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Desapropriação para fins de reforma urbana e o Estatuto da Cidade (Lei nº 10.257/2001)

Desapropriação para fins de reforma urbana e o Estatuto da Cidade (Lei nº 10.257/2001)

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A desapropriação por descumprimento da função social da propriedade urbana possui caráter sancionatório, que se manifesta pelo pagamento da indenização não em dinheiro, mas em títulos da dívida pública.

Sumário: Introdução: A desapropriação como instrumento urbanístico. 1. Função social da propriedade urbana. 1.1. Função social da propriedade: considerações preliminares. 1.2. A função social da propriedade no ordenamento jurídico brasileiro. 1.3. A propriedade urbana e sua função social. 2. A Constituição Federal de 1988 e a questão urbana. 2.1. Competências em matéria urbanística. 2.2. A política urbana. 3. O Estatuto da Cidade. 3.1. O Estatuto da Cidade e os instrumentos constitucionais de política urbana. 3.2. Parcelamento, edificação ou utilização compulsórios. 3.3. IPTU progressivo no tempo. 4. Desapropriação para fins de reforma urbana. 4.1. Objeto. 4.2. Competência expropriatória. 4.3. Pressupostos. 4.4. Indenização. 4.5. Destinação do bem expropriado. 4.6. Procedimento expropriatório. Conclusões: A inaplicabilidade prática da desapropriação para reforma urbana. Bibliografia.


Introdução: A desapropriação como instrumento urbanístico.

Desde o século XIX, quando a Revolução Industrial foi o ápice de um processo de mutação da sociedade para o modelo capitalista, a civilização ocidental vem presenciando profundas transformações não apenas econômicas, mas, principalmente, sociais e políticas. A transposição do modo de produção agrícola pelo industrial propiciou uma gama de mudanças como a alteração na distribuição territorial da população. De fato, as pessoas deixaram o campo, passando a viver próximas aos aglomerados industriais, onde havia mais e "melhores" oportunidades de trabalho, não restritas às próprias indústrias, mas também em todas as atividades e serviços que com elas se relacionavam. Eis o surgimento das grandes cidades.

No entanto, o adensamento populacional em áreas urbanas ocorreu de forma desordenada, ensejando, em contrapartida, a eclosão de problemas estruturais como a precariedade das vias de acesso, do saneamento e dos meios de transporte, a degradação do patrimônio histórico e paisagístico, a inexistência de áreas de lazer, a ocupação irregular do solo e, ainda, o déficit habitacional. Na tentativa de disciplinar o planejamento urbano, o uso e ocupação do solo e a ordenação urbanística da atividade edilícia, desenvolveu-se o Direito Urbanístico, como "ramo do direito público que tem por objeto expor, interpretar e sistematizar as normas e princípios reguladores da atividade urbanística" [1]. E, nesse mister, foram desenvolvidos diversos instrumentos de atuação e intervenção do Poder Público na organização e na atividade urbana.

Dentre os instrumentos de intervenção, destacam-se as limitações ou restrições urbanísticas à propriedade privada. São elas formas de adequação do direito de propriedade às bases da ordenação da realidade urbana, ao planejamento e aos projetos urbanos fixados em lei, ou seja, trata-se da conformação à função social urbana. José Afonso da Silva [2], costuma apontar como espécies de limitação à propriedade privada, as restrições, as servidões e a desapropriação, conforme atinjam, respectivamente, o caráter absoluto, exclusivo ou perpétuo da propriedade.

Dentre esses instrumentos, a desapropriação é, certamente, o mais drástico, pois se traduz na transferência compulsória de um bem do patrimônio particular para o patrimônio público municipal ou para outro particular, mediante uma reposição financeira. A conceituação do instituto em muito se assemelha à desapropriação tradicional. No entanto, o traço distintivo gira em torno dos fins a que se destina. Com efeito, em matéria de Direito Urbanístico, a desapropriação tem por escopo a conformação da propriedade privada ao planejamento urbanístico, ora porque determinado bem imóvel encontra-se em área integrante de projeto de urbanificação, ora porque seu proprietário está remisso no cumprimento da função social que lhe é legalmente atribuída.

A desapropriação urbanística, em seu dúplice aspecto, foi constitucionalmente prevista no art. 182 da Carta Magna de 1988 [3], que tratou da desapropriação para urbanificação no § 3º, fazendo, ainda, expressa menção à desapropriação por descumprimento da função social da propriedade urbana no § 4º, do mesmo dispositivo, atribuindo-lhe caráter sancionatório que se verifica pelo pagamento da indenização não em dinheiro, mas em títulos da dívida pública.

E é acerca dessa desapropriação de feição sancionatória que se ocupará este trabalho, por ser modalidade ainda pouco difundida e apreciada pela doutrina pátria, mas que, no entanto, após a edição do Estatuto da Cidade [4], em julho de 2001, recebeu a regulamentação infraconstitucional de que carecia para ser efetivamente utilizada como instrumento de conformação da propriedade aos interesses urbanísticos.

De fato, já é assente na disciplina da propriedade em geral, que não mais detém ela o caráter absoluto de outrora. Ao contrário, se lhe atribui hoje uma função, uma finalidade, qual seja a de produzir riquezas para o crescimento e o desenvolvimento da coletividade. Não é diferente com a propriedade urbana. Não pode ser utilizada de acordo com o "bel prazer" do seu titular ou, pior, não pode ser inutilizada ou mesmo manter-se inerte com objetivos egoísticos de mera especulação imobiliária. O imóvel urbano deve fazer parte de um projeto maior, adequar-se a interesses meta-individuais no sentido de auxiliar na expansão da urbanificação, visando, sempre, o bem-estar e o interesse coletivo.

Assim é que a desapropriação para fins de reforma urbana torna-se instrumento imprescindível do administrador municipal para, penalizando o proprietário negligente, atribuir ao bem o seu aproveitamento adequado.

No entanto, conforme se demonstrará a seguir, a disciplina conferida ao instituto em exame pelo Estatuto da Cidade lhe impõe características particulares e requisitos específicos, cuja inobservância impossibilitarão sua utilização e lhe esvaziarão o conteúdo.

Realmente, a edição da Lei n.º 10.257/2001, intitulada Estatuto da Cidade, era ansiosamente aguardada pelos estudiosos do Direito Urbanístico e pelos próprios administradores pois, não só criou instrumentos inéditos no ordenamento brasileiro, como também trouxe a regulamentação de diversos institutos constitucionais que careciam de disciplina legal para serem amplamente difundidos. Dentre esses últimos encontra-se a desapropriação sanção para fins urbanísticos, que foi disciplinada pelo art. 8º do Estatuto [5], e em cuja direção nos voltamos a partir de agora.


1. Função social da propriedade da propriedade urbana.

A análise de qualquer instrumento de intervenção do Estado na propriedade privada, como o é a desapropriação e, mais especificamente aquela destinada à reforma urbana, não pode prescindir de prévio estudo acerca da caracterização da função social e de sua evolução no Direito.

1.1.Função social da propriedade: considerações preliminares.

A relevância conferida ao direito de propriedade não é uma característica do estágio atual da civilização. É bem verdade, que em uma sociedade capitalista como a atual, a questão da propriedade dos bens e dos meios de produção é indissociável do próprio conteúdo ideológico e das formas de opressão e de concentração de riqueza e poder. No entanto, ao estudarmos os mais diversos períodos da história da Humanidade, deparamo-nos com um dado irrefutavelmente presente, qual seja, a importância atribuída ao direito de propriedade, o qual sempre esteve intrinsecamente ligado à divisão da sociedade em classes e à detenção do poder político e social.

Contudo, apesar de sua presença constante, a noção de propriedade não tem conteúdo estático, imutável. Ao contrário, como bem salientado por José Carlos de Moraes SALLES, "o direito de propriedade tem sido entendido de maneira diversa pelos povos, no tempo e no espaço, em razão das diferenças existentes entre os sistemas econômicos, políticos e jurídicos que adotaram" [6].

Com efeito, a noção de propriedade evoluiu bastante desde os contornos que ostentava no Império Romano até os dias atuais.

De fato, na Roma Antiga, detinha a propriedade caráter absoluto [7], o dominus soli poderia não apenas usar, gozar e dispor da coisa, como também não usar, não gozar e não dispor dela, até mesmo abandonando-a sem utilidade. Na Idade Média, por seu turno, devido à acentuada intervenção do Estado na esfera patrimonial do indivíduo, o exercício do direito de propriedade passou por profundas restrições quanto aos caracteres de exclusividade e extensão.

Na tentativa de insurgir-se contra esse modelo de intervenção estatal desmedida, eclodiu a Revolução Francesa e o pensamento liberal, cuja Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789, em seu art. 17, consagrou a propriedade como inviolável e sagrada, somente permitindo que alguém fosse dela privado nos casos de manifesta necessidade pública e mediante justa e prévia indenização.

Durante esse período, a caracterização da propriedade como direito absoluto parecia ser a noção mais coerente, "talhada para garantir um modelo econômico e uma conseqüente necessidade prática: a de proteger o indivíduo contra o excessivo poder do Estado, permitindo-lhe o desempenho, totalmente autônomo, de sua atividade" [8]. Qualquer interferência sobre o direito de propriedade somente poderia ser justificada pelo regular exercício do poder de polícia.

Tal concepção sucumbiu em face da necessidade crescente de harmonização entre o direito de propriedade, enquanto exercício da autonomia da vontade, com o interesse social e com as prioridades de uma sociedade cada vez mais dividida entre aqueles poucos que detêm grande parte dos bens, e aqueles que, ao contrário, não possuem riqueza alguma.

Foi então que surgiu a teoria da função social da propriedade, idealizada, dentre outros, por Leon DUGUIT, o qual assim a justificava:

Pero la propiedad no es um derecho; es uma función social. El propietario, es decir, el poseedor de una riqueza, tiene, por ele hecho de poseer esta riqueza, una función social que cumplir; mientras cumple esta misión sus actos de propietario están protegidos. Si no la cumple o la cumple mal, si por ejemplo no cultiva su tierra o deja arruinarse su casa, la intervención de los gobernantes es legítima para obligarle a cumplir su función social de propietario, que consiste en asegurar el empleo de las riquezas que posee conforme a su destino. [9]

Ademais, toda a ideologia social surgida no contexto da Revolução Industrial, no século XIX, refletiu no conteúdo do direito de propriedade, convergindo para o estágio em que se encontra na atualidade.

O direito individual de propriedade continua protegido. Contudo, passa a apresentar uma função social, qual seja, a de possibilitar o crescimento econômico do Estado, diminuindo as desigualdades sociais e regionais. A função social, portanto, delimita o direito de propriedade, condiciona-o ao interesse da sociedade e lhe confere a definição e o conteúdo.

Assim, a noção de função social é parte integrante do próprio conceito de propriedade, não se confundindo, porém, com os diversos sistemas de limitação. Estes, como bem diferenciou José Afonso da SILVA, "são externos ao direito de propriedade, vinculando simplesmente a atividade do proprietário, interferindo tão-só com o exercício do direito, e se explicam pela simples atuação do poder de polícia" [10]. A função social, ao revés, diz respeito à estrutura interna do direito mesmo, à propriedade e ao conteúdo que ela encerra.

Por outro lado, o conteúdo desta função social dependerá, como afirmado anteriormente, das necessidades e escolhas do próprio ordenamento jurídico. A ele assiste a faculdade de, submetendo a propriedade aos objetivos sociais, fazer emergir certos deveres e obrigações consistentes em uma atuação positiva do proprietário para utilização do bem em prol da coletividade.

Conseguintemente, o descumprimento das imposições legais, pelo uso nocivo ou, simplesmente, pelo não uso, confere ao Poder Público o dever de sujeitar o proprietário a penalidades, dentre as quais a mais drástica é, sem dúvidas, a desapropriação.

1.2. A função social da propriedade no ordenamento jurídico brasileiro.

A sujeição da propriedade ao interesse público adentrou no ordenamento brasileiro por meio da Carta de 1934 a qual, em seu art. 113, § 17, embora sem fazer expressa menção ao princípio da função social, garantia o direito de propriedade, destacando que o seu uso não poderia ser exercido em contraposição ao interesse social ou coletivo [11].

A Constituição de 1946, por sua vez, também se inspirou no princípio em comento quando da criação da, até então inédita, modalidade de desapropriação por interesse social, a qual, conforme redação que lhe foi dada pela Emenda n.º 10 de 1962, passou a prever a possibilidade dessa forma expropriatória como sanção ao proprietário rural que não adequasse a utilização de seu imóvel ao bem-estar social, assegurando-lhe, em contrapartida, indenização a ser paga em títulos da dívida pública.

A função social da propriedade, de forma geral, desatrelada do instituto da desapropriação, só foi mencionada expressamente pela Constituição de 1967, cujo art. 157, III, elencou-a como um dos princípios da ordem econômica e social [12].

No entanto, foi somente o Constituinte de 1988 que tratou de definir o conteúdo da função social da propriedade. E o fez não só quanto à propriedade rural [13] (art. 186), mas, também, quanto ao cumprimento da função social pela propriedade urbana (art. 182, §2º) [14].

1.3. A propriedade urbana e sua função social.

A questão urbana começou a ganhar relevo nas discussões jurídicas após a Revolução Industrial. De fato, a industrialização impôs, à sociedade da época, profundas alterações quanto à distribuição populacional. Aos poucos as pessoas foram se fixando nas proximidades das indústrias, formando os primeiros grandes aglomerados urbanos.

A elevação da concentração populacional fez, então, emergir problemas típicos de grandes cidades, como escassez de espaços habitáveis, precariedade do saneamento e do transporte e elevação dos índices de poluição. A necessidade de organizar o desenvolvimento e o crescimento urbano e de diminuir o déficit habitacional, deu ensejo à criação de políticas públicas, realizadas por meio do planejamento urbanístico e de normas quanto ao uso e à ocupação do solo, direcionadas às áreas consideradas prioritárias e à solução dos problemas derivados da urbanização moderna.

Como parte da política implantada, são atribuídas aos proprietários de imóveis situados nessas áreas, certas obrigações, que passam a imprimir à propriedade urbana significação pública específica. Não mais se admite o não uso do imóvel com fins meramente especulativos ou sua utilização para satisfação de interesses exclusivamente privados.

Trata-se da submissão da propriedade urbana a uma função social, como bem sumariado por Antonio Carceller FERNÁNDEZ:

Los propietarios de toda clase de terrenos y construcciones deberán destinarlos a usos que no resulten incompatibles con el planeamiento urbanístico y mantenerlos en condiciones de seguridad, salubridad y ornato público. Quedarán sujetos igualmente al cumplimiento de las normas sobre protección del medio ambiente y de los patrimonios arquitectónicos y arqueológicos y sobre rehabilitación urbana. [15]

Desta forma, a função social da propriedade urbana está vinculada ao conteúdo dessas políticas de planejamento e ordenação urbana, que são delimitadas e especificadas no denominado plano diretor do Município.


2. A Constituição Federal de 1988 e a questão urbana.

No Brasil, como de resto em todo o mundo moderno, o problema da superlotação das grandes cidades sempre preocupou os administradores e estudiosos, que clamavam por normatização e desenvolvimento de políticas públicas nesse sentido. A escassez de moradia e a favelização constituem alguns dos maiores problemas enfrentados pelos urbanistas brasileiros e, na verdade, constituem apenas uma vertente do problema maior que é a miséria em que se encontra grande parte da população nacional.

A estiagem no Nordeste, bem como a automação da produção agrícola, têm expulsado o homem do campo e o levado em direção às cidades, onde anseiam obter melhores empregos. No entanto, esse "êxodo rural" tem causado, desde a década de 70, o inchaço das capitais brasileiras, as quais, não possuindo infra-estrutura para absorver essa população excedente, marginaliza-a, ensejando o surgimento das denominadas favelas. Assim é que a constitucionalização de normas de direito urbanístico no País era mais do que necessária, era imperiosa.

No entanto, não obstante o Município, enquanto ente da Federação, já fosse objeto de disciplinamento pelas Constituições anteriores, a questão urbana [16] só recebeu regramento constitucional por meio da Carta de 1988, que, de forma inédita, não só repartiu as competências legislativas e executivas em matéria urbanística, como também dedicou um capítulo específico à política urbana.

2.1. Competências em matéria urbanística.

Em relação ao direito urbanístico, o Constituinte de 1988 atribuiu competências às três instâncias da Federação, o que foi bastante salutar porque a todas elas interessa obter a adequada ordenação do espaço urbano. A princípio, reservou à União Federal a competência para a edição de normas gerais (art. 24, I) e das "diretrizes para o desenvolvimento urbano" (art. 21, XX), resguardando aos Estados e ao Distrito Federal a competência suplementar, por se tratar de competência concorrente, nos termos do art. 24, §§ 1º e 2º.

Por outro lado, aos Municípios, por serem eles os entes políticos mais próximos dos problemas e das realidades dos cidadãos, a Constituição assegurou a competência legislativa urbanística, nos termos do art. 30, inciso I. Assiste-lhes, também, o encargo de "promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano" (art. 30, VIII).

A repartição de competências, nos moldes em que procedida pelo Texto Constitucional pátrio, obedece a uma divisão lógica e coerente, em que cabem à União os assuntos de repercussão e interesse nacional, atribuindo, por seu turno, aos Estados e Municípios, os assuntos de interesse regional e local, conforme salientou Hely Lopes MEIRELLES:

[...] competem à União o estabelecimento do Plano Nacional de Urbanismo e as imposições de normas gerais de Urbanismo que assegurem ao país a unidade de princípios essenciais à integração e ao desenvolvimento nacionais, dentro do regime federativo, mas que permitam a flexibilidade das normas de adaptação das normas de adaptação dos Estados-membros e Municípios para atendimento das peculiaridades regionais e locais, no uso de suas autonomias político-administrativas (CF, arts. 21, XX, 24 e §§, c/c arts. 25 e 30, VIII, e 182). [17]

2.2. A política urbana.

Consoante ressaltado em páginas anteriores, a política urbanística tem por escopo ordenar o meio urbano, propiciando condições adequadas de habitação, trabalho, recreação e circulação humana. Assim é que a Constituição Federal de 1988 disciplina a política nacional de expansão urbana, cujo objetivo é a ordenação do pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e a garantia do bem-estar de seus habitantes (art. 182, caput) e, cujo instrumento de implantação é o plano diretor (art. 182, § 1º).

Por outro lado, o § 2º do mesmo art. 182 define o conteúdo da função social a ser cumprida pela propriedade urbana, remetendo-a às exigências de ordenação expressas no plano diretor.

Para implantação da política instituída pelos dispositivos citados, o Constituinte conferiu ao Município instrumentos para compelir o proprietário do solo urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado, a promover o seu adequado aproveitamento. Desae modo, de acordo com o art. 182, § 4º, poderá impor-lhe o parcelamento ou edificação compulsórios e, sucessivamente, o IPTU progressivo no tempo. Se, contudo, ainda assim persistir o descumprimento da função social atribuída ao imóvel, poderá determinar a respectiva desapropriação, cujo pagamento será realizado em "títulos da dívida pública de emissão previamente aprovada pelo senado Federal, com prazo de resgate de até dez anos, em parcelas anuais, iguais e sucessivas, assegurados o valor real da indenização e os juros legais" (art. 182, § 4º, III).

Da análise das prescrições constitucionais acerca da questão urbanística, uma primeira conclusão resta evidente: a necessidade de edição de uma lei federal (no exercício da competência definida no art. 24, I da CF/88), não apenas para fixar as diretrizes gerais referidas no caput do art. 182, mas também para regulamentar a utilização dos instrumentos instituídos pelo parágrafo 4º do mesmo artigo.

A imprescindibilidade da edição da mencionada norma federal foi, de início, questionada por alguns autores, os quais alegavam que o Poder Público Municipal poderia, fundamentando-se unicamente no preceito do art. 182, § 4º, valer-se dos instrumentos mencionados, ainda que não houvesse lei federal regulamentando-os. Nesse sentido posicionavam-se Carlos Ari SUNDFELD [18], bem como Vitor Rolf LAUBÉ, o qual justificava sua posição:

"Todavia, valendo-se de uma interpretação sistemática do Texto Constitucional, de logo se percebe que a falta dessa norma federal não constitui óbice à aplicação da desapropriação ‘para fins de reforma urbana’, já que, com base no artigo 30, II, combinado com o artigo 24, § 3.º, I, poderá o Município, valendo-se de sua competência suplementar, regular a matéria [...] [19]

No entanto, tal posição restou ultrapassada tendo em vista a edição da Lei n.º 10.257, de 10 de julho de 2001, o Estatuto da Cidade.


3. O Estatuto da cidade.

Atendendo aos reclamos dos urbanistas e dos administradores municipais, após 12 anos de tramitação, foi editado o Estatuto da Cidade, a lei federal de diretrizes de política urbana exigida pelo art. 182 do Texto Constitucional para regulamentação e implantação de seus dispositivos, e cuja inspiração é atribuída ao direito urbanístico de países como Espanha, Portugal e Itália.

Trata-se, de certo, de diploma inovador, cujo objeto, conforme estatuído pelo parágrafo único, do art. 1º, constitui o estabelecimento de "normas de ordem pública e interesse social que regulam o uso da propriedade urbana em prol do bem coletivo, da segurança e do bem-estar dos cidadãos, bem como do equilíbrio ambiental". Dispõe ainda, em seu art. 2º, acerca dos objetivos da política urbana no sentido de ordenação do desenvolvimento das funções sociais da cidade e da propriedade urbana, de acordo com as diretrizes que estabelece.

O Estatuto da Cidade "nasce em meio a grande polêmica, própria dos textos que introduzem limitações ao exercício de direitos individuais, ensejando questionamentos acerca da constitucionalidade de vários de seus dispositivos" [20]. Sem embargo, não se restringe a regulamentar os instrumentos instituídos pela Carta Magna como o parcelamento e edificação compulsórios, o IPTU progressivo e a desapropriação, dispõe também acerca de institutos até então inéditos no direito urbanístico brasileiro, como os direitos de superfície (arts. 21 a 23) e de preempção (arts. 24 a 27), e a outorga onerosa do direito de construir (arts. 28 a 31).

Com efeito, é mister destacar que, não obstante a Lei n. º 10.257/2001 seja de suma importância para a implantação da política urbana, alguns de seus institutos, para serem plenamente aplicáveis, ainda necessitam de regulamentação, mediante a edição do respectivo plano diretor e, posteriormente, de leis específicas, ambos de competência do ente municipal.

3.1. O Estatuto da Cidade e os instrumentos constitucionais de política urbana.

Consoante referenciado, o Estatuto da Cidade tratou de regulamentar os instrumentos criados pela Constituição para adequação da propriedade urbana não edificada, subutilizada ou não utilizada, à função social fixada pelo plano diretor de cada Município, disciplinando o procedimento que pode culminar na desapropriação para fins urbanísticos.

3.2. Parcelamento, edificação ou utilização compulsórios.

O art. 5.º do Estatuto repete a previsão constitucional de imposição compulsória do parcelamento, da edificação ou da utilização ao imóvel urbano, situado em área incluída no plano diretor, descumpridor de sua função social. Note-se, porém, que "embora a Constituição refira-se, tão-somente, ao parcelamento e à edificação compulsórios, o Estatuto da Cidade agregou também a ‘utilização compulsória’" [21]. Tal acréscimo foi elogiável, pois se não houvesse a possibilidade de imposição da utilização, como determinar que um imóvel já edificado para os fins previstos no plano diretor, mas que estivesse abandonado pelo proprietário, pudesse ser parcelado ou edificado? Logicamente, o mais adequado é impor sua efetiva utilização.

O Estatuto conceituou unicamente o imóvel subutilizado, definindo-o no § 1º do art. 5º, como aquele cujo aproveitamento seja inferior ao mínimo definido no plano diretor. Não seria realmente necessário caracterizar o imóvel não edificado ou o não utilizado, cujos conceitos decorrem da própria interpretação literal.

Quanto ao seu procedimento, determina, em linhas gerais, que o proprietário de imóvel remisso será notificado para cumprir sua obrigação, apresentando projeto nesse sentido em prazo não inferior a um ano e, após aprovação do projeto, disporá de, no mínimo, dois anos para iniciar as obras. Acrescenta que a notificação deve ser averbada no cartório de registro de imóveis para fins de conhecimento de terceiros, bem como que a transmissão do imóvel por ato inter vivos ou causa mortis posterior à notificação transfere as obrigações, sem interrupção de quaisquer prazos.

3.3. IPTU progressivo no tempo.

Mantendo-se inerte o proprietário, mesmo após as condições e os prazos concedidos, assiste ao Poder Público Municipal a imposição de sanções administrativas, escalonadas e sucessivas, sendo a primeira delas a aplicação do IPTU progressivo no tempo.

A progressividade do IPTU [22], nesse caso, dar-se-á mediante a majoração anual de sua alíquota, cujo valor será fixado por lei municipal e não excederá a duas vezes o valor referente ao ano anterior, respeitada a alíquota máxima de 15% (art. 7º, § 1º). Além disso, o art. 7º do Estatuto determina, ainda, que a progressividade será mantida por um período de 5 anos. No entanto, acrescenta que, se a obrigação de parcelar, edificar ou utilizar não for atendida no qüinqüênio legal, o Município manterá a cobrança da exação pela alíquota máxima, até que seja adimplida a obrigação [23] (art. 7º, § 2º), podendo, se preferir, valer-se da desapropriação do imóvel, nos termos do art. 8º, do mesmo diploma legal.


4. Desapropriação para fins de reforma urbana.

A desapropriação é, indubitavelmente, a forma mais drástica de intervenção do Estado na propriedade privada. Constitui-se na transferência compulsória de um bem, da esfera patrimonial do particular, para o domínio estatal, o qual poderá, ainda, em casos excepcionais, atribuí-lo a outrem. De qualquer sorte, sempre será o expropriado ressarcido pela privação patrimonial sofrida, mediante pagamento de indenização.

Por ser medida extremamente invasiva, a desapropriação só poderá ser utilizada pelo Poder Público em casos previamente definidos pelo legislador, os quais, no Brasil, enquadram-se nas hipóteses de necessidade ou utilidade públicas (Decreto-lei n.º 3365/41) e interesse social (Lei n.º 4.132/62) [24].

Assim, no dizer de Celso Antônio Bandeira de MELLO:

À luz do Direito Positivo brasileiro, desapropriação se define como o procedimento através do qual o Poder Público, fundado em necessidade pública, utilidade pública ou interesse social, compulsoriamente despoja alguém de um bem certo, normalmente adquirindo-o para si, em caráter originário, mediante indenização prévia, justa e pagável em dinheiro, salvo no caso de certos imóveis urbanos ou rurais, em que, por estarem em desacordo com a função social legalmente caracterizada para eles, a indenização far-se-á em títulos da dívida pública, resgatáveis em parcelas anuais e sucessivas, preservado seu valor real. [25]

No âmbito da intervenção urbanística, a desapropriação também é essencial para a execução de políticas de desenvolvimento e ordenação urbana, além de ser importante instrumento no combate à retenção especulativa e ao déficit habitacional. Nessas hipóteses, é então denominada pela doutrina "desapropriação urbanística" ou "desapropriação para fins de reforma urbana".

No direito alienígena, principalmente em países como Espanha, Itália, França e Portugal, em que o direito urbanístico é bastante avançado em relação ao direito urbanístico pátrio, a desapropriação urbanística goza de regime jurídico próprio, diferenciado daquele adotado para os casos gerais.

Assim é que, na Espanha, por exemplo, a matéria é disciplinada pela Ley del Suelo a qual:

[...] acabó definitivamente com las pretensiones unificadoras del régimen expropriatório al insertar la expropiación como uma pieza más al servicio de um sistema inspirado em unos princípios propios, sustancialmente divergentes de los de la LEF que, desde esse momento, quedo relegada a um papel secundario, limitada a integrar las lagunas de la Ley urbanística en los casos concretos en que ésta le llamase en su auxilio. [26]

E o artigo 206 da LS espanhola estabelece os fundamentos de aplicação da expropriação no âmbito urbanístico:

Por incumplimiento de la función social de la propiedad, como sistema de ejecución del planeamiento, como medio para la ejecución de los sistemas generales y de las donaciones locales previstas en los planes o para la obtención anticipalda del suelo necesario para estos fines, como instrumento para la constitución o ampliación de patrimonios públicos de suelo y como mecanismo para la obtención de terrenos destinados en el planeamiento a la construcción de viviendas de protección oficial o a otros usos declarados expresamente de interés social. [27]

No direito brasileiro, consoante asseverado no item 3 deste trabalho, a produção e a sistematização legislativa em matéria urbanística ainda são muito recentes e incipientes, de modo que a desapropriação urbanística não apresenta caracteres individualizadores em relação à desapropriação comum, o que seria extremamente aconselhável, tendo em vista o escopo específico de sua intervenção na organização do espaço urbano. O Estatuto da Cidade é, sem dúvidas, um primeiro passo em direção a um regramento específico nesse sentido. Contudo, vale ressaltar que disciplina a matéria unicamente em um artigo e somente se refere à hipótese de descumprimento da função social da propriedade urbana, a qual, como ressaltado na LS espanhola, não constitui a única hipótese de desapropriação de imóveis urbanos.

Com efeito, no Brasil, a propriedade urbana pode ser objeto de desapropriação como qualquer outro bem de propriedade privada. No entanto, o nosso ordenamento jurídico constitucional prevê dois tipos de desapropriação para o imóvel urbano. Inicialmente, dispõe a Carta de 1988 acerca da desapropriação comum, como sendo aquela decorrente de necessidade ou utilidade pública ou interesse social e ressarcida mediante indenização prévia, justa e em dinheiro, prevista nos arts. 5.º, XXIV, e 182, § 3.º, ambos da Constituição Federal. A segunda hipótese constitucional diz respeito à denominada desapropriação-sanção, que "é aquela destinada a punir o não cumprimento de obrigação ou ônus urbanístico imposto ao proprietário de terrenos urbanos" [28]. Este caso tem caráter sancionatório porque, como penalidade pelo descumprimento de um dever urbanístico, o Poder Público desapropriará o imóvel remisso e impor-lhe-á o pagamento mediante títulos especiais da dívida pública resgatáveis em parcelas anuais e sucessivas [29]. Tal modalidade de desapropriação urbanística está prevista no art. 182, § 4.º, III, do Texto Constitucional e no art. 8.º, da Lei n.º 10.257/2001, o Estatuto da Cidade, e é o objeto do nosso estudo a partir deste momento.

4.1. Objeto.

Consoante se depreende da análise dos preceitos normativos constantes do art. 182, § 4.º, III, da CF/88, e do art. 8.º, do Estatuto da Cidade, a desapropriação aqui estudada e denominada pela doutrina "desapropriação para fins de reforma urbana", tem por objeto o solo urbano. No entanto, não é qualquer imóvel urbano que poderá ser objeto do procedimento expropriatório ali disciplinado. A esse respeito, oportuna a advertência de Edílson Pereira NOBRE JÚNIOR:

Faz-se preciso que se trate de imóvel inserido em área delimitada no plano diretor do respectivo Município. Alfim, terá que se referir a solo urbano que não esteja edificado, ou esteja subutilizado, ou não utilizado. Em suma, há que se cuidar de imóvel não adequadamente aproveitado. [30]

Destarte, como visto em linhas anteriores, essa hipótese de desapropriação constitui uma sanção imposta ao proprietário que, titular de imóvel situado em área urbana a que o plano diretor atribui certa obrigação, quedou-se inerte. O seu "fato gerador" consubstancia-se, desta forma, unicamente no descumprimento de dever ou ônus urbanístico. Não há, portanto, exclusão dos imóveis públicos pertencentes aos demais entes políticos, e pessoas administrativas, os quais, uma vez remissos em relação ao aproveitamento urbanístico e não afetados a uma finalidade pública, podem perfeitamente se sujeitar à desapropriação em comento [31].

4.2. Competência expropriatória.

Consoante enunciado no caput do art. 8.º, do Estatuto da Cidade, a competência para promoção dessa espécie expropriatória é atribuída ao Município. No entanto, tal competência não lhe é privativa, sendo certo que o Distrito Federal, por força do art. 32, § 1.º, da Constituição da República, detém as mesmas competências que são próprias do ente municipal.

Diógenes GASPARINI [32] ressalta que antes da edição do Estatuto da Cidade havia certa discussão doutrinária acerca da extensão ao Distrito Federal da competência em foco, informando que alguns autores, como Celso Ribeiro Bastos, entendiam que, não obstante o disposto no art. 32, § 1º, da Constituição, a competência era privativa do Município. Porém, o debate perdeu fundamento em face da prescrição do art. 51, da Lei n.º 10.527/2001, no sentido de se aplicar ao Distrito Federal as disposições legais referentes ao ente municipal.

Feita essa advertência inicial, é mister ressaltar, ainda, que a existência de competência privativa do Município e do Distrito Federal para a matéria não significa, conforme adverte Edílson Pereira NOBRE JÚNIOR [33], que estejam a União e os Estados impedidos de expropriar imóveis urbanos por interesse social. Ao contrário, poderão fazê-lo. No entanto, se assim desejarem proceder, deverão obedecer às exigências do art. 5.º, XXIV, da CF/88, mediante pagamento de indenização prévia, justa e em dinheiro e se adaptando às hipóteses dos incisos I, IV a VIII, da Lei n.º 4.132/62.

Por outro lado, consoante ressaltado anteriormente, a desapropriação em foco não é o único meio de que dispõe o Município para expropriação de imóveis urbanos. Como bem salientado por José Afonso da SILVA [34], a desapropriação de tais bens pode ter por objetivo ainda a execução de planos de urbanização. Nesse caso, por não ter caráter sancionatório, o ressarcimento do proprietário é realizado mediante pagamento de indenização justa, prévia e em dinheiro e se fundamenta nos casos de utilidade ou necessidade pública ou interesse social, disciplinados, respectivamente, no Decreto-lei n.º 3.365/41 e na Lei n.º 4.132/62.

Ainda no tocante à competência municipal para proceder a desapropriação para fins de reforma urbana, é mister destacar a existência de certa discussão no âmbito doutrinário acerca da configuração ou não da discricionariedade da competência do ente municipal, ao qual seria atribuída a "faculdade" de, após o decurso da cobrança do IPTU progressivo por 5 anos, optar entre manter tal exação, nos termos do art. 7.º, § 2.º, ou efetivar a desapropriação. Há quem entenda que tal atribuição consistiria, em verdade, em um poder-dever do Município e não mera faculdade. Filiam-se à primeira posição Fernando Dias Menezes de ALMEIDA [35] e Clóvis BEZNOS [36], afirmando esse que o dispositivo mencionado "estabelece uma faculdade ao Município no que tange à desapropriação, vez que utiliza o termo ‘poderá’, e não ‘deverá’". E justifica-se:

Essa faculdade se explica, vez que os títulos que se constituem na moeda do pagamento da desapropriação dependem de prévia aprovação do Senado Federal, o que retira das mãos do Município a decisão plena sobre a efetivação das desapropriações.

Em sentido oposto, entendendo configurar verdadeiro dever, Maria Helena COSTA afirma:

Ademais, a dicção legal parece deixar transparecer que se trata de uma competência discricionária, cabendo ao Poder Executivo avaliar da conveniência e da oportunidade de efetivar-se tal desapropriação. No entanto, se assim se entender, ensejar-se-á ao Município adotar indefinidamente o IPTU progressivo, incorrendo na inconstitucionalidade apontada. Estamos, em verdade, diante de autêntico poder-dever, uma vez esgotados os instrumentos para a implementação da política urbana [...] [37].

Entendemos defensáveis ambas as posições. De fato, sendo necessária a prévia autorização do Senado Federal para emissão dos títulos ensejadores da desapropriação, o Município não poderia, a princípio, ficar obrigado a efetivar a expropriação se o Senado não conferir tal autorização. De seu turno, a cobrança indefinida do IPTU pela alíquota máxima de 15% parece mesmo deixar o caráter meramente sancionatório para adquirir feições nitidamente confiscatórias. No entanto, o mais coerente, supomos, ainda é esse segundo entendimento, desde que acrescido das ponderações de Clóvis BEZNOS. Ou seja, uma vez autorizada a emissão de títulos municipais pelo Senado, o Município tem o poder-dever de aplicar o art. 8.º, do Estatuto da Cidade.

4.3. Pressupostos.

A espécie expropriatória em comento não pode ser efetuada de forma aleatória pelo Município. Alguns pressupostos são exigidos pela doutrina como pré-requisitos para sua adoção. O primeiro deles, requisito constitucional, consistia na edição de lei federal disciplinadora da matéria. Esse requisito já foi atendido com a entrada em vigor da Lei n.º 10.527/2001, lei disciplinadora das diretrizes gerais sobre política urbana.

É imprescindível, também, a existência de um plano diretor, o qual, editado pelo Município nos termos da competência atribuída pela Lei Fundamental, deverá "peculiarizar as necessidades de urbanificação existentes em concreto, impondo-se maiores ou menores exigências, cujo descumprimento configura a subutilização ou não-utilização dos imóveis urbanos" [38]. A prévia existência de plano diretor é imprescindível para que o Poder Público municipal possa utilizar-se da desapropriação para reforma urbana, ainda que possua menos de vinte mil habitantes. É o que dispõe o art. 41, III do Estatuto da Cidade.

Alguns autores entendem ser necessária ainda a promulgação de uma lei municipal de caráter concreto, além do plano diretor, a qual determinará, conforme o caso, o parcelamento, a edificação ou a utilização de solo urbano subutilizado ou não utilizado [39]. Posicionando-se de forma diversa, há doutrinadores que entendem que tal delimitação pode ser realizada pelo próprio plano diretor [40].

Por fim, antes de viabilizar a desapropriação, é necessário o exaurimento de todas as medidas previstas como precedentes pelo diploma, consistentes na determinação de parcelamento, edificação ou utilização compulsórias e, sucessivamente, na imposição de IPTU progressivo no tempo por mais de 5 anos.

4.4. Indenização.

É pressuposto de qualquer hipótese de desapropriação, seja ela urbanística ou tradicional, o ressarcimento do expropriado, mediante pagamento de indenização. Conforme ressaltado anteriormente, a regra geral, contida no art. 5.º, XXIV, da Lei Maior, é de que essa desapropriação seja justa, prévia e paga em dinheiro.

Porém, quando se trata de desapropriação por descumprimento de função social, a chamada desapropriação-sanção, a indenização estará sujeita a peculiaridades, exatamente pelo caráter sancionatório ostentado. Assim é que alguns ordenamentos jurídicos, como o espanhol, optaram por conferir à indenização valor menor que o de mercado. Outros, como o português, no qual se espelhou o legislador pátrio nessa parte, a sanção consiste no pagamento mediante títulos especiais da dívida pública.

No Brasil, o Constituinte adotou a sistemática de pagamento integralmente realizado mediante títulos da dívida pública. Deste modo, acrescenta o § 1.º, do art. 8.º, do Estatuto, que tais títulos deverão ser previamente aprovados pelo Senado Federal e serão resgatáveis no prazo máximo de 10 (dez) anos, por meio de parcelas anuais e sucessivas, sendo-lhe assegurado o valor real.

Ademais, relativamente aos títulos emitidos para ressarcimento da desapropriação, dispõe ainda o § 3.º, do art. 8.º, que não terão eles poder liberatório para pagamento de tributos, ou seja, sendo os títulos emitidos para pagamento parcelado de indenização, aqueles ainda não vencidos não poderão ser utilizados para pagamento de tributos em atraso [41].

Por outro lado, o § 2.º do mesmo art. 8º, gerou certa peleja doutrinária, pois, ao invés de utilizar os termos "prévia e justa", consagrados para a desapropriação tradicional, referiu-se unicamente ao "valor real da indenização", o que levou alguns doutrinadores a supor que, para a desapropriação urbanística sancionatória, estariam afastados os requisitos de anterioridade e justiça da indenização.

Acerca da possibilidade de o pagamento da indenização não anteceder a perda da propriedade, a questão parece ser menos tormentosa de modo que, entendemos como o Edílson Pereira NOBRE JÚNIOR, segundo o qual "na espécie em comento, não há garantia de que a indenização seja prévia. Poderá, portanto, o legislador estabelecer que a mutação dominial no registro imobiliário se dê antes de quitado o valor do ressarcimento devido ao proprietário" [42].

No que tange à justiça da indenização, durante certo tempo, havia doutrinadores que supunham estar afastada a exigência de indenização em valor justo por ter o Constituinte, bem como o legislador de 2001, utilizado a expressão "valor real". Entretanto, também essa discussão resta esvaziada de fundamentos. Em verdade, na atualidade, a maior parte dos autores perfilha-se no sentido inverso. Clóvis BEZNOS [43], por exemplo, conclui que "o desapropriado já é suficientemente sancionado pelo fato de não receber a indenização prévia e em dinheiro, mas sim em parcelas anuais, em até dez anos, em títulos que não se prestam sequer como meio de pagamento de tributos". Acrescenta que da desapropriação para fins de reforma agrária, que tem a mesma natureza sancionatória, não foi excluída a indenização em valor justo, não havendo, portanto, "razão jurídica para o discrímen em idêntica situação de descumprimento da função social da propriedade" [44].

No mesmo sentido posiciona-se Edílson Pereira NOBRE JÚNIOR:

Daí decorre, portanto, que, na ponderação das vertentes exegéticas a disputar a primazia do significado do que se deva depreender por ‘valor real’, o primado tocará àquela que se incline pela justeza da indenização, até porque, em caso de suposta lacuna no texto do art. 182, § 4º, III, da Constituição Federal, a franquia da justa reparação ao expropriado há de ser inferida como direito fundamental implícito (art. 5º, § 2º, CF), resultante do regime e dos princípios inerentes ao estado Democrático de Direito. [45]

De qualquer sorte, ainda que não conste do texto legal expressa referência ao valor justo da indenização, somente aduzindo ao valor real, temos que os entender como sinônimos, sendo certo que, mesmo em se tratando de desapropriação-sanção, a indenização há de ser justa e corresponder ao valor integral do bem, pois o caráter sancionatório advém da própria privação da propriedade, como também do pagamento mediante títulos da dívida pública.

Uma vez concluindo que o "valor real da indenização" afina-se com o conceito de "justa indenização", parece-nos inconstitucional o dispositivo contido no art. 8.º, § 2º, I, do Estatuto da Cidade, segundo o qual "o valor da indenização refletirá a base de cálculo do IPTU [...]". Com efeito, nem sempre o valor da base de cálculo do IPTU traduz, com precisão, o valor de mercado de um bem, não havendo como atrelar-lhe a fixação da indenização, sob pena de não estar conferindo ao imóvel seu justo valor, quando o valor venal for superior àquele apurado para fins de cobrança da exação referida. Nesse sentido, bastante elucidativo é o posicionamento de Edílson Pereira NOBRE JÚNIOR que, pugnando pela inconstitucionalidade do dispositivo supra referido, assim se manifesta:

Não teria visto maiores problemas se perfilhado o critério do valor de mercado, porquanto esse condiz com a perda a ser suportada pelo proprietário e, portanto, hábil para o fim a que busca a garantia da justa indenização. Contrariamente se tem quando eleito, como limite insuperável da compensação, um valor abstrato, muitas vezes distanciado, na prática, da avaliação atual do imóvel, como se tem com a escolha do valor venal do imóvel, constante nos cadastros municipais para fins de cobrança do IPTU, na maioria das vezes desatualizado e, até mesmo, irreal. [46]

Creio que o preceito em comento resulta de inspiração no modelo da Ley del Suelo espanhola, a qual, conforme consta de análise anterior, atrela o valor da indenização ao valor fiscal [47]. No entanto, repita-se, naquele ordenamento jurídico a indenização não há de corresponder a valor justo, o que não pode ser concebido no modelo pátrio [48].

O dispositivo do inciso I, do parágrafo segundo, em sua parte final, estabelece, ainda, que será descontado do montante indenizatório, o valor incorporado ao bem em razão de obras realizadas pelo Poder Público na área onde o mesmo se localiza. Comentando o preceito, Clóvis BEZNOS, suscita sua impropriedade, afirmando:

Com efeito, tal previsão nada mais configura que uma contribuição de melhoria; portanto, tributo que somente pode ser cobrado como tal mediante a edição de lei específica oriunda da pessoa política dele beneficiária, que obedeça a uma série de requisitos previstos nos arts. 81 e 82 do Código Tributário Nacional [49].

No entanto, o desconto constitui, em verdade, forma de o Poder Público ressarcir-se de dispêndios por ele realizado e geradores de valorização em imóvel cujo proprietário não está sequer cumprindo os ônus a ele incumbido. Portanto, adequa-se às diretrizes gerais de política urbana. Nesse sentido, posiciona-se Fernando Dias Menezes de ALMEIDA:

Não parece ser regra injusta ou violadora da isonomia.

Em primeiro lugar, o proprietário está sofrendo sanção por não fazer sua propriedade cumprir a função social. Aliás, ele estará plenamente ciente disso, por força da notificação. E vale sempre lembrar que todas essas sanções podem ser evitadas caso o proprietário cumpra em tempo sua obrigação.

Em segundo lugar, no mesmo período em que o município será beneficiado com a cobrança de IPTU sobre base de cálculo valorizada, o proprietário poderá ser beneficiado se vender um imóvel valorizado. [50]

O inciso II do mesmo § 2º, do art. 8.º, exclui ainda, do quantum indenizatório, os lucros cessantes e os juros compensatórios.

Acerca dos lucros cessantes, por certo que não há como serem eles incluídos, pois, se o proprietário está sendo penalizado exatamente por não estar conferindo ao seu imóvel o aproveitamento decorrente do cumprimento de sua função social, não há como se falar em lucros que poderiam ter sido obtidos não fosse a expropriação. Eis a posição majoritária entre os doutrinadores [51].

Questão mais tormentosa é a referente à incidência dos juros compensatórios. Segundo ensinamento de Celso Antônio Bandeira de MELLO [52], juros compensatórios são devidos ao expropriado como compensação pela perda da posse. Têm, então, o objetivo de compensar a perda da renda que poderia ter auferido o proprietário e que não o fez em razão da privação ab initio da posse do bem.

Embora alguns autores entendam que a "imissão antecipada na posse, anterior à efetivação da desapropriação, que implique sua perda antecipada haverá de ser compensada pelo pagamento de juros compensatórios" [53], suscitando a inconstitucionalidade do dispositivo referido, parece-me mais acertada a posição daqueles que entendem sua exclusão condizente com o regime da desapropriação-sanção. De fato, se o imóvel não estava sendo utilizado ou o uso que lhe era atribuído contrariava o plano diretor, não há como suscitar a existência de renda a ser compensada. Nesses termos, elucidativa é a lição de Edílson Pereira NOBRE JÚNIOR, que ressalta:

Assim, considerando-se que, na expropriação para reforma urbana, a despeito de sua indenização encontrar-se jungida ao imperativo de justeza, não se impõe seja prévia, razão pela qual o seu não pagamento integral, quando da imissão na posse, não enseja compensação em prol do proprietário. [54]

Assim, somente serão devidos ao expropriado os juros legais de 6% ao ano para atualização do valor dos títulos, e os juros moratórios, também de 6% ao ano, nos termos da Súmula n.º 70 do STJ e incidentes, desde o trânsito em julgado, sobre a diferença obtida entre o valor da indenização e aquele ofertado.

4.5. Destinação do bem expropriado.

A questão referente à destinação deferida ao bem após a efetivação da retirada compulsória do imóvel do patrimônio do ex-proprietário, é disciplinada pelo Estatuto da Cidade nos §§ 4.º a 6.º, do art. 8.º. Nessa matéria transparece uma das várias particularidades da desapropriação para reforma urbana em relação à desapropriação tradicional. É que nestas, via de regra, o bem passa a integrar o patrimônio do ente expropriante, enquanto que naquelas, embora o imóvel possa permanecer em poder do Município que o utilizará de acordo com sua função social, a regra geral é que haja uma transferência a terceiros, aos quais será atribuída a obrigação urbanística.

Destarte, o § 4.º do dispositivo mencionado determina que o Município terá o prazo de 5 (cinco) anos para proceder ao adequado aproveitamento do imóvel, prazo a ser contado a partir de sua incorporação ao patrimônio público. E o § 5.º, por seu turno, dispondo acerca das formas de aproveitamento do bem, faculta ao ente municipal procedê-lo diretamente, ou por meio de alienação ou concessão a terceiros, obedecendo-se, nesse caso, ao respectivo procedimento licitatório.

Do cotejo desses dispositivos extrai-se que, após a efetivação da desapropriação, o Município tem um prazo para dar ao bem a destinação que lhe impõe o plano diretor e da qual o ex-proprietário estava remisso, ou seja, para efetuar o parcelamento, a edificação ou a utilização compulsórios. Poderá ainda o Poder Público optar por transferi-lo a terceiros. De qualquer sorte, não efetuando o adequado aproveitamento dentro do prazo estipulado, o próprio Estatuto da Cidade impõe ao administrador municipal as penas da improbidade administrativa, conforme preceituado no art. 52, II.

O preceito do referido §5º é, sem dúvidas, importante instrumento para a moralidade do procedimento expropriatório e para o desenvolvimento da ordenação urbana, pois fixa ao Município prazo para realizar o aproveitamento cuja omissão, por parte do expropriado, deu ensejo à desapropriação. Exaltando sua importância, Fernando Dias Menezes de ALMEIDA afirma que "seria inadmissível que o imóvel fosse retirado forçosamente do proprietário, em virtude do descumprimento da função social da propriedade, e que tal função social continuasse não sendo atendida estando o imóvel sob o domínio municipal" [55].

Por seu turno, adquirindo o imóvel por alienação ou concessão, o beneficiário passará a ser o responsável pelo cumprimento daquelas obrigações impostas ao bem no plano diretor e constantes do art. 5.º do Estatuto.

Não fixa a lei, como fez em relação ao aproveitamento direto pelo Município, prazo para o cumprimento das obrigações que lhe assistem. Nesse aspecto, conforme advertem Edílson Pereira NOBRE JÚNIOR [56] e Clóvis BEZNOS [57], caberá ao Poder Público estipular um prazo no próprio edital licitatório e no contrato aquisitivo ou de concessão, que constitua verdadeira condição resolutiva. Desta forma, não cumprido o prazo, o bem retornaria imediatamente ao Município, sem necessidade de obediência dos prazos dos arts. 5.º e 6.º. Não constando, porém, do ato tal condição, não restará outra alternativa ao Poder Municipal senão aguardar o decurso de um ano para apresentação de projeto, outro, para início das obras e, posteriormente, a aplicação por cinco anos do IPTU progressivo.

Por fim, ainda no que se refere à destinação do bem expropriado, importante discussão doutrinária tem sido travada em torno da possibilidade ou não de vislumbrar nesses casos de desapropriação para reforma urbana, o instituto da retrocessão. Este, consoante ensinamento do professor Celso Antônio Bandeira de MELLO, "em sentido técnico próprio, é um direito real, o do ex-proprietário de reaver o bem expropriado, mas não preposto a finalidade pública" [58].

No caso de desapropriação para reforma urbana, poderíamos vislumbrar hipótese de retrocessão para o caso de o Município, assumindo a obrigação de proceder diretamente o aproveitamento do imóvel expropriado, não a cumpra dentro do prazo fixado pelo art. 8.º, § 4.º, do Estatuto. Seria então o caso de conferir ao ex-proprietário o direito de preferência para aquisição de tal bem, pois, consoante ensina Fernando Dias Menezes de ALMEIDA:

Ainda que se trate de desapropriação-sanção, não há porque se concluir de modo diverso: se tanto o antigo proprietário (expropriado) quanto o Poder Público expropriante descumprem a obrigação, é preferível que o imóvel retorne ao expropriado, em respeito ao direito constitucional de propriedade. [59]

Acerca da retrocessão na desapropriação em foco, duas questões devem ainda ser discutidas. A primeira é levantada por Edílson Pereira NOBRE JÚNIOR e diz respeito à possibilidade de exercer o ex-proprietário a retrocessão nos casos em que o Município, ao invés de cumprir diretamente as obrigações decorrentes da função social, atribui tal encargo ao terceiro, o qual mantém-se inerte. Segundo aquele professor, a inadmissão da retrocessão nesses casos poderia configurar desvio de finalidade. São suas palavras:

No particular da transferência do imóvel a terceiro, poder-se-á, caso o Município não atue com o cuidado necessário, inerente à fiscalização do adequado aproveitamento do bem, restar caracterizado, no mundo fático, desvio de finalidade, em virtude da indevida permanência do bem com aquele. É que se terá, sem causa jurídica, expropriação em benefício de interesse privado [...]. [60]

Com efeito, a retrocessão nesse caso também se impõe em vista da moralidade administrativa e do respeito à proteção constitucional da propriedade privada. No entanto, somente mediante análise do caso concreto, será adequado falar de sua real utilidade, não obstante, repita-se, seja a providência mais justa.

Uma segunda questão cuja discussão ainda não foi solvida, refere-se à hipótese de o Poder Público Municipal, expropriando um imóvel por descumprimento da obrigação de adequação à função social imposta no plano diretor, ao final do prazo de 5 anos (art. 8º, § 4º do Estatuto), não lhe dá a destinação determinada pelo planejamento urbano, mas, confere-lhe destinação também de interesse social ou utilidade pública (como nos demais casos de desapropriação urbanística contidos no Decreto-lei n.º 3.365/41 e na Lei n.º 4.132/62). Entendemos que, também nesse caso, teria o expropriado direito de retrocessão.

Com relação à desapropriação tradicional, a doutrina nacional e estrangeira costuma entender que, sendo conferido ao bem expropriado destino que atenda ao interesse público, ainda que diverso daquele para o qual o imóvel foi expropriado, não há direito de retrocessão [61]. No entanto, em se tratando de desapropriação para reforma urbana essa orientação merece ser vista com certa reserva, pois, como se sabe, nas outras modalidades de desapropriação urbanística, o pagamento da indenização é efetuado em dinheiro e não em títulos da dívida pública e uma alteração de destinação como a aqui aventada, pode estar encobrindo uma tentativa do Poder Público municipal de eximir-se do pagamento em dinheiro e protelar o ressarcimento do expropriado, mediante emissão de títulos públicos.

4.6. Procedimento expropriatório.

Conforme ressaltado no item 5.1., a desapropriação urbanística ainda não possui um regramento específico, como em outros países. Desse modo, somente dispomos do art. 8.º do Estatuto da Cidade o qual, no entanto, ainda carece de maior regulamentação. Falta, por exemplo, norma disciplinando o procedimento judicial a ser adotado pelo ente municipal para implementação da expropriação em caso de discordância do expropriado com o valor ofertado.

Nesse diapasão, o mais coerente é, sem dúvidas, a utilização da Lei Geral de Desapropriações, o Decreto-lei n.º 3.365/41, por regular procedimento mais assemelhado ao da desapropriação para fins de reforma urbana [62].


Conclusões: A inaplicabilidade prática da desapropriação para reforma urbana.

O advento do Estatuto da Cidade, indubitavelmente, trouxe avanços nunca antes alcançados no Direito Urbanístico Brasileiro, o qual desde a Constituição Federal de 1988 clamava por mais destaque e regulamentação adequada. De fato, tanto os institutos inéditos, como aqueles já constantes do Texto Constitucional, visam a conformar a estrutura hoje existente nas grandes cidades ao planejamento e à ordenação do solo urbano, reduzindo os entraves causados por problemas como déficit habitacional e a conseqüente favelização, além de questões referentes à infra-estrutura e ao meio ambiente.

É certo, também, que dentre os meios de que dispõe hoje o Poder Público para implementação de sua política urbana, o procedimento expropriatório é o mais drástico, porquanto impõe ao particular a efetiva perda de seu bem. Porém, diante de casos como a necessidade premente de regularização populacional e o combate à acumulação de bens com fins meramente especulativos, além das hipóteses de simples ordenação urbana, a desapropriação será, claramente, o instrumento mais eficaz a serviço do efetivo cumprimento da função social da propriedade urbana. Mesmo em países onde a política urbana é bastante desenvolvida, como na Espanha, o instituto da desapropriação tem importância crucial para a conformação da propriedade privada ao planejamento urbano.

No entanto, não obstante os avanços efetuados pelo Estatuto da Cidade, o regime da desapropriação para reforma urbanística existente atualmente, restringe consideravelmente sua aplicabilidade aos casos concretos de descumprimento da função social da propriedade urbana.

Um primeiro entrave a sua utilização consubstancia-se na necessidade de prévia produção legislativa e de adoção de procedimento preliminar, quanto à obrigação de apresentação de projeto e posterior imposição do IPTU progressivo. De fato, verifica-se que, antes de se utilizar da desapropriação em comento, o Município deverá editar plano diretor e, depois, lei específica determinando o parcelamento, a edificação ou a utilização compulsórios. Deverá, então, notificar o proprietário para apresentar projeto em até um ano e, depois, aguardar outros dois anos para o início das obras. Desatendida a obrigação dentro desses prazos, deverá impor a cobrança do IPTU progressivo no tempo por, no mínimo, cinco anos. Só então, restando ainda inerte o proprietário, poderá o ente municipal efetuar a desapropriação do bem.

Maria Sylvia Zanella Di PIETRO, verificando tal situação, critica-a, afirmando que "sem considerar os prazos para aprovação do plano diretor e da lei específica, os demais prazos previstos no Estatuto da Cidade estão a indicar que o decreto de desapropriação não poderá ser expedido antes do transcurso de aproximadamente oito anos" [63].

Outro obstáculo à sua aplicação reside no fato de que o Constituinte vinculou a emissão de títulos da dívida pública municipal à prévia autorização do Senado Federal e este, por sua vez, editou a Resolução n.º 78, de 01/07/1998, que vedou aos Municípios a emissão de títulos da dívida pública, salvo para financiamento do principal de suas obrigações existentes representadas por essa espécie de título, até dezembro de 2010. Assim, os Municípios estão impossibilitados de emitir títulos para a finalidade da desapropriação por pelo menos sete anos [64].

De tudo que foi demonstrado e comentado nesse trabalho, verifica-se que só o tempo dirá se a desapropriação para reforma urbana será efetivamente adotada pelos adminstradores municipais como parte de implementação do planejamento urbano instituído pelo plano diretor.

A princípio, somente após o transcurso de aproximadamente 10 anos poderemos nos deparar com algum caso de desapropriação por descumprimento da função social da propriedade privada. Tal previsão é, de fato, lamentável, tendo em vista o papel que esse instituto poderia apresentar na solução dos problemas habitacionais enfrentados hoje por todas as grandes cidades brasileiras.

No entanto, é imprescindível, ainda, uma maior regulamentação do instituto com vistas a inibir administradores inescrupulosos de utilizarem-se da desapropriação como forma de retaliação política, ou mesmo como instrumento para privilegiar seus apaziguados.


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Notas

1 SILVA, José Afonso da. Direito Urbanístico. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 2000, p. 32.

2 SILVA, José Afonso da. Op. cit. p. 359.

3 "Art. 182. A política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem- estar de seus habitantes. (...) § 2º - A propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor. § 3º - As desapropriações de imóveis urbanos serão feitas com prévia e justa indenização em dinheiro. § 4º - É facultado ao Poder Público municipal, mediante lei específica para área incluída no plano diretor, exigir, nos termos da lei federal, do proprietário do solo urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado, que promova seu adequado aproveitamento, sob pena, sucessivamente, de: I - parcelamento ou edificação compulsórios; II - imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana progressivo no tempo; III - desapropriação com pagamento mediante títulos da dívida pública de emissão previamente aprovada pelo Senado Federal, com prazo de resgate de até dez anos, em parcelas anuais, iguais e sucessivas, assegurados o valor real da indenização e os juros legais." (Constituição da República Federativa do Brasil de 1988).

4 Lei n.º 10.257, de 10 de julho de 2001.

5 "Art. 8º Decorridos cinco anos de cobrança do IPTU progressivo sem que o proprietário tenha cumprido a obrigação de parcelamento, edificação ou utilização, o Município poderá proceder à desapropriação do imóvel, com pagamento em títulos da dívida pública. § 1º Os títulos da dívida pública terão prévia aprovação pelo Senado Federal e serão resgatados no prazo de até dez anos, em prestações anuais, iguais e sucessivas, assegurados o valor real da indenização e os juros legais de seis por cento ao ano. § 2º O valor real da indenização: I – refletirá o valor da base de cálculo do IPTU, descontado o montante incorporado em função de obras realizadas pelo Poder Público na área onde o mesmo se localiza após a notificação de que trata o § 2º do art. 5º desta Lei; II – não computará expectativas de ganhos, lucros cessantes e juros compensatórios. § 3º Os títulos de que trata este artigo não terão poder liberatório para pagamento de tributos. § 4º O Município procederá ao adequado aproveitamento do imóvel no prazo máximo de cinco anos, contado a partir da sua incorporação ao patrimônio público. § 5º O aproveitamento do imóvel poderá ser efetivado diretamente pelo Poder Público ou por meio de alienação ou concessão a terceiros, observando-se, nesses casos, o devido procedimento licitatório. § 6º Ficam mantidas para o adquirente de imóvel nos termos do § 5º as mesmas obrigações de parcelamento, edificação ou utilização previstas no art. 5º desta Lei.

6 SALLES, José Carlos de Moraes. A desapropriação à luz da doutrina e da jurisprudência. 4. ed., São Paulo: RT, 2000 p. 82. A esse respeito acrescenta ainda o mesmo autor: "em determinada época da vida de um povo, a propriedade privada é tida como condição indispensável ao progresso social; noutra, submetido esse mesmo povo aos influxos de um novo sistema econômico e político (como o socialismo, por exemplo), passa o direito de propriedade a ser limitado ou até suprimido, encarado como obstáculo que emperra a produção e impede a justa distribuição da riqueza".(SALLES, José Carlos de Moraes, ob cit., p. 87).

7 Acerca da natureza absoluta ou não do direito de propriedade na Roma Antiga, conferir SALLES, op. cit., p. 61.

8 SUNDFELD, Carlos Ari. "Função social da propriedade". In DALLARI, Adilson Abreu; FIGUEIREDO, Lúcia Valle (coord.). Temas de Direito Urbanístico. V. 1, São Paulo: RT, 1987, p. 04.

9 DUGUIT, Leon. Las Transformaciones generales del Derecho privado desde el Código de Napoleón. Trad. Carlos G. Posada. 2. ed. Madrid: Beltran, 1920, p. 37.

10 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 12. ed., São Paulo: Malheiros, 1996, p. 273.

11 "Art 113 - A Constituição assegura a brasileiros e a estrangeiros residentes no País a inviolabilidade dos direitos concernentes à liberdade, à subsistência, à segurança individual e à propriedade, nos termos seguintes: [...] 17) É garantido o direito de propriedade, que não poderá ser exercido contra o interesse social ou coletivo, na forma que a lei determinar. A desapropriação por necessidade ou utilidade pública far-se-á nos termos da lei, mediante prévia e justa indenização. Em caso de perigo iminente, como guerra ou comoção intestina, poderão as autoridades competentes usar da propriedade particular até onde o bem público o exija, ressalvado o direito à indenização ulterior."

12 "Art 157 - A ordem econômica tem por fim realizar a justiça social, com base nos seguintes princípios: I - liberdade de iniciativa; II - valorização do trabalho como condição da dignidade humana; III - função social da propriedade; IV - harmonia e solidariedade entre os fatores de produção; V - desenvolvimento econômico; VI - repressão ao abuso do poder econômico, caracterizado pelo domínio dos mercados, a eliminação da concorrência e o aumento arbitrário dos lucros."

13 "Art. 186. A função social é cumprida quando a propriedade rural atende, simultaneamente, segundo critérios e graus de exigência estabelecidos em lei, aos seguintes requisitos: I - aproveitamento racional e adequado; II - utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente; III - observância das disposições que regulam as relações de trabalho; IV - exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores."

14 "Art. 182. A política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem- estar de seus habitantes. [...] § 2º - A propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor." (Constituição da República Federativa do Brasil de 1988).

15 FERNÁNDEZ, Antonio Carceller. Introducción al Derecho Urbanístico. 3. ed., Madrid: Tecnos, 1997, p.38.

16 Na verdade, o urbanismo transcende os limites estritos do Município, pois, conforme nos ensina Hely Lopes Meirelles, "[...] prescreve impõe normas de desenvolvimento, de funcionalidade, de conforto e de estética da cidade, e planifica suas adjacências, racionalizando o uso do solo, ordenando o traçado urbano, coordenando o sistema viário e controlando as construções que vão compor o agregado humano, a urbe". MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Municipal Brasileiro. 12. ed., São Paulo: Malheiros, 2001, p. 483.

17 MEIRELLES, Hely Lopes. Op. cit., p. 491.

18 SUNDFELD, Carlos Ari. Desapropriação. SÃO PAULO: RT, 1990

19 LAUBÉ, Vitor Rolf. Desapropriação Urbanística. Revista de Informação Legislativa, Brasília, v. 29, n. 114, p. 205/229, abr./jun. 1992, p.227.

20 COSTA, Regina Helena. "O Estatuto da Cidade e os novos instrumentos da política urbana". Revista de Direito Imobiliário, São Paulo, v. 24, n. 51, jul./dez . 2001, p. 81.

21 COSTA, Regina Helena. Ob. Cit., p. 87.

22 Note-se que, conforme dispõe o art. 156, § 1º, I, da CF/88, o IPTU pode apresentar alíquotas progressivas também em razão do valor do imóvel, com o que não se confunde a progressividade prevista no art. 182, §4º , II, do Texto Constitucional. Aquele preceito autoriza o aumento da alíquota em função do aumento da base de cálculo do imposto (progressividade fiscal), enquanto que este artigo em comento disciplina a progressividade em função do tempo, como sanção pelo descumprimento da função social da propriedade urbana (progressividade extra-fiscal).

23 Os dispositivos contidos nos §§ 1º e 2º do art. 7º do Estatuto têm gerado certa discussão doutrinária posto que alguns, como Maria Helena Costa (Instrumentos Tributários para a Implementação da Política Urbana. In: DALLARI, Adilson Abreu; FERRAZ, Sérgio (coord.). Estatuto da Cidade: Comentários à Lei Federal 10.257/2001, São Paulo: Malheiros, 2003, p. 111) sustentam o caráter confiscatório de uma alíquota de 15%, bem como da manutenção por prazo superior a 5 anos dessa alíquota máxima. Há autores, porém, que fundamentando-se no caráter sancionatório e na função extrafiscal do IPTU nesse caso, entendem-no perfeitamente constitucional. Nesse sentido, ALMEIDA, Fernando Dias Menezes de. Comentários: arts. 4º. a 8.º. In: MEDAUAR, Odete; ALMEIDA, Fernando dias Menezes de (coord.). Estatuto da Cidade: Lei 10.257, de 10.07.2001: Comentários. São Paulo: RT, 2002, p. 63.

24 Acerca da caracterização dos conceitos de necessidade ou utilidade públicas e interesse social, consulte-se MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 15. ed., São Paulo: Malheiros, 2003, p. 735.

25 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Op. cit., p. 735.

26 ENTERRÍA, Eduardo García; e FERNÁNDEZ, Tomás-Ramón. Curso de Derecho Administrativo. Cuarta Edicion, Madrid: Civitas, 1996, p. 339-340.

27 ENTERRÍA, Eduardo García; FERNÁNDEZ, Tomás-Ramón, op. cit., p. 340.

28 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 12. ed., São Paulo: Malheiros, 1996, p. 749.

29 Acerca da diferenciação entre desapropriação comum e desapropriação-sanção, consultar MELLO, Celso Antônio Bandeira de, op. cit., p.735.

30 NOBRE JR., Edílson Pereira. Desapropriação para fins de reforma urbana. Revista de Informação Legislativa, Brasília, v. 39, n. 156, out./dez. 2002, p. 83.

31 NOBRE JR., Edílson Pereira, op. cit., p. 84.

32 GASPARINI, Diógenes. Direito Administrativo, 7. ed., São Paulo: Saraiva, 2002, p. 654.

33 NOBRE JR., Edílson Pereira, op. cit., p. 84.

34 SILVA, José Afonso da. Direito urbanístico brasileiro, 2 ed. rev.e atual., São Paulo: Malheiros, 1997, p. 358.

35 ALMEIDA, Fernando Dias Menezes de. Comentários: arts. 4º. a 8.º. In: MEDAUAR, Odete; ALMEIDA, Fernando dias Menezes de (coord.). Estatuto da Cidade: Lei 10.257, de 10.07.2001: Comentários. São Paulo: RT, 2002, p. 69.

36 BEZNOS, Clóvis. Desapropriação em Nome da Política Urbana. In: DALLARI, Adilson Abreu; FERRAZ, Sérgio (coord.). Estatuto da Cidade: Comentários à Lei Federal 10.257/2001, São Paulo: Malheiros, 2003, p. 130.

37 COSTA, Regina Helena. "O Estatuto da Cidade e os novos instrumentos da política urbana". In Revista de Direito Imobiliário, São Paulo, v. 24, n. 51, jul./dez. 2001, p. 94.

38 BEZNOS, Clóvis, op. cit., p. 126.

39 BEZNOS, Clóvis, op. cit., p. 129.

40 Nesse sentido, NOBRE JR., Edílson Pereira, op. cit., p. 84.

41 Sobre esta questão afirma Regis Fernandes de OLIVEIRA que "as parcelas vencidas e caso não resgatadas pelo Poder Público, evidentemente que adquirem poder liberatório, pelo só não pagamento no tempo" ( OLIVEIRA, Regis Fernandes de. Comentários ao Estatuto da Cidade. São Paulo: RT, 2002, p. 49). No entanto, trata-se de matéria controvertida na jurisprudência, cujo deslinde dependerá de cada caso.

42 Op. cit., p. 85. Porém, adverte o referido autor: "Havendo, no entanto, omissão legal nesse sentido, forçosa a incidência do art. 29 do Decreto-lei 3.365/41, na condição de norma genérica a disciplinar a matéria, estabelecendo que a imissão definitiva na posse, juntamente com a transcrição no registro imobiliário, somente ocorrerá com o pagamento da indenização, ou consignação de seu preço."

43 BEZNOS, Clóvis, op. cit., p. 132.

44 BEZNOS, Clóvis, op. cit., p. 133.

45 NOBRE JR., Edílson Pereira, op. cit., p. 85.

46 NOBRE JR., Edílson Pereira, op. cit., p. 86.

47 No sistema espanhol o valor da indenização não é o valor de mercado. Consoante ensina García de ENTERRÍA, "la base de cálculo es, pues, siempre el valor fiscal [...], como para el valor urbanístico (aplicable al suelo urbanizable una vez urbanizado y adquirido, por lo tanto, po sus titulares el derecho al aprovechamiento urbanístico), que se fijará por aplicación al aprovechamiento adquirido del valor básico unitario de repercusión establecido por la Administración tributaria para cada polígono, corregido en función de la concreta situación de los terrenos dentro de éste (art. 53). (ENTERRÍA, Eduardo García; FERNÁNDEZ, Tomás-Ramón, op. cit. P. 350.

48 Ainda a esse respeito, interessante é a lição de Fernando Dias Menezes de Almeida, para quem o inciso I, ao dispor que o valor da indenização "refletirá o valor da base de cálculo do IPTU", quis apenas sugerir um parâmetro. Segundo ele, "isso significa que o valor da indenização levará em consideração o valor da base de cálculo do IPTU; e não que o valor da indenização será o mesmo que o valor da base de cálculo do IPTU". (ALMEIDA, Fernando Dias Menezes de, op. cit., p. 73.)

49 BEZNOS, Clóvis, op. cit., p. 134.

50 ALMEIDA, Fernando Dias Menezes de, op. cit., 74.

51 Nesse sentido, conferir ALMEIDA, Fernando Dias Menezes de, op. cit., 75 e NOBRE JÚNIOR, Edílson Pereira, op. cit., p. 86. Em sentido contrário, entendendo inconstitucional a exclusão dos lucros cessantes do valor da indenização, BEZNOS, Clóvis, op. cit., p. 134.

52MELLO, Celso Antônio Bandeira de, op. cit., p. 729.

53 BEZNOS, Clóvis, op. cit., p. 135.

54 NOBRE JR., Edílson Pereira, op. cit., p. 87.

55 ALMEIDA, Fernando Dias Menezes de, op. cit., p. 78.

56 NOBRE JR., Edílson Pereira, op. cit., p. 88.

57 BEZNOS, Clóvis, op. cit., p. 135.

58 MELLO, Celso Antonio Bandeira de, op. cit., p. 760.

59 ALMEIDA, Fernando Dias Menezes de, op. cit., p. 79.

60 NOBRE JR., Edílson Pereira, op. cit., p. 88.

61 Nesse sentido, MELLO, Celso Antônio Bandeira de, op. cit., p. 771.

62 No mesmo sentido, NOBRE JR., Edílson Pereira, op. cit., p. 84. Em sentido diverso, entendo que deve ser aplicável o procedimento ordinário em face do art. 271 do Código de Processo Civil (BEZNOS, Clóvis, op. cit., p. 135).

63 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 16. ed., São Paulo: Atlas, 2003, p. 155.

64 A esse respeito, conferir BEZNOS, Clóvis, op. cit., p. 131.


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

NEVES, Maria Carolina Scheidgger. Desapropriação para fins de reforma urbana e o Estatuto da Cidade (Lei nº 10.257/2001). Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 284, 17 abr. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/5084. Acesso em: 5 maio 2024.