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Breve historico da responsabilidade extracontratual do Estado e seu tratamento no direito positivo brasileiro

Breve historico da responsabilidade extracontratual do Estado e seu tratamento no direito positivo brasileiro

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1. PRINCÌPIO REPUBLICANO: CONCEITO E CARACTERES

Preliminarmente, necessário enfatizar que o Estado brasileiro vem mantendo, desde a promulgação da Constituição de 1891, tradição no sentido de estabelecer a República como forma de governo nacional. Recebendo esta evolução constitucional, a Carta Magna de 1988 elegeu, em seu artigo 1.º, a forma republicana de governo como princípio fundamental da ordem constitucional. [1]

Feitas estas considerações iniciais, passa-se a discorrer sobre o conteúdo do termo República.

O conceito República foi classicamente construído como sendo uma forma de governo contraposta ao sistema monárquico, onde o povo – e não mais o Monarca – era titular da coisa pública. Na verdade, seu alcance espraia uma gama de características e preceitos que ultrapassa este mero entendimento formal.

Nas palavras de Canotilho, o primeiro caracter de um Estado republicano é portar uma "comunidade política, uma ‘unidade colectiva’ de indivíduos que se autodetermina politicamente através da criação e manutenção de instituições políticas próprias assentes na decisão e participação dos cidadãos no governo dos mesmos." [2]Conclui-se, então, que regime republicano é regime representativo, ou seja, os cidadãos se fazem representar por agentes públicos que, em nome e com consentimento daqueles, gerenciam e administram a res publica.

A par desta característica fundamental ao regime republicano, Ruy Barbosa, ao comentar a Carta Constitucional de 1889, já acentuava um outro ponto essencial à construção do princípio republicano. Dizia o insigne mestre que não bastava para a caracterização do regime a simples tripartição do poder. É necessário que "sobre existirem os três poderes constitucionaes, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário, os dois primeiros derivem, realmente, de eleição popular." [3] É a consagração do voto como meio indispensável para a legitimação dos agentes públicos que exercerão o controle e administração da coisa pública.

Os desdobramentos do conceito de República não se exaurem com as duas características mencionadas. Trazem, antes de mais nada, uma infinidade de preceitos que dão roupagem ao conteúdo do princípio – temporariedade e não vitaliciedade dos mandatos eletivos; prestação, fiscalização e controle das contas da Administração Pública [4], etc.

Dentro deste universo de conceitos trazidos à luz pelo desdobramento do princípio republicano, o de responsabilidade é essencial.

1.1.REPÚBLICA E RESPONSABILIDADE

O ideário republicano da representatividade está estritamente ligado à noção de função pública como corolário da persecução dos interesses públicos e do bem comum (res publica) e, por via de conseqüência, radicalmente apartados dos assuntos ou negócios pessoais dos agentes públicos [5].

Portanto, o agente público que detenha em suas mãos parcela de poder sobre a res publica responderá, sob a égide do regime republicano, por seus atos praticados, conquanto revestido em suas funções. Neste sentido, afirma Michel Temer: "Aquele que exerce função política responde pelos seus atos. É responsável perante o povo, porque o agente público está cuidando da res publica. A responsabilidade é corolário do regime republicano." [6]

Note-se que não apenas aqueles que exercem função política – membros dos Poderes Legislativo e Executivo - são passíveis de responsabilidade em face do princípio republicano, mas também, os agentes públicos incumbidos de realizar e fazer valer a justiça, quais sejam, os magistrados.

Neste sentido, socorremo-nos da lição de João Barbalho que, por seu turno, já acentuava: "É da essência do regime republicano que quem quer que exerça uma parcela do poder público tenha a responsabilidade desse exercício;" [7]

É lógico que assim o seja! Para que se exerça uma parcela do Poder Público, em qualquer nível ou esfera de atuação e, sendo a coisa pública pertencente ao povo, a contrapartida desta delegação de poderes e de representação da soberania popular será, justamente, a responsabilidade. Se pertencente é a res publica à coletividade, perante todos eles os agentes públicos devem responder.

Independe, portanto, a qualidade do agente público – se revestido de poderes de representação da soberania popular como membro do Executivo, ou ainda como manifestador da vontade popular traduzida em Direito pelo Legislativo e realizada perante dado caso concreto pelo Judiciário – para que se averigúe a responsabilidade.

Para dar fins a esta questão envolvendo a responsabilidade dos agentes públicos como corolário do regime republicano, traz-se à colação as lições de Dalmo Dallari: "Todos os que agirem, em qualquer área ou nível, como integrantes de algum órgão público ou exercendo uma função pública devem ser juridicamente responsáveis por seus atos e omissões." [8]


2. RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL DO ESTADO

Tanto o regime republicano quanto os postulados do Estado Democrático de Direito trazem, em seu bojo, a idéia curial de responsabilidade e garantia ao direito dos administrados que, juntamente com os princípios e presunções do Direito Administrativo equilibram a equação existente entre a própria Administração Pública e aqueles a quem compete a observância de seus ditames.

Não por menos Celso Antônio Bandeira de Mello diz ser construído o Direito Administrativo sobre duas bases bastante sólidas, quais sejam, o Estado, com todas as suas prerrogativas, competências e funções, e as garantias dos administrados sopesando e limitando os poderes ao primeiro atribuídos. É justamente a esse sistema de pesos e contrapesos que o autor intitula de Regime Jurídico-Administrativo. [9]

É sob este prisma que se calca a responsabilidade extracontratual do Estado [10]. Nas palavras de Celso Antônio Bandeira de Mello, a Responsabilidade Estatal é "a obrigação que lhe incumbe de reparar economicamente os danos lesivos à esfera juridicamente garantida de outrem e que lhe sejam imputáveis em decorrência de comportamentos unilaterais, lícitos ou ilícitos, comissivos ou omissivos, materiais ou jurídicos." [11]

Por sua vez, Hely Lopes Meirelles define a responsabilidade estatal como sendo a imposição "à Fazenda Pública a obrigação de compor o dano causado a terceiros por agentes públicos, no desempenho de suas atribuições ou a pretexto de "exercê-las." [12]

Como muito bem anotado por Celso Antônio Bandeira de Mello, recorrendo-se às lições do jurisconsulto italiano Ricardo Alessi [13], necessária é a distinção entre o fato que enseja responsabilização do Poder Público e o ato Estatal que importa em sacrifício de direito de outrem, ato este, porém, amparado pelo ordenamento jurídico positivado.

Com efeito, situações há em que o interesse privado deva ser sacrificado para que haja a satisfação de um interesse coletivo, ou seja, público. Note-se que ambos os interesses neste caso são tutelados pelo Estado, porém, por circunstâncias diversas, não pode o Estado satisfazer o segundo sem que com isto importe em reais supressões ao direito de outrem, dando-se, a equivalência destes direitos sob a égide do princípio da legalidade que por sua vez é consagrado pelo ordenamento jurídico pátrio vigente.

Assim, havendo prévia disposição legal ou ainda autorização pelo ordenamento jurídico da possibilidade de agir o Estado em nome de um interesse coletivo, sem que com isso se deixe de afetar interesses particulares, não nos encontramos diante de um caso de Responsabilidade Extracontratual do Estado, mas sim de mera intervenção pública na esfera de direitos de outrem.

Para haver responsabilidade do Estado deve, necessariamente, ocorrer violação à esfera de direitos juridicamente tutelados pelo próprio Estado e não mero sacrifício deste.

Por fim, para que se encerre estas noções preliminares acerca da responsabilidade estatal e sua distinção dos atos que importam em sacrifícios legalmente outorgados ao Poder Público, distingue Celso Antônio Bandeira de Mello [14] os atos cujo teor visam diretamente extirpar um direito alheio daqueles que, ainda que com finalidades outras, indiretamente acarretam sacrifícios ao particular.

Nestes casos, em que age a Administração sob a guarda do princípio da legalidade e por isso pratica atos lícitos, entende o citado professor que somente nos casos em que há debilidade de direitos indiretamente ocasionados pela ação do Estado – uma vez que o ato visava a consecução de outro fim – é que se pode falar em responsabilidade estatal estando, portanto, excluídos do âmbito da responsabilidade os atos que objetivam diretamente a aniquilação de direito de outrem.

2.1 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL DO ESTADO

A responsabilidade civil do Estado – ainda que não haja conformidade de entendimento doutrinário pátrio quanto a teoria a ser aplicada em cada caso específico [15] - sofreu, de tempos em tempos, inúmeras modificações e sustentações teóricas que variavam de acordo com os referenciais políticos, históricos e jurídicos para que viesse a se apresentar com a roupagem que hoje lhe é conferida pelo Direito Administrativo.

Para que se trace uma evolução histórica desta espécie de responsabilidade, mister que se perfilhe pelas várias teorias elaboradas ao longo dos anos, sobretudo por aquelas desenvolvidas pela doutrina e Conselho de Estado franceses, atendo-se pois, ao denominado sistema europeu-continental, uma vez que o sistema anglo-saxão não exerce influência direta no direito brasileiro.

Em assim sendo, pode-se dividir as teorias sobre a Responsabilidade Extracontratual do Estado da seguinte forma:

a) Teoria da irresponsabilidade;

b) Teorias civilistas;

-Teoria dos Atos de Império e de Gestão;

- Teoria da Culpa Civil;

c) Teorias publicistas;

- Teoria da Culpa Administrativa ou da Responsabilidade Subjetiva;

-Teoria da Responsabilidade Objetiva e suas divisões. Passa-se então a abordar estas teorias sob uma perspectiva histórico-jurídica com o intuito de se concluir por qual delas optou o legislador pátrio ao promulgar a Carta Republicana de 1988 para, enfim, abordar o tema da Responsabilidade do Estado Legislador e seus desdobramentos.

2.1.1 TEORIA DA IRRESPONSABILIDADE

Outrora, quando os Estados eram governados sob o regime absolutista, prevalecia a tese da irresponsabilidade do mesmo pelos atos praticados pelos agentes estatais ou seus delegados que viessem a violar direitos de particulares.

Esta tese fundamentava-se na idéia de soberania do Estado, ou seja, era inconcebível que o próprio Estado, criador e tutelador das regras jurídicas, as violassem. Não obstante a isso, entendia-se que o Estado gozava de "autoridade incontestável perante o súdito". [16] Daí surgirem as máximas: "The king can do no wrong" como dito na Inglaterra, ou seu equivalente na língua francesa: "Le roi ne peut mal faire".

Sobre este ponto em particular, interessante anotar as palavras de Duguit [17], que claramente demonstram a noção de incompatibilidade existente entre os atos praticados pelo Estado e sua responsabilização face aos mesmos, tendo em vista ser ele próprio, a pessoa jurídica competente para a criação das normas jurídicas.

"Es, pues, en definitiva el Estado soberano quien crea el derecho y siendo así no se puede admitir que pueda ser responsable. En la concepción tradicional la responsabilidad implica una violación del derecho: y quien crea el derecho por un acto de su voluntad soberana, no puede violare. Así como en los países de monarquía absoluta ‘el rey no puede hacer mal y, por tanto, no puede ser responsable, el Estado democrático, que no es más que la nación soberana organizada, tampoco puede hacer mal ni puede ser responsable". [18]

Note-se que a teoria da irresponsabilidade do Estado não era de todo irrefutável e não compreendia "completa desproteção dos administrados perante comportamentos unilaterais do Estado." [19] Chega-se a este entendimento pois o Estado, ainda que irresponsável por atos oriundos de sua gestão, deveria arcar com os ônus resultantes de seus atos danosos ao patrimônio de particulares se estes tivessem expressa previsão legal ou ainda quando o dano fosse resultado da intervenção no domínio particular por parte do próprio Estado. [20]

Havia também flexibilização ao princípio da irresponsabilidade do Estado quando o agente público ou pessoa delegada a executar serviço público agisse, dolosa ou culposamente, no mister de funções públicas e, deste ato, resultasse em violação a direito de particulares. Assim, ainda que o agente público respondesse individualmente pelos atos danosos por ele provocados ao exercer atividades públicas, estaria o particular possibilitado de ver-se ressarcido dos prejuízos por ele sofridos. [21]

Pela flagrante injustiça proporcionada pela teoria da irresponsabilidade do Estado que elevava o mesmo a um estado de intangibilidade jurídica quando da prática de atos lesivos a terceiros, logo esta teoria passou a ser combatida pelos cidadãos que a ela se submetiam. Entendia-se, como ainda hoje se entende, que o Estado, pessoa jurídica de direito público que é, não poderia se furtar de responder pelos atos lesivos que praticara uma vez que toda pessoa jurídica era - e ainda o é - titular de direitos e obrigações. E mais: sendo ele o incumbido de tutelar o direito, jamais poderia deixar de responder por ações ou omissões causadoras de danos a terceiros.

Note-se que a França já na primeira metade do século XIX admitia a possibilidade de responsabilização estatal, porém países como a Inglaterra e os Estados Unidos da América só vieram a abandonar o princípio da irresponsabilidade do Estado nos anos de 1946 e 1947, respectivamente. O primeiro o fez através do Crown Proceeding Act onde o Estado passa a se responsabilizar pelos atos de seus agentes desde que haja "infração daqueles deveres que todo patrão tem em relação aos seus prepostos e também daqueles deveres que toda pessoa comum tem em relação à propriedade". [22] Na Inglaterra, porém, a responsabilidade estatal sofre limitações uma vez que há casos em que a Coroa não pode ser acionada.

Já os Estados Unidos da América passaram a admitir a responsabilidade do poder público através do Federal Tort Act, onde os danos decorrentes de atividades estatais, desde que culposos ou abusivos, geram ao Estado o dever de ressarcimento ao administrado. Porém, o mais comum neste país é a responsabilização do próprio agente e não da pessoa jurídica pública.

Destarte, o princípio da Responsabilidade Extracontratual do Estado passou a ser condição necessária para a boa estruturação do Estado Democrático de Direito e, com isso, tornou-se preceito fundamental em todos os países ocidentais, possuindo de país para país, peculiaridades e diferenças que não afetam em si o dever de indenizar o particular pelos danos causados por agentes públicos.

2.1.2 TEORIAS CIVILISTAS

Num primeiro momento, restou superada a tese da irresponsabilidade do poder público para, enfim, dar-se o primeiro passo rumo às teorias que preceituavam a responsabilidade estatal.

Dá-se a estas teorias o nome de civilistas uma vez que se apoiavam nos ensinamentos trazidos pelo Direito Civil que, por toda sorte, baseia-se na idéia de culpa do agente causador do dano.

2.1.2.1 TEORIA DOS ATOS DE IMPÉRIO E DE GESTÃO

A doutrina civilista que baseava para fins de responsabilidade estatal a distinção entre a natureza dos atos de império e dos atos de gestão estabelecia que apenas os de gestão, praticados pelo poder público, seriam passiveis de controle da responsabilidade jurídica.

Maria Sylvia Zanella Di Pietro assim distingue os atos de império dos atos de gestão: "Os primeiros seriam os praticados pela Administração com todas as prerrogativas e privilégios de autoridade e impostos unilateral e coercitivamente ao particular independentemente de autorização judicial, sendo regidos por um direito especial, exorbitante do direito comum, porque os particulares não podem praticar atos semelhante; os segundos seriam praticados pela Administração em situação de igualdade com os particulares, para a conservação e desenvolvimento do patrimônio público e para a gestão de seus serviços;" Como neste último caso não haveria distinção entre o comportamento estatal e o do particular, uma vez que ambos se encontram em situação de igualdade, estaria pois passível de responsabilidade o poder público, desde que averiguada a culpa - latu sensu – do agente deflagrador do dano.

Modernamente, porém, a possibilidade de se distinguir os atos de império dos atos de gestão da Administração Pública, perdeu por completo sua sustentabilidade quer por ser impossível dividir a personalidade do Estado – caso contrário estaríamos diante de uma dualidade de vontades partindo da mesma entidade jurídica -, quer pela dificuldade de se enquadrar como atos de gestão todos aqueles promovidos pelo Estado com a finalidade de administrar o patrimônio público ou quando estiver a prestar serviços. [23]

Themistocles Brandão Cavalcanti, ao tratar da impossibilidade da distinção entre os atos de império e os atos de gestão, cita Léon Duguit para dar fins à velha doutrina que sustenta tal teoria. Diz o autor: "A administração, diz ele, quando intervém, não o faz, nunca, como qualquer particular. A sua intervenção tem uma peculiaridade que é a de prover ao funcionamento do serviço público, e é esse o característico que define o ato administrativo, qualquer que ele seja." [24]

Assim, encerrado o debate acerca da possibilidade de distinção entre a natureza dos atos de império da dos atos de gestão, restou impossível se falar em responsabilidade estatal, ainda que haja culpa do agente, com fundamento nestes discrímens doutrinários.

2.1.2.2 TEORIA DA CULPA CIVIL

Esta teoria versa sobre a necessidade de se enquadrar a Responsabilidade Extracontratual do Estado sob o prisma puramente civilista da questão. Assim, para que fosse imputa responsabilidade pelos atos da pessoa política bastava a mera noção de culpa – latu sensu – no atuar da Administração através de seus agentes ou prepostos.

Neste ponto, interessante assinalar as palavras de Di Pietro que assim elucida a questão: "Embora abandonada a distinção entre atos de império e de gestão, muitos autores continuaram apegados à doutrina civilista, aceitando a responsabilidade do Estado desde que demonstrada a culpa. Procurava-se equiparar a responsabilidade do Estado à do patrão, ou comitente, pelos atos de empregados ou prepostos." [25]

Note-se que por força da doutrina civilista da responsabilidade estatal é que foi editada a norma contida no art.15 do Código Civil Brasileiro de 1916, consagrando entre nós a teoria da culpa civil. [26]

Vale neste ponto enfatizar as palavras de Themistocles Cavalcanti com o intuito de criticar a idealização do legislador pátrio no sentido de inserir no bojo do Direito Civil a questão da responsabilidade estatal: "Efetivamente, o problema da responsabilidade civil do Estado, em seu conteúdo jurídico e em suas dificuldades e sutilezas técnicas exige um sistema legislativo próprio e pressupões, para a sua boa aplicação, uma maleabilidade que não se pode encontrar na regra rígida do Código Civil". [27]

Como era de se esperar, até mesmo por força do Regime Jurídico-Administrativo, a doutrina civilista foi cedendo espaço às normas e princípios de Direito Público que, por sua vez, passaram a atuar nas diversas relações existentes entre o próprio Estado – como pessoa política que é – e seus administrados regendo, como conseqüência lógica deste acontecimento, a questão da Responsabilidade Extracontratual do Estado.

2.1.3 TEORIAS PUBLICISTAS.

O completo afastamento das regras e princípios de Direito Privado para se apurar a Responsabilidade do Estado deu-se, como já de muito é conhecida, pelo famoso Arrêt Blanco [28]. A partir daqui deu-se início a um processo de atrelamento da questão da Responsabilidade Estatal aos chamados princípios de Direito Público.

Destarte, afasta-se a aplicabilidade das normas de Direito Civil para que estas dêem lugar aos princípios, regras e peculiaridades próprias do Direito Público e Administrativo.

Neste sentido, a evolução destas teorias passaram pelas idéias de responsabilidade subjetiva – baseada na culpa – para atingir a denominada responsabilidade objetiva – baseada, grosso modo, na mera relação de causa e efeito entre o ato estatal e o evento danoso.

2.1.3.1TEORIA DA RESPONSABILIDADE SUBJETIVA

A responsabilidade subjetiva quer significar o dever imposto a alguém de indenizar outrem, por ter agido, o primeiro, de modo a confrontar o ordenamento jurídico – agir este que pode ser doloso ou culposo – causando, ao segundo, um dano material ou jurídico, tendo em vista a prática de um ato comissivo ou omissivo.

Para Oswaldo Aranha Bandeira de Mello, estar-se-á diante da teoria da responsabilidade subjetiva do Estado quando "em atuando o agente público com culpa ou dolo responde o Estado pelos seus atos culposos ou dolosos, se no exercício das atividades que lhe são próprias, e causando dano a terceiros, por lhe serem imputados." [29]Atente-se aqui para o fato de que a responsabilidade do Estado limita-se a abarcar os atos oriundos do serviço a ser prestado, não podendo este responder pelos atos de natureza estritamente pessoal do agente.

Pois bem, para a teoria da responsabilidade subjetiva do Estado e, atentando para os princípios de Direito Público que regem esta espécie jurídica, não se faz necessária a individualização do agente que agiu culposamente para a deflagração do dever de indenizar pelo Estado, basta a idéia trazida pela doutrina francesa de faute du service, ou seja, "culpa do serviço". [30]

Sobre este ponto vale novamente citar as palavras do insigne mestre Oswaldo Aranha Bandeira de Mello: "Não se trata de culpa individual do agente público, causador do dano. Ao contrário, diz respeito a culpa do serviço diluída na sua organização, assumindo feição anônima, em certas circunstâncias, quando não é possível individualizá-la, e, então, considera-se como causador do dano só a pessoa coletiva ou jurídica." [31]

A noção, então, desvincula-se da idéia de culpa do agente ou delegado de serviços públicos – noção esta eminentemente de natureza privada – para passar a significar falta, culpa do serviço, ou seja, o serviço público deixa de funcionar, funciona incorretamente ou indevidamente ou, ainda, funciona tardiamente. É dizer: a consecução do serviço público que encerre uma das hipóteses da denominada tríplice modalidade – omissão, funcionou defeituosa ou tardiamente -, é motivo suficiente para que se faculte ao administrado o pleiteio, perante os órgãos competentes, a reparação do dano daí decorrente.

Porém, em que pese estarmos tratando da responsabilidade pela faute du service, e a estarmos abordando no campo da teoria subjetiva, alguns autores a colocam como uma ramificação da responsabilidade objetiva. Neste sentido e acompanhando o raciocínio de Oswaldo Aranha Bandeira de Mello [32] e Celso Antônio Bandeira de Mello [33], colocamo-nos a favor da corrente doutrinária que entende ser a teoria da faute du service eminentemente subjetiva.

Chega-se a esta conclusão primeiramente porque, para que se atue no campo da responsabilidade subjetiva do Estado, não basta haver a mera relação causal entre o ato relacionado ao serviço estatal e o dano produzido ao administrado. Mister que haja, inevitavelmente, o elemento subjetivo da culpa – latu sensu – pois é por este que se verificará o dever de indenizar, ou não, incumbido ao Estado.

Outro ponto que merece destaque para se firmar o entendimento de que a teoria da culpa do serviço é subjetiva, e não objetiva, é justamente aquele que toca a questão da presunção da culpa.

Ora, ocorre que, por vezes, restará impossível ou ainda extremamente dificultosa a prova, por parte do administrado ofendido, da má consecução do serviço pelo Estado. Assim, o ofendido pela má execução do serviço fica isento de comprovar a culpa do Estado socorrendo-se da noção de culpa presumida.

O que se quer com isso comprovar é que, ainda que a culpa seja presumida, ou seja, bastando a mera relação de causalidade entre o dano e o ato lesivo – responsabilidade objetiva do Estado – para legitimar a vítima a pleitear indenização perante o Poder Público, não destitui o caráter subjetivo da teoria. Isto se dá, pois, comprovando o Estado que no seu agir, o fez diligentemente, estará este isento da obrigação de reparar o dano o que, em caso de objetividade da conduta, restaria impossível.

Por isso é que entende Celso Antônio Bandeira de Mello haver responsabilidade subjetiva quando "a conduta geradora de dano revele deliberação na prática do comportamento proibido ou desatendimento indesejado dos padrões de empenho, atenção ou habilidade normais (culpa) legalmente exigíveis, de tal sorte que o direito em uma ou outra hipótese resulta transgredido." [34]

Diante destes argumentos parece irrefutável a noção de que a teoria da faute du service enquadre-se perfeitamente na chamada responsabilidade subjetiva do Estado.

2.1.3.2 TEORIA DA RESPONSABILIDADE OBJETIVA

Toda a dogmática que serve como substrato para a teoria da responsabilidade objetiva do Estado baseia-se, nos dizeres do magistério da professora Di Pietro "no princípio da igualdade dos ônus e encargos sociais". [35] Desta sorte, assim como são – ao menos em tese – repartidos entre toda a coletividade os benefícios oriundos da prestação de serviços públicos por parte do Estado, o mesmo deve ocorrer quando a situação se inverte, ou seja, havendo por parte de um (ou alguns) o sofrimento de um ônus maior do que aquele que lhe era lícito suportar face aos demais, rompe-se o equilíbrio pretendido pela ordem social devendo o Estado, para que as coisas retroajam ao status quo, indenizar o prejudicado utilizando-se, para tal, recursos da Fazenda Pública.

A teoria objetiva da responsabilidade do Estado subtrai, para fins de averiguação da procedência, ou não, da responsabilização estatal, a necessidade do elemento subjetivo (culpa ou dolo). Assim, para a presente teoria, basta que haja relação de causalidade entre o comportamento comissivo ou omissivo do Estado – seja este lícito ou ilícito – e a efetiva lesão na esfera juridicamente protegida do administrado.

Themistocles Cavalcanti, recorrendo-se aos ensinamentos e expressões de Gabba, salienta que para se verificar a responsabilidade da pessoa política é necessário apenas "o nexo causal entre a pessoa e o dano, sem atender à imputabilidade baseada na culpa, no procedimento, nas circunstâncias que ocasionaram o dano." [36]

Consoante demonstrado, temos então para a configuração da teoria objetiva da responsabilidade os seguintes elementos:

a)uma ação ou omissão do Estado lícita ou ilícita;

b)dano à esfera juridicamente protegida de outrem;

c)nexo de causalidade entre o comportamento do Estado e o dano.

Assim como na teoria da responsabilidade subjetiva do Estado tem-se a idéia da culpa do serviço que lhe serve de substrato, a responsabilidade objetiva possui, como fundamento, as chamadas teoria do risco e teoria do risco integral.

2.1.3.2.1 TEORIA DO RISCO ADMINISTRATIVO

Para a concretização do dever jurídico de indenizar o administrado com fundamento na teoria do risco administrativo, basta que do ato injusto do Estado sobrevenha dano ao particular. Assim, nas palavras de Hely Lopes Meirelles, basta o "fato do serviço". [37]

A teoria do risco baseia-se fundamentalmente no risco natural decorrente das mais variadas atividades desenvolvidas pelo Estado no cumprimento de proporcionar os serviços públicos ao mesmo incumbidos.

Por esta idéia central, qual seja, que a atividade estatal promove um risco de dano, esta teoria faz incidir sobre o Estado a responsabilidade deste como se se tratasse de uma pessoa jurídica de direito privado que atuasse no ramo de seguros em que os segurados seriam os contribuintes – administrados – que, ao pagar os tributos devidos, contribuem para a formação de um fundo patrimonial coletivo. [38]

Saliente-se, todavia, que a teoria do risco administrativo, embora dispense a prova de culpa do Estado pelo dano causado ao administrado, permite que aquele demonstre, para fins de se eximir ou de atenuar o dever de indenizar, a culpa ou concorrência da própria vítima. É dizer: por esta teoria, basta a demonstração do nexo causal, ficando, o administrado, eximido de provar a culpa o que, de toda sorte, não garante que em todo e qualquer caso deverá o Poder Público indenizar o particular pelos danos sofridos em virtude da atuação estatal.

Os dizeres acima ficam corroborados pela seguinte decisão do Supremo Tribunal Federal ao julgar o Recurso Extraordinário de n.º 113.587-5 em que litigavam o Município de São Paulo e um particular:

CONSTITUCIONAL. CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. C.F., 1967, art. 107. C.F./88, art. 37, par-6. I. A responsabilidade civil do Estado, responsabilidade objetiva, com base no risco administrativo, que admite pesquisa em torno da culpa do particular, para o fim de abrandar ou mesmo excluir a responsabilidade estatal, ocorre, em síntese, diante dos seguintes requisitos: a) do dano; b) da ação administrativa; c) e desde que haja nexo causal entre o dano e a ação administrativa. A consideração no sentido da licitude da ação administrativa e irrelevante, pois o que interessa, e isto: sofrendo o particular um prejuízo, em razão da atuação estatal, regular ou irregular, no interesse da coletividade, e devida a indenização, que se assenta no principio da igualdade dos ônus e encargos sociais. II. Ação de indenização movida por particular contra o Município, em virtude dos prejuízos decorrentes da construção de viaduto. Procedência da ação. III. R.E. conhecido e provido.

2.1.3.2.2 TEORIA DO RISCO INTEGRAL

Segundo o magistério de Hely Lopes Meirelles [39] há ainda, no bojo da responsabilidade objetiva do Estado, a chamada teoria do risco integral [40] que se diferencia da teoria do risco administrativo justamente por obrigar o Poder Público a indenizar o particular por todo ato que atente contra a esfera jurídica protegida do mesmo, ainda que para o surgimento do dano concorra ou dê causa a vítima.

Assim, teríamos como principal elemento diferenciador das teorias do risco e do risco integral, a admissibilidade pela primeira das causas excludentes de responsabilidade, enquanto na teoria do risco integral estas causas jamais poderiam servir como fundamento para eximir o dever jurídico de indenizar incumbido ao Estado.

Pelo caráter extremo, abusivo e injusto da teoria do risco integral, a mesma vem sofrendo fortes criticas, restando a ela poucos cultuadores, e tendo ainda reduzida sua aplicabiliadade, porquanto, caso o fosse, geraria graves conseqüências aos postulados e princípios não só do Direito Público, mas sim do ordenamento jurídico como um todo.


3. RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL DO ESTADO NO BRASIL

3.1 BREVE HISTÓRICO NORMATIVO DA RESPONSABILIDADE DO ESTADO NO BRASIL

O Brasil jamais acatou a teoria da irresponsabilidade do Estado e, ainda que não houvesse à época dos fatos normas legais expressas que determinassem a responsabilização estatal pelos seus atos, tanto a jurisprudência como a doutrina trataram de afastar aquela antiga orientação [41].

A Constituição Imperial de 1824, em seu artigo 178, n. 29, dispunha que: "Os empregados públicos são estritamente responsáveis pelos abusos e omissões praticados no exercício de suas funções e por não fazerem efetivamente responsáveis por seus subalternos." A Carta de 1891, em seu artigo 82, repetiu a mesma redação do citado dispositivo.

Pela leitura do preceito imperial poder-se-ia, em um primeiro momento, aludir ao fato de que somente o funcionário era responsável pelo evento danoso excluindo-se então, do âmbito de atuação da norma, a pessoa política. Porém, conforme relata Di Pietro [42], haviam leis ordinárias que previam a responsabilização do Estado como sendo solidária à do agente público. Tal situação foi acolhida pela jurisprudência pátria.

Com o advento do Código Civil de 1916, passa-se a acatar a teoria subjetiva como regra no direito positivo brasileiro. Dispunha o artigo 15 do citado diploma: "As pessoas jurídicas de Direito Público são civilmente responsáveis por atos de seus representantes que nessa qualidade causem danos a terceiros, procedendo de modo contrário ao direito ou faltando a dever prescrito em lei, salvo o direito regressivo contra os causadores do dano."

Ainda que o preceito citado demonstrasse claramente o caráter subjetivo da responsabilidade estatal através da expressão procedendo de modo contrário ao direito ou faltando a dever prescrito em lei, uma vez que era necessária a demonstração de culpa do funcionário para ulterior responsabilização do Estado, a má redação do dispositivo levou alguns doutrinadores a defenderem a teoria da responsabilidade objetiva do Estado.

Vale aqui citar a lição de Hely Lopes Meirelles, que assim elucida a questão: "Temos para nós que o questionado art. 15 nunca admitiu a responsabilidade sem culpa, exigindo sempre e em todos os casos a demonstração desse elemento subjetivo para a responsabilização do Estado." [43]

A Constituição de 1934, bem como a Carta de 1937 assim trataram a questão: "Os funcionários públicos são responsáveis solidariamente com a Fazenda Nacional, Estadual ou Municipal, por quaisquer prejuízos decorrentes de negligência, omissão ou abuso no exercício dos seus cargos." Restava acolhida o princípio da responsabilidade solidária entre Estado e funcionário, com fundamento na teoria subjetiva da responsabilidade estatal.

Somente com o advento da Constituição de 1946 é que foi introduzida normativamente em nosso país a teoria da responsabilidade objetiva do Estado. Assim dispunha o artigo 194 do citado diploma legal: "As pessoas jurídicas de Direito Público Interno são civilmente responsáveis pelos danos que os seus funcionários, nessa qualidade, causem a terceiros." E, no parágrafo único do mesmo artigo, lia-se: "Caber-lhes-á ação regressiva contra os funcionários causadores do dano, quando tiver havido culpa destes."

O Diploma de 1967, bem como a Emenda nº 1 de 1969, repetiram a norma da Carta de 1946 acrescentando, apenas, que a ação regressiva – objeto do parágrafo único - movida pela Administração contra o funcionário caberia em caso de culpa ou dolo do mesmo.

Por sua vez, a Carta Política de 1988, em seu artigo 37, § 6º, determina que: "As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa."

Por sua vez, o Código Civil de 2002, ainda que não tenha repetido a norma do artigo 15 do código Civil de 1916, determina, em seu artigo 43 que: "as pessoas jurídicas de direito público interno são civilmente responsáveis por atos de seus agentes que nessa qualidade causem danos a terceiros, ressalvado o direito de regressivo contra os causadores de dano, se houver, por parte destes, culpa ou dolo." Ainda que tenha previsto tal responsabilidade, o texto legal do Código Civil é atrasado em relação ao dispositivo constitucional, uma vez que omite as pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviço público.

É com fundamento no artigo 37, § 6º, da Constituição vigente que se fará uma abordagem mais pormenorizada acerca das características e elementos constitutivos da responsabilidade estatal no Brasil, bem como por qual teoria optou legislador pátrio ao conceber referido dispositivo, o dano passível de indenização, quais as causas que afastam ou atenuam o dever de ressarcir o dano causado pelo Estado e, ainda, como se dá a responsabilização pessoal do agente deflagrador do dano causado a terceiros.

3.2 OS SUJEITOS QUE COMPROMETEM O ESTADO

O Estado, como pessoa jurídica que é, não tem o condão de manifestar sua vontade ou agir segundo seus próprios critérios, uma vez que lhe falta tanto vida anímica independente como manifestação psicológica e física próprias [44].

Isto, contudo, não quer dizer que lhe faltem vontade e ação no sentido jurídico empregado aos termos. Assim, para que o Estado se manifeste nas mais diversas áreas do convívio em sociedade é necessário que o faça através de prepostos, ou seja, seres/pessoas físicas que atuem na qualidade de agentes públicos. O Direito cria a denominada pessoa jurídica – quer seja de direito público ou privado – e, para que estas se manifestem no universo que as cercam, cria também dadas realidades ficcionais – vontade e ação – que serão desempenhadas por agentes a elas ligados.

É justamente por isso que o § 6º do artigo 37 da Constituição Federal estabelece, para fins de responsabilização estatal, que o agir da pessoa política ou da pessoa jurídica de direito privado prestadora de serviço público deve, necessariamente, ser realizado por agentes que se revistam desta qualidade.

Porém, o que quis dizer a Carta Magna ao aludir à expressão "agentes"? Quais as pessoas que podem ser consideradas agentes públicos e, portanto, passíveis de atuação responsável em sede estatal?

Para Celso Antônio Bandeira de Mello, agentes públicos são "os sujeitos que servem ao Poder Público como instrumentos expressivos de sua vontade ou ação, ainda quando o façam apenas ocasional ou episodicamente." [45]Para o abalizado mestre, basta o desempenho de funções estatais para que se verifique a qualidade de agente público, abarcando, portanto, funções políticas e administrativas – quer sejam da administração direta ou indireta.

Note-se que não apenas agentes políticos ou que integrem a Administração Pública Direta ou Indireta com a qualidade de servidores públicos, são passíveis da titularidade "agente público", por exercerem misteres públicos. Os particulares também o podem, como acentua Lúcia Valle Figueiredo: "Mesmo os que, embora exerçam atividade privada, também podem prestar função pública, como os delegados ou concessionários de serviço público." [46]É dizer: basta o exercício de função pública para ser considerado agente público e, portanto, passível de responsabilização conforme os ditames do § 6º do artigo 37 da Carta Magna.

Portanto, quando a Constituição Federal alude à expressão pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviço público, estende, a estes entes, a possibilidade de responsabilização nos moldes previstos pela própria Carta Republicana, afastando, portanto, quaisquer outras regras que não às de sua própria estrutura. Traz-se à colação os ensinamentos de Celso Antônio Bandeira de Mello que, desta forma, aclara a questão: "Ademais, para fins de responsabilidade subsidiária [47] do Estado, incluem-se, também, as demais pessoas jurídicas de Direito Público auxiliares do Estado, bem como quaisquer outras, inclusive de Direito Privado, que, inobstante alheias à sua estrutura orgânica central, desempenham cometimentos estatais sob concessão ou delegação explícitas (concessionárias de serviço público e delegados de função pública) ou implícitas (sociedades mistas e empresas do Estado em geral, quando no desempenho de serviço público propriamente dito)."

Por fim, cumpre salientar, conforme os ensinamentos de Eros Roberto Grau [48] e Di Pietro [49] que, quando atua o Estado na execução de atividades exploradoras do domínio econômico, ou seja, mediante empresas públicas ou sociedades de economia mista executem atividades econômicas, o fazem sob o regime de natureza privada e, portanto, estes entes ficam excluídos da responsabilização conforme os ditames constitucionais, haja vista que não estão a executar serviço público, restando, portanto, a responsabilidade conforme disciplinada pelo direito privado.

3.3 OS COMPORTAMENTOS ESTATAIS QUE IMPORTAM EM RESPONSABILIZAÇÃO

Importa agora analisar quais são as espécies de comportamento do Estado que importam em responsabilização do mesmo e qual, dentre as várias teorias suscitadas, optou o legislador pátrio ao estabelecer a norma contida no § 6º, do artigo 37, da Constituição Federal. É dizer: basta para a caracterização da Responsabilidade Extracontratual do Estado a mera objetividade da conduta lesiva a terceiros, ou é de se indagar se houve, ou não, culpa ou dolo no agir do agente estatal que suscite em dever do Estado indenizar o lesado pela prática do ato revestido nestas condições?

Para que não haja quaisquer dúvidas acerca das modalidades de condutas lesivas que ensejem responsabilidade, dividir-se-ão os atos do Estado em duas categorias perfeitamente delimitadas e distintas, a saber, atos comissivos lícitos e ilícitos e atos omissivos.

3.3.1 RESPONSABILIDADE POR ATOS COMISSIVOS LÍCITOS E ILÌCITOS

Dentro da idéia de Estado de Direito e de República – conceitos e princípios sob os quais entendemos estar a Responsabilidade do Estado estritamente vinculada – toda e qualquer ação estatal que importe em reais sacrifícios ao patrimônio ou direito de terceiros deverá, necessariamente, ser indenizada pelo aparelho estatal.

Assim, quando o Estado age licitamente na busca da consecução de seus deveres e, por este agir positivo seu, gerar danos a bem jurídico tutelado de terceiros deverá, como conseqüência necessária da aplicação do princípio da igualdade, reparar o prejuízo por este sofrido.

Uma vez atribuído ao Poder Público o uso e monopólio da força, e ainda atuação da qual não pode o administrado furtar-se em virtude da posição privilegiada que aquele ocupa, é natural que este reste responsabilizado quando, por ato positivo lícito, acarrete danos ou prejuízos que devam ser apenas suportados por algum ou alguns. Se toda a coletividade se beneficia do ato estatal por ela própria consentida, também deverá arcar com os eventuais danos que estes possam vir a provocar.

Neste sentido, pondera Lucia Valle Figueiredo: "Doutra parte, se a Administração, ao dar cumprimento a suas funções, ao exercer, de conseguinte, suas competências-deveres, lesar o administrado, também responderá por ato lícito, sob o fundamento do princípio da igualdade (se todos são iguais perante a lei, também o devem ser no tocante às cargas públicas)." [50]

Destarte, pela exegese da norma explicitada no art. 37, § 6º da Carta Magna, bem como pela interpretação sistêmica dos preceitos positivados pelo mesmo diploma legal, quais sejam, Estado de Direito, princípio republicano e principio da igualdade, não restam dúvidas acerca de qual teoria é a aplicada em nosso Direito em sede de responsabilização estatal, quando da atuação positiva do Estado por comportamentos lícitos.

Pelo mesmo viés de raciocínio, também os atos comissivos ilícitos praticados pelos Estado, importarão em dever de reparação do dano sofrido por terceiro. Resta saber se também nestes casos caberá a aplicação da teoria objetiva da responsabilidade estatal.

Assim é que o Estado, por vezes, poderá atuar em desacordo com o ordenamento jurídico positivado e, portanto, agindo em ilegalidade. Desta feita, em que a pessoa política atua ilegitimamente, não há que se falar em mudança de tratamento legal no que tange à sua responsabilização.

Ensina, sobre este propósito, Celso Antônio Bandeira de Mello: "Deveras, se a conduta legitima produtora de dano enseja responsabilidade objetiva, a fortiori deverá enseja-la a conduta ilegítima causadora de lesão jurídica. È que tanto numa como noutra hipótese o administrado não tem como se evadir à ação estatal. Fica à sua mercê, sujeito a um poder que investe sobre uma situação juridicamente protegida e a agrava." [51]Por via de conseqüência lógica, o princípio da isonomia volta a socorrer aquele sobre o qual recaiu um ônus maior do que deveria por ele ser suportado.

Em ambos os casos – de atuação legitima e ilegítima – a norma constitucional brasileira abarca a teoria da responsabilidade objetiva, não carecendo, portanto, de se indagar se houve ou não, qualquer dos elementos subjetivos caracterizadores da teoria subjetiva da responsabilidade para se averiguar o dever de indenizar por parte do Estado. É dizer: basta a mera relação de causalidade entre o agir do Estado e o dano suportado indevidamente por um ou mais administrados, para que se configure a figura da Responsabilidade Extracontratual do Estado.

3.3.2 RESPONSABILIDADE POR ATOS OMISSIVOS

Uma vez ser pacífico, tanto pela melhor doutrina quanto pela jurisprudência, o entendimento de que em se tratando de casos de atuação positiva estatal - atuação esta amparada ou não pelo ordenamento jurídico – a teoria utilizada para fins de responsabilização do mesmo, consoante o dispositivo constitucional, será a objetiva, resta saber se também há uniformidade de pensamento quanto à responsabilidade do Estado por atos omissivos.

Com o supedâneo de doutrinadores do porte de Celso Antônio Bandeira de Mello [52], Oswaldo Aranha Bandeira [53] de Mello e Lucia Valle Figueiredo [54], corroboramos do entendimento que, mesmo sendo indubitável o caráter predominantemente objetivo da norma contida no artigo 37, § 6º da Carta Republicana, isto não significa, em hipótese alguma, estar afastada do âmbito de atuação do citado preceito a teoria da responsabilidade subjetiva do Estado, na modalidade faute du service, quando estivermos diante de casos de omissão do Poder Público.

Nestes casos, em que o Estado não atua positivamente, não há como adequar a responsabilidade com base na teoria do risco-proveito uma vez que é de se averiguar, em momento anterior ao da própria responsabilização, se havia – ou não – dever legal, imposto ao Estado, no sentido de agir em dada situação.

Ora, para que haja possibilidade de responsabilização em face de atos omissivos do Estado, é necessário haver dever jurídico impondo ao mesmo que se faça presente em dada situação, pois, caso contrário, estaríamos extraindo um dever indenizatório do nada, não havendo qualquer fundamento jurídico para tal. [55] É razoável que venha a responder somente quando estava obrigado por direito a impedir eventual dano oriundo de sua omissão.

Oswaldo Aranha Bandeira de Mello, assim elucida a questão sobre a necessidade de imposição legal ao Estado na prevenção ou remediação de dado evento danoso e, não o fazendo, incidindo sobre ele responsabilidade com fundamento na teoria da faute du service: "Destarte, a responsabilidade do descumprimento da lei, que deixou de ser obedecida na conformidade do seu comando. Em se desviando-se a prestação do serviço do regime legal a ele imposto, deixando de presta-lo, ou prestando com atraso ou de modo deficiente, por falha na sua organização, verifica-se a responsabilidade da pessoa jurídica,e, portanto, do Estado, que, então, deve compor o dano conseqüente dessa falta administrativa, desse acidente quanto à realização do serviço.

Mas, repita-se responsabilidade com base em culpa." [56]

Note-se, entretanto, que esta não é a posição unânime entre nossos autores. Muitos deles propugnam no sentido de admitir, tão somente, a responsabilidade objetiva como regra no direito pátrio. Traz-se à cola, os ensinamentos de Hely Lopes Meirelles: "O §6º do art. 37 da CF seguiu a linha traçada nas Constituições anteriores, e, abandonando a privatística teoria subjetiva da culpa, orientou-se pela doutrina do Direito Público e manteve a responsabilidade civil objetiva da Administração, sob a modalidade do risco administrativo." [57]

Todavia, em que pese os argumentos do citado autor, havendo dever jurídico para a atuação do Estado no sentido de prevenir ou remediar certo evento danoso e este não o faz, não bastará, pois, para sua responsabilização, a mera relação de causalidade entre o não agir e o dano suportado, devendo, necessariamente, averiguar-se se o Estado agiu com imprudência, imperícia, negligência ou ainda dolo, caracterizando seu agir ilícito e, portanto, passível de responsabilização com fundamento na teoria subjetiva.

A jurisprudência, ainda que timidamente, pois em sua grande maioria entende que a regra do artigo 37, §6º da Carta Republicana é eminentemente objetiva, já vem aceitando, em alguns casos, a responsabilização do Estado por atos omissivos com fundamento na teoria da faute du service, conforme se depreende do julgado trazido à colação proferido pelo Supremo Tribunal Federal, quando do julgamento do recurso Extraordinário n.º 179.147-1/SP, de 27 de fevereiro de 1998:

"Constitucional. Administrativo. Civil. Dano Moral. Responsabilidade civil das pessoas jurídicas de direito público e das pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviço público. Ato omissivo de poder público: morte de presidiário por outro presidiário: responsabilidade subjetiva: culpa publicisada: faute du service. CF, art. 37, § 6º. 1. A responsabilidade civil das pessoas jurídicas de direito público e das pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviços serviço público, responsabilidade objetiva, com base no risco administrativo, ocorre diante dos seguintes requisitos: (a) do dano; (b) da ação administrativa; (c) e desde que haja nexo causal entre o dano e a ação administrativa. 2. Essa responsabilidade objetiva, com base no risco administrativo, admite pesquisa em torno da culpa da vítima, para o fim de abrandar ou mesmo excluir a responsabilidade da pessoa jurídica de direito público ou da pessoa jurídica de direito privado prestadora de serviço público. 3. Tratando-se de ato omissivo do poder público, a responsabilidade civil por tal ato é subjetiva, pelo que exige dolo ou culpa, numa de suas três vertente, negligência, imprudência ou imperícia, não sendo, entretanto, necessário individualizá-la, dado que pode ser atribuído ao serviço público, de forma genérica, a faute du service dos franceses. 4. Recurso extraordinário não conhecido."

Para dar fins a esta questão, trazemos à luz as palavras de Celso Antônio Bandeira de Mello: "O certo e inquestionável, demais disso, é que se engaja responsabilidade estatal toda vez que o serviço apresentar falha, reveladora de insuficiência em relação ao seu dever normal, causando agravo a terceiro. Neste caso, a responsabilidade será subjetiva." [58]

3.4 O DANO PASSÍVEL DE INDENIZAÇÃO

Cumpre agora discriminar quais os caracteres do dano, objetivamente falando, para que possam ser fruto de possível indenização por parte do Estado, tendo em vista que nem sempre o dano gerado pela ação ou omissão estatal será passível de responsabilização. [59]

O primeiro caracter que implica ser o dano passível de responsabilização é a lesão a direito. Portanto, não basta a mera supressão patrimonial ou econômica, é necessária a lesão jurídica precedente. Portanto, ainda que o dano econômico seja pressuposto do dano indenizável – salvo nos casos de danos morais -, mister haja dano em direito reconhecido e garantido pelo ordenamento jurídico, sempre averiguado, por conseqüência lógica, em momento anterior ao próprio dano econômico ou patrimonial.

O segundo requisito para a configuração do dano indenizável é a certeza. O dano, portanto, deve ser aferível, mensurável, quantificável, e não meramente eventual ou possível. Note-se, entretanto, que o dano poderá ser futuro, desde que ele seja certo, real.

Ademais disto, nos casos de comportamentos lícitos do Estado, necessária é a ocorrência dos elementos especialidade e anormalidade do dano, conjugados com os dois primeiros já referidos que servem e exaurem o dano indenizável, tão somente aos casos de comportamentos ilícitos, quer sejam omissivos ou comissivos, do Estado.

Nas palavras de Celso Antônio Bandeira de Mello, dano especial "é aquele que onera a situação particular de um ou alguns indivíduos, não sendo, pois, um prejuízo genérico, disseminado pela Sociedade." [60]É o dano perfeitamente delimitável em razão de um ou alguns sujeitos de direito.

Já pela anormalidade, entende-se que esta quer significar o dano que extrapola os ônus normais caracterizadores do convívio em sociedade. Lucia Valle Figueiredo, assim os define: Devem ser anormais, isto é, transcendendo os incômodos normais a que qualquer um deve se submeter por viver em sociedade." [61]

Em suma, portanto, temos que para a configuração do dano passível de indenização por parte da Fazenda Pública em casos de comportamentos comissivos ou omissivos ilícitos do Estado basta a existência da lesão ao direito e da certeza do dano. Porém, se estivermos diante de atos lícitos do Poder Público, conjugar-se-ão aos dois primeiros, os elementos da anormalidade e da especialidade.

3.5 EXCLUDENTES DA RESPONSABILIDADE DO ESTADO

Corolário dos princípios republicano e da legalidade, o Estado sempre responderá por atos ou omissões, lícitas ou ilícitas, que atinjam a esfera de direitos tutelados dos indivíduos, conforme se tem afirmado e demonstrado até o presente momento.

Porém, casos há em que o Estado se exime do dever de indenizar o particular, tendo em vista a atuação de uma das figuras chamadas causas excludentes da responsabilidade do Estado. Destarte, ocorrendo no bojo da situação fática qualquer destas espécies jurídicas, a Fazenda Pública fica isenta de reparar o dano sofrido pelo administrado.

Estando diante da teoria objetiva da responsabilidade do Estado, restará este isento de indenizar o dano sofrido pelo particular, bastando a comprovação da inexistência do nexo de causalidade entre o comportamento comissivo e o dano gerado. Ora, se é de se aplicar a teoria objetiva em face de comportamentos comissivos da pessoa política, quer sejam lícitos ou ilícitos, não havendo o nexo de causalidade entre o ato estatal e o dano suportado pelo(s) particular(es), não há que se falar em responsabilização do Poder Público.

Quanto se nos apresentar a responsabilidade do Estado por comportamentos omissivos ilícitos e, portanto, respaldado na teoria subjetiva da responsabilidade, ficará afastada a mesma caso não tenha havido negligência, imprudência ou imperícia, tampouco dolo na omissão estatal. Assim, agindo o Estado dentro daquilo que impunha os ditames legais, ou das "possibilidades reais médias dentro do ambiente em que se produziu o fato danoso" [62], não há se falar em responsabilização estatal.

A doutrina vem ainda utilizando-se de outras duas causas excludentes da responsabilidade do Estado, quais sejam, a culpa da vítima e a força maior.

Por culpa da vítima, entende-se o evento em que aquele que sofreu o prejuízo pelo agir estatal atuou exclusivamente para a ocorrência do fato danoso. Assim, quando que deu causa ao dano suportado foi a própria vítima, por ato exclusivo seu, não caberá, por óbvio, indagação acerca da responsabilidade do Estado. [63]Note-se neste ponto que se a vítima agiu concorrentemente com o Estado para a produção do evento danos, ainda sim restará o dever de ressarcimento por parte daquele, porém, neste caso, de forma atenuada.

Já a força maior – ocorrência imprevisível e inevitável da natureza, absolutamente independente das vontades das partes [64] - somente poderá ser invocada para excluir a responsabilidade do Estado caso, aliada a ela, ocorrer omissão do Poder Público na realização de um serviço público que lhe era legalmente imposto. Porém, havendo o dever de agir e não o fazendo o Estado, somente se eximirá da culpa caso não haja ocorrência de quaisquer dos elementos caracterizadores da culpa na teoria da faute du service.

3.6 O DIREITO DE REGRESSO

Consoante o disposto na parte final do artigo 37, § 6º da Constituição Federal é, à pessoa jurídica de direito público ou de direito privado prestadora de serviço público, "assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa". Assim, o citado diploma confere ao Estado – ou a quem faça suas vezes no mister de executar serviços públicos – agir regressivamente contra o causador do dano a terceiro, desde que este tenha agido com dolo ou culpa, para fins de ser ressarcido pelos prejuízos oriundos da conduta do agente público.

Assim, nos encontramos diante de duas relações jurídicas diferentes e com regimes jurídicos distintos, quais sejam, a relação entre o Estado e a vítima e a relação entre o agente público causador do dano e o próprio Estado. Na primeira, por se tratar de ato comissivo, é de se usar a teoria da responsabilidade objetiva, já na segunda, por expressa disposição constitucional, utilizar-se-á a teoria subjetiva da responsabilidade.

Torna-se pertinente neste ponto a indagação acerca da obrigatoriedade, ou não, da denunciação da lide pelo Estado conforme disposto no inciso III, do artigo 70 do Código de Processo Civil, que assim dispõe: "A denunciação da lide é obrigatória àquele que estiver obrigado, pela lei ou pelo contrato, a indenizar, em ação regressiva, o prejuízo do que perder a demanda."

Corrobora-se aqui os entendimentos de Celso Antônio Bandeira de Mello [65], Lucia Valle Figueiredo [66] e Weida Zancaner [67] que dizem ser descabidos este propósito, uma vez que não há de se agrupar, num mesmo processo, temas de responsabilidade objetiva e subjetiva.

Chama-se à colação os ensinamentos de Lucia Valle Figueiredo sobre este ponto em específico: "Não pode lei menor empecer a grandeza do instituto. A pretexto de discutível economia processual, não se pode deixar instaurar, no bojo da lide, outra lide – a do Estado e do funcionário -, ocasionando graves percalços ao lesado." [68]


Notas

1 Interessante aqui salientar a posição de Geraldo Ataliba que entende ser o princípio republicano "cláusula pétrea" na ordem constitucional vigente. Para o referido autor, ainda que não haja previsão expressa desta condição em face do contido no § 4º do art. 60, este o fez de forma indireta, ao arrolar como impossibilitados de serem objeto de deliberação o voto direto, secreto, universal e periódico, separação dos poderes, direitos e garantias individuais. Para o citado autor, estes direitos se resumem em uma única palavra: República. (ATALIBA, Geraldo. República e Constituição. 2.ª ed. São Paulo: Malheiros Editores, 1988.)

2 CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 5.ª ed. Coimbra: Almedina, 2002. pg. 224.

3 BARBOSA, Ruy. Comentários à Constituição Federal Brasileira. Coligidos por Homero Pires.v.I. São Paulo: Saraiva, 1932. pg. 52

4 SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. 22.ª ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2003. pg. 103.

5 Cf. Canotilho, ob. cit., pg. 227.

6 TEMER, Michel. Elementos de Direito Constitucional. 12.ª ed. São Paulo: Malheiros Editores, 1996. pg. 163.

7 BARBALHO, João. Constituição Federal Brasileira Comentada. Rio de Janeiro, 1924. pg. 61

8 DALLARI, Dalmo. Constituição e Constituinte. São Paulo: Saraiva, 1982. pg. 30.

9 MELLO, Celso Antônio Bandeira. Curso de Direito Administrativo. 11ª ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2001. pg 25-55.

10 Note-se que corroboramos do magistério de Maria Sylvia Zanella Di Pietro ao aludir acerca do correto uso da palavra Estado, e não Administração Pública, quando do tratamento do tema Responsabilidade Extracontratual Estatal uma vez que nem sempre o ato ensejador de responsabilidade emana do Poder Executivo. Nas palavras da própria autora: "Trate-se de dano resultante de comportamentos do Executivo, do Legislativo ou do Judiciário, a responsabilidade é do Estado, pessoa jurídica; por isso é errado falar em responsabilidade da Administração Pública, já que esta não tem personalidade jurídica, não é titular de direitos e obrigações na ordem civil. A capacidade é do Estado e das pessoas jurídicas públicas ou privadas que o representam no exercício de parcela de atribuições estatais. (DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 14ª ed. São Paulo: Editora Atlas, 2002. pg 523).

11 Ob. cit., p. 799.

12 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 23ª ed. São Paulo: Malheiros Editores, 1998. pg. 530.

13 Ob. cit., p. 800.

14Diz o autor: "Entendemos necessário discernir, e sacar para fora do campo da responsabilidade, apenas os casos em que o Direito confere à Administração poder jurídico diretamente preordenado ao sacrifício do direito de outrem. Diversamente, consideramos inclusos no tema da responsabilidade os casos em que uma atividade lícita do Estado, orientada para certo fim não necessariamente entrechocante com o direito de outrem, vem, todavia, a compor situação na qual este resulta transgredido, como conseqüência mediata do comportamento estatal lícito." Ob. cit., p. 802.

15 Posicionam-se de modo a admitir a teoria objetiva como regra da responsabilidade estatal, dentre outros, os seguintes juristas: Hely Lopes Meirelles, Ob. cit., pp. 534 e ss; José de Aguiar Dias, Da Responsabilidade Civil,1954, pp.552 e ss; Mário Mazagão, Curso de Direito Administrativo, 6ª ed., São Paulo, Ed.Rt, 1977, p.303. Em sentido oposto, ou seja, admitindo tanto a teoria objetiva quanto a subjetiva da responsabilidade estatal, dependendo, para sua aplicabilidade, de cada caso em particular, encontramos, dentre outros, os seguintes jurisperitos: Celso Antônio Bandeira de Mello, Ob. cit., pp. 837; Lúcia Valle Figueiredo, Curso de Direito Administrativo, 4ª ed., São Paulo, Malheiros Editores, 2000, pp.275; Oswaldo Aranha Bandeira de Mello, Princípios Gerais de Direito Administrativo,1.ed., v. II, Rio de Janeiro, Forense, 1974, p.487.

16 Maria Sylvia Zanella Di Pietro, Ob. cit., p. 525.

17 DUGUIT, León. Las transformaciones del Derecho (publico y privado). Buenos Aires: Editorial Heliasa S.R.L., 1975. p.136.

18 "É, pois, em definitivo, o Estado soberano quem cria o direito e, assim sendo, não se pode admitir que possa ser responsável. A concepção tradicional de responsabilidade implica uma violação do direito: e quem cria o direito por um ato de sua vontade soberana, não o pode violar. Assim como nos países de monarquia absoluta ‘o rei não pode fazer o mal’ e, portanto, não pode ser responsável, o Estado democrático, que nada mais é que a nação soberana organizada, tampouco pode fazer o mal nem ser responsável."

19 Celso Antônio Bandeira de Mello, Ob. cit., p. 807.

20 Celso Antônio Bandeira de Mello, Ob. cit., p. 807.

21 Oswaldo Aranha Bandeira de Mello, Ob. cit., p. 479.

22 Maria Sylvia Zanella Di Pietro, Ob. cit., p. 525.

23 Maria Sylvia Zanella Di Pietro, Ob. cit., p. 526.

24 CAVALCANTI, Themistocles Brandão. Tratado de Direito Administrativo. v. I, 5ª ed. Rio de Janeiro: Editoras Freitas Bastos, 1964. pg. 259.

25 Ob. cit., p. 526.

26 Mister salientar que o citado artigo do antigo Código Civil suscitou inúmeras controvérsias acerca de qual seria a teoria adotada no Brasil para fins de responsabilizar o Estado. Neste sentido é interessante colocar as observações do professor Hely Lopes Meirelles: "Neste dispositivo ficou consagrada, embora de maneira equivoca, a teoria da culpa como fundamento da responsabilidade civil do Estado. A imprecisão do legislador, todavia, propiciou larga divergência na interpretação e aplicação do citado artigo, variando a opinião dos juristas e o entender da jurisprudência entre os que viam, nele, a exigência da demonstração da culpa civil da Administração e os que já vislumbravam admitida a moderna teoria do risco, possibilitando a responsabilidade civil sem culpa em determinados casos de atuação lesiva do Estado." E mais: "Embora insatisfatória a orientação adotada pelo nosso legislador civil para a composição dos danos causados pela Administração Pública, permaneceu entre nós a doutrina subjetiva até o advento da Constituição de 1946, que, com o disposto no art. 194, acolheu a teoria objetiva do risco administrativo, revogando em parte o art. 15 do CC. (Hely Lopes Meirelles, Ob. cit, p. 534.)

27 Ob. cit., p. 379-380.

28 O Arrêt Blanco é um divisor de águas na questão da responsabilidade estatal, pois é justamente pelas consequencias de sua decisão que se deu o primeiro passo rumo à desvinculação das teorias civilistas para fins de se apurar a responsabilidade do Estado, utilizando-se, a partir daí, as teorias publicitas para tais questões.

O caso passou-se na França no ano de 1873. Uma menina chamada Agnes Blanco, na cidade de Bordeaux, ao tentar atravessar uma rua que separava um armazém do hangar de uma fábrica de tabaco, foi atropelada por uma vagonete da Cia. Nacional de Manufatura de Fumo. Dentro desta vagonete encontravam-se quatro operários da fábrica. O pai da criança acionou perante o Tribunal Civil francês, com fundamento no art. 1382 do Código de Napoleão, pedido de indenização com fundamento de que o Estado era civilmente responsável por prejuízos causados a terceiros, em face de comportamentos danosos de seus agentes. Por se tratar de questão envolvendo o funcionamento de serviço público, o Tribunal de Conflitos decidiu, após longas controvérsias, que a competência para processar e julgar esta testilha seria do Tribunal Administrativo. Assim, decidiu este último Tribunal pela impossibilidade de se julgar questões de responsabilidade estatal com fundamento na teoria do Direito Privado, uma vez que o Estado estava sujeito a regras especiais que variavam de acordo com a necessidade do serviço público a ser prestado e ainda pela necessidade de se conciliar os interesses e direitos do Estado com os direitos dos particulares que haviam sofrido a ação violadora de seus direitos.

29 Ob. cit., p. 482.

30 Neste sentido: Celso Antônio Bandeira de Mello, Ob. cit., p. 808; Oswaldo Aranha Bandeira de Mello, Ob. cit., p. 482 e Maria Sylvia Zanella Di Pietro, Ob. cit., p. 527.

31 Ob. cit., p. 482

32 Ob. cit., p. 482 e 483.

33 Ob. cit., p. 809 a 811.

34 Ob. cit., p. 811.

35 Ob. cit., p. 527.

36 Ob. cit., p. 373.

37 Ob. cit., p. 532.

38 CRETELLA JÚNIOR, José. Tratado de Direito Administrativo. v.VIII. Rio de Janeiro: Editora Forense, 1970. p. 69-70.

39 Ob. cit., p. 533.

40 Há quem critique esta distinção feita pelo professor Hely Lopes Meirelles. É o caso do jurista Yussef Said Cahali que desta forma aborda o tema: "a distinção entre risco administrativo e risco integral não é ali estabelecida em função de uma distinção conceitual ou ontológica entre as duas modalidades de risco pretendidas, mas simplesmente em função das consequências irrogadas a uma outra modalidade: o risco administrativo é qualificado pelo seu efeito de permitir a contraprova de excludente de responsabilidade, efeito que seria inadmissível se qualificado como risco integral, sem que nada seja enunciado quanto à base ou natureza da distinção." E continua: "deslocada a questão para o plano da causalidade, qualquer que seja a qualificação atribuída ao risco – risco integral, risco administrativo, risco proveito – aos tribunais se permite exclusão ou atenuação daquela responsabilidade do Estado quando fatores outros, voluntários ou não, tiverem prevalecido ou concorrido como causa na verificação do dano injusto." (CAHALI, Yussef Said. Responsabilidade Civil do Estado. São Paulo: Malheiros Editores, 1995. p. 40)

41 Maria Sylvia Zanella Di Pietro, Ob. cit., p.528.

42 Ob. cit., p. 528

43 Ob. cit., p. 534

44 Celso Antônio Bandeira de Mello, ob. cit., p. 813.

45 Ob. cit. pg. 226.

46 Ob. cit., pg. 532.

47 Neste ponto, interessante salientar que existe divergência doutrinária quanto à espécie de responsabilidade aplicada às pessoa jurídicas de direito privado prestadoras de serviço público. Enquanto Lúcia Valle Figueiredo (Ob.cit., pg. 270) entende ser esta responsabilidade solidária, uma vez que poderia o lesado ingressar ação de ressarcimento tanto em face da pessoa política quanto contra o prestador do serviço público, restando, ao Estado o direito de regresso, Celso Antônio Bandeira de Mello (Ob. cit., pg. 815) afirma ser esta subsidiária, o que implicaria ao lesado esgotar todas as forças da entidade alheia à estrutura estatal para, após, ingressar contra a pessoa política.

48 GRAU, Eros Roberto. A Ordem Econômica na Constituição de 1988. 8.ª ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2003.

49 Ob. cit., pg. 530.

50 Ob. cit., pg. 261

51 Ob. cit., pg. 817

52 Ob. Cit., pg. 837

53 Ob. Cit., pg. 487

54 Ob. Cit., pg. 255

55 Celso Antônio Bandeira de Mello, ob.cit., pg. 819.

56 Ob. cit., pg. 482

57 Hely Lopes Meirelles, op. cit., p. 535

58 Ob.cit., pg. 838

59 Neste sentido: Lucia Valle Figueiredo, ob.cit., pg. 264 e ss; Celso Antônio bandeira de Mello, ob.cit., pg. 826 e ss; Oswaldo aranha bandeira de Mello, ob.cit., 478 e ss.

60 Ob. cit., pg. 828

61 Ob. cit., pg. 264.

62 Celso Antônio Bandeira de Mello, ob. cit., pg. 819.

63 Celso Antônio Bandeira de Mello critica esta colocação aludindo ao fato de que a culpa exclusiva da vítima afasta o nexo de causalidade entre a atuação estatal e o dano sofrido e não a própria culpa do Estado no acontecimento danoso. Para o citado autor, nestes casos, por estarmos diante da responsabilidade fundada na teoria do risco-proveito, jamais se afastará a culpa do Estado, mas sim o nexo causal. (Celso Antônio Bandeira de Mello, ob.cit., pg. 829)

64 MORAES, Alexandre. Constituição do Brasil Interpretada. 1.ª ed. São Paulo: Editora Atlas, 2002.

65 Ob. cit., pg. 840.

66 Ob. cit., pg. 263.

67 ZANCANER, Weida. Responsabilidade Extracontratual da Administração Pública. São Paulo: Editora RT, 1981.

68 Ob. cit., pg. 263.


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PIZATO, Octavio Pelucio Ottoni. Breve historico da responsabilidade extracontratual do Estado e seu tratamento no direito positivo brasileiro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 314, 17 maio 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/5272. Acesso em: 2 maio 2024.