativa é acareada com os "elementos da tríplice caracterização desse princípio":

a) princípio da adequação ou da idoneidade: todas as medidas restritivas devem ser idôneas à obtenção do fim almejado, caso contrário, será considerada inconstitucional;

b) princípio da necessidade ou da exigibilidade: a medida restritiva deve ser indispensável à preservação deste ou outro direito fundamental e que não possa ser substituída por outra equivalentemente eficaz, no entanto, menos gravosa;

c) princípio da proporcionalidade em sentido estrito: indica se o meio usado encontra-se em razoável proporção com a finalidade acossada. O equilíbrio entre os valores e bens é aviltado.

Analisando conjuntamente os princípios mencionados extrai-se que, a medida adotada deve ser a mais adequada para a satisfação do interesse público visada pela norma, sob pena de invalidade, inconstitucionalidade, como a própria Constituição determina.

Diante da conceituação e distinção de cada princípio constitucional conflitante entre os doutrinadores, destaca-se a necessidade de avaliação do preceituado no parágrafo único do art. 2˚ da Lei 10.259/01, tendo em vista a grande controvérsia em torno do conceito de menor potencial ofensivo.

É clarividente a preocupação da Constituição Federal com relação à mantença dos princípios e, para tanto, necessário se faz declarar a inconstitucionalidade do retromencionado artigo, esclarecendo e sanando, assim, qualquer dúvida e discussão sobre o conceito de menor potencial ofensivo.

Os processos interpretativos não bastam para a descaracterização dos princípios. Ainda que verificada incongruência infraconstitucional, sob todos os aspectos que se pregue, deve-se obediência à Constituição Federal. E todas as interpretações partem dela e somente nela encontram guarida.

4. Derrogação

Como todo fenômeno cultural, as leis nascem, são modificadas, depois morrem. Tais leis nascem através de promulgação; porém, somente passam a vigorar após sua publicação oficial.

A matéria, no Brasil, é disciplinada pela Lei de Introdução ao Código Civil (Decreto-Lei n˚ 4.657/42), cujo conteúdo se funda em "normas sobre normas, assinalando-lhes a maneira de aplicação e entendimento, predeterminando as fontes de direito positivo, indicando-lhes as dimensões espácio-temporais".

São funções da LICC: "regular a vigência e eficácia da norma jurídica, apresentando soluções ao conflito de normas no tempo e no espaço; fornecer critérios de hermenêutica; estabelecer mecanismos de integração de normas; garantir a eficácia global, a certeza, segurança e estabilidade da ordem jurídica".

A LICC, portanto, prescreve princípios gerais ao ordenamento jurídico, indicando como as normas devem ser interpretadas e aplicadas; é uma coordenada essencial às demais normas, nos termos que se seguem:

"Salvo disposições contrárias, a lei começa a vigorar, em todo o país, quarenta e cinco dias depois de oficialmente publicada"(art. 1º.);

"Nos Estados estrangeiros a obrigatoriedade da lei brasileira, quando admitida, se inicia três meses depois de oficialmente publicada (§1º. do art. 1º.);

"Se, antes de entrar a lei em vigor, ocorrer nova publicação de seu texto destinada a correção, o prazo deste artigo e dos parágrafos anteriores começará a correr da nova publicação"(§3º do art. 1º.);

"As correções a texto de lei já em vigor consideram-se ‘lei nova’(§4º do art. 1º.), sujeita, naturalmente, aos prazos normais das demais leis".

O artigo 2º da referida lei preceitua: "Não se destinando a vigência temporária, a lei terá vigor até que outra a modifique ou revogue".

Vale destacar aqui que a Lei n.º 9.099/95 não se enquadra na classificação de lei temporária, pelo contrário, cuida-se de lei de vigência permanente, uma vez que o seu texto não traz nenhum dispositivo estabelecendo o término da sua vigência.

O caso mais comum é o da revogação da lei.

Revogar significa tornar uma lei ou qualquer outra norma jurídica sem efeito. Leis, regulamentos, portarias, cláusulas contratuais, testamentárias, etc., são revogadas.

A revogação pode ser total, denominada, então, de ab-rogação, pois torna toda a lei sem efeito. Pode ser, ainda, parcial, denominando-se derrogação, consistindo em tornar sem efeito uma parte da lei ou norma. A derrogação, de outro lado, quando se limitar a tornar sem efeito uma parte da lei denomina-se revogação pura e simples, e quando pretende substituí-la por outro texto, chama-se modificação ou reforma da lei.

O direito brasileiro admite três casos de revogação, conforme expresso no §1º do art. 2º da LICC: "A lei posterior revoga a anterior: quando expressamente o declare; quando seja com ela incompatível; ou, quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior".

Quando se referir à lei ou leis revogadas a revogação é expressa; os demais casos se referem à revogação tácita ou implícita.

Consoante a explanação de Maria Helena Diniz, ocorrerá revogação tácita:

Quando houver incompatibilidade entre a lei nova e a antiga, pelo fato de que a nova passa a regular parcial (derrogação) ou inteiramente (ab-rogação) a matéria tratada pela anterior, mesmo que nela não conste a expressão ‘revogam-se as disposições em contrário’, por ser supérflua.

Com efeito, conforme lecionou Caio Mário da Silva Pereira, "o princípio cardeal em torno da revogação tácita é o da ‘incompatibilidade’ ", ou seja, "quando na nova lei há indícios ou sinais que fazem presumir que o legislador com ela pretendeu substituir a lei antiga"; não ocorrendo tal fato, coexistirão pacificamente os textos legais objetos da pesquisa interpretativa.

Existindo incompatibilidade entre dois textos de lei, prevalecerá o mais recente, considerando-se revogado o anterior implicitamente.

Caso uma lei geral regule inteiramente matéria tratada por leis anteriores, há entendimento de que, tacitamente, tais leis tenham sido revogadas no que dispuserem, mesmo que a referência não tenha sido expressa.

Acrescente-se, ainda, por oportuno, a relação intrínseca estabelecida entre o princípio da revogação tácita por incompatibilidade e o consubstanciado no § 2º art. 2º da LICC, que estatui: "a lei nova, que estabeleça disposições gerais ou especiais a par das já existentes, não revoga nem modifica a lei anterior" (§2º do art.2º da Lei de Introdução ao Código Civil), excetuando-se os casos mencionados no §1º, ou seja, revogação expressa, incompatibilidade, ou nova regulamentação completa da matéria.

Caio Mário entende que:

Aqui é que o esforço exegético é exigido ao máximo, na pesquisa do objetivo a que o legislador visou, da intenção que o animou, da finalidade que teve em mira, para apurar se efetivamente as normas são incompatíveis, se o legislador contrariou os ditames da anterior, e, em conseqüência, se a lei não pode coexistir com a velha, pois, na falta de uma incompatibilidade entre ambas, viverão lado a lado, cada uma regulando o que especialmente lhe pertence.

Esta coexistência não é afetada, quando o legislador vote disposições gerais a par de especiais, ou disposições especiais a par de gerais já existentes, porque umas e outras não se mostram, via de regra, incompatíveis. Não significa isto, entretanto, que uma lei geral nunca revogue uma lei especial, ou vice versa, porque nela poderá haver dispositivo incompatível com a regra especial, da mesma forma que uma lei especial pode mostrar-se incompatível com dispositivo inserto em lei geral. O que o legislador quis dizer (...) foi que a generalidade dos princípios numa lei desta natureza não cria incompatibilidade com regra de caráter especial. A disposição especial irá disciplinar o caso especial, sem colidir com a normação genérica da lei geral, e, assim, em harmonia poderão simultaneamente vigorar. (Grifou-se)

No mesmo sentido se posiciona o doutrinador João Frazen de Lima quando preceitua:

Essa disposição não é senão um aspecto do princípio geral, segundo o qual, não havendo incompatibilidade entre a lei posterior e a anterior, permanecerá esta em vigor. Desde que as disposições gerais ou especiais não colidam com outras já existentes sobre o mesmo assunto, não haverá revogação nem modificação das anteriores; ao contrário, harmonizam-se e completam-se. As disposições gerais ou especiais anteriores vigorarão ao lado, a par, das novas disposições, cada qual regendo o aspecto particular de que se ocupa.

As normas jurídicas são revogadas de acordo com o princípio geral de que "as normas se revogam por outras da mesma hierarquia ou de hierarquia superior".

Logo, uma Constituição somente pode ser revogada por outra, assim como todas as leis, portarias, regulamentos, e outros, se contrariar princípio referido.

Uma lei ordinária poderá revogar leis, bem como as normas de menor hierarquia, tais como portarias, regulamentos, que contrariarem suas disposições.

Verifica-se, a partir daí, que não há autorização para que os Juizados Especiais na Justiça Federal redefinam, para a Justiça Comum, o conceito de infração penal de menor potencial ofensivo.

Primeiro, é inegável que toda norma jurídica comporta mais de uma interpretação, conforme se verificou anteriormente. É incontestável, absolutamente, que a interpretação das leis, como das normas jurídicas em geral, deva ser feita sempre em conformidade com a Constituição.

Preceitua Bruno Bizerra:

A Constituição ocupa lugar sobranceiro no ordenamento jurídico. Com efeito, é através do Direito Constitucional positivo que se cria o Estado e, por conseguinte, surge o fundamento da produção jurídica dessa organização política. A Constituição diz que órgãos do Estado produzem e fazem atuar o Direito, além de dizer também como o direito positivo, ou seja, todas as demais normas jurídicas ali existentes, deve ser produzido.

A par disso, não se pode ignorar (...) que a Constituição ocupa o ápice do ordenamento jurídico, servindo de fundamento de validade (Kelsen) de todo o direito positivo que sob ela venha ser produzido pelo Estado.

A Carta Política vigente não o diz expressamente, e nem era preciso, mas todos percebemos que ela é conjunto de normas jurídicas que ocupa o posto mais alto do ordenamento jurídico vigente, disso decorrendo imposição segundo a qual os atos estatais, inclusive e muito principalmente os legislativos, devem obrigatoriamente ser praticados em ordem a respeitar as exigências formais e materiais presentes na Constituição. (Grifou-se)

Não fosse a existência e efetividade desse princípio implícito (princípio da supremacia da Constituição), faltar-nos-ia embasamento dogmático e teórico para fundamentar a concepção de inconstitucionalidade. (Acrescentou-se)

Sendo, pois, determinado de acordo com o Estatuto Supremo, constata-se que não há que se falar em derrogação ou, como queiram, revogação tácita, do parágrafo único do art. 2º da Lei 10.259/01, tendo em vista sua disposição expressa quanto à instituição dos Juizados Especiais Estaduais e Federais com prerrogativas, e, conseqüentemente, competências distintas.

A matéria disciplinada em conflito tanto pelos Juizados Especiais Estaduais quanto pelos Federais é a mesma, ou seja, tratam do conceito de menor potencialidade ofensiva, entretanto, as esferas de atuação de ambos são divergentes, sendo especificada em cada norma sua abrangência. Daí afirmar-se que ambas não são incompatíveis.

Confirma-se, assim, que ambas as Leis são federais, contudo, uma se refere aos crimes cometidos contra a esfera estadual e a outra contra a federal. Constata-se tal veracidade pelo conceito contido no parágrafo único, do artigo 2º, da Lei 10.259/01 que é exclusivo para os efeitos daquela lei. Por outro lado, como expressamente referido, o conceito contido no art. 61, da Lei 9.099/95, é para os "...efeitos desta Lei".

Expõe Márcia Arend e Rudson Marcos que:

forçoso concluir que a menção contida na Lei n.º 10.259/01, art. 2º, par. único, no sentido de que o conceito de menor potencial ofensivo ali arquitetado, só é aplicável para os efeitos desta lei, constitui-se em um nada jurídico, sem nenhuma aplicabilidade, pois, o princípio da isonomia substancial afasta a distinção feita pelo legislador ordinário. (Grifou-se)

Absurdo seria aceitar que tais expressões devam ser meramente descartadas, como muitos admitem. A norma não possui expressões desnecessárias, caso contrário, sequer existiria. O legislador nada escreve em vão, sem que tenha um significado.

Enfim, extrai-se da Carta Política que as leis não se misturam. Tratam do conceito de menor potencial ofensivo específica e separadamente. A lei mais nova (10.259/01) não revogou explicitamente a Lei 9.099/95, não são incompatíveis, e nem mesmo disciplinou completamente sobre a matéria contida nesta; apenas houve determinação para que se aplicasse a lei dos juizados estaduais nos federais no que não conflitasse com esta.

Existe decisão de nossos tribunais no sentido de que a Lei n. 10.259/01:

Trata-se de lei nova, especial, que estabelece condições paralelas a Lei 9.099/95, que por isso não a revogou quanto aos Juizados Especiais Estaduais (art. 2º, parágrafo 2º da Lei de Introdução ao Código Civil).

Entretanto, verificando a incompatibilidade entre as leis questionadas, existe o meio específico determinado pela Constituição Federal para o caso de conflito de normas, qual seja, a alegação de inconstitucionalidade do parágrafo único do art. 2˚ Lei 10.259/01, no que se refere ao conceito de menor potencial ofensivo.

4.1 O princípio da retroatividade da lei mais benigna

O conflito temporal de leis é resolvido por dois critérios: o primeiro se refere à irretroatividade da lei penal, consectário do princípio da reserva legal, expressamente previsto no artigo 5º, XL, primeira parte, da Constituição Federal, e no artigo 2º, caput, do Código Penal, segundo o qual, "ninguém pode ser sancionado penalmente em relação a um fato que na época de sua realização era irrelevante (ou prejudicial ao réu) para o Direito Penal"; entretanto, este princípio não é absoluto, sofrendo significativa relatividade, que se constitui no segundo critério tendente a solucionar a sucessão de leis penais no tempo.

Aplica-se o princípio da retroatividade da lei penal mais benéfica insculpido no mesmo dispositivo constitucional supramencionado, em sua segunda parte, e no parágrafo único do artigo 2 º do Código Penal, que assim estatui: "Art. 2º (...) Parágrafo único. A lei posterior que de qualquer modo favorecer o agente, aplica-se aos fatos anteriores, ainda que decididos por sentença condenatória transitada em julgado".

Como já visto anteriormente, com a criação dos Juizados Especiais Criminais foi instaurado um novo modelo de Justiça Penal, pautado na consensualidade visando a despenalização.

Os institutos despenalizadores, tais como, composição dos danos civis, transação penal e suspensão condicional do processo penal influenciaram diretamente no jus puniendi do Estado, pois mitigaram a indisponibilidade da ação penal pública, bem como, criaram um ambiente em que a jurisdição penal passou a adotar a consensualidade, no ressarcimento dos prejuízos à vítima, na renúncia ao direito de queixa, o que acabou relativizando o seu poder de punir.

É cediço que:

o Poder Político (Legislativo e Executivo), dando uma reviravolta na sua clássica política criminal fundada na "crença" dissuasória da pena severa (deterrance), corajosa e auspiciosamente, está disposto a testar uma nova via reativa ao delito de pequena e média gravidade, pondo em prática um dos mais avançados programas de despenalização do mundo.

Essa incidência dos institutos despenalizadores, contida na Lei dos Juizados Especiais, não resta prejudicada a quem cometer crimes no âmbito estadual, já que é um dos objetivos da mesma.

Para Márcia Arend e Rudson Marcos:

A ampliação do conceito de menor potencialidade lesiva, operada pela Lei n.º 10.259/01, alcançando crimes cuja pena máxima de privação de liberdade cominada não ultrapasse 2 (dois) anos, é absolutamente benéfica ao réu, culminando, destarte, com a derrogação da Lei n.º 9.099/95, neste particular, haja vista que esta lei define a menor potencialidade lesiva como característica dos crimes cuja pena máxima privativa de liberdade não exceda a 1 ano.

Assim, em homenagem ao princípio da retroatividade da Lei Penal mais benéfica e, considerando que a Lei em epígrafe é superveniente à Lei n.º 9.099/95 e trata da mesma matéria, forçoso concluir-se que a Lei 10.259/01 derrogou aquela, sendo absolutamente irrelevante esta considerar que os requisitos aptos a conceituar as infrações penais de menor potencial ofensivo são aplicáveis somente para os efeitos da Lei n.º 10.259/01. Desta forma, os processos em curso ou ainda não ajuizados perante a Justiça Estadual que noticiem a ocorrência de crimes, cuja pena máxima cominada no tipo legal não seja superior a 2 anos, embora supere o limite de 1 ano, devem receber a incidência dos institutos despenalizadores, contidos na Lei dos Juizados Especiais, em respeito ao princípio da retroatividade da lei penal mitior.

As Leis 10.259/01 e 9.099/95 tratam do conceito de menor potencial ofensivo (mesma matéria), entretanto, notoriamente, referem-se a âmbitos de incidência distintos (um federal e o outro estadual), como ambas fazem constar em seu corpo quando estabelecem "para os efeitos desta Lei"; impossível, pois, falar-se em benefício de uma em detrimento da outra.

Portanto, a alegação de que a Lei 10.259/01 seja mais benéfica que a Lei 9.099/95 não é válida para que haja derrogação de seu artigo, como alguns querem provar; pelo contrário, forçoso se faz concluir, mais uma vez, que existindo conflito com relação ao conceito de menor potencialidade ofensiva, necessário se faz utilizar-se do meio especificado na Constituição Federal para tal fim, qual seja, a ação direta de inconstitucionalidade da lei.

5. Exegese equivocada da nova lei e juízes-legisladores

A Lei n.˚ 10.259/01 foi criada com o intuito de desafogar a Justiça Federal, que, até então, se encontrava acobertada de uma morosidade excessiva, em decorrência do elevado número de processos, sendo inversamente proporcional o quadro de servidores. Tanto é que tal lei disciplina tanto matéria de natureza penal como cível.

Os Juizados Especiais julgam as causas de competência da Justiça Federal, sendo que, em matéria cível, o valor não pode ultrapassar 60 (sessenta) salários mínimos e, no âmbito criminal, são aceitas somente ações relativas a crimes de menor potencial ofensivo, para os quais a lei preveja a pena máxima não superior a 2 (dois) anos, ou multa.

Consigna-se expressamente, em seu art. 1º, a aplicação subsidiária da Lei 9.099/95, no que esta não conflitar com aquela.

O art. 20 da Lei 10.259/01 também assevera que "onde não houver Vara Federal, a causa poderá ser proposta no Juizado Especial Federal mais próximo do foro definido no art. 4º da Lei n˚ 9.099/95, de 26 de setembro de 1995, vedada a aplicação desta Lei no juízo estadual"(grifou-se).

Este instituto revela que o Juizado Especial Federal é distinto do Estadual, pois, caso contrário, haveria permissão, onde não houvesse varas da Justiça Federal, para que os Juizados Estaduais julgassem referidas causas, como ocorre, por exemplo, com as questões previdenciárias (art. 109, §3º, da Constituição Federal), de tóxicos (art. 27 da Lei 6.368/76) e ambientais. Houve, sim, uma proibição para a ocorrência desse evento.

O constituinte quis, definitivamente, assegurar a distinção entre os juizados.

Certo é que legislador penal é somente o federal, nos termos do art. 22, inciso I, da Constituição Federal, e este se resvalou em aplicar ao caso concreto tratamento diferenciado aos crimes cometidos em detrimento da União, contrariamente àqueles perpetrados contra as unidades da federação.

Julgar é tarefa difícil.

É certo que o juiz não pode se restringir à aplicabilidade fria da lei, quando a mesma for injusta. Entretanto, existe excesso quanto à função jurisdicional que constitui ofensa tão importante quanto ao princípio da igualdade: o da separação dos poderes, em conformidade com o art. 3º da Constituição Federal.

Os juízes, em alguns casos de excesso, estão tentando substituir o legislador, ampliando ou negando validade às leis, o que não é concebível.

A ampliação do conceito de infração penal de menor potencial ofensivo é defensável apenas de lege ferenda e não em conflito com a regra editada pelo Poder Legislativo. Essa escolha é política, e não jurídica, dependendo muito mais da vontade do governo do que de um pronunciamento do Poder Judiciário, que não pode atuar como legislador positivo, encontrando-se, assim, impossibilidade de estender benefícios a quem acredita ter sido inconstitucionalmente excluído, sob pena de grave ofensa ao postulado constitucional da separação dos Poderes. Com efeito, a orientação que admite a extensão para a esfera da Justiça Estadual do conceito de infração penal de menor potencial ofensivo, fixado no art. 2º, parágrafo único, da Lei nº 10.259/01, - originalmente estabelecido, tão-somente, para o âmbito da Justiça Federal, modifica o sistema da lei pela alteração do seu sentido e faz com que o intérprete se substitua ao legislador - papel que este se recusa a assumir o Supremo Tribunal Federal, por fidelidade à imagem de mero "legislador negativo", criada por KELSEN (cf. La garanzia giurisdizionale della costituzione: La giustizia costituzionale, in "La giustizia costituzionale", Milano, Giuffrè, 1981, pp. 173 e seguintes, e Il controlo di costituzionalità delle leggi. Studio comparato delle costituzioni austríaca e americana", in idem, p. 300). De fato, o Supremo Tribunal Federal, em casos semelhantes, tem considerado inadmissível que, "mediante subtração artificiosa" de um dispositivo (ou de sua parte), se produza "inversão clara do sentido da lei" (cf. voto do Ministro SEPÚLVEDA PERTENTE na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1.822-4, rel. Ministro MOREIRA ALVES, DJU de 10/12/99). No mesmo sentido: STF, Representação de Inconstitucionalidade nº 1.417-7/DF, j. 09/12/1987, RT CDCCP 02:315-332; Mandado de Segurança nº 23.809-DF, DJU 11/12/00; Habeas Corpus nº 76.543, Primeira Turma, DJU de 17/04/98.

A Lei 10.259/01 não alarga os crimes dispostos na Lei 9.099/95.

Expressa o Entendimento Uniforme n.˚ 08/02, da 3º Procuradoria de Justiça do Estado de São Paulo, que, ao resguardar a tese de ampliação do conceito de menor potencial ofensivo, está subtraindo-se o juiz de empregar a lei, fazendo-se passar por legislador, o que é inadmissível absolutamente:

Em outras palavras, se por hipótese uma lei ofende o princípio da isonomia e se revela inconstitucional, não pode o Juiz estender o benefício decorrente da inconstitucionalidade a outros crimes e a outras penas, não previstos pelo Legislador. É que nesse campo o juiz atua como legislador negativo, apenas lhe sendo lícito declarar a inconstitucionalidade da lei. É defeso ao Julgador atuar como legislador positivo, com poder criador, ampliando os efeitos da decisão de forma a açambarcar outras hipóteses não previstas na lei. De outro modo o Judiciário se tornaria um superpoder, quebrando a independência e a harmonia entre os poderes da República.

ENTENDIMENTO UNIFORME Nº 08

"NÃO APLICAÇÃO DA LEI n.° 10.259/2001 NO ÂMBITO DA JUSTIÇA ESTADUAL – INOCORRÊNCIA DE VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA IGUALDADE – CONSTITUCIONALIDADE DO ART. 20, PARTE FINAL, DA LEI n.° 10.259/2001. FUNDAMENTAÇÃO: A Constituição Federal estabeleceu dois sistemas distintos de Juizados Especiais Cíveis e Criminais, o federal e o estadual (art. 98, I). A Lei n.° 10.259/2001 foi editada a serviço de um objetivo lícito e singular: organizar os Juizados Especiais Cíveis e Criminais no âmbito da Justiça Federal. Assim, não há concluir que a lei nova distinguiu de forma não razoável ou arbitrária, vale dizer, de maneira puramente discriminatória, um tratamento específico a pessoas diversas. Demais disso, nesse campo estaria o Poder Judiciário apenas autorizado a declarar a inconstitucionalidade da lei nova atuando como legislador negativo, proibida sua atuação como legislador positivo, sob pena de estender, por via jurisdicional, o conceito de crime de menor potencial ofensivo a hipóteses não contempladas pelo novo texto legal, o que representaria usurpação da competência constitucional do Poder Legislativo." (Aprovado, por votação unânime, em Reunião da 3ª Procuradoria de Justiça de 23.01.2002) (Pt. nº 10.541/2002)(Publicado com Aviso nº 62/2002 - PGJ no DOE de 05/02/2002)

- Republicado pelo Aviso nº 126/04-PGJ - DOE 16/03/2004

O juiz não pode estender benefícios, ampliar efeitos a hipóteses não previstas se existe inconstitucionalidade por ferir o princípio da isonomia, atuando como legislador positivo, deve, pelo contrário, como legislador negativo, declarar a invalidade da lei.

A ausência de congruência do legislador em ser mais condescendente com autores de crimes federais, em detrimento dos autores de crimes estaduais, não autoriza o Poder Judiciário, sob a alegação de restabelecer a isonomia, substituir os poderes políticos para a construção de uma regra que não foi editada, ou seja, ampliar do conceito de menor potencial ofensivo figurado no art. 61 da Lei. n˚ 9.099/95.

A Carta Maior é subvertida tanto com relação ao que ofende o princípio da isonomia como ao que afronta o da separação de poderes.

Nesse mesmo sentido é o posicionamento do Tribunal de Alçada Criminal de São Paulo:

EMENTA: 131581 - JUIZADO ESPECIAL CRIMINAL - CRIME DE MENOR POTENCIAL OFENSIVO - APLICAÇÃO DA LEI Nº 10.259/01 EXCLUSIVAMENTE NO ÂMBITO FEDERAL: - A LEI Nº 10.259/01 TEM APLICAÇÃO EXCLUSIVA NOS JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS, NÃO ALCANÇANDO OS ESTADUAIS E, POR ISSO, NÃO MODIFICOU O CONCEITO DE CRIME DE MENOR POTENCIAL OFENSIVO NO ÂMBITO DESTES ÚLTIMOS, PERMANECENDO ÍNTEGRO O ART. 61 DA LEI Nº 9.099/95. Recurso : APELAÇÃO. Processo : 1334665 / 9. Relator: VIDAL DE CASTRO. Órgão Julg.: 15ª CÂMARA. Data : 13/02/2003.

EMENTA: 132483- JUIZADOS ESPECIAIS CRIMINAIS - APLICAÇÃO DA LEI Nº 10.259/01 NO ÂMBITO ESTADUAL - INADMISSIBILIDADE: - INADMISSÍVEL A APLICAÇÃO DA LEI Nº 10.259/01 NO ÂMBITO DOS JUIZADOS ESPECIAIS CRIMINAIS ESTADUAIS, UMA VEZ QUE TAL DIPLOMA SÓ SE APLICA NA SEARA DA JUSTIÇA FEDERAL, MORMENTE SE AO CRIME IMPUTADO É COMINADA PENA MÁXIMA SUPERIOR AO LIMITE PREVISTO NO ART. 2º, PARÁGRAFO ÚNICO, DAQUELA LEI. Recurso: APELAÇÃO. Processo : 1325891 / 6. Relator : CIRO CAMPOS. Órgão Julg.: 3ª CÂMARA. Data : 18/02/2003.

Converge entendimento do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul quanto a não ampliação do conceito de menor potencial ofensivo:

EMENTA: CONFLITO DE COMPETENCIA. DELITO DO ART. 303 DO CTB. A LEI N 9503/97 NAO ALTEROU O CONCEITO DE INFRACAO DE MENOR POTENCIAL OFENSIVO, NEM AMPLIOU A COMPETENCIA DOS JUIZADOS ESPECIAIS CRIMINAIS. COMPETENCIA DA JUSTICA COMUM. CONFLITO JULGADO PROCEDENTE. (4 FLS.) (CONFLITO DE JURISDIÇÃO Nº 698275153, QUINTA CÂMARA CRIMINAL, TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO RS, RELATOR: PAULO MOACIR AGUIAR VIEIRA, JULGADO EM 20/06/2001). RECURSO: CONFLITO DE JURISDIÇÃO. NÚMERO: 698275153. RELATOR: PAULO MOACIR AGUIAR VIEIRA. DATA DE JULGAMENTO: 20/06/2001. COMARCA DE ORIGEM: SANTA CRUZ DO SUL. ÓRGÃO JULGADOR: QUINTA CÂMARA CRIMINAL. FONTE: 2001, V-3.


CAPÍTULO IV

DA INCONSTITUCIONALIDADE DO ART. 2º, PARÁGRAFO ÚNICO, DA LEI N. 10.259 DE 12 DE JULHO DE 2001

1. Separação das funções estatais – limitação do poder e garantia dos direitos fundamentais

Visando evitar o arbítrio e o desrespeito aos direitos fundamentais, primordialmente, a Carta Política providenciou a criação dos Poderes do Estado e da Instituição do Ministério Público, independentes e harmônicos entre si, repartindo as funções estatais entre eles e antevendo prerrogativas e imunidades para que pudessem desempenhá-las, além de criar mecanismos de controles recíprocos, buscando garantir perpetuamente o Estado democrático de Direito.

Tal critério denominou-se "separação dos Poderes", que consiste na distinção de três funções estatais: legislação, administração e jurisdição; com o intuito de serem atribuídas a três órgãos autônomos entre si, os quais as exercerão com exclusividade.

Montesquieu dividiu e distribuiu os poderes acima mencionados, tornando princípio fundamental a organização política liberal, como bem reporta o art. 16 da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, em 1789, sendo, também, prevista no art. 2º da nossa Constituição Federal.

Salientam Canotilho e Moreira:

Um sistema de governo composto por uma pluralidade de órgãos requer necessariamente que o relacionamento entre os vários centros do poder seja pautado por normas de lealdade constitucional (Verfassungstreue, na terminologia alemã). A lealdade institucional compreende duas vertentes, uma positiva, outra negativa. A primeira consiste em que os diversos órgãos do poder devem cooperar na medida necessária para realizar os objetivos constitucionais e para permitir o funcionamento do sistema com o mínimo de atritos possíveis. A segunda determina que os titulares dos órgãos do poder devem respeitar-se mutuamente e renunciar a prática de guerrilha institucional, de abuso de poder, de retaliação gratuita ou de desconsideração grosseira. Na verdade, nenhuma cooperação constitucional será possível, sem uma deontologia política, fundada no respeito das pessoas e das instituições e num apurado sentido da responsabilidade de Estado (statesmanship).

2. Funções estatais, imunidades e garantias em face do princípio da igualdade

A Carta Magna de 1988 adotou o princípio da igualdade de direitos, resguardando a igualdade de aptidão, uma igualdade de possibilidades virtuais; ou seja, todos os cidadãos têm o direito de tratamento idêntico pela lei, em conformidade com os critérios estabelecidos pelo ordenamento jurídico.

O caráter teleológico, finalístico, da norma constitucional deve ser levado em consideração, desde o princípio, para que se possa atingir o objetivo imediato que a Constituição tem conservado.

Tercio Sampaio Ferraz Jr. , constatando a aplicabilidade e a interpretação das normas constitucionais, exara:

Admitindo-se que as normas jurídicas instaurem uma relação de autoridade – portanto uma relação de hierarquia – entre o seu emissor e o seu destinatário (cometimento), e ao mesmo tempo expressem um relato, o chamado ‘conteúdo normativo’, o sucesso da norma estará na adequação entre a relação de autoridade e o conteúdo da norma. Assim, se o objetivo do emissor é obter uma obediência ou submissão (cometimento), mas o conteúdo normado não tem condições de ser cumprido, o sucesso da disposição normativa é frágil, ou não existe. A norma não tem ou tem baixa eficácia. Mas se o objetivo é, por exemplo, não a obediência, não a submissão, mas simplesmente, vamos dizer assim, uma satisfação ideológica, o apaziguamento da consciência política, embora o disposto seja impossível de ser cumprido, este conteúdo impossível de ser cumprido é adequado à relação de autoridade. Porque é exatamente em razão da não aplicação que vai dar-se o sucesso da norma. Portanto, nesses termos, a eficácia enquanto termo relativo ao normativo, tendo em vista a relação entre o emissor da norma e o seu destinatário, exige-se que se leve em conta o objetivo colimado na instauração da relação de autoridade.

Ao determinar diversificadas funções, imunidades e garantias aos detentores das funções soberanas do Estado: Poderes Legislativo, Executivo, Judiciário e Ministério Público, a Constituição Federal vislumbrou defender o regime democrático tanto dos direitos fundamentais como da própria Separação dos Poderes, legitimando, assim, o tratamento distinto fixado a seus membros, diante do princípio da igualdade.

O espírito de igualdade, segundo salienta Montesquieu, não consiste em fazer com que todo mundo mande, ou que ninguém seja mandado; mas, em mandar e obedecer a seus iguais. Não busca ter chefe; no entanto, busca como chefe seus iguais.

Montesquieu demonstra, portanto, o equilíbrio necessário dos Poderes, afirmando que para formar-se um governo moderado

precisa-se combinar os Poderes, regrá-los, temperá-los, fazê-los agir; dar a um Poder, por assim dizer, um lastro, para pô-lo em condições de resistir a um outro. É uma obra-prima de legislação, que raramente o acaso produz, e raramente se deixa à prudência produzir... Sendo o seu corpo legislativo composto de duas partes, uma acorrentada a outra pela mútua faculdade de impedir. Ambas serão amarradas pelo Poder Executivo, o qual o será, por seu turno, pelo Legislativo. Esses três Poderes deveriam originar um impasse, uma inação. Mas como, pelo movimento necessário das coisas, são compelidos a caminhar, eles haverão de caminhar em concerto.

Para que sejam independentes, os órgãos exercentes das funções estatais necessitam de garantias para frear uns aos outros, com verdadeiros controles recíprocos. Essas garantias são invioláveis e impostergáveis, caso contrário, ocorrerá desequilíbrio entre eles e desestabilização do governo.

3. Funções estatais: Poder Legislativo e Poder Judiciário

A Constituição Federal de 1988 atribuiu funções estatais de soberania aos Poderes Executivo, Legislativo, Judiciário e Ministério Público, os quais, dentre diversas outras funções, devem zelar pelo equilíbrio entre os mesmos (fiscalizando-se) e pelo respeito aos direitos fundamentais.

Para tanto, a Constituição conferiu-lhes autonomia e independência.

Cada um dos Poderes detém uma função predominante, que o caracteriza como possuidor de parcela da soberania estatal, são as denominadas funções típicas e atípicas, além de outras funções previstas no texto constitucional.

As funções típicas do Poder Legislativo são legislar e fiscalizar, enquanto as funções atípicas são administrar (como, por exemplo, quando o Legislativo dispõe sobre sua organização e operacionalização interna, provimento de cargos, e outros) e julgar (quando, por exemplo, julga o Presidente da República por crime de responsabilidade).

A função do Poder Judiciário é a de ser a guardiã da Constituição, preservando, basicamente, os princípios da legalidade e igualdade. A função típica do Poder Judiciário é a jurisdicional, ou seja, julgar, aplicando a lei a um caso concreto que lhe é posto, resultante de um conflito de interesses. São funções atípicas deste Poder administrar (concessão de férias, por exemplo) e legislar (edição de normas regimentais, exemplificativamente).

4. Lei Federal versus Lei Nacional

Entende Paulo Sérgio do Nascimento Rangel que:

Qualifica-se lei federal a lei criada por iniciativa da União. Ela disciplina interesses federais, diferentemente da lei nacional, que dispõe não só sobre interesses federais, mas também a respeito dos interesses estaduais e locais. Neste ponto, a Lei 9.099/95 é lei nacional e a Lei 10.259/01 é lei federal, de aplicação exclusiva no âmbito da Justiça Federal..

5. Lei em Sentido Formal e em Sentido Material

Lei, em sentido formal, será sempre ato proveniente de órgão ao qual seja constitucionalmente atribuída competência legiferante, no caso o Congresso Nacional; logo, o que se valida aqui é a fonte de onde emana.

Em sentido material, no entanto, lei quer dizer preceito munido de generalidade e abstração, não importando de onde provenha. Nesse sentido, importa verificar a aptidão da lei para incidir sobre eventos futuros e incertos, a serem englobados na hipótese prevista por ela, vinculando o comportamento de destinatários indeterminados ou indetermináveis a princípio.

Existe lei apenas material; são os casos de regulamentos dotados de generalidade e abstração, no entanto, não assumem forma de lei, por advirem do exercício de competência administrativa, e não legislativa.

Da mesma forma pode haver lei meramente formal, quando seja determinada a prática de ato concreto com destinatário determinado, sob a forma de votação Parlamentar, constituindo simples ato administrativo.

Há jurisprudência do Supremo Tribunal Federal atestando que somente as normas providas de generalidade e abstração serão objeto de controle de constitucionalidade.

6. Princípio da Supremacia da Constituição e Controle de Constitucionalidade

As normas vigentes não estão dispostas no ordenamento jurídico em condições de igualdade. Existe uma hierarquização normativa que coloca a Constituição no ápice desse ordenamento, passando as demais espécies normativas, primárias e secundárias, mediata ou imediatamente, a retirar seu fundamento de validade da Lei Maior.

Na Constituição se encontram as principais e mais importantes regras jurídicas, aquelas que criam o Estado, dispõem sobre as suas funções e órgãos, competência de seus agentes, forma de elaboração de outras normas, limites para o exercício do poder político, e outros. Assim, os órgãos do Estado não podem praticar atos que contrariem ou desconsiderem as regras e princípios exarados naquela.

A idéia de controle de constitucionalidade está conectada, então, à Supremacia da Constituição sobre todo o ordenamento jurídico e à rigidez constitucional e proteção dos direitos fundamentais.

Surge, assim, o controle de constitucionalidade como sistema de instrumentos de defesa da Suprema Corte contra a atuação abusiva e excessiva dos órgãos de exercício dos poderes constituídos (legislador e administração pública) quando praticarem atos que desrespeitem referida supremacia, significando o dever de obediência dos poderes constituídos frente ao poder constituinte.

A própria Constituição prevê as formas de controle de constitucionalidade, e indica os órgãos competentes para exercê-lo, estabelecendo a possibilidade de afastamento da eficácia dos atos que contrariarem, de qualquer forma, suas disposições.

7. Conceito e Tipos de Inconstitucionalidade

A inconstitucionalidade (situação ou estado decorrente de um ou de vários vícios) pode ser conceituada como a desconformidade do ato normativo (inconstitucionalidade material) ou do seu processo de elaboração (inconstitucionalidade formal) com algum preceito ou princípio constitucional, ensina Clèmerson Merlin Clève.

Alexandre de Moraes expõe que "controlar a constitucionalidade significa verificar a adequação (compatibilidade) de uma lei ou de um ato normativo com a Constituição, verificando seus requisitos formais e materiais".

A inconstitucionalidade formal, propriamente dita, alcança uma lei ou qualquer outra espécie de ato normativo que tenha sido elaborado de acordo com procedimento distinto do prescrito na Constituição Federal.

A inconstitucionalidade material, por outro lado, baseia-se no vício encontrado no confronto de conteúdo entre a lei e algum dispositivo da Constituição. Os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade poderão ser aplicados nesse exame, tal como qualquer outra norma integrante do corpo constitucional (princípio, regra, etc).

A inconstitucionalidade pode ser total ou parcial, conforme o vício macular o ato normativo integral ou apenas parcialmente.

No direito constitucional brasileiro foi adotado, em regra, o controle de constitucionalidade repressivo jurídico ou judiciário, no qual o Poder Judiciário realiza o controle da lei ou do ato normativo, já editados, frente à Constituição Federal, com a finalidade de subtraí-los do ordenamento jurídico, caso sejam contrários à Suprema Corte.

Existem dois sistemas de controle jurídico de constitucionalidade repressivo: concentrado ou reservado (via de ação), e, difuso ou aberto (via de exceção ou defesa). Mas, há, excepcionalmente, duas outras hipóteses em que o controle de constitucionalidade repressivo seja realizado pelo Poder Legislativo: arts. 49, inciso V, e, 62 da Constituição Federal.

Como se averigua, o controle de constitucionalidade, no Brasil, é misto, ou seja, poderá ser exercido tanto concentrado como difusamente.

Compete ao Supremo Tribunal Federal, nos termos do art. 102, inciso I, alínea "a", da Constituição Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe processar e julgar, originariamente, a ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou estadual e a ação declaratória de constitucionalidade de lei ou ato normativo federal.

Várias são as espécies de controle concentrado vislumbradas pela Constituição Federal:

1.ação direta de inconstitucionalidade genérica (art. 102, I, a);

2.ação direta de inconstitucionalidade interventiva (art. 36, III);

3.ação direta de inconstitucionalidade por omissão (art. 103, §2º);

4.ação declaratória de constitucionalidade (art. 102, I, a, in fine; EC n˚ 03/93).

Ao Supremo Tribunal Federal compete processar e julgar, originariamente, ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou estadual. Este modelo de controle foi preconizado por Hans Kelsen para o Tribunal Constitucional austríaco, e adotado, posteriormente, pelo Tribunal Constitucional alemão, espanhol, italiano e português.

Busca-se obter, através desse controle, a declaração de inconstitucionalidade da lei ou do ato normativo em tese, não existindo caso concreto a ser solucionado, com o intuito de obter a invalidação da lei, visando garantir a segurança das relações jurídicas, as quais não podem ser baseadas em normas inconstitucionais.

A declaração de inconstitucionalidade é o objeto principal da ação.

A ação direta de inconstitucionalidade é cabível para declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal, estadual ou distrital, no exercício de competência equivalente à dos Estados-membros, que tenham sido editados após a promulgação da Constituição Federal, e que ainda vigorem.

São legitimados para propor a ação direta de inconstitucionalidade: o Presidente da República, a Mesa do Senado Federal, a Mesa da Câmara dos Deputados, a Mesa da Assembléia Legislativa ou da Câmara Legislativa do Distrito Federal, o Governador do Estado ou do Distrito Federal, o Procurador-Geral da República, o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, partido político com representação no Congresso Nacional e confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional.

A ação direta de inconstitucionalidade tem por finalidade retirar do ordenamento jurídico lei ou ato normativo incompatível com a ordem constitucional.

Portanto, o Supremo Tribunal Federal atua como legislador negativo, jamais como legislador positivo, ou seja, não pode ultrapassar do fito de exclusão dos atos incompatíveis com o texto Constitucional do ordenamento jurídico.

8. Fundamentação para a inconstitucionalidade do art. 2º, parágrafo único, da Lei 10.259/01

Vislumbram-se os seguintes julgados e argumentações favoráveis à derrogação do art. 61 da Lei n. 9.099/95, e conseqüente ampliação do conceito de menor potencial ofensivo:

EMENTA: PROCESSUAL PENAL. RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. ART. 16 DA LEI 6.368/76. TRANSAÇÃO PENAL. POSSIBILIDADE. AMPLIAÇÃO DO ROL DOS DELITOS DE MENOR POTENCIAL OFENSIVO. ART. 61 DA LEI Nº 9.099/95 DERROGADO PELO PARÁGRAFO ÚNICO DO ART. 2º DA LEI Nº 10.259/2001.

I - Com o advento da Lei nº 10.259/2001, que instituiu os Juizados Especiais Criminais na Justiça Federal, por meio de seu art. 2º, parágrafo único, ampliou-se o rol dos delitos de menor potencial ofensivo, por via da elevação da pena máxima abstratamente cominada ao delito, nada se falando a respeito das exceções previstas no art. 61 da Lei nº 9.009/95.

II – Desse modo, devem ser considerados delitos de menor potencial ofensivo, para efeito do art. 61 da Lei n. 9.099/95, aqueles a que a lei comine, no máximo, pena detentiva não superior a dois anos, ou multa, sem exceção.

III – Assim, ao contrário do que ocorre com a Lei nº 9.099/95, a Lei n º 10.259/2001 não excluiu da competência do Juizado Especial Criminal os crimes que possuam rito especial, alcançando, por conseqüência, o delito previsto no art. 16 da Lei 6.368/76.

Recurso provido. STJ. RHC 14198 / SP; RECURSO ORDINARIO EM HABEAS CORPUS 2003/0038731-2. DJ DATA:25/08/2003 PG:00328. Min. FELIX FISCHER (1109). Data da decisão: 17/06/2003. Órgão Julgador: T5 - QUINTA TURMA.

EMENTA: RECURSO EM HABEAS CORPUS. CRIME DE PORTE DE ARMA. TRANSAÇÃO PENAL. POSSIBILIDADE. APLICAÇÃO DO ART. 2º DA LEI N.º 10.259/01. DERROGADO O ART. 61 DA LEI N.º 9.099/95. AMPLIAÇÃO DO ROL DOS CRIMES DE MENOR POTENCIAL OFENSIVO. RECURSO PROVIDO.

Consoante precedentes firmados por este Tribunal, o artigo 2º, da Lei 10.259/01 (Juizados Especiais Federais) derrogou o artigo 61, da Lei n.º 9.099/95 (Juizados Especiais Estaduais), de modo a ampliar os crimes de menor potencial ofensivo. In casu, correspondendo infração cuja pena máxima não ultrapasse dois anos, é totalmente aplicável os benefícios da nova lei, inclusive quanto ao direito de ver conduzida proposta de transação penal. Recurso provido para anular a ação em curso perante os Juizados Especiais, permitindo ao Paciente o direito à proposta de transação penal. STJ. RHC 14084 / SP; RECURSO ORDINARIO EM HABEAS CORPUS

2003/0024242-9. DJ DATA:01/09/2003 PG:00301. Min. JOSÉ ARNALDO DA FONSECA (1106). Data da decisão: 05/08/2003. Órgão Julgador: T5 - QUINTA TURMA.

EMENTA: "HABEAS CORPUS. CRIMES DE CALUNIA E DIFAMACAO. TRANCAMENTO DA ACAO PENAL. - EM SE TRATANDO DE INFRACOES DE MENOR POTENCIAL OFENSIVO SOB A EGIDE DA LEI 9.099/95. - AMPLIADO O SEU ROL PELA LEI 10.259, DE 13 DE JULHO DE 2001-, OS JUIZADOS ESPECIAIS CRIMINAIS ESTADUAIS PASSAM A TER COMPETENCIA SOBRE TODOS OS FATOS A QUE A NORMA DE SANCAO IMPONHA NO MAXIMO, PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE NAO SUPERIOR A DOIS ANOS, ENTRE ELES, A CALUNIA E DIFAMACAO, PREVISTOS NOS ARTIGOS 138 E 139 DO CODIGO PENAL. - HABEAS CORPUS INDEFERIDO." DECISÃO.................: "ACORDAM OS COMPONENTES DA PRIMEIRA CAMARA CRIMINAL DO TRIBUNAL DE JUSTICA DO ESTADO DE GOIAS, A UNANIMIDADE DE VOTOS, DESACOLHIDO O PARECER DA DOUTA PROCURADORIA DE JUSTICA, INDEFERIR O REQUERIMENTO, TUDO CONFORME VOTO DO RELATOR PROFERIDO NA ASSENTADA DO JULGAMENTO E QUE JUNTO VAI COMO PARTE INTEGRANTE DESTE. SEM CUSTAS." TJGO. ORIGEM...................: 1A CAMARA CRIMINAL

FONTE......................: DJ 14080 DE 05/08/2003

LIVRO......................: 213-B

ACÓRDÃO..............: 01/07/2003

RELATOR................: DES. BYRON SEABRA GUIMARAES

RECURSO................: HABEAS-CORPUS - 21278-6/217

PROCESSO..............: 200301042130

COMARCA..............: VALPARAISO DE GOIAS

PARTES....................: PACIENTE: SERGIO FERREIRA WANDERLEY E OUTRO

IMPETRANTE.........: SERGIO FERREIRA WANDERLEY

Damásio E. de Jesus preconiza pelo entendimento de que o parágrafo único do art. 2º da Lei 10.259/2001 tenha derrogado a parte final do art. 61 da Lei dos Juizados Especiais Criminais (Lei 9.099/95), ampliando para dois anos o conceito de menor potencial ofensivo, sem qualquer exceção.

Desta maneira os Juizados Especiais Criminais da Justiça Estadual passam a ter competência sobre todos os crimes a que a norma determine, no máximo, pena detentiva de até dois anos, mesmo aqueles com procedimento especial.

Geraldo Brindeiro afirma que não há dúvida de que o novo conceito de infração penal de menor potencial ofensivo aplica-se imediatamente aos crimes de competência da Justiça Estadual, sob pena de ofensa aos princípios constitucionais da isonomia e da proporcionalidade. Tal é a orientação da maior parte da doutrina especializada.

E mais:

Conclui-se, portanto, que não há crime sem lesão a um bem juridicamente tutelado. Do mesmo modo, duas ofensas a um mesmo bem somente podem merecer tratamento jurídico-penal diferenciado de acordo com a maior ou menor intensidade da ofensa, ou com a maior ou menor culpabilidade do agente. Caso contrário, é inadmissível que duas violações, de igual intensidade, a um mesmo bem jurídico, perpetradas por agentes distintos, porém em idênticas condições, possam ser tratadas de maneira distinta pelo legislador. E é justamente isto o que acontece quando o legislador pátrio altera o conceito de infração de menor potencial ofensivo no âmbito da Justiça Federal. Ao fazê-lo, estabelece uma distinção materialmente infundada entre situações iguais, isto é, entre delitos com penas idênticas e que tutelam o mesmo bem jurídico, tendo como única diferença o juízo no qual serão deduzidas as pretensões punitivas, devido a um particular interesse da União na causa. Por todo o exposto, forçoso é concluir que a única solução possível para este impasse, compatível com as garantias fundamentais previstas no texto constitucional, é considerar que o parágrafo único do art. 2º da Lei nº 10.259/01 derrogou o art. 61 da Lei nº 9.099/95 no que tange à definição das infrações de menor potencial ofensivo. Deste modo, passarão a tramitar no Juizado Especial Criminal todas as infrações a que a lei comine pena máxima não superior a dois anos, sejam de competência do juízo federal, sejam de competência do juízo estadual. Com efeito, como as Leis nº 10.259/01 e nº 9.099/95 são ambas federais, e portanto de igual hierarquia, e não pode ser considerada a primeira uma lei especial, sob pena de violação do princípio da isonomia, derrogado está o art. 61 da Lei nº 9.099/95 pelo parágrafo único do art. 2º da Lei nº 10.259/01, uma vez que, consoante disposição do art. 2º, § 1º, da Lei de Introdução ao Código Civil, a lei posterior derroga a anterior (lex posterior derrogat priori). Doravante aplica-se a Lei nº 9.099/95 aos "...crimes a que lei comine pena máxima não superior a dois anos ou multa", nos termos do parágrafo único do art. 2º da Lei nº 10.259/01. In Boletim do IBCCrim nº 107, outubro de 2001.

Esta é a posição majoritária, no sentido de se ampliar o conceito de infração de menor potencial ofensivo. Dentre os diversos doutrinadores estão Luiz Flávio Gomes, Tourinho Filho, Alberto Silva Franco, Fernando Capez, José Renato Nalini, além de outros.

Dissente e apropriada é a fundamentação jurisprudencial e doutrinária seguinte, apontando para a declaração de inconstitucionalidade da Lei n. 10.259/2001:

ENTENDIMENTO UNIFORME N.º 08/2002 DA 3ª PROCURADORIA DE JUSTIÇA DE SÃO PAULO.

NÃO APLICAÇÃO DA LEI n.° 10.259/2001 NO ÂMBITO DA JUSTIÇA ESTADUAL – INOCORRÊNCIA DE VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA IGUALDADE – CONSTITUCIONALIDADE DO ART. 20, PARTE FINAL, DA LEI n.° 10.259/2001. FUNDAMENTAÇÃO: A Constituição Federal estabeleceu dois sistemas distintos de Juizados Especiais Cíveis e Criminais, o federal e o estadual (art. 98, I). A Lei n.° 10.259/2001 foi editada a serviço de um objetivo lícito e singular: organizar os Juizados Especiais Cíveis e Criminais no âmbito da Justiça Federal. Assim, não há concluir que a lei nova distinguiu de forma não razoável ou arbitrária, vale dizer, de maneira puramente discriminatória, um tratamento específico a pessoas diversas.

Ademais disso, nesse campo estaria o Poder Judiciário apenas autorizado a declarar a inconstitucionalidade da lei nova atuando como legislador negativo, proibida sua atuação como legislador positivo, sob pena de estender, por via jurisdicional, o conceito de crime de menor potencial ofensivo a hipóteses não contempladas pelo novo texto legal, o que representaria usurpação da competência constitucional do Poder Legislativo.

A Lei n. 10.259, de 12 de julho de 2001, dispõe única e exclusivamente sobre a instituição dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais no âmbito da Justiça Federal.

Não custa um registro adicional, que afaste a interpretação extensiva com feitos derrogadores da norma do par. ún., art. 2°, da Lei 10.259/01, de 12-7. Não se pode, em princípio, trasladar uma regra, cujo teor se restringe, expressamente, aos efeitos próprios de uma determinada lei, para repercutir sobre efeitos de outra lei. Impende, em cada caso, investigar se o legislador desejou estender um dado tratamento a hipóteses assimiláveis ou se, antes, ao especificar, de modo explícito, um significado normativo, almejou com isso afastar da restrita esfera especial hipóteses somente aproximáveis dela. Nesse quadro, bem se poderia invocar o aforismo qui dicit de uno, negat de altero.

Na espécie sob exame, se o legislador penal, às expressas, diz que o ilícito de menor potencial ofensivo, para os efeitos de uma dada lei (no caso, a Lei 10.259/01, de 12-7), é aquele para o qual se estatui pena máxima cominada não superior a dois anos (ou multa), não se pode, simpliciter, estender essa previsão para derrogar, com apoio em preceito específico, situações de outra lei que não se acham indicadas pela nova normativa.

Exceptio firmat regulam - consagrou um brocardo célebre - in casibus non exceptibus. Se o legislador da Lei 10.259/01 quisesse modificar integralmente o conceito de "infração de menor potencial ofensivo", teria omitido a singular nota exceptiva que se acha nos termos "para os efeitos desta Lei", palavras inseridas na regra do par. un. do art. 2° da referida Lei 10.259, robustecidas no art. 20 do mesmo Diploma normativo. Mas, ao exprimir-se dessa forma, indicou o legislador penal o caráter exceptivo da norma regulativa. E o que excepciona, como visto, não modifica o que consta do direito comum.

O que surpreende, ao fim, é o fato de que certa doutrina cogite de uma aplicação analógica da regra inscrita no par. un., art. 2°, da Lei 10.259/01, não para regular uma situação lacunosa mas para derrogar outra regra jurídica de direito. Ora, sem controverter - num tema que não é isento de dúvida - sobre a admissibilidade genérica da analogia in bonam partem no Direito Penal material, começa-se por observar que a circunstância de decidir-se, concretamente, sobre a pertinência de uma dada aplicação analógica - e não apenas sobre sua admissibilidade - exige um argumento de fundo, que não se satisfaz com a exclusiva motivação da favorabilidade de um preceito. Bastaria averbar, nesse campo, que o argumento de analogia - seja a pari, seja a fortiori - tem exatamente como contrapartida "formal" o argumento a contrario sensu.

Sem lacunaridade regulativa de tema para a qual se possa transportar, a analogia é formalmente inviável. Por definição, a analogia supõe a lacunosidade, e, no caso sub examine, longe de faltar, a Lei 9.099/95, de 26-9, prevê expressamente a figura do ilícito de pequeno potencial ofensivo (art. 61).

A Constituição Federal impôs, em seu art. 98, a criação dos Juizados Especiais Criminais tanto no âmbito federal quanto no estadual, determinando a distinção ou a dicotomia concernentemente a essas esferas do Poder Judiciário, os quais apresentam peculiaridades que os tornam inconfundíveis.

Enfatiza-se, pois, que os processos da competência da Justiça Federal têm características específicas que os distinguem dos demais, posto que a Constituição Federal destacou Justiça própria para julgar não apenas os crimes políticos e as causas criminais em que o comportamento criminoso tenha ocorrido em detrimento de bens, serviços ou interesses da União, de suas entidades autárquicas ou empresas públicas, excetuadas as hipóteses de competência específica.

O dualismo jurisdicional brasileiro originou-se na República, que também havia instituído o regime federalista; em razão deste regime que se constatou a conveniência de se distribuírem as funções jurisdicionais entre os Estados e a União, reservando-se para esta as causas de seu interesse, para que não ficasse o Estado Federal com seus interesses subordinados ao julgamento das unidades federadas.

A Lei n. 10.259/2001, perante seu escopo, organizou o Juizado Especial Criminal levando em consideração o universo de crimes processados pela Justiça Federal e as singulares dificuldades dessa esfera do Poder Judiciário no momento em que foi editada; e, nessa visão, fixou uma política criminal para definir os crimes de menor potencial ofensivo no seio federal.

Com efeito, segundo aponta o artigo 2.°, parágrafo único, da Lei n°. 10.259/01, são consideradas infrações de menor potencial ofensivo, expressamente "para os efeitos desta lei", os crimes a que a lei comine pena máxima não superior a dois anos, ou multa, ou seja, definiu-se crime de menor potencial ofensivo unicamente para seu âmbito.

O princípio da igualdade implica tratamento igual a situações iguais e tratamento desigual a situações desiguais, como exara José Afonso da Silva. Assim, os desiguais devem ser tratados desigualmente na medida em que se desigualam, premissas que a Lei 10.259/01 não feriu.

O princípio da isonomia, esclarece Manoel Gonçalves Ferreira Filho, "Como limitação ao legislador, proíbe-o de editar regras que estabeleçam distinções desarrazoadas entre seus destinatários, seja tratando desigualmente situações iguais, seja tratando igualmente situações desiguais." Assevera, ainda, que "Esse princípio não é, todavia, absoluto. As próprias constituições ao consagrá-lo nem por isso renegam outras disposições que estabeleçam desigualdade. Assim, não é dado invocá-lo ‘onde a Constituição, explícita ou implicitamente, permite a desigualdade’ (Pontes de Miranda, Comentários).".

Tem-se mencionado a hipótese do crime de desacato para demonstrar a ofensa ao princípio da igualdade. Apenado com detenção de 06 meses a 02 anos, dizem, se o crime for praticado contra funcionário público estadual não será de menor potencial ofensivo; ao revés se praticado contra funcionário federal, assim será considerado.

Com a devida vênia, estão colocando no mesmo patamar situações diferentes. Para que tal crime seja considerado da competência da Justiça Federal e, portanto, sujeito à Lei 10.259/01, é necessário que, além da tipificação contida no art. 331, do Código Penal, haja um plus, qual seja, que a ofensa seja dirigida a funcionário federal. Exige-se interesse da União para elevar o crime à categoria de delito de competência da Justiça Federal. Ora, já aí constata-se uma diferença entre este crime e o praticado contra o funcionário estadual. Há como que uma qualificadora em função da qualidade da vítima, o que o diferencia daqueloutro.

Dir-se-á que sendo o bem jurídico tutelado o mesmo, não se permite tratamento desigual. Todavia, comparados os crimes sujeitos à competência da Justiça Comum ou Ordinária com crimes da competência da Justiça Militar, também se terá ofensa ao mesmo bem jurídico. Embora classificada como especial a Justiça Militar, o que diferencia os crimes definidos no Código Penal Militar dos crimes capitulados no Código Penal, que tenham a mesma definição legal, é justamente a qualidade da vítima ou do agente ou o local da infração (art. 9º, inciso II, do Código Penal Militar)

Nem por isso entendeu o E. Supremo Tribunal Federal ser inconstitucional, por ofensa ao princípio da igualdade, a norma contida no art. 90-A da Lei 9.099/95, introduzida pela Lei n. 9.839/99, que veda, expressamente, a aplicação da referida Lei no âmbito da Justiça Militar. Conf. Habeas Corpus Nº 15.573- RS 5ª Turma, v.u., Rel. Min. José Arnaldo da Fonseca).

Pode parecer incoerente que o conceito mais amplo de infração de menor potencial ofensivo fique restrito à Justiça Federal onde, em tese, a ofensa seria mais grave por atingir bens da União. Entretanto, os critérios estão aí e foram estabelecidos pelo legislador. Até é compreensível que assim seja, pois, ante a gravidade dos crimes cometidos à competência da Justiça Federal, aqueles sancionados com pena restritiva de liberdade até dois anos tornam-se, de fato, crimes de menor repercussão social. Ademais, como o objetivo dos juizados é desafogar a Justiça, a ampliação se fez necessária naquela esfera para alcançar maior número de processos.

Concluindo, por se tratar de situações diferentes, não há ofensa ao princípio da igualdade no tratamento diferenciado entre os Juizados Especiais Criminais Federal e Estadual.

Nesse contexto, a própria Constituição Federal instituiu a Justiça Federal, à parte, distintamente, para as causas de interesse da União, sem que nisso se possa vislumbrar ofensa ao princípio da igualdade.

O Estatuto Supremo faz referência a dois sistemas diversos de Juizados Especiais Criminais, o federal e o estadual. A realidade da Justiça Federal e as dificuldades que ora enfrenta diferem da realidade peculiar da Justiça Estadual, com seus aspectos regionais.

A Lei n.° 10.259/2001 foi editada com um objetivo lícito e singular: organizar os Juizados Especiais Cíveis e Criminais no âmbito da Justiça Federal. Assim, não há concluir que a lei nova distinguiu de forma não razoável ou arbitrária, vale dizer, de maneira puramente discriminatória, um tratamento específico a pessoas diversas.

Há, pois, justificativa para o tratamento diferenciado da Justiça Federal no que tange à definição dos crimes de menor potencial ofensivo, inserida na organização do seu sistema próprio de Juizado Especial Criminal.

A lei nova mantém relação de especialidade com a Lei n.° 9.099/95 e trouxe disciplina exclusiva para os Juizados Especiais Cíveis e Criminais na esfera federal, sem interferência no âmbito da legislação antiga, a qual é díspar da matéria versada na Lei n.° 10.259/2001. Não gerou, pois, derrogação ou modificação da lei anterior - § 2.°, do artigo 2.°, da Lei de Introdução ao Código Civil (Decreto-lei n.° 4.657/42).

A Egrégia Procuradoria-Geral de Justiça do Estado de São Paulo, chamada a se manifestar nos termos do art. 28, do CPP, em processo referente a porte ilegal de arma (Pt. Protocolado nº 17.471/02 - Artigo 28 do CPP Processo nº 450-6/01 - 3ª Vara Criminal do Foro Regional de Santana), por decisão publicada no Diário Oficial do Estado de 12.03.2002, também entendeu que a Lei 10.259/01 não tem aplicação no Juizado Especial Criminal Estadual. Do despacho, destaco o seguinte trecho:

"A própria Constituição Federal distingue, claramente, para fins de instituição dos Juizados Especiais, as Justiças Estadual e Federal. Nossa Carta Política, originariamente, nem sequer admitia a transação penal ou o procedimento sumaríssimo na Justiça Federal (art. 98, caput), tanto que foi necessária a edição da Emenda Constitucional nº 22, de 18 de março de 1999, dispondo expressamente sobre a criação dos juizados no âmbito da Justiça Federal (cf. parágrafo único do art. 98). Em outras palavras, a Constituição Federal sempre considerou que os Juizados Especiais deveriam ser tratados nos âmbitos Estadual e Federal distintamente, com regras que atendessem as respectivas peculiaridades. Além disso, o próprio legislador, preocupado com os reflexos da Lei nº 10.259/01, deixou claro que o conceito das infrações de menor potencial ofensivo, previsto no parágrafo único do art. 2º, aplicar-se-ia, tão-somente, no âmbito da Justiça Federal, ao utilizar a expressão "para os efeitos desta Lei" e, mais a frente, ao vedar expressamente a aplicação da nova lei à Justiça Estadual (cf. art. 20, parte final) e, como se sabe, a lei não contém termos ou expressões inúteis.

O Poder Judiciário não cria normas jurídicas. Não legisla. Não cabe ao Julgador substituir o Legislador na casuística forense, mudando ou criando conceitos legais, mesmo intencionando corrigir injustiça legislativa.

De outra forma, se por hipótese uma lei ofende o princípio da isonomia e se revela inconstitucional, não pode o Juiz estender o benefício advindo da inconstitucionalidade a outros crimes e a outras penas não previstos pelo Legislador, pois nesse campo o juiz atua como legislador negativo, apenas lhe sendo lícito declarar a inconstitucionalidade da lei.

É defeso ao Julgador atuar como legislador positivo, com poder criador, ampliando os efeitos da decisão de forma a assenhorear-se de outras hipóteses não previstas na lei. Caso contrário, o Judiciário se tornaria um superpoder, quebrando a independência e a harmonia entre os poderes da República.

Assim, ao Poder Judiciário caberia alegar a inconstitucionalidade da Lei n.˚ 10.259, sendo, pois, vedada a ampliação do conceito de crime de menor potencial ofensivo na esfera estadual.

De acordo com Paulo Sérgio do Nascimento Rangel, dois pontos evidenciam a inconstitucionalidade da referida Lei, impedindo, assim, a sua aplicação no âmbito dos Juizados Especiais Estaduais.

Primeiro, o legislador ordinário foi além do permitido pela Emenda Constitucional. Ao estabelecer que lei federal disporá sobre a criação do juizado no âmbito da Justiça Federal, o parágrafo único do artigo 98 limitou a atuação do legislador ordinário à simples criação do juizado. Assim, qualquer acréscimo a essa autorização esbarra na limitação do dispositivo constitucional. Como o parágrafo não pode ser interpretado isoladamente, dissociado da cabeça, o mencionado dispositivo deve ser lido assim: "observado o disposto no caput, lei federal disporá sobre a criação do juizado especial". Isto porque as regras do juizado, inclusive o conceito de infração de menor potencial ofensivo, já estavam estabelecidas na Lei editada em cumprimento ao comando do art. 98, caput (Lei 9.099/95).

Sintomática a exposição de motivos do projeto de emenda constitucional que culminou com a EC nº 22/99 "A criação dos juizados especiais há de ter peculiar significado também no âmbito criminal, permitindo que a Justiça Federal institua os juizados especiais criminais para os crimes de menor potencial ofensivo, já que muitos dos crimes de competência da Justiça Federal têm pena máxima não superior a um ano (limite utilizado pelo legislador ordinário para conferir a competência dos juizados especiais criminais), como se pode comprovar em rápido levantamento." - grifei

Segundo, embora não se negue ao legislador o poder de modificar as leis, deve ele obedecer às regras estabelecidas na Lei Complementar Federal nº 95/98, alterada pela Lei Complementar nº 107/01, que traça os lineamentos para a elaboração, redação, alteração e consolidação das leis e, prevê, no seu art. 9º, que a cláusula de revogação deverá enumerar, expressamente, as leis ou disposições legais revogadas. Ora, a Lei em comento não contém cláusula de revogação; logo, por ofender norma complementar à Constituição, como ensina o citado Professor no trabalho ainda não publicado, calcado na doutrina de renomados constitucionalistas, ofende a própria Constituição.

Diz-se que o apontado vício não tem a força que se pretende. Se assim é, ao menos permite interpretação de que, se o legislador tivesse a intenção de modificar o art. 61 da Lei 9.099/95, deveria tê-lo feito expressamente, como determina a Lei Comp. nº 95/98 em seu art. 12. Não o tendo feito, de se entender que, efetivamente, não teve a vontade direcionada para a alteração do conceito de infração de menor potencial ofensivo para os Juizados Estaduais, senão, apenas de firmá-lo com maior amplitude para os Juizados Federais.

O Egrégio Supremo Tribunal Federal enfrentou situação semelhante, no âmbito penal, quando da edição da Lei nº 9.455/97, que admitiu a progressão de regime prisional ao crime de tortura, equiparado à condição de hediondo. Alguns doutrinadores, irremediavelmente, sustentaram que para os demais crimes hediondos, pelo princípio da isonomia, também deveria se admitir igual benefício. A Primeira Turma da Suprema Corte, julgando o Habeas Corpus nº 76.543, DJU de 17/04/98, em acórdão relatado pelo Ministro Sydney Sanches decidiu contrariamente a essa pretensão, sob a seguinte argumentação:

A Lei n° 9.455, de 07.04.1997, que define os crimes de tortura e dá outras providências, no § 7° do art. 1°, exara: "o condenado por crime previsto nesta Lei, salvo a hipótese do § 2°, iniciará o cumprimento da pena em regime fechado".

Logo, não se exige que no crime de tortura a pena seja cumprida integralmente em regime fechado, mas somente no início.

Nesse sentido, foi, então, mais benigna a lei com o crime de tortura, já que não estendeu o mesmo regime aos demais crimes hediondos, nem ao tráfico de entorpecentes, nem ao terrorismo.

Se a Lei mais benigna tivesse ofendido o princípio da isonomia, seria inconstitucional; não pode o Juiz estender o benefício conseqüente da inconstitucionalidade a outros crimes e a outras penas, pois, se há inconstitucionalidade, o juiz atua como legislador negativo, declarando a invalidade da lei; assim, não pode o legislador atuar positivamente, ampliando os efeitos a outras hipóteses não previstas.

Bem ou mal, o legislador quis ser mais condescendente com o crime de tortura do que com os crimes hediondos, o tráfico de entorpecentes e o terrorismo.

Referida condescendência não poderá ser estendida aos demais crimes, pelo Juiz, como intérprete da Lei, sob pena de assumir a competência do legislador e de debilitar, asseguradamente, o combate à criminalidade mais grave.

As apreciações feitas pelo Ministro Sydney Sanches demonstram que, conforme entendimento do Supremo Tribunal Federal, a eventual incoerência do legislador, sendo mais condescendente com os possíveis autores de crimes federais, não dá permissão ao Poder Judiciário, sob o pretexto de restauração da isonomia, de substituir-se aos poderes políticos para a construção de uma regra que não foi editada: a ampliação dos rígidos limites figurados no art. 61 da Lei nº 9.099/95.

Sob os aspectos apreciados, é dever do Poder Judiciário alegar a inconstitucionalidade do art. 2°, parágrafo único, da Lei 10.259/01, caso entenda ser desigual, desproporcional, ferindo, pois, o princípio da isonomia; e não ampliar simplesmente o conceito de menor potencial ofensivo para a esfera estadual, já que, como foi demonstrado, o julgador aplica a lei, não lhe cabendo legislar.


CONCLUSÃO

A Lei n.˚ 10.259, publicada em 12 de julho de 2001, vislumbrando a implementação do parágrafo único do art. 98 da Constituição Federal, nos termos da Emenda Constitucional n.˚ 22/99, instituiu os Juizados Especiais Federais e trouxe nova conceituação para infração de menor potencial ofensivo.

Tal conceito, como se pôde depreender, esposou grande controvérsia diante do conceito de infração de menor potencial ofensivo implementado pelo art. 61 da Lei n.˚ 9.099/95.

Ocorre que os conceitos são diversos. Com efeito, a Lei n.˚ 9.099/95 considera infrações de menor potencial ofensivo aquelas com pena máxima de até um ano, excluídas as que seguem rito especial, enquanto que na Lei n.˚ 10.259/01 são consideradas infrações de menor potencial ofensivo aquelas com pena máxima de até dois anos, sem exclusão das que seguem rito especial, ressaltando-se que sua aplicação se restringe ao âmbito federal.

A partir daí formaram-se duas correntes: a) conceito unitário – de acordo com ele a ampliação do conceito de infração de menor potencial ofensivo estende-se aos Juizados Estaduais, ou seja, existiria um conceito único para ambos os juizados; e, b) conceito bipartido – no qual existem dois conceitos de infração de menor potencial ofensivo: um federal, fundamentado no parágrafo único do art. 2º da Lei n.˚ 10.259/01; e outro estadual, expresso no art. 61 da Lei n.˚ 9.099/95, como explicita a Constituição Federal.

A primeira corrente defende que: o conceito de menor potencial ofensivo é único diante dos princípios da igualdade, razoabilidade e proporcionalidade; o legislador, se pretendesse dois sistemas distintos, não teria mandado aplicar totalmente a Lei n.˚ 9.099/95 aos Juizados Federais, mas teria criado um sistema jurídico novo; não se pode extrair da Constituição Federal a pretensão de criar dois conceitos divergentes de menor potencial ofensivo, tendo em vista que ambos são regidos pela Lei n.˚ 9.099/95; o legislador não se restringiu a vislumbrar os delitos de competência exclusiva (ratione materiae) da Justiça Federal, adotou, entretanto, todos os crimes de sua competência; o texto legal ordinário não pode discriminar situações sem um motivo justificado, ou seja, as mesmas situações devem receber igual tratamento jurídico; o art. 20 da Lei n.˚ 10.259/01 se encontra fora do contexto normativo dos juizados criminais, diz respeito, portanto, exclusivamente, aos juizados cíveis; nos termos do art. 2º, §1º, da LICC "a lei posterior revoga a anterior quando (...) seja com ela incompatível ou quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior".

Enquanto a segunda corrente se alicerça no seguinte: a lei não é mais benéfica, ou seja, o sistema consensuado não é mais favorável ao acusado; os bens jurídicos resguardados no âmbito federal são diferenciados do estadual; a Constituição Federal instituiu dois juizados separadamente: um federal e outro estadual; logo no artigo 1º impõe a Lei que aos Juizados Cíveis e Criminais da Justiça Federal aplica-se, no que não conflitar com a presente Lei, o disposto na Lei 9.099, de 26 de setembro de 1995. Imperioso dizer, o Juizado Federal obedece às disposições desta última Lei, salvo naquilo que não estiver em conflito com a própria Lei 10.259/01 a qual, observando as peculiaridades da Justiça Federal, fez pequenas modificações nas regras da Lei 9.099/95; a Lei n.˚ 10.259/01 no art. 2º, parágrafo único, ressaltou "para os efeitos desta Lei", enquanto o art. 20 expressa que é defesa a aplicação da referida lei aos Estados, e vice-versa; não existe lacuna legislativa; o Poder Judiciário não pode substituir o Legislativo, não deve, pois, modificar conceitos legais, mas, sim, atuar como legislador negativo.

Como se quer provar, a Lei n.° 10.259/2001 foi editada com um objetivo lícito e singular: organizar os Juizados Especiais Cíveis e Criminais no âmbito da Justiça Federal.

Há, pois, justificativa para o tratamento diferenciado da Justiça Federal no que tange à definição dos crimes de menor potencial ofensivo, inserida na organização do seu sistema próprio de Juizado Especial Criminal (como se apreende do art. 109 da Carta Magna).

E mais, a função do Poder Judiciário é a de ser a guardiã da Constituição, preservando, basicamente, os princípios da legalidade e igualdade; é, pois, tipicamente cabível ao Poder Judiciário a função jurisdicional, ou seja, julgar, aplicar a lei a um caso concreto que lhe é posto, resultante de um conflito de interesses, e não de legislar, fiscalizar, funções estas expendidas ao Legislativo. Enfim, o Judiciário não deve substituir o Legislativo como quer.

Caso o Judiciário assim proceda, estará vestindo a roupagem de legislador positivo e ferindo frontalmente o princípio da separação de poderes, art. 3˚ da Carta Magna.

A Lei n˚. 10.259/01 é um microssistema normativo, advindo do legislador competente para fazê-lo, não cabendo invocar sua aplicabilidade a outros tipos penais que não os ali previstos; entretanto, se reconhece o tratamento dicotômico dado em função de situações concretas.

Ao Poder Judiciário é válido alegar a inconstitucionalidade do art. 2°, parágrafo único da Lei n.˚ 10.259/01, sendo, pois, vedada a ampliação do conceito de crime de menor potencial ofensivo nos Juizados Estaduais.

Este, pois, seria o meio para se alcançar a Justiça.

A Lei n.° 10.259/01 mantém relação de especialidade com a Lei n.° 9.099/95 e trouxe disciplina exclusiva para os Juizados Especiais Cíveis e Criminais na esfera federal, sem interferência no âmbito da legislação antiga, a qual é díspar da matéria versada.

Não gerou, pois, derrogação ou modificação da lei anterior, inserindo-se a hipótese ao § 2.°, do artigo 2.°, da Lei de Introdução ao Código Civil (Decreto-lei n.° 4.657/42), como foi levantado.

Como restou comprovado, a inconstitucionalidade do art. 2°, parágrafo único, da Lei n.° 10.259/01 deve ser alegada, caso entendam ferir princípios constitucionais, a fim de se extinguir os conflitos existentes quanto a ampliação ou não do conceito de menor potencial ofensivo.


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ANEXOS

ANEXO I

LEI Nº 9.099, DE 26 DE SETEMBRO DE 1995.

Capítulo III

Dos Juizados Especiais Criminais

Disposições Gerais

Art. 60. O Juizado Especial Criminal, provido por Juízes togados ou togados e leigos, tem competência para a conciliação, o julgamento e a execução das infrações penais de menor potencial ofensivo.

Art. 61. Consideram-se infrações penais de menor potencial ofensivo, para os efeitos desta Lei, as contravenções penais e os crimes a que a lei comine pena máxima não superior a um ano, excetuados os casos em que a lei preveja procedimento especial.

Art. 62. O processo perante o Juizado Especial orientar-se-á pelos critérios da oralidade, informalidade, economia processual e celeridade, objetivando, sempre que possível, a reparação dos danos sofridos pela vítima e a aplicação de pena não privativa de liberdade.

Seção I

Da Competência e dos Atos Processuais

Art. 63. A competência do Juizado será determinada pelo lugar em que foi praticada a infração penal.

Art. 64. Os atos processuais serão públicos e poderão realizar-se em horário noturno e em qualquer dia da semana, conforme dispuserem as normas de organização judiciária.

Art. 65. Os atos processuais serão válidos sempre que preencherem as finalidades para as quais foram realizados, atendidos os critérios indicados no art. 62 desta Lei.

§ 1º Não se pronunciará qualquer nulidade sem que tenha havido prejuízo.

§ 2º A prática de atos processuais em outras comarcas poderá ser solicitada por qualquer meio hábil de comunicação.

§ 3º Serão objeto de registro escrito exclusivamente os atos havidos por essenciais. Os atos realizados em audiência de instrução e julgamento poderão ser gravados em fita magnética ou equivalente.

Art. 66. A citação será pessoal e far-se-á no próprio Juizado, sempre que possível, ou por mandado.

Parágrafo único. Não encontrado o acusado para ser citado, o Juiz encaminhará as peças existentes ao Juízo comum para adoção do procedimento previsto em lei.

Art. 67. A intimação far-se-á por correspondência, com aviso de recebimento pessoal ou, tratando-se de pessoa jurídica ou firma individual, mediante entrega ao encarregado da recepção, que será obrigatoriamente identificado, ou, sendo necessário, por oficial de justiça, independentemente de mandado ou carta precatória, ou ainda por qualquer meio idôneo de comunicação.

Parágrafo único. Dos atos praticados em audiência considerar-se-ão desde logo cientes as partes, os interessados e defensores.

Art. 68. Do ato de intimação do autor do fato e do mandado de citação do acusado, constará a necessidade de seu comparecimento acompanhado de advogado, com a advertência de que, na sua falta, ser-lhe-á designado defensor público.

Seção II

Da Fase Preliminar

Art. 69. A autoridade policial que tomar conhecimento da ocorrência lavrará termo circunstanciado e o encaminhará imediatamente ao Juizado, com o autor do fato e a vítima, providenciando-se as requisições dos exames periciais necessários.

Parágrafo único. Ao autor do fato que, após a lavratura do termo, for imediatamente encaminhado ao Juizado ou assumir o compromisso de a ele comparecer, não se imporá prisão em flagrante, nem se exigirá fiança.

Parágrafo único. Ao autor do fato que, após a lavratura do termo, for imediatamente encaminhado ao juizado ou assumir o compromisso de a ele comparecer, não se imporá prisão em flagrante, nem se exigirá fiança. Em caso de violência doméstica, o juiz poderá determinar, como medida de cautela, seu afastamento do lar, domicílio ou local de convivência com a vítima. (Redação dada pela Lei nº 10.455, de 13.5.2002))

Art. 70. Comparecendo o autor do fato e a vítima, e não sendo possível a realização imediata da audiência preliminar, será designada data próxima, da qual ambos sairão cientes.

Art. 71. Na falta do comparecimento de qualquer dos envolvidos, a Secretaria providenciará sua intimação e, se for o caso, a do responsável civil, na forma dos arts. 67 e 68 desta Lei.

Art. 72. Na audiência preliminar, presente o representante do Ministério Público, o autor do fato e a vítima e, se possível, o responsável civil, acompanhados por seus advogados, o Juiz esclarecerá sobre a possibilidade da composição dos danos e da aceitação da proposta de aplicação imediata de pena não privativa de liberdade.

Art. 73. A conciliação será conduzida pelo Juiz ou por conciliador sob sua orientação.

Parágrafo único. Os conciliadores são auxiliares da Justiça, recrutados, na forma da lei local, preferentemente entre bacharéis em Direito, excluídos os que exerçam funções na administração da Justiça Criminal.

Art. 74. A composição dos danos civis será reduzida a escrito e, homologada pelo Juiz mediante sentença irrecorrível, terá eficácia de título a ser executado no juízo civil competente.

Parágrafo único. Tratando-se de ação penal de iniciativa privada ou de ação penal pública condicionada à representação, o acordo homologado acarreta a renúncia ao direito de queixa ou representação.

Art. 75. Não obtida a composição dos danos civis, será dada imediatamente ao ofendido a oportunidade de exercer o direito de representação verbal, que será reduzida a termo.

Parágrafo único. O não oferecimento da representação na audiência preliminar não implica decadência do direito, que poderá ser exercido no prazo previsto em lei.

Art. 76. Havendo representação ou tratando-se de crime de ação penal pública incondicionada, não sendo caso de arquivamento, o Ministério Público poderá propor a aplicação imediata de pena restritiva de direitos ou multas, a ser especificada na proposta.

§ 1º Nas hipóteses de ser a pena de multa a única aplicável, o Juiz poderá reduzi-la até a metade.

§ 2º Não se admitirá a proposta se ficar comprovado:

I - ter sido o autor da infração condenado, pela prática de crime, à pena privativa de liberdade, por sentença definitiva;

II - ter sido o agente beneficiado anteriormente, no prazo de cinco anos, pela aplicação de pena restritiva ou multa, nos termos deste artigo;

III - não indicarem os antecedentes, a conduta social e a personalidade do agente, bem como os motivos e as circunstâncias, ser necessária e suficiente a adoção da medida.

§ 3º Aceita a proposta pelo autor da infração e seu defensor, será submetida à apreciação do Juiz.

§ 4º Acolhendo a proposta do Ministério Público aceita pelo autor da infração, o Juiz aplicará a pena restritiva de direitos ou multa, que não importará em reincidência, sendo registrada apenas para impedir novamente o mesmo benefício no prazo de cinco anos.

§ 5º Da sentença prevista no parágrafo anterior caberá a apelação referida no art. 82 desta Lei.

§ 6º A imposição da sanção de que trata o § 4º deste artigo não constará de certidão de antecedentes criminais, salvo para os fins previstos no mesmo dispositivo, e não terá efeitos civis, cabendo aos interessados propor ação cabível no juízo cível.

Seção III

Do Procedimento Sumaríssimo

Art. 77. Na ação penal de iniciativa pública, quando não houver aplicação de pena, pela ausência do autor do fato, ou pela não ocorrência da hipótese prevista no art. 76 desta Lei, o Ministério Público oferecerá ao Juiz, de imediato, denúncia oral, se não houver necessidade de diligências imprescindíveis.

§ 1º Para o oferecimento da denúncia, que será elaborada com base no termo de ocorrência referido no art. 69 desta Lei, com dispensa do inquérito policial, prescindir-se-á do exame do corpo de delito quando a materialidade do crime estiver aferida por boletim médico ou prova equivalente.

§ 2º Se a complexidade ou circunstâncias do caso não permitirem a formulação da denúncia, o Ministério Público poderá requerer ao Juiz o encaminhamento das peças existentes, na forma do parágrafo único do art. 66 desta Lei.

§ 3º Na ação penal de iniciativa do ofendido poderá ser oferecida queixa oral, cabendo ao Juiz verificar se a complexidade e as circunstâncias do caso determinam a adoção das providências previstas no parágrafo único do art. 66 desta Lei.

Art. 78. Oferecida a denúncia ou queixa, será reduzida a termo, entregando-se cópia ao acusado, que com ela ficará citado e imediatamente cientificado da designação de dia e hora para a audiência de instrução e julgamento, da qual também tomarão ciência o Ministério Público, o ofendido, o responsável civil e seus advogados.

§ 1º Se o acusado não estiver presente, será citado na forma dos arts. 66 e 68 desta Lei e cientificado da data da audiência de instrução e julgamento, devendo a ela trazer suas testemunhas ou apresentar requerimento para intimação, no mínimo cinco dias antes de sua realização.

§ 2º Não estando presentes o ofendido e o responsável civil, serão intimados nos termos do art. 67 desta Lei para comparecerem à audiência de instrução e julgamento.

§ 3º As testemunhas arroladas serão intimadas na forma prevista no art. 67 desta Lei.

Art. 79. No dia e hora designados para a audiência de instrução e julgamento, se na fase preliminar não tiver havido possibilidade de tentativa de conciliação e de oferecimento de proposta pelo Ministério Público, proceder-se-á nos termos dos arts. 72, 73, 74 e 75 desta Lei.

Art. 80. Nenhum ato será adiado, determinando o Juiz, quando imprescindível, a condução coercitiva de quem deva comparecer.

Art. 81. Aberta a audiência, será dada a palavra ao defensor para responder à acusação, após o que o Juiz receberá, ou não, a denúncia ou queixa; havendo recebimento, serão ouvidas a vítima e as testemunhas de acusação e defesa, interrogando-se a seguir o acusado, se presente, passando-se imediatamente aos debates orais e à prolação da sentença.

§ 1º Todas as provas serão produzidas na audiência de instrução e julgamento, podendo o Juiz limitar ou excluir as que considerar excessivas, impertinentes ou protelatórias.

§ 2º De todo o ocorrido na audiência será lavrado termo, assinado pelo Juiz e pelas partes, contendo breve resumo dos fatos relevantes ocorridos em audiência e a sentença.

§ 3º A sentença, dispensado o relatório, mencionará os elementos de convicção do Juiz.

Art. 82. Da decisão de rejeição da denúncia ou queixa e da sentença caberá apelação, que poderá ser julgada por turma composta de três Juízes em exercício no primeiro grau de jurisdição, reunidos na sede do Juizado.

§ 1º A apelação será interposta no prazo de dez dias, contados da ciência da sentença pelo Ministério Público, pelo réu e seu defensor, por petição escrita, da qual constarão as razões e o pedido do recorrente.

§ 2º O recorrido será intimado para oferecer resposta escrita no prazo de dez dias.

§ 3º As partes poderão requerer a transcrição da gravação da fita magnética a que alude o § 3º do art. 65 desta Lei.

§ 4º As partes serão intimadas da data da sessão de julgamento pela imprensa.

§ 5º Se a sentença for confirmada pelos próprios fundamentos, a súmula do julgamento servirá de acórdão.

Art. 83. Caberão embargos de declaração quando, em sentença ou acórdão, houver obscuridade, contradição, omissão ou dúvida.

§ 1º Os embargos de declaração serão opostos por escrito ou oralmente, no prazo de cinco dias, contados da ciência da decisão.

§ 2º Quando opostos contra sentença, os embargos de declaração suspenderão o prazo para o recurso.

§ 3º Os erros materiais podem ser corrigidos de ofício.

Seção IV

Da Execução

Art. 84. Aplicada exclusivamente pena de multa, seu cumprimento far-se-á mediante pagamento na Secretaria do Juizado.

Parágrafo único. Efetuado o pagamento, o Juiz declarará extinta a punibilidade, determinando que a condenação não fique constando dos registros criminais, exceto para fins de requisição judicial.

Art. 85. Não efetuado o pagamento de multa, será feita a conversão em pena privativa da liberdade, ou restritiva de direitos, nos termos previstos em lei.

Art. 86. A execução das penas privativas de liberdade e restritivas de direitos, ou de multa cumulada com estas, será processada perante o órgão competente, nos termos da lei.

Seção V

Das Despesas Processuais

Art. 87. Nos casos de homologação do acordo civil e aplicação de pena restritiva de direitos ou multa (arts. 74 e 76, § 4º), as despesas processuais serão reduzidas, conforme dispuser lei estadual.

Seção VI

Disposições Finais

Art. 88. Além das hipóteses do Código Penal e da legislação especial, dependerá de representação a ação penal relativa aos crimes de lesões corporais leves e lesões culposas.

Art. 89. Nos crimes em que a pena mínima cominada for igual ou inferior a um ano, abrangidas ou não por esta Lei, o Ministério Público, ao oferecer a denúncia, poderá propor a suspensão do processo, por dois a quatro anos, desde que o acusado não esteja sendo processado ou não tenha sido condenado por outro crime, presentes os demais requisitos que autorizariam a suspensão condicional da pena (art. 77 do Código Penal).

§ 1º Aceita a proposta pelo acusado e seu defensor, na presença do Juiz, este, recebendo a denúncia, poderá suspender o processo, submetendo o acusado a período de prova, sob as seguintes condições:

I - reparação do dano, salvo impossibilidade de fazê-lo;

II - proibição de freqüentar determinados lugares;

III - proibição de ausentar-se da comarca onde reside, sem autorização do Juiz;

IV - comparecimento pessoal e obrigatório a juízo, mensalmente, para informar e justificar suas atividades.

§ 2º O Juiz poderá especificar outras condições a que fica subordinada a suspensão, desde que adequadas ao fato e à situação pessoal do acusado.

§ 3º A suspensão será revogada se, no curso do prazo, o beneficiário vier a ser processado por outro crime ou não efetuar, sem motivo justificado, a reparação do dano.

§ 4º A suspensão poderá ser revogada se o acusado vier a ser processado, no curso do prazo, por contravenção, ou descumprir qualquer outra condição imposta.

§ 5º Expirado o prazo sem revogação, o Juiz declarará extinta a punibilidade.

§ 6º Não correrá a prescrição durante o prazo de suspensão do processo.

§ 7º Se o acusado não aceitar a proposta prevista neste artigo, o processo prosseguirá em seus ulteriores termos.

Art. 90. As disposições desta Lei não se aplicam aos processos penais cuja instrução já estiver iniciada.

Art. 90-A. As disposições desta Lei não se aplicam no âmbito da Justiça Militar. (Artigo incluído pela Lei nº 9.839, de 27.9.1999)

Art. 91. Nos casos em que esta Lei passa a exigir representação para a propositura da ação penal pública, o ofendido ou seu representante legal será intimado para oferecê-la no prazo de trinta dias, sob pena de decadência.

Art. 92. Aplicam-se subsidiariamente as disposições dos Códigos Penal e de Processo Penal, no que não forem incompatíveis com esta Lei.

Capítulo IV

Disposições Finais Comuns

Art. 93. Lei Estadual disporá sobre o Sistema de Juizados Especiais Cíveis e Criminais, sua organização, composição e competência.

Art. 94. Os serviços de cartório poderão ser prestados, e as audiências realizadas fora da sede da Comarca, em bairros ou cidades a ela pertencentes, ocupando instalações de prédios públicos, de acordo com audiências previamente anunciadas.

Art. 95. Os Estados, Distrito Federal e Territórios criarão e instalarão os Juizados Especiais no prazo de seis meses, a contar da vigência desta Lei.

Art. 96. Esta Lei entra em vigor no prazo de sessenta dias após a sua publicação.

Art. 97. Ficam revogadas a Lei nº 4.611, de 2 de abril de 1965 e a Lei nº 7.244, de 7 de novembro de 1984.

Brasília, 26 de setembro de 1995; 174º da Independência e 107º da República.

FERNANDO HENRIQUE CARDOSO

ANEXO II

LEI Nº 10.259, DE 12 DE JULHO DE 2001.
Publicada no D.O.U. de 13/07/2001


Dispõe sobre a instituição dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais no âmbito da Justiça Federal.

REGULAMENTO
 O PRESIDENTE DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:

Art. 1º São instituídos os Juizados Especiais Cíveis e Criminais da Justiça Federal, aos quais se aplica, no que não conflitar com esta Lei, o disposto na Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995.

Art. 2º Compete ao Juizado Especial Federal Criminal processar e julgar os feitos de competência da Justiça Federal relativos às infrações de menor potencial ofensivo.

Parágrafo único. Consideram-se infrações de menor potencial ofensivo, para os efeitos desta Lei, os crimes a que a lei comine pena máxima não superior a dois anos, ou multa.

Art. 3º Compete ao Juizado Especial Federal Cível processar, conciliar e julgar causas de competência da Justiça Federal até o valor de sessenta salários mínimos, bem como executar as suas sentenças.

§ 1º Não se incluem na competência do Juizado Especial Cível as causas:

I - referidas no art. 109, incisos II, III e XI, da Constituição Federal, as ações de mandado de segurança, de desapropriação, de divisão e demarcação, populares, execuções fiscais e por improbidade administrativa e as demandas sobre direitos ou interesses difusos, coletivos ou individuais homogêneos;

II - sobre bens imóveis da União, autarquias e fundações públicas federais;

III - para a anulação ou cancelamento de ato administrativo federal, salvo o de natureza previdenciária e o de lançamento fiscal;

IV - que tenham como objeto a impugnação da pena de demissão imposta a servidores públicos civis ou de sanções disciplinares aplicadas a militares.

§ 2º Quando a pretensão versar sobre obrigações vincendas, para fins de competência do Juizado Especial, a soma de doze parcelas não poderá exceder o valor referido no art. 3º, caput.

§ 3º No foro onde estiver instalada Vara do Juizado Especial, a sua competência é absoluta.

Art. 4º O Juiz poderá, de ofício ou a requerimento das partes, deferir medidas cautelares no curso do processo, para evitar dano de difícil reparação.

Art. 5º Exceto nos casos do art. 4º, somente será admitido recurso de sentença definitiva.

Art. 6º Podem ser partes no Juizado Especial Federal Cível:

I – como autores, as pessoas físicas e as microempresas e empresas de pequeno porte, assim definidas na Lei nº 9.317, de 5 de dezembro de 1996;

II – como rés, a União, autarquias, fundações e empresas públicas federais.

Art. 7º As citações e intimações da União serão feitas na forma prevista nos arts. 35 a 38 da Lei Complementar nº 73, de 10 de fevereiro de 1993.

Parágrafo único. A citação das autarquias, fundações e empresas públicas será feita na pessoa do representante máximo da entidade, no local onde proposta a causa, quando ali instalado seu escritório ou representação; se não, na sede da entidade.

Art. 8º As partes serão intimadas da sentença, quando não proferida esta na audiência em que estiver presente seu representante, por ARMP (aviso de recebimento em mão própria).

§ 1º As demais intimações das partes serão feitas na pessoa dos advogados ou dos Procuradores que oficiem nos respectivos autos, pessoalmente ou por via postal.

§ 2º Os tribunais poderão organizar serviço de intimação das partes e de recepção de petições por meio eletrônico.

Art. 9º Não haverá prazo diferenciado para a prática de qualquer ato processual pelas pessoas jurídicas de direito público, inclusive a interposição de recursos, devendo a citação para audiência de conciliação ser efetuada com antecedência mínima de trinta dias.

Art. 10º As partes poderão designar, por escrito, representantes para a causa, advogado ou não.

Parágrafo único. Os representantes judiciais da União, autarquias, fundações e empresas públicas federais, bem como os indicados na forma do caput, ficam autorizados a conciliar, transigir ou desistir, nos processos da competência dos Juizados Especiais Federais.

Art. 11º A entidade pública ré deverá fornecer ao Juizado a documentação de que disponha para o esclarecimento da causa, apresentando-a até a instalação da audiência de conciliação.

Parágrafo único. Para a audiência de composição dos danos resultantes de ilícito criminal (arts. 71, 72 e 74 da Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995), o representante da entidade que comparecer terá poderes para acordar, desistir ou transigir, na forma do art. 10º.

Art. 12º. Para efetuar o exame técnico necessário à conciliação ou ao julgamento da causa, o Juiz nomeará pessoa habilitada, que apresentará o laudo até cinco dias antes da audiência, independentemente de intimação das partes.

§ 1º Os honorários do técnico serão antecipados à conta de verba orçamentária do respectivo Tribunal e, quando vencida na causa a entidade pública, seu valor será incluído na ordem de pagamento a ser feita em favor do Tribunal.

§ 2º Nas ações previdenciárias e relativas à assistência social, havendo designação de exame, serão as partes intimadas para, em dez dias, apresentar quesitos e indicar assistentes.

Art. 13º Nas causas de que trata esta Lei, não haverá reexame necessário.

Art. 14º Caberá pedido de uniformização de interpretação de lei federal quando houver divergência entre decisões sobre questões de direito material proferidas por Turmas Recursais na interpretação da lei.

§ 1º O pedido fundado em divergência entre Turmas da mesma Região será julgado em reunião conjunta das Turmas em conflito, sob a presidência do Juiz Coordenador.

§ 2º O pedido fundado em divergência entre decisões de turmas de diferentes regiões ou da proferida em contrariedade a súmula ou jurisprudência dominante do STJ será julgado por Turma de Uniformização, integrada por juízes de Turmas Recursais, sob a presidência do Coordenador da Justiça Federal.

§ 3º A reunião de juízes domiciliados em cidades diversas será feita pela via eletrônica.

§ 4º Quando a orientação acolhida pela Turma de Uniformização, em questões de direito material, contrariar súmula ou jurisprudência dominante no Superior Tribunal de Justiça -STJ, a parte interessada poderá provocar a manifestação deste, que dirimirá a divergência.

§ 5º No caso do § 4º, presente a plausibilidade do direito invocado e havendo fundado receio de dano de difícil reparação, poderá o relator conceder, de ofício ou a requerimento do interessado, medida liminar determinando a suspensão dos processos nos quais a controvérsia esteja estabelecida.

§ 6º Eventuais pedidos de uniformização idênticos, recebidos subseqüentemente em quaisquer Turmas Recursais, ficarão retidos nos autos, aguardando-se pronunciamento do Superior Tribunal de Justiça.

§ 7º Se necessário, o relator pedirá informações ao Presidente da Turma Recursal ou Coordenador da Turma de Uniformização e ouvirá o Ministério Público, no prazo de cinco dias. Eventuais interessados, ainda que não sejam partes no processo, poderão se manifestar, no prazo de trinta dias.

§ 8º Decorridos os prazos referidos no § 7º, o relator incluirá o pedido em pauta na Seção, com preferência sobre todos os demais feitos, ressalvados os processos com réus presos, os habeas corpus e os mandados de segurança.

§ 9º Publicado o acórdão respectivo, os pedidos retidos referidos no § 6º serão apreciados pelas Turmas Recursais, que poderão exercer juízo de retratação ou declará-los prejudicados, se veicularem tese não acolhida pelo Superior Tribunal de Justiça.

§ 10º Os Tribunais Regionais, o Superior Tribunal de Justiça e o Supremo Tribunal Federal, no âmbito de suas competências, expedirão normas regulamentando a composição dos órgãos e os procedimentos a serem adotados para o processamento e o julgamento do pedido de uniformização e do recurso extraordinário.

Art. 15º O recurso extraordinário, para os efeitos desta Lei, será processado e julgado segundo o estabelecido nos §§ 4º a 9º do art. 14, além da observância das normas do Regimento.

Art. 16º O cumprimento do acordo ou da sentença, com trânsito em julgado, que imponham obrigação de fazer, não fazer ou entrega de coisa certa, será efetuado mediante ofício do Juiz à autoridade citada para a causa, com cópia da sentença ou do acordo.

Art. 17º Tratando-se de obrigação de pagar quantia certa, após o trânsito em julgado da decisão, o pagamento será efetuado no prazo de sessenta dias, contados da entrega da requisição, por ordem do Juiz, à autoridade citada para a causa, na agência mais próxima da Caixa Econômica Federal ou do Banco do Brasil, independentemente de precatório.

§ 1º Para os efeitos do § 3º do art. 100 da Constituição Federal, as obrigações ali definidas como de pequeno valor, a serem pagas independentemente de precatório, terão como limite o mesmo valor estabelecido nesta Lei para a competência do Juizado Especial Federal Cível (art. 3º, caput).

§ 2º Desatendida a requisição judicial, o Juiz determinará o seqüestro do numerário suficiente ao cumprimento da decisão.

§ 3º São vedados o fracionamento, repartição ou quebra do valor da execução, de modo que o pagamento se faça, em parte, na forma estabelecida no § 1º deste artigo, e, em parte, mediante expedição do precatório, e a expedição de precatório complementar ou suplementar do valor pago.

§ 4º Se o valor da execução ultrapassar o estabelecido no § 1º, o pagamento far-se-á, sempre, por meio do precatório, sendo facultado à parte exeqüente a renúncia ao crédito do valor excedente, para que possa optar pelo pagamento do saldo sem o precatório, da forma lá prevista.

Art. 18º Os Juizados Especiais serão instalados por decisão do Tribunal Regional Federal. O Juiz presidente do Juizado designará os conciliadores pelo período de dois anos, admitida a recondução. O exercício dessas funções será gratuito, assegurados os direitos e prerrogativas do jurado (art. 437 do Código de Processo Penal).

Parágrafo único. Serão instalados Juizados Especiais Adjuntos nas localidades cujo movimento forense não justifique a existência de Juizado Especial, cabendo ao Tribunal designar a Vara onde funcionará.

Art. 19º No prazo de seis meses, a contar da publicação desta Lei, deverão ser instalados os Juizados Especiais nas capitais dos Estados e no Distrito Federal.

Parágrafo único. Na capital dos Estados, no Distrito Federal e em outras cidades onde for necessário, neste último caso, por decisão do Tribunal Regional Federal, serão instalados Juizados com competência exclusiva para ações previdenciárias.

Art. 20º Onde não houver Vara Federal, a causa poderá ser proposta no Juizado Especial Federal mais próximo do foro definido no art. 4o da Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995, vedada a aplicação desta Lei no juízo estadual.

Art. 21º As Turmas Recursais serão instituídas por decisão do Tribunal Regional Federal, que definirá sua composição e área de competência, podendo abranger mais de uma seção.

§ 1º Não será permitida a recondução, salvo quando não houver outro juiz na sede da Turma Recursal ou na Região.

§ 2º A designação dos juízes das Turmas Recursais obedecerá aos critérios de antigüidade e merecimento.

Art. 22º Os Juizados Especiais serão coordenados por Juiz do respectivo Tribunal Regional, escolhido por seus pares, com mandato de dois anos.

Parágrafo único. O Juiz Federal, quando o exigirem as circunstâncias, poderá determinar o funcionamento do Juizado Especial em caráter itinerante, mediante autorização prévia do Tribunal Regional Federal, com antecedência de dez dias.

Art. 23º O Conselho da Justiça Federal poderá limitar, por até três anos, contados a partir da publicação desta Lei, a competência dos Juizados Especiais Cíveis, atendendo à necessidade da organização dos serviços judiciários ou administrativos.

Art. 24º O Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal e as Escolas de Magistratura dos Tribunais Regionais Federais criarão programas de informática necessários para subsidiar a instrução das causas submetidas aos Juizados e promoverão cursos de aperfeiçoamento destinados aos seus magistrados e servidores.

Art. 25º Não serão remetidas aos Juizados Especiais as demandas ajuizadas até a data de sua instalação.

Art. 26º Competirá aos Tribunais Regionais Federais prestar o suporte administrativo necessário ao funcionamento dos Juizados Especiais.

Art. 27º Esta Lei entra em vigor seis meses após a data de sua publicação.

Brasília, 12 de julho de 2001; 180º da Independência e 113º da República.

FERNANDO HENRIQUE CARDOSO
Paulo de Tarso Tamos Ribeiro
Roberto Brant
Gilmar Ferreira Mendes

ANEXO III

REPRESENTAÇÃO PELA INCONSTITUCIONALIDADE DA LEI

LEI 10.259/01

O Procurador-Geral de Justiça, atendendo às manifestações dos membros do Ministério Público que atuam diretamente com a área criminal, não só os dos Juizados Especiais Criminais, mas também aqueles das Centrais de Inquérito e Juízos Criminais, representou ao Procurador-Geral da República oferecendo argumentos para a eventual argüição de inconstitucionalidade da Lei 10.259/01, que instituiu os Juizados Especiais Federais.

As ponderações do Excelentíssimo Senhor Procurador-Geral de Justiça são trazidas ao conhecimento de todos os membros do Ministério Público para que delas tenham ciência, sem que tal represente qualquer interferência no posicionamento individual de cada Promotor de Justiça, que deverá atender ao seu próprio convencimento sobre a matéria, nos casos concretos trazidos à sua apreciação.

Exmo. Sr. Dr. Procurador-Geral da República

O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO, por seu Procurador-Geral de Justiça, no uso de suas atribuições legais, vem oferecer a Vossa Excelência, nos termos do artigo 103 e seu parágrafo 4º da Constituição Federal,

REPRESENTAÇÃO

em face da LEI FEDERAL N.º 10.259, de 12 de julho de 2001, pelas razões que se seguem:

A recente Lei 10.259/01, publicada em 12/07/01, visando implementar o comando normativo do parágrafo único do art. 98 da Carta Magna (derivado da EC 22/99), além de criar os Juizados Especiais Criminais Federais, trouxe também nova conceituação do que seja infração penal de menor potencial ofensivo, fazendo-o contudo para os fins daquela lei apenas.

Cumpre salientar que o novo conceito é significativamente diverso daquele encontrado na Lei 9.099/95. Com efeito, na Lei 9.099/95 são consideradas infrações penais de menor potencial ofensivo aquelas com pena máxima de até um ano, excluídas aquelas que seguem rito especial, enquanto que na novel Lei 10.259/01 são consideradas infrações penais de menor potencial ofensivo aquelas com pena máxima de até dois anos, sem exclusão das que seguem rito especial.

Este novo conceito do que seja infração penal de menor potencial ofensivo traz para dentro do Juizado Especial um vasto e importante rol de crimes que até então estavam fora do Juizado Especial.

Consoante este novo conceito passam --exemplificativamente-- para o Juizado Especial Criminal os crimes de abuso de autoridade, porte inautorizado de arma, exposição ou abandono de recém-nascido, falsa identidade, resistência, desobediência, desacato, atentado ao pudor mediante fraude, assédio sexual, desastre ferroviário culposo, usurpação de função pública, advocacia administrativa qualificada, condescendência criminosa, fraude processual, favorecimento real, favorecimento pessoal, evasão mediante violência contra a pessoa, todos os crimes contra a economia popular do art. 2° e art. 4° da Lei 1.521/51 etc - além de vários crimes do Código de Trânsito Brasileiro que foram adrede colocados fora do alcance do Juizado Especial por razões de política criminal (vide rol exemplificativo em anexo, doc. 01).

Embora passível de crítica, a questão no âmbito federal está bem clara, refletindo opção feita pelo legislador em seu espaço discricionário reservado pela Carta Magna.

O mesmo não ocorre, contudo, no âmbito estadual, onde sérias divergências vêm ocorrendo acerca da aplicação da Lei 10.259/01 -- em especial acerca da aplicação nos Juizados Especiais Criminais Estaduais do novo conceito de infração penal estabelecido pelo parágrafo único do art. 2° daquela lei para os Juizados Especiais Criminais Federais.

Realmente, inúmeras controvérsias têm sido suscitadas a partir da novel Lei 10.259/01, vigente desde julho e eficaz desde meado de janeiro corrente. Durante a vacatio, a doutrina a respeito, longe de chegar a um consenso, apresenta hoje um quadro díspare que bem reflete a insegurança a ser gerada pelas decisões igualmente díspares que começam a surgir com o início de eficácia da Lei 10.259/01.

De início, há quem sustente, como o ilustre professor Paulo Rangel (Manual de Processo Penal, 2ª edição, editora Lumen Juris, Rio de Janeiro, 2001, p. ), que o parágrafo único do art. 2° da Lei 10.259/01 é inconstitucional por ter extrapolado os limites da EC 22/99, que só autorizara a criação de Juizados Especiais Federais, sem contudo autorizar qualquer regulação sobre as infrações de menor potencial ofensivo em si (ao contrário do que fizera o art. 98 caput, que autorizara a criação dos Juizados Especiais Estaduais e a regulação material e processual das infrações penais de menor potencial ofensivo).

Há também quem sustente a inconstitucionalidade do mesmo parágrafo único do art. 2° por quebra do princípio da isonomia, sem adotá-lo como norma mais benéfica revogadora do art. 61 da Lei 9.099/95 ao argumento de que sendo inconstitucional não pode ser revogadora da legislação anterior (Maria Cristina Faria Magalhães, artigo na Intranet do Ministério Público, em artigo publicado na intranet do Ministério Público conforme cópia em anexo).

Estas considerações dizem em primeiro lugar com os Juizados Especiais Criminais Federais, acoimando de inconstitucional todo o parágrafo único do art. 2° da Lei 10.259/01, com a conseqüência de fazer prevalecer nos Juizados Especiais Criminais Federais a norma do art. 61 da Lei 9.099/95, que restringe as infrações penais de menor potencial ofensivo àquelas com pena corporal máxima de um ano, excluídas as que seguem rito especial.

No que toca, porém, reflexamente, ao âmbito estadual, e sem, desde logo, acoimar de inconstitucional todo o parágrafo único do art. 2° da Lei 10.259/01, há forte doutrina sustentando que é inconstitucional apenas a restrição "para os efeitos desta lei" constante do mesmo dispositivo, combinada com aqueloutra "vedada a aplicação desta lei no juízo estadual", constante do art. 20.

Segundo este entendimento, o novo conceito de infração penal de menor potencial ofensivo é constitucional e revoga aquele anterior do art. 61 da Lei 9.099/95, passando a valer então como conceito único tanto no âmbito federal como no âmbito estadual.

Há, contudo, também quem entenda constitucional o art. 20 da Lei 10.259/01, uma vez que esta lei destinou-se a criar os Juizados Especiais Federais e, entre outras coisas, conceituar as infrações penais de menor potencial praticadas contra bens da União.

"A Lei nº 9.099/95, art. 61, atendendo o comando constitucional do art. 98, caput, considerou infrações penais de menor potencial ofensivo as contravenções penais e os crimes a que a lei comine pena máxima não superior a um ano, excetuados os casos em que a lei preveja procedimento especial.

Por outro lado, com a observância do art. 98, parágrafo único, da C.F., a Lei nº 10.259, de 12/07/2001, instituiu os Juizados Especiais Cíveis e Criminais no âmbito da Justiça Federal, e, nesse diploma, conceituou as infrações penais de menor potencial ofensivo, com diferentes critérios, isto é: os crimes a que a lei comine pena máxima não superior a dois anos, ou multa (art. 2º, parágrafo único).

Em face desse aparente paradoxo, não tardou para que surgissem os primeiros comentários acerca de eventual modificação do conceito de infração penal de menor potencial ofensivo, previsto no art. 61 da Lei nº 9.099/95 pelo disposto no art. 2º, parágrafo único, da Lei nº 10.259/01. Sobre essa já é possível identificar pelo menos duas posições antagônicas e contraditórias, quais sejam:

a). a Lei nº 10.259/01 ampliou o conceito da infração penal de menor potencial ofensivo e essa nova definição deve se estender à Justiça Estadual, em respeito ao princípio da isonomia (Alberto Silva Franco, Cláudio Dell’Orto, Damásio E. de Jesus, Fernando Capez, Fernando Luiz Ximenez Rocha, Luiz Flávio Gomes, Márcio Thomaz Bastos, Vitor Eduardo Rios Gonçalves, dentre outros comentadores da nova lei cf. www.direitocriminal.com.br, 27/07/2001);

b). uma segunda orientação entende que a definição de infração penal de menor potencial ofensivo, prevista no art. 61 da Lei nº 9.099/95, continua em vigor no âmbito da Justiça Estadual.

Aquele primeiro entendimento pode, num primeiro momento, parecer sedutor e coerente, porque busca supostamente dar tratamento igualitário, nas Justiças Estadual e Federal, aos autores de infrações penais de menor potencial ofensivo. Contudo, sempre com o devido respeito, essa orientação não nos parece correta.

Como se disse, é importante ressaltar, desde logo, que a própria Constituição Federal distingue, claramente, para fins de instituição dos Juizados Especiais, as Justiças Estadual e Federal.

Nossa Carta Política, originariamente, nem sequer admitia a transação penal ou o procedimento sumaríssimo na Justiça Federal (art. 98, caput), tanto que foi necessária a edição da Emenda Constitucional nº 22, de 18 de março de 1999, dispondo expressamente sobre a criação dos juizados no âmbito da Justiça Federal (cf. parágrafo único do art. 98).

Em outras palavras, a Constituição Federal sempre considerou que os Juizados Especiais deveriam ser tratados nos âmbitos Estadual e Federal distintamente, com regras que atendessem as respectivas peculiaridades.

Além disso, o próprio legislador, preocupado com os reflexos da Lei nº 10.259/01, deixou claro que o conceito das infrações de menor potencial ofensivo, previsto no parágrafo único do art. 2º, aplicar-se-ia, tão-somente, no âmbito da Justiça Federal, ao utilizar a expressão "para os efeitos desta Lei" e, mais a frente, ao vedar expressamente a aplicação da nova lei à Justiça Estadual (cf. art. 20, parte final) e, como se sabe, a lei não contém termos ou expressões inúteis.

Muito embora seja possível vislumbrar, casuisticamente, alguma falta de coerência no tratamento dispensado aos acusados perante as Justiças Federal e Estadual, é certo que a missão normativa não foi confiada ao Poder Judiciário. É-lhe defeso, portanto, substituir-se ao legislador: cabe-lhe aplicar a lei como ela é e não como desejaria que fosse.

A ampliação do conceito de infração penal de menor potencial ofensivo é defensável apenas de lege ferenda e não em conflito com a regra editada pelo Poder Legislativo, à qual os demais Poderes da República devem obediência, em respeito ao princípio da harmonia e independência que informa o relacionamento entre eles"

MALULY, Jorge Assaf / DEMERCIAN, Pedro Henrique. A lei dos Juizados Especiais criminais no âmbito da Justiça Federal e o conceito de infração penal de menor potencial ofensivo:
www.direitocriminal.com.br

O tratamento diferenciado, aliás, não é novidade em nosso sistema. Recentemente, o Supremo Tribunal Federal decidiu que o regime de cumprimento de pena mais benéfico estipulado para o crime de tortura pela Lei 9.455 só se aplicava a este crime e, portanto não deveria ser estendido aos demais crimes hediondos da Lei 8.072, pondo com isto fim a intensa campanha doutrinária em contrário.

Hoje, a tortura, quiçá o mais hediondo dos crimes, tem hoje pena igual a de um furto praticado à noite, pena esta menor que a de um roubo sem violência, sendo merecedor ainda de regime de cumprimento de pena mais benevolente que o regime dos demais crimes previstos na chamada Lei dos Crimes Hediondos, configurando então tratamento totalmente desproporcional e sem a mais mínima razoabilidade em relação aos demais crimes hediondos.

Ainda tratamento diferenciado por mera opção legal têm as condutas de autolesão, que em geral são atípicas salvo se praticadas por meio de ingestão de drogas proibidas, caso em que passa a ser típica (embora sob a bandeira da saúde pública).

Varia também o crime de quadrilha segundo o número mínimo de pessoas a compô-la e a lei que a define, havendo pelo menos três definições de quadrilha que coexistem: a do Código Penal (art. 288), a da Lei 6.368 (art. 14) e a da Lei 2.889/56 (art. 2°).

Menor variação de tratamento não têm os crimes contra a honra, estes com previsão no Decreto-Lei 2.848/40 (Código Penal), na Lei 5.250 (Lei de Imprensa), na Lei 7.170 (Lei de Segurança Nacional) e na Lei 4.117/62 (Código de Telecomunicações). Nem se diga que se a ofensa é maior pelo só de ser veiculada por meio de jornal impresso ou ainda maior pelo só fato de ser veiculada por meio de jornal televisivo. Uma ofensa a determinado professor do Rio de Janeiro que seja veiculada em pequeno jornal do Amapá provocará muito menos dano que uma ofensa irrogada em palestra no próprio Rio de Janeiro diante de uma centena de pessoas.

É certo que a Lei 10.259/01 faz com que crimes iguais tenham tratamentos diferenciados quando submetidos a julgamento nos Juizados Especiais Criminais federais ou nos Juizados Especiais Criminais estaduais. Não se trata, porém, de mera questão de competência. Existe aí uma significativa variação na titularidade do bem jurídico protegido, o que muita vez faz o crime variar não só de tratamento como até mesmo de lei que o institui.

Assim, por exemplo, crime contra a honra, contra a vida ou contra a integridade física do Presidente da República poderá ser capitulado pela Lei de Segurança Nacional, enquanto um crime da mesma natureza contra um Governador de estado sê-lo-á pelo Código Penal.

De igual sorte, pode-se dar que muitos crimes previstos no Código Penal como regra geral, quando praticados contra bens das Forças Armadas, passem a ser regulados pelo Código Penal Militar, tendo em vista a especial titularidade do bem jurídico atingido.

Nesta linha andou a Lei 10.259/01, dando tratamento diferenciado para determinados crimes quando cometidos contra bens da União, sendo atribuição e responsabilidade do legislador federal a valoração comparativa do tratamento à proteção dos bens federais e do tratamento aos bens estaduais, municipais ou particulares.

Se in casu decidiu o legislador dar tratamento mais ameno a determinados crimes quando cometidos em detrimento da União, trata-se de opção legislativa cujo juízo de conveniência e oportunidade reflete atendeu ao momento político e não pode ser alterada por juízos divergentes que cada um faça a respeito.

As divergências apontadas acerca da constitucionalidade do art. 20 e do parágrafo único do art. 2° não são puramente teóricas, mas sobretudo práticas, concretas e atuais, valendo ressaltar que, no legítimo exercício de sua independência funcional, alguns Promotores de Justiça de Investigação Penal estão remetendo aos Juizados Especiais Criminais estaduais inquéritos onde a capitulação é de crime com pena máxima entre um e dois anos, enquanto outros Promotores de Investigação Penal estão mantendo o inquérito consigo para eventual denúncia na Vara Criminal.

De sua parte, alguns Juízes de Varas Criminais começarão, em breve, a aceitar denúncias por crimes com pena máxima até dois anos ou declinar de sua competência para os Juizados Especiais, enquanto estes poderão concordar com isto ou suscitar conflito negativo. Se o Promotor do Juizado Especial tiver requerido designação de audiência especial, em caso de crime com pena máxima de dois anos, o Juiz é que poderá designar audiência ou declinar de sua competência para a Vara Criminal.

A divergência se acentua no tratamento discordante que o Tribunal de Justiça e Ministério Público Rio de Janeiro, nos últimos dias, já oficializaram a respeito do assunto.

Enquanto a Comissão Estadual dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais do Tribunal de Justiça fluminense definiu, em Enunciados resultantes de reunião dos Juízes de Direito, de 14 de dezembro último, que o parágrafo único do art. 2° da Lei 10.259/01 revoga o art. 61 da Lei 9.099/95, determinando que "a partir de agora as Delegacias policiais passem a efetuar a remessa dos termos circunstanciados relativos a todos os processos de delitos de pequeno potencial ofensivo (penas não superiores a dois anos) diretamente aos Juizados competentes" (doc. 02), o Ministério Público fluminense vem de firmar Resolução Conjunta, nº 8/2002, com a Secretaria de Segurança Pública e a Chefia da Polícia Civil Estado, no sentido de que estes mesmos procedimentos devem ser encaminhados diretamente às Promotorias de Investigação Penal, órgãos ministeriais diretamente ligados ao controle externo da atividade policial, que oficiam em inquéritos policiais e em peças de informação, cujas denúncias e requerimentos de arquivamentos são dirigidos às Varas Criminais singulares e não aos Juizados Especiais Criminais (doc. 03).

Verifica-se dos consideranda de tal Resolução Conjunta, por cópia ora anexa, a fundamentação para que não se entenda cabível, de pronto, ter por plenamente aplicáveis aos Juizados Especiais Criminais estaduais as referidas normas da nova Lei 10.259/01, ante as expressas ressalvas do parágrafo único de seu artigo 2º e, na mesma linha, da parte final de seu artigo 20, cuja declaração de constitucionalidade, em nosso entendimento, merece ser discutida.

Como se vê -- além da discussão sobre a constitucionalidade do próprio parágrafo único do art. 2° da Lei 10.259/01, como um todo, a afetar diretamente o funcionamento do Juizado Especial Criminal Federal -- no que toca aos Estados, a celeuma pode-se resumir na discussão da constitucionalidade ou não do art. 20 da Lei 10.259/01, pois se inconstitucional a parte final de tal dispositivo, aceitar-se-á que o conceito do parágrafo único do art. 2° deve ser estendido também aos Juizados Estaduais, enquanto que, se constitucional essa parte final do art. 20, prevalecerão ambos os conceitos - o do parágrafo único do art. 2° da Lei 10.259/01 e o do art. 61 da Lei 9.099/95, este para o âmbito estadual, aquele para o âmbito federal.

Constitucionais ou inconstitucionais, importante que fossem assim declarados, em um ou outro sentido, o mais rápido possível, de forma a evitar decisões contraditórias e insegurança jurídica que já se está a verificar no âmbito estadual, em face dos mencionados Enunciados e da Resolução Conjunta, e, de outro lado, das posturas individuais diferenciadas que cada Promotor de Justiça e cada Magistrado, com independência funcional, certamente adotarão a cada dia.

Como já há ato normativo concreto derivado do Poder Judiciário - os aludidos Enunciados (doc. 02) - que importa em incontornável conflito com a atitude ministerial expressa no ato conjunto desta Procuradoria-Geral com a Secretaria de Segurança Pública e a Chefia de Polícia Civil (doc. 03), e como o desdobramento ulterior será com certeza uma pletora de recursos e habeas-corpus primeiramente no Tribunal de Justiça e, logo em seguida, no Superior Tribunal de Justiça, com desdobramentos perante o Supremo Tribunal Federal, é de todo oportuno afastar, tão logo quanto possível, a incerteza que paira sobre os mencionados aspectos da Lei 10.259/01.

Com as considerações acima, há fundada pertinência em se sustentar que tanto o parágrafo único do art. 2° da Lei 10.259/01 como seu art. 20 são constitucionais, sendo então de bom alvitre ação declaratória de constitucionalidade para defendê-los de eventuais decisões incidentais em contrário.

Entretanto, a atribuição para uma tal iniciativa é de Vossa Excelência, que pode sustentar entendimento diverso. Neste caso então, seria de bom alvitre admitir-se a propositura de ação declaratória de inconstitucionalidade, para retirar a eficácia daqueles dispositivos o quanto antes, tudo de forma a contribuir para a segurança jurídica, a estabilidade das relações e o bom funcionamento da Justiça como um todo, evitando-se um tortuoso iter processual para milhares e milhares de casos individuais que concreta e pioneiramente enfrentem a questão, com entendimentos tão diversos entre si quanto possível.

Na oportunidade, seguem renovados protestos de estima e consideração.

JOSÉ MUIÑOS PIÑEIRO FILHO

Procurador-Geral de Justiça do Estado do Rio de Janeiro

ANEXO IV

PARECER GERALDO BRINDEIRO

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL

Processo PGR nº 1.00.000.000801/2002-90

INTERESSADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

ASSUNTO: REPRESENTAÇÃO NO SENTIDO DE SER DECLARADA A CONSTITUCIONALIDADE OU NÃO DO PARÁGRAFO ÚNICO DO ART. 2º E DO ART. 20 DA LEI FEDERAL Nº 10.259/01.

DESPACHO:

O Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro, pelo seu Procurador-Geral de Justiça, oferece a presente representação de inconstitucionalidade em face da Lei nº 10.259, de 12 de julho de 2001 que "dispõe sobre a instituição dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais no âmbito da Justiça Federal."

Argumenta o representante, em síntese, que o mencionado diploma legal trouxe nova conceituação do que seja infração penal de menor potencial ofensivo, fazendo-o contudo para os fins daquela lei apenas. O novo conceito de infração penal de menor potencial ofensivo é significativamente diverso daquele estatuído na Lei nº 9.099/95, na medida em que considera de menor potencial os delitos a que a lei comine pena máxima não superior a 2 (dois) anos, e não mais somente a 1(um).

Aduz que, consoante este novo conceito, passam a ser de competência dos Juizados Especiais Criminais diversos crimes antes não previstos, como abuso de autoridade, porte não autorizado de arma de fogo, desobediência, falsa identidade dentre vários outros.

Sustenta que divergências doutrinárias vêm ocorrendo acerca da aplicação da Lei nº 10.259 – em especial do novo conceito de infração penal estabelecido no art. 2º - perante os Juizados Especiais Criminais Estaduais.

Pede, ao final, seja proposta ação direta perante o Supremo Tribunal Federal para que se declare a constitucionalidade ou a inconstitucionalidade do parágrafo único, do art. 2º, e do art. 20 da Lei nº 10.259/01.

É o breve relatório.

Em que pese os sólidos argumentos trazidos pelo ilustre Procurador-Geral de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, não vislumbro, data venia, a possibilidade de se argüir em sede de controle concentrado, a constitucionalidade ou a inconstitucionalidade do parágrafo único, do art. 2º, e do art. 20 da Lei nº 10.259/01.

É que, apoiado em expressiva parte da doutrina, entendo que a questão se resume confronto intertemporal de leis, e não propriamente de confronto da lei nova (Lei nº 10.259/01) em face da Constituição, a ensejar controle de constitucionalidade.

Com efeito, me parece que a lei que institui os Juizados Especiais Federais, ao definir o que se entende por infração de menor potencial ofensivo em seu art. 2º, ampliou esse conceito, de modo a torná-lo aplicável igualmente aos Juizados Especiais Criminais Estaduais.

Não se pode admitir que o autor de delito de competência da Justiça Federal tenha tratamento privilegiado – vg seja admissível a transação penal – em detrimento de autor que pratica crime da competência da Justiça Estadual. Um bom exemplo é aquele trazido por LUIZ FLÁVIO GOMES:

"Não se pode admitir o disparate de um desacato contra policial federal ser infração de menor potencial ofensivo (com todas as medidas despenalizadoras respectivas) e a mesma conduta praticada contra um policial militar (ou civil) não o ser. Não existe diferença valorativa dos bens jurídicos envolvidos. O valor do bem e a intensidaade do ataque é a mesma. Fatos iguais, tratamento isonômico." (fls. 48)

Nos parece não haver dúvida de que o novo conceito de infração penal de menor potencial ofensivo tem aplicação imediata aos crimes de competência da Justiça Estadual, sob pena de ofensa aos princípios constitucionais da isonomia e da proporcionalidade. Esta parece ser a orientação da maior parte da doutrina especializada. DAMÁSIO E. DE JESUS entende que "o parágrafo único do art. 2º da Lei nº 10.259/2001 derrogou o art. 61 da Lei dos Juizados Especiais Criminais (Lei nº 9099/95). Em conseqüência, sejam da competência da Justiça Comum ou Federal, devem ser considerados delitos de menor potencial ofensivo aqueles a que a lei comine, no máximo, pena detentiva não superior a dois anos, ou multa".

Vale, ainda, destacar trabalhos doutrinários acerca do tema em debate:

"Juizados Especiais Criminais

MARIANA DE SOUZA LIMA LAUAND e ROBERTO PODVAL

A recente Lei nº 10.259, de 16 de julho de 2001, que dispõe sobre a instituição dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais no âmbito da Justiça Federal, introduz drástica inovação ao conceito de infração de menor potencial ofensivo, estabelecido no art. 61 da Lei nº 9.099/95. Com efeito, nos Juizados Especiais Criminais Federais, são considerados de menor potencial ofensivo os delitos a que a lei comine pena máxima não superior a dois anos, e não mais somente a um. Ora, restringir a aplicação do novo artigo às infrações penais de competência da Justiça Federal Comum é inconcebível. Admitir tal situação levaria a absurdos jurídicos como, por exemplo, aplicar os benefícios da Lei nº 9.099/95 a indivíduo que desacatasse policial federal, e vedá-los quando o desacato fosse cometido contra policial militar. Isto porque, no primeiro caso, a competência para julgamento de eventual ação penal seria da Justiça Federal, por força do art. 109, IV, da Constituição Federal, e, no segundo, da Justiça Estadual. Como a infração penal prevista no art. 331 do Código Penal tem como pena máxima cominada a de 2 (dois) anos de detenção, somente seria a infração considerada de menor potencial ofensivo perante o juízo federal, o que é, obviamente, um contra-senso. A mesma situação verificar-se-ia com relação aos delitos de usurpação de função pública e resistência, capitulados nos artigos 328 e 329 do Código Penal, respectivamente. Ora, permitir que o autor de um delito de competência da Justiça Federal tenha tratamento privilegiado, em detrimento daquele que pratica crime que deverá ser apreciado pelo juízo estadual, é grave afronta ao princípio da isonomia, insculpido no caput do art. 5º da Constituição Federal. O mesmo entendimento, aliás, é desposado pelo jurista Jefferson Ninno, em comentários tecidos sobre o artigo em exame: "É evidente que esta maior abrangência terá forçosamente de repercutir em relação ao art. 61 da Lei nº 9.099/95. Não haveria razão lógica alguma que considerasse cabível essa quantidade máxima, no que tange à Justiça Federal e que a reduzisse pela metade, no que se refere a Justiça estadual. Tal posicionamento lesaria, sem dúvida, o princípio constitucional da igualdade (...) A igualdade constitucionalmente garantida é a que proíbe ‘as diferenciações de tratamento sem fundamento material bastante, que o mesmo é dizer sem qualquer justificação razoável, segundo os critérios do valor objetivo constitucionalmente relevantes. Proíbe a discriminação, ou seja, as diferenciações fundadas em categorias meramente subjetivas’ (J.J. Gomes Canotilho, ‘Direito Constitucional’, p. 577, 1991)" (NINNO, Jefferson, "Comentários ao Código Brasileiro de Trânsito"). Com efeito, a garantia de tratamento igual para os iguais e desigual para os desiguais é um dos pilares do moderno Estado Democrático de Direito. Sempre que, para situações fáticas idênticas, sejam adotadas soluções claramente discriminatórias, violado está o princípio da isonomia, bem como a própria ordem constitucional vigente. Neste sentido, a igualdade assegurada pela Constituição Federal "identifica-se com uma ''proibição de arbítrio'', quer dizer, com uma ''proibição de medidas manifestamente desproporcionais ou inadequadas, por um lado, à ordem constitucional dos valores e, por outro, à situação fática que se pretende regulamentar ou ao problema que se deseja decidir''" (CARVALHO, Américo A. Taipa de. "Sucessão de Leis Penais". Coimbra: Coimbra Editora, 1990, p. 198).A não ser que haja um critério objetivo de discrímen, ou seja, uma razão muito valiosa e em consonância com o texto constitucional para desequiparar duas classes de indivíduos, e que este fator diferencial guarde pertinência lógica com a inclusão ou exclusão no benefício concedido, fato é que restará lesionado o princípio fundamental da igualdade. É o que nos ensina Celso Antônio Bandeira de Mello, ao comentar os critérios para a identificação do desrespeito à isonomia: "É inadmissível, perante a isonomia, discriminar pessoas, ou situações ou coisas (o que resulta, em última instância, na discriminação de pessoas) mediante traço diferencial que não seja nelas mesmas residentes. Por isso, são incabíveis regimes diferentes determinados em vista de fator alheio a elas; quer-se dizer: que não seja extraído delas mesmas. Em outras palavras: um fator neutro em relação às situações, coisas ou pessoas diferenciadas é inidôneo para distingui-las. Então, não pode ser deferido aos magistrados ou aos advogados ou aos médicos que habitem em determinada região do País - só por isto - um tratamento mais favorável ou mais desfavorável juridicamente. Em suma, discriminação alguma pode ser feita entre eles, simplesmente em razão da área espacial em que estejam sediados" (in "O Conteúdo Jurídico do Princípio da Igualdade". São Paulo: Malheiros, 1994, pp. 29/30). Ora, evidente que o critério adotado pelo legislador da Lei nº 10.259/01 para diminuição da pena máxima das infrações de menor potencial ofensivo de competência da Justiça Federal nada tem de razoável. Nenhuma diferença de cunho objetivo existe entre a conduta de um indivíduo que desacata um policial civil e a de alguém que pratica o ato contra um policial federal, sendo certo que a simples existência de regra de competência não é apta a justificar um tratamento jurídico mais favorável àquele último.As atribuições da Justiça Federal estão traçadas no art. 109 da Carta Magna, sendo que, em linhas gerais, serão de sua competência todas as causas em que a União, suas entidades autárquicas ou empresas públicas possuam algum interesse. Nem sequer faz a mesma parte da chamada "justiça especial", seguindo em seus procedimentos os ditames dos Códigos Penal e de Processo Penal, nos exatos moldes da Justiça Estadual. Deste modo, temos que os delitos apreciados por ambas as justiças tutelam o mesmo bem jurídico, divergindo a competência para o julgamento tão somente em virtude de um aspecto específico da causa petendi. E em se tratando de normas penais que protegem exatamente o mesmo bem jurídico, dúvidas não há de que merecem tratamento jurídico idêntico. Senão, vejamos. É sabido que não se concebe a existência de uma conduta típica que não afete um determinado bem juridicamente tutelado, elemento que desempenha papel fundamental na teoria do tipo penal. Não se pode jamais prescindir de sua análise, sob pena de se construir um direito penal arbitrário e baseado no capricho do legislador.Sobre o tema, bem assevera Eugenio Raul Zaffaroni, ao discutir as funções do estudo do bem jurídico penalmente tutelado no Estado Democrático de Direito: "El bien jurídico cumple dos funciones, que son dos razones fundamentales por las que no podemos prescindir del mismo: a) una función garantizadora, que surge del art. 19, CN y que impide que haya tipos sin bienes jurídicos afectados; b) una función teleológico-sistemática, que da sentido a la prohibición manifestada en el tipo y la limita. Ambas funciones son necesarias para que el derecho penal se mantenga dentro de los límites de la racionalidad de los actos de gobierno, impuestos por el principio republicano (art. 1.º Constitución Nacional)" ("Manual de Derecho Penal - Parte General". Buenos Aires: Ediar, 1991, p. 393).Conclui-se, portanto, que não há crime sem lesão a um bem juridicamente tutelado. Do mesmo modo, duas ofensas a um mesmo bem somente podem merecer tratamento jurídico-penal diferenciado de acordo com a maior ou menor intensidade da ofensa, ou com a maior ou menor culpabilidade do agente. Caso contrário, é inadmissível que duas violações, de igual intensidade, a um mesmo bem jurídico, perpetradas por agentes distintos, porém em idênticas condições, possam ser tratadas de maneira distinta pelo legislador. E é justamente isto o que acontece quando o legislador pátrio altera o conceito de infração de menor potencial ofensivo no âmbito da Justiça Federal. Ao fazê-lo, estabelece uma distinção materialmente infundada entre situações iguais, isto é, entre delitos com pena idêntica e que tutelam o mesmo bem jurídico, tendo como única diferença o juízo no qual serão deduzidas as pretensões punitivas, devido a um particular interesse da União na causa.Por todo o exposto, forçoso é concluir que a única solução possível para este impasse, compatível com as garantias fundamentais previstas no texto constitucional, é considerar que o parágrafo único do art. 2º da Lei nº 10.259/01 derrogou o art. 61 da Lei nº 9.099/95 no que tange à definição das infrações de menor potencial ofensivo. Deste modo, passarão a tramitar no Juizado Especial Criminal todas as infrações a que a lei comine pena máxima não superior a dois anos, sejam de competência do juízo federal, sejam de competência do juízo estadual.Com efeito, como as Leis nº 10.259/01 e nº 9.099/95 são ambas federais, e portanto de igual hierarquia, e não pode ser considerada a primeira uma lei especial, sob pena de violação do princípio da isonomia, derrogado está o art. 61 da Lei nº 9.099/95 pelo parágrafo único do art. 2º da Lei nº 10.259/01, uma vez que, consoante disposição do art. 2º, § 1º, do Código Civil, a lei posterior derroga a anterior (lex posterior derrogat priori). Doravante aplica-se a Lei nº 9.099/95 aos "...crimes a que lei comine pena máxima não superior a dois anos ou multa", nos termos do parágrafo único do art. 2º da Lei nº 10.259/01. In Boletim do IBCCrim nº 107, outubro de 2001.

"Nova Competência dos Juizados Criminais e Seus Reflexos Práticos" Luiz Flávio Gomes

No dia 13 de janeiro de 2002, entra em vigor a Lei nº 10.259/01, que instituiu os Juizados Especiais no âmbito da Justiça Federal. O novo conceito de infração de menor potencial ofensivo ("crimes a que a lei comine pena máxima não superior a dois anos, ou multa" - art. 2º, parágrafo único do citado diploma legal), em razão do princípio constitucional da igualdade (ou do tratamento isonômico), vale também para os Juizados Especiais Estaduais (cf. no site ibccrim.com.br - opiniões sobre temas polêmicos - inúmeros artigos nesse sentido).

Sobre essa interpretação ampliativa (da competência dos Juizados Criminais Estaduais) está havendo (praticamente) consenso nacional. O novo método do Direito (inclusive o penal), que é o da ponderação (decorrente da aplicação do princípio da proporcionalidade), está sepultando o falecido método formalista e legalista obtuso.

Preocupados com os reflexos práticos de tudo isso, o Tribunal de Justiça, Escola da Magistratura e Conselho dos Juizados do Rio de Janeiro, numa feliz, prudente e sábia iniciativa, reuniu mais de uma centena de juízes no último dia 30.11.01, exatamente para discutir tanto os aspectos jurídicos controvertidos da Lei nº 10.259/01 como sua operacionalidade. Ao lado do desembargador Álvaro Mayrink da Costa tive a honra de participar dos trabalhos e oferecer algumas idéias para o debate.

Em nossa opinião (e desde logo admitindo-se a derrogação do art. 61 da Lei nº 9.099/95) são infrações de menor potencial ofensivo doravante: (a) todas as contravenções penais; (b) todos os delitos punidos com pena de prisão até dois anos; (c) todas as infrações punidas somente com multa.
Caiu a restrição que se fazia em relação aos procedimentos especiais no art. 61 citado. Logo, já não importa se o crime (punido até dois anos) tem ou não tem procedimento especial: todos, até esse limite, são de menor potencial ofensivo.

E qual seria a mais razoável interpretação da locução "crime punido até dois anos, ou multa"? Não pode haver a exegese mais literal no sentido de que a cominação da pena faça referência concomitantemente à "prisão até dois, ou multa". Conseqüentemente, salvo melhor juízo, o mais razoável é interpretá-la da seguinte forma: (a) todos os delitos punidos com prisão até dois anos são de menor potencial ofensivo; (b) do mesmo modo, todas as infrações penais punidas tão-somente com multa também o são. Houve impropriedade técnica da Lei nº 10.259/01 ao mencionar "crimes punidos somente com multa". Isso não existe (ou, no nosso ordenamento jurídico, não pode existir). Por força do art. 1º da Lei de Introdução ao Código Penal, infração punida tão-somente com multa é contravenção penal (não delito).

Indaga-se: os incontáveis crimes punidos com pena de prisão "superior a dois anos, ou multa" (cf. v.g., arts. 6º e 7º da Lei nº 8.137/90) seriam também de menor potencial ofensivo? Sempre respeitando posicionamentos contrários, penso que não. É que para os efeitos de se saber o que se entende por infração de menor potencial ofensivo o critério legislativo sempre foi o da pena máxima cominada (antes um ano; agora dois anos), não o da pena mínima (que vale, como sabemos, para a suspensão condicional do processo).

Recorde-se que para se descobrir a pena máxima de um delito devemos, quando o caso, levar em conta as causas de aumento de pena (trabalhando com o limite máximo) assim como as causas de diminuição (dando aplicação ao redutor mínimo: por exemplo, um terço na tentativa).
A Lei nº 10.259/01, ampliando o conceito de infração penal de menor potencial ofensivo e, nesse ponto, sendo mais benéfica, é retroativa. Aplica-se a todas as infrações ocorridas antes da sua vigência. Incide também em favor daqueles que obtiveram suspensão condicional do processo, se concretamente for mais benéfica.

Os crimes mais comuns que passam para a competência dos Juizados Criminais são: porte de droga para uso próprio (art. 16 da Lei de Tóxicos), porte ilegal de arma de fogo (de uso permitido) (art. 10 da Lei nº 9.437/97), lesão corporal no trânsito (art. 303 do CTB), desacato etc.
Doravante, em todas essas infrações, não há que se falar em inquérito policial, senão em termo circunstanciado. De outro lado, ainda que o autor do fato seja capturado em flagrante cometendo a infração, não se lavra o auto de prisão respectivo, continuando o capturado, após a lavratura do termo, em liberdade (independentemente de fiança ou qualquer outra restrição), salvo se ele se recusa a comparecer em Juízo. O juiz do plano marca a audiência de conciliação. É possível tanto a composição civil (art. 74 da Lei nº 9.099/95) como a transação penal. No caso de lesão corporal incide a exigência de representação da vítima (art. 89). Particularmente, no que concerne à posse de droga para uso próprio (art. 16 da Lei de Tóxicos), é muito correta a não incidência da pena de prisão. Serão aplicadas, doravante, exclusivamente, penas alternativas (desde que o autor do fato preencha todos os requisitos legais).

Duas tendências possíveis nesse setor: (a) Justiça terapêutica (de cunho norte-americano), que propugna pela tolerância zero e abstinência total, aplicando-se (quase que compulsoriamente) a sanção de tratamento ambulatorial; (b) política de redução de dados (posição européia), que distingue claramente o usuário ocasional, o usuário dependente, o traficante, sendo que o primeiro não necessita de nenhum tratamento enquanto o segundo somente fará tratamento se houver consenso. Temos nos posicionado em favor da segunda corrente que, para além de respeitar a dignidade humana e o direito de ser diferente, é muito mais sensata e razoável. Por razões de espaço, temas palpitantes como aplicação do novo conceito de infrações de menor potencial ofensivo no âmbito da Justiça Militar, conseqüências do descumprimento da transação penal, recusa da proposta da transação penal, proposta de transação penal privada, exceção da verdade nos crimes contra a honra, "confisco" da arma de fogo no momento da transação penal, pena de demissão nos crimes de abuso de autoridade etc. não podem ser aqui tratados. Remeto, por conseguinte, o estimado leitor para nossos cursos pela Internet (www.estudoscriminais.com.br) onde procuramos desenvolver com detalhes todas as matérias polêmicas envolvendo a Justiça Criminal consensuada em nosso País, particularmente a questão da nova e ampliada competência." In Informativo IBCCrim - nº 110, Janeiro/2002

Portanto, o novo conceito de infração penal de menor potencial ofensivo é constitucional e revoga aquele anterior do art. 61 da Lei nº 9.099/95, passando a valer como conceito único tanto no âmbito federal como no âmbito estadual. Assim, a Lei nº 10.259/2001 é a lex mitior que passa a considerar infração penal de menor potencial ofensivo, em todo o sistema vigente, os crimes punidos com pena máxima igual ou inferior a dois anos. É uma opção do legislador federal, que editou ambos os atos normativos, constituindo medida de política despenalizadora.

Também não se poderia sustentar a inaplicabilidade da Lei n˚ 10.259/01 – neste ponto – no âmbito dos juizados especiais estaduais, sob o argumento de que cada lei deve reger, de forma exclusiva, o juizado para qual foi destinada. Como se sabe, institutos trazidos pela Lei 9.099/95 – como a suspensão condicional do processo por exemplo – já são aplicados há muito tempo no âmbito da justiça federal, eleitoral e até mesmo o âmbito das ações penais originárias no STJ e no STF. Como se vê é possível a coexistência de ambos os diplomas legais, devendo ter aplicação em qualquer juizado especial, quer federal, quer estadual, princípios e institutos que de algum modo favoreçam ao réu em harmonia com o disposto o art. 5º, XL, da Constituição Federal.

Por outro lado, nos parece que a parte final do art. 20 tem aplicação restrita à interpretação do próprio artigo legal, na medida em que externa a vontade do legislador em que sejam propostas ações no Juizado Especial Federal mais próximo, sempre que não existirem Varas Federais no município do requerente.

Por último, cabe evidenciar que não é cabível o ajuizamento de ação declaratória de constitucionalidade, pois, a representação não está instruída com peças que comprovem a existência de controvérsia judicial relevante sobre a aplicação dos dispositivos ora impugnados, requisito esse essencial ao conhecimento da ação (Lei nº 9.868/99, art. 14, III).

Ante o exposto, determino o arquivamento da presente representação.

Oficie-se o eminente Procurador-Geral de Justiça do Estado do Rio de Janeiro para conhecimento desta decisão.

Brasília, 18 de fevereiro de 2002.

GERALDO BRINDEIRO

PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA

ANEXO V

Recurso em Sentido Estrito interposto pelo Ministério Público

Recorrente: Ministério Público

Recorrido: RONALDO LUIZ PINTO

Comarca de São Paulo/Pinheiros – 2ª V.Cr. - Proc. nº 01/021932

Egrégio Tribunal de Alçada Criminal

Colenda Câmara

1. Trata-se de recurso em sentido estrito interposto pelo Ministério Público contra a r. decisão de fls. 37/39 que rejeitou a denúncia oferecida contra o recorrido, por incurso no art. 10, da Lei 9.437/99.

2. Recurso tempestivo. Razões as fls. 43/52. Sem contra-razões. Despacho de sustentação a fls. 54/56.

O Apelado foi denunciado pela prática do crime de porte ilegal de arma porque, nas circunstâncias descritas na exordial acusatória, trazia consigo, sem autorização legal, o revólver ali identificado. Entendendo tratar-se de infração penal de menor potencial ofensivo, a teor do disposto no par. único do art. 2º da Lei 10.259/01, e, portanto, prematura a denúncia porque não precedida da fase preliminar de que cuida a Lei 9.099/95, o MM. Juiz a quo rejeitou-a com fundamento no art. 43, inciso III, do Código de Processo Penal.

Dessa decisão é que recorre o Dr. Promotor de Justiça pleiteando a sua reforma para ser recebida a inicial, ao argumento de que a infração em tela não se inclui entre as de menor potencial ofensivo em vista de ser apenada com detenção e multa, extrapolando, assim, o parâmetro estabelecido no par. único do art. 2º da Lei 10.259/01. O denunciado não foi intimado para apresentar contra-razões, entendendo o MM. Juiz a quo que nessa fase do processo não cabe sua manifestação.

3. O apelo merece acolhida.

Discute-se a aplicação da Lei 10.259, de 12 de julho de 2001 no âmbito dos Juizados Especiais Criminais Estaduais, especialmente o disposto no § 2º do art. 2º que ampliou o conceito de infração penal de menor potencial ofensivo fixado no art. 61, da Lei 9.099/95.

Em breve digressão, a Constituição Federal de 1988 dispôs em seu art. 98, que a União, no Distrito Federal e nos Territórios, e os Estados criarão juizados especiais, no que interessa aqui, para o julgamento e a execução de infrações penais de menor potencial ofensivo mediante os procedimentos oral e sumaríssimo, permitidos, nas hipóteses previstas em lei, a transação e o julgamento de recursos por turmas de juízes de primeiro grau. O legislador constituinte não conceituou "infrações penais de menor potencial ofensivo", o que foi feito pelo artigo 61, da Lei Federal nº 9.099/95, que criou os Juizados Especiais em cumprimento à determinação constitucional.

Posteriormente, pela Emenda Constitucional n. 22, de 18 de março de 1999, foi acrescentado parágrafo único ao artigo 98 da CF, estabelecendo que lei federal disporá sobre a criação de juizados especiais no âmbito da Justiça Federal. Para cumprir o mandamento constitucional foi editada a Lei 10.259, de 12 de julho de 2001, que entrou em vigência seis meses após a sua publicação.

Com a nova Lei instalou-se dúvida sobre o seu alcance, mormente quanto ao conceito de infração de menor potencial ofensivo, matéria prima dos Juizados Especiais Criminais, isso quando já se pacificavam entendimentos a respeito da Lei 9.099/95.

Penso que a Lei 10.259/01 tem aplicação exclusiva ao Juizado Especial Federal, não alcançando os Estaduais e, por isso, não modificou o conceito de crime de menor potencial ofensivo no âmbito destes últimos, permanecendo íntegro o artigo 61 da Lei 9.099/95. E assim o faço por vários motivos, a seguir esmiuçados.

Inconstitucionalidade da Lei 10.259/01 – Conforme demonstra o eminente Professor e Promotor de Justiça do Rio de Janeiro Paulo Sérgio do Nascimento Rangel no seu livro "Direito Processual Penal", RJ, ed. Lumens Juri, 2001, em atualização a ser editada, dois pontos evidenciam a inconstitucionalidade da referida Lei, impedindo, assim, a sua aplicação no âmbito dos Juizados Especiais Estaduais.

Primeiro, o legislador ordinário foi além do permitido pela Emenda Constitucional. Ao estabelecer que lei federal disporá sobre a criação do juizado no âmbito da Justiça Federal, o parágrafo único do artigo 98 limitou a atuação do legislador ordinário à simples criação do juizado. Assim, qualquer acréscimo a essa autorização esbarra na limitação do dispositivo constitucional. Como o parágrafo não pode ser interpretado isoladamente, dissociado da cabeça, o mencionado dispositivo deve ser lido assim: "observado o disposto no caput, lei federal disporá sobre a criação do juizado especial". Isto porque as regras do juizado, inclusive o conceito de infração de menor potencial ofensivo, já estavam estabelecidos na Lei editada em cumprimento ao comando do art. 98, caput (Lei 9.099/95).

Sintomática a exposição de motivos do projeto de emenda constitucional que culminou com a EC nº 22/99 "A criação dos juizados especiais há de ter peculiar significado também no âmbito criminal, permitindo que a Justiça Federal institua os juizados especiais criminais para os crimes de menor potencial ofensivo, já que muitos dos crimes de competência da Justiça Federal têm pena máxima não superior a um ano (limite utilizado pelo legislador ordinário para conferir a competência dos juizados especiais criminais), como se pode comprovar em rápido levantamento." - grifei

Segundo, embora não se negue ao legislador o poder de modificar as leis, deve ele obedecer às regras estabelecidas na Lei Complementar Federal nº 95/98, alterada pela Lei Complementar nº 107/01, que traça os lineamentos para a elaboração, redação, alteração e consolidação das leis e, prevê, no seu art. 9º, que a cláusula de revogação deverá enumerar, expressamente, as leis ou disposições legais revogadas. Ora, a Lei em comento não contém cláusula de revogação; logo, por ofender norma complementar à Constituição, como ensina o citado Professor no trabalho ainda não publicado, calcado na doutrina de renomados constitucionalistas, ofende a própria Constituição.

Diz-se que o apontado vício não tem a força que se pretende. Se assim é, ao menos permite interpretação de que, se o legislador tivesse a intenção de modificar o art. 61 da Lei 9.099/95, deveria tê-lo feito expressamente, como determina a Lei Comp. nº 95/98 em seu art. 12. Não o tendo feito, de se entender que, efetivamente, não teve a vontade direcionada para a alteração do conceito de infração de menor potencial ofensivo para os Juizados Estaduais, senão, apenas de firmá-lo com maior amplitude para os Juizados Federais.

Da especialidade da Lei 10.259/01 – Se for entendido, de modo diverso, que a nova Lei não ofende a Constituição, ou, ainda que o faça, não tem essa ofensa o alcance referido, e já adentrando no confronto entre os dois conceitos de infração de menor potencial ofensivo, é de se concluir que a Lei 10.259/01 foi editada com o fim específico de criar o Juizado Especial no âmbito da Justiça Federal, tendo aplicação apenas naquela esfera, sem interferir na Lei 9.099/95. Tanto isso é certo que já no artigo 1º determina a Lei que aos Juizados Cíveis e Criminais da Justiça Federal aplica-se, no que não conflitar com a presente Lei, o disposto na Lei 9.099, de 26 de setembro de 1995. Vale dizer, o Juizado Federal obedece às disposições desta última Lei, salvo naquilo que não estiver em conflito com a própria Lei 10.259/01 que, observando as peculiaridades da Justiça Federal, fez pequenas modificações no regramento da Lei 9.099/95.

E o parágrafo segundo da Lei 10.259/01 fixando a competência do Juizado Especial Criminal Federal, em lugar de manter o conceito de infração penal de menor potencial ofensivo estabelecido no art. 61, da Lei 9.099/905, deu nova conceituação para alcançar os crimes a que a lei comine pena máxima não superior a dois anos, ou multa. Fê-lo, entretanto, com a ressalva de que esse conceito se considera "para os efeitos desta Lei". Vale dizer, da Lei nº 10.259/01.

Esta a conclusão a que chegaram os dignos Promotores de Justiça de São Paulo Jorge Assaf Maluly e Pedro Henrique Demercian, em artigo divulgado no site do Centro de Apoio Operacional às Promotorias de Justiça Criminais do Ministério Público de São Paulo, com o acréscimo de que "a própria Constituição Federal distingue, claramente, para fins de instituição dos Juizados Especiais, as Justiças Estadual e Federal".

No mesmo sentido a lição de Maria Cristina Faria Magalhães, Promotora de Justiça do Rio de Janeiro, em artigo extraído do mesmo site:

"O parágrafo único do art. 2º da Lei 10.259/2001 ao definir os crimes de menor potencial ofensivo o fez exclusivamente para os efeitos desta lei, e assim o diz expressamente. Em nenhum momento, a lei previu a aplicação desta definição fora do âmbito dos Juizados Especiais Criminais Federais."

"Não se presumem, na lei, palavras inúteis, já dizia o brocardo Verba cum effectu sunt accipienda. Sutherland, citado por Carlos Maximiliano, já sustentava que "As expressões de Direito interpretam-se de modo que não resultem frases sem significação real, vocábulos supérfluos, ociosos, inúteis". Portanto, não podemos deixar de atribuir sentido à restrição prevista pelo dispositivo supra citado ao se referir que a definição de crimes de menor potencial ofensivo ali regulada é somente para os efeitos desta lei."

A Egrégia Procuradoria-Geral de Justiça do Estado de São Paulo, chamada a se manifestar nos termos do art. 28, do CPP, em processo referente a porte ilegal de arma (Pt. Protocolado nº 17.471/02 - Artigo 28 do CPP Processo nº 450-6/01 - 3ª Vara Criminal do Foro Regional de Santana), por decisão publicada no Diário Oficial do Estado de 12.03.2002, também entendeu que a Lei 10.259/01 não tem aplicação no Juizado Especial Criminal Estadual. Do despacho, destaco o seguinte trecho:

"A própria Constituição Federal distingue, claramente, para fins de instituição dos Juizados Especiais, as Justiças Estadual e Federal. Nossa Carta Política, originariamente, nem sequer admitia a transação penal ou o procedimento sumaríssimo na Justiça Federal (art. 98, caput), tanto que foi necessária a edição da Emenda Constitucional nº 22, de 18 de março de 1999, dispondo expressamente sobre a criação dos juizados no âmbito da Justiça Federal (cf. parágrafo único do art. 98). Em outras palavras, a Constituição Federal sempre considerou que os Juizados Especiais deveriam ser tratados nos âmbitos Estadual e Federal distintamente, com regras que atendessem as respectivas peculiaridades. Além disso, o próprio legislador, preocupado com os reflexos da Lei nº 10.259/01, deixou claro que o conceito das infrações de menor potencial ofensivo, previsto no parágrafo único do art. 2º, aplicar-se-ia, tão-somente, no âmbito da Justiça Federal, ao utilizar a expressão "para os efeitos desta Lei" e, mais a frente, ao vedar expressamente a aplicação da nova lei à Justiça Estadual (cf. art. 20, parte final) e, como se sabe, a lei não contém termos ou expressões inúteis.

A ampliação do conceito de infração penal de menor potencial ofensivo é defensável apenas de lege ferenda e não em conflito com a regra editada pelo Poder Legislativo. Essa escolha é política, e não jurídica, dependendo muito mais da vontade do governo do que de um pronunciamento do Poder Judiciário, que não pode atuar como legislador positivo, encontrando-se, assim, impossibilidade de estender benefícios a quem acredita ter sido inconstitucionalmente excluído, sob pena de grave ofensa ao postulado constitucional da separação dos Poderes. Com efeito, a orientação que admite a extensão para a esfera da Justiça Estadual do conceito de infração penal de menor potencial ofensivo, fixado no art. 2º, parágrafo único, da Lei nº 10.259/01, - originalmente estabelecido, tão-somente, para o âmbito da Justiça Federal, modifica o sistema da lei pela alteração do seu sentido e faz com que o intérprete se substitua ao legislador - papel que este se recusa a assumir o Supremo Tribunal Federal, por fidelidade à imagem de mero "legislador negativo", criada por KELSEN (cf. La garanzia giurisdizionale della costituzione: La giustizia costituzionale, in "La giustizia costituzionale", Milano, Giuffrè, 1981, pp. 173 e seguintes, e Il controlo di costituzionalità delle leggi. Studio comparato delle costituzioni austríaca e americana", in idem, p. 300). De fato, o Supremo Tribunal Federal, em casos semelhantes, tem considerado inadmissível que, "mediante subtração artificiosa" de um dispositivo (ou de sua parte), se produza "inversão clara do sentido da lei" (cf. voto do Ministro SEPÚLVEDA PERTENTE na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1.822-4, rel. Ministro MOREIRA ALVES, DJU de 10/12/99). No mesmo sentido: STF, Representação de Inconstitucionalidade nº 1.417-7/DF, j. 09/12/1987, RT CDCCP 02:315-332; Mandado de Segurança nº 23.809-DF, DJU 11/12/00; Habeas Corpus nº 76.543, Primeira Turma, DJU de 17/04/98.

Outra não é a lição da jurisprudência, nas primeiras decisões sobre a questão.

O eminente Juiz Ricardo Dip dessa Colenda Corte, em voto proferido no HC nº 398.760-7, acolhido por unanimidade pela Turma Julgadora da 11ª Câmara, em 25.02.2002, afirmou:

"Não custa um registro adicional, que afaste a interpretação extensiva com feitos derrogadores da norma do par. ún., art. 2°, da Lei 10.259/01, de 12-7. Não se pode, em princípio, trasladar uma regra, cujo teor se restringe, expressamente, aos efeitos próprios de uma determinada lei, para repercutir sobre efeitos de outra lei. Impende, em cada caso, investigar se o legislador desejou estender um dado tratamento a hipóteses assimiláveis ou se, antes, ao especificar, de modo explicito, um significado normativo, almejou com isso afastar da restrita esfera especial hipóteses somente aproximáveis dela. Nesse quadro, bem se poderia invocar o aforismo qui dicit de uno, negat de altero.

Na espécie sob exame, se o legislador penal, às expressas, diz que o ilícito de menor potencial ofensivo, para os efeitos de uma dada lei (no caso, a Lei 10.259/01, de 12-7), é aquele para o qual se estatui pena máxima cominada não-superior a dois anos (ou multa), não se pode, simpliciter, estender essa previsão para derrogar, com apoio em preceito específico, situações de outra lei que não se acham indicadas pela nova normativa.

Exceptio firmat regulam - consagrou um brocardo célebre - in casibus non exceptibus. Se o legislador da Lei 10.259/01 quisesse modificar integralmente o conceito de "infração de menor potencial ofensivo", teria omitido a singular nota exceptiva que se acha nos termos "para os efeitos desta Lei", palavras inseridas na regra do par. un. do art. 2° da referida Lei 10.259, robustecidas no art. 20 do mesmo Diploma normativo. Mas, ao exprimir-se dessa forma, indicou o legislador penal o caráter exceptivo da nova regulativa. E o que excepciona, como visto, não modifica o que consta do direito comum.

O que surpreende, ao fim, é o fato de que certa doutrina cogite de uma aplicação analógica da regra inscrita no par. un., art. 2°, da Lei 10.259/01, não para regular uma situação lacunosa mas para derrogar outra regra jurídica de direito. Ora, sem controverter - num tema que não é isento de dúvida - sobre a admissibilidade genérica da analogia in bonam partem no Direito Penal material, começa-se por observar que a circunstância de decidir-se, concretamente, sobre a pertinência de uma dada aplicação analógica - e não apenas sobre sua admissibilidade - exige um argumento de fundo, que não se satisfaz com a exclusiva motivação da favorabilidade de um preceito. Bastaria averbar, nesse campo, que o argumento de analogia - seja a pari, seja a fortiori - tem exatamente como contrapartida "formal" o argumento a contrario sensu.

Sem lacunaridade regulativa de tema para a qual se possa transportar, a analogia é formalmente inviável. Por definição, a analogia supõe a lacunosidade, e, no caso sub examine, longe de faltar, a Lei 9.099/95, de 26-9, prevê expressamente a figura do ilícito de pequeno potencial ofensivo (art. 61).

Da mesma forma esse foi o posicionamento manifestado pela primeira decisão do Conselho Recursal dos Juizados Cíveis e Criminais do Rio de Janeiro, cujo voto, do eminente Juiz relator Antonio Carlos Nascimento Amado, coincidentemente proferido na mesma data (25.02.2002), foi acolhido por unanimidade. Referindo-se à Lei 10.259/01, afirmou o ilustre relator: "Trata-se de lei nova, especial, que estabelece condições paralelas a Lei 9.099/95, que por isso não a revogou quanto aos Juizados Especiais Estaduais (art. 2º, parágrafo 2º da Lei de Introdução ao Código Civil)"

Não se aplica, pois, a regra estabelecida no § 1º do art. 2º da Lei de Introdução, segundo o qual lei posterior revoga a anterior quando com ela seja incompatível. Tratando-se de lei especial tem incidência a regra firmada no parágrafo segundo, acima transcrito.

De outro lado, conforme lembrado pelo Prof. Paulo Rangel, no trabalho supra referido, a doutrina estabelece distinção entre Lei Federal e Lei Nacional, esclarecendo que "Qualifica-se lei federal a lei criada por iniciativa da União. Ela disciplina interesses federais, diferentemente da lei nacional, que dispõe não só sobre interesses federais, mas também a respeito dos interesses estaduais e locais." ("Consituição Federal Anotada" Uadi Lammêgo Bulos, Saraiva, 2ª ed.,2001, p. 858). Neste ponto, a Lei 9.099/95 é lei nacional e a Lei 10.259/01 é lei federal, de aplicação exclusiva no âmbito da Justiça Federal.

Em suma, a Lei 10.259/01 é norma especial, de aplicação restrita, não tendo o condão de alterar a norma geral contida no artigo 61 da Lei 9.099/95.

O artigo 20, da Lei 10.259/01 – Dispõe referido artigo, que "Onde não houver Vara Federal, a causa poderá ser proposta no Juizado Especial Federal mais próximo do foro definido no art. 4º da Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995, vedada a aplicação desta Lei no juízo estadual."

Embora os defensores da inaplicabilidade do novo conceito de infração penal de menor potencial ofensivo venham citando referido dispositivo como proibidor da sua extensão aos Juizados Estaduais, até pela clareza da sua parte final, com todo o respeito, não o vejo como aplicável à esfera criminal.

A Lei 10.259, de 14 de julho de 2001 que instituiu os Juizados Federais, cuida basicamente do Juizado Cível, reservando apenas três artigos ao Juizado Criminal. Nesse passo, o art. 20 trata de situação específica, destinada ao Juízo Cível, tanto que menciona o art. 4º da Lei 9.099/95 que cuida dessa matéria.

A ressalva era necessária para deixar explícito que não se aplica a Lei do Juizado Especial Federal no juízo estadual em face do disposto no § 3º do art. 109 da CF que permite, em determinados casos, especialmente nas ações previdenciárias, a propositura de ação de interesse da União na Justiça Estadual onde não houver Vara Federal. Assim, o mencionado artigo dirige-se apenas ao Juizado Cível, não se estendendo ao Juizado Criminal.

É verdade, porém, que ele desvela a intenção do legislador de não aplicar a Lei 10.259/01 no Juizado Especial Estadual, o que reforça a conclusão acima exposta.

Ofensa ao princípio da igualdade – Afirmam os propugnadores da aplicação do novo conceito aos Juizados Estaduais que, a se entender de outra forma, estará comprometido o princípio da igualdade, ou da isonomia, segundo o qual todos são iguais perante a lei. Tal princípio, entretanto, com o devido respeito, tem emprego quando as pessoas em confronto estão exatamente na mesma situação de igualdade. Do contrário, não é possível aplicar-se a garantia constitucional. Quer dizer: tratar-se igualmente os iguais e desigualmente os desiguais.

Tem-se mencionado a hipótese do crime de desacato para demonstrar a ofensa ao princípio da igualdade. Apenado com detenção de 06 meses a 02 anos, dizem, se o crime for praticado contra funcionário público estadual não será de menor potencial ofensivo; ao revés se praticado contra funcionário federal, assim será considerado.

Com a devida vênia, estão colocando no mesmo patamar situações diferentes. Para que tal crime seja considerado da competência da Justiça Federal e, portanto, sujeito à Lei 10.259/01, é necessário que, além da tipificação contida no art. 331, do Código Penal, haja um plus, qual seja, que a ofensa seja dirigida a funcionário federal. Exige-se interesse da União para elevar o crime à categoria de delito de competência da Justiça Federal. Ora, já aí constata-se uma diferença entre este crime e o praticado contra o funcionário estadual. Há como que uma qualificadora em função da qualidade da vítima, o que o diferencia daqueloutro.

Dir-se-á que sendo o bem jurídico tutelado o mesmo, não se permite tratamento desigual. Todavia, comparados os crimes sujeitos à competência da Justiça Comum ou Ordinária com crimes da competência da Justiça Militar, também se terá ofensa ao mesmo bem jurídico. Embora classificada como especial a Justiça Militar, o que diferencia os crimes definidos no Código Penal Militar dos crimes capitulados no Código Penal, que tenham a mesma definição legal, é justamente a qualidade da vítima ou do agente ou o local da infração (art. 9º, inciso II, do Código Penal Militar)

Nem por isso entendeu o E. Supremo Tribunal Federal ser inconstitucional, por ofensa ao princípio da igualdade, a norma contida no art. 90-A da Lei 9.099/95, introduzida pela Lei n. 9.839/99, que veda, expressamente, a aplicação da referida Lei no âmbito da Justiça Militar. Conf. Habeas Corpus Nº 15.573- RS 5ª Turma, v.u., Rel. Min. José Arnaldo da Fonseca)

Pode parecer incoerente que o conceito mais amplo de infração de menor potencial ofensivo fique restrito à Justiça Federal onde, em tese, a ofensa seria mais grave por atingir bens da União. Entretanto, os critérios estão aí e foram estabelecidos pelo legislador. Até é compreensível que assim seja, pois, ante a gravidade dos crimes cometidos à competência da Justiça Federal, aqueles sancionados com pena restritiva de liberdade até dois anos tornam-se, de fato, crimes de menor repercussão social. Ademais, como o objetivo dos juizados é desafogar a Justiça, a ampliação se fez necessária naquela esfera para alcançar maior número de processos.

Concluindo, por se tratar de situações diferentes, não há ofensa ao princípio da igualdade no tratamento diferenciado entre os Juizados Especiais Criminais Federal e Estadual.

Porte ilegal de arma – Desse delito cuida o presente recurso. Sustenta o douto Promotor de Justiça, Dr. Arnaldo Hossepian Júnior, que embora tenha sido derrogado o art. 61, da Lei n. 9.099/95, pela Lei 10.259/01, o conceito de infração de menor potencial ofensivo, agora dado pela última Lei, deve ser interpretado restritivamente, isto é, afastando da sua incidência os crimes aos quais o preceito secundário comine pena restritiva de liberdade até dois anos cumulada com sanção pecuniária.

Os doutrinadores não chegaram até agora a uma conclusão sobre a vontade do legislador ao colocar a expressão ou multa no final do parágrafo único do art. 2º da Lei 10.259/01. Alguns afirmam ter sido cochilo, que deve ser desprezado; outros, que se refere a contravenção penal, porém incabível porque esta modalidade de infração não se insere na competência da Justiça Federal; outros, que se refere aos crimes aos quais é cominada pena de multa alternativa, o que alcançaria crime com pena restritiva de liberdade superior a dois anos, etc.

Agapito Machado, Juiz Federal do Ceará e integrante da Comissão instituída pela Associação Nacional dos Juizes Federais – AJUFE – para reforma da legislação penal e processual penal, mostra bem o descaso com que são feitas as leis neste País, ao relatar o seguinte episódio, a respeito justamente da expressão em questão: "Quando ainda em tramitação, lembrei, via e-mail, a todos os juízes federais do País, o equívoco do anteprojeto do Superior Tribunal de Justiça, notadamente aos colegas que comigo integraram a Comissão da AJUFE para propor alterações na legislação penal e processual penal, e fui lembrado de que era melhor não tocarmos nesse assunto porque, do contrário, haveria maior demora na aprovação da referida lei." ("Juizados Especiais Criminais na Justiça Eleitoral", Saraiva, 2001, p. 50).

Como é regra de hermenêutica que as leis não contêm palavras inúteis; como não é possível simplesmente ignorar a expressão ou multa contida no parágrafo único do art. 2º da Lei 10.259/01 e como a interpretação dada por alguns de que a Lei alcança infrações com pena cominada alternativamente com multa, ainda que a restritiva de liberdade seja superior a dois anos, significando a inclusão no rol as infrações penais de menor potencial ofensivo de crimes gravemente apenados, o que foge ao espírito da lei, penso que a interpretação dada pelo Dr. Promotor de Justiça é a que mais se ajusta à redação do par. único do art. 2º da Lei 10.259/01.

Assim, a leitura a ser feita do mencionado dispositivo – e aqui já não se cuida de aplicação ou não do novo conceito aos Juizados Estaduais – é no sentido de que são infrações de menor potencial ofensivo, para os efeitos da Lei 10.259/01, os crimes a que a lei comine pena máxima não superior a dois anos, excluídos, portando, aqueles cujo preceito secundário preveja pena cumulativa de multa ou restritiva de direitos, salvo se a detentiva for inferior a dois anos. Vale dizer: desde que a pena máxima restritiva de liberdade, de dois anos, venha acompanhada de qualquer outra sanção, a infração deixa de ser de menor potencial ofensivo. Se inferior, ainda que com pena cumulativa, encaixa-se no conceito.

É bom deixar registrado que antes da Lei 10.259/01 a questão não tinha qualquer importância, porquanto a Lei 9.099/95 estabelece como limite para o efeito de conceituar infração penal de menor potencial ofensivo apenas a sanção restritiva de liberdade. A multa ou outra pena não entra no conceito.

Por fim, a questão levantada ao término das razões, de legitimidade para proposta da transação penal, porque não ventilada na r. decisão recorrida, não pode ser enfrentada neste recurso. Eventual divergência quanto a ela deverá ser objeto de futuro recurso.

4. Diante do exposto, o parecer é pelo provimento do apelo para ser recebida a denúncia, porque o crime de porte ilegal de arma, capitulado no art. 10, da Lei n. 9.437/97, por um ou outro motivo acima expostos, não se inclui dentre as infrações penais de menor potencial ofensivo.

São Paulo, 13 de março de 2002



Informações sobre o texto

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FERREIRA, Glayciele Rodrigues Gonçalves. O art. 61 da Lei dos Juizados Especiais Criminais estaduais (Lei nº 9.099/95) com o advento da Lei dos Juizados Especiais Criminais na Justiça Federal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 559, 17 jan. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/6191. Acesso em: 29 abr. 2024.