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A garantia constitucional da intimidade e a quebra do sigilo bancário consoante a Lei Complementar nº 105/2001

A garantia constitucional da intimidade e a quebra do sigilo bancário consoante a Lei Complementar nº 105/2001

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Capítulo I: Da Intimidade

Com a evolução natural do homem, este passou a integrar a sociedade e o meio em que vive não apenas como mais um dentre tantos iguais; adquiriu personalidade e cada vez mais busca seu espaço com o fito de tornar-se especial dentre tantos iguais; o homem reconhece suas obrigações e, sobretudo, pleiteia seus direitos, quer diante da sociedade, quer intimamente.

No entanto, em que pese a necessidade de evoluir, oq eu impõe a relação com seus iguais, o homem é carente de sua individualidade, da querida restrição de seus pensamentos e valores. Paulo José da Costa Jr. preconiza que a intimidade é "a necessidade de encontrar na solidão aquela paz e aquele equilíbrio, continuamente prometidos pela vida moderna; de manter-se a pessoa, querendo, isolada, subtraída ao alarde e à publicidade,fechada na sua intimidade, resguardada dos olhares ávidos. A intimidade corresponderia à vontade do indivíduo de ser deixado só" [1].

Nesse diapasão, a intimidade guarda relação com a vontade individual, com a necessidade de se expor e, igualmente, de se retrair frente aos demais homens, guardando para si, assim necessitando, seus pensamentos, seus desejos, suas informações pessoais. Nessa seara, "é a personalidade parte do indivíduo; é a parte que lhe é intrínseca, pois através dela a pessoa poderá adquirir e defender os demais bens. É da personalidade que emanam os demais bens jurídicos" [2]; nesse sentido é que afirmamos que a intimidade integra a personalidade do indivíduo.

Sendo assim, o sigilo às informações financeiras consta daqueles direitos inerentes à intimidade do homem, do livre arbítrio de dispor daquilo que é inerente à sua personalidade.

A Constituição da República Federativa do Brasil tutela a intimidade em seu artigo 5º, X, a seguir:

"Art.5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;

Nesse lanço, forçoso é afirmar que a intimidade encontra respaldo no sobre dito artigo; contudo, consoante o sigilo bancário a discussão já se impõe: - acentuam alguns doutrinadores que o sigilo tem fundamento não na intimidade preconizada no inciso X, mas guarda relação com o sigilo de "dados" apontado no inciso XII do artigo 5º da Consituição, a seguir:

XII – é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal.

Nessa vereda, doutrinadores há que apontam para o inciso X do artigo 5º, apregoando que o sigilo guarda assento e relação com a intimidade. Nesse diapasão, Tércio Sampaio Ferraz Jr. (apud Paulo Quezado e Rogério Lima, Sigilo Bancário, pág.31), ensina "que a privacidade se funda no princípio da exclusividade, o qual tem como característica a solidão ("desejo de estar só"), o segredo ("exigência de sigilo") e a autonomia ("liberdade de decidir sobre si mesmo emanador de informações"). Ademais, descarta a possibilidade de o sigilo encontrar fundamento no inciso XII porquanto "dados, no inciso XII, quer significar, restritivamente, dados informáticos". Em sentido contrário, Ives Gandra da Silva Martins aponta que o sigilo de dados abarca o conceito de sigilo bancário. Com mais razão, uma terceira corrente se faz presente, da qual comungo, idealmente, seguidor dos pensamentos de Paulo Quezado e Rogério Lima (op. cit. pág.36), na qual o sigilo bancário encontra guarida no inciso X por tratar-se de característica da intimidade, porquanto há o direito de exercer a liberdade de negação, e, igualmente, no inciso XII, conquanto a interpretação de dados não pode ser feita de maneira restritiva, o que nos obriga a firmar que dados faz referência ao sigilo bancário.

Posta assim a questão, mister acentuamos as minúcias em face do sigilo e de sua (in)violabilidade.


Capítulo II: Do Sigilo Bancário

Postas as assertivas consoante à intimidade, faz-se necessário discorrer acerca do sigilo das informações e dados pessoais assegurado na Carta Constitucional hodierna. Todavia, sem o fito de procrastinar o entendimento do presente trabalho, necessário se faz, s.m.j., situar a garantia ao sigilo frente às Constituições Brasileiras pretéritas, ademais de conceitua-lo, a seguir:

1.Sigilo e Segredo

O "sigilo" há muito é discutido, sobretudo quanto ao seu caráter garantidor, demonstrando sua real importância. Contudo, necessário se faz entender o significado jurídico de "sigilo", com o fito de encerrar – pretensiosamente – um completo estudo acerca do tema. De Plácido e Silva impõe que o sigilo " [3]é empregado na mesma significação que segredo [4]. No entanto, imperando nele a idéia de algo que está sob selo ou sinete, o sigilo traduz, com maior rigor, o segredo que não pode nem deve ser violado, importando o contrário, assim, em quebra de dever imposto à pessoa, geralmente em razão de sua profissão, ou ofício". Nesse diapasão, Marco Antonio de Barros apregoa que "sigilo é o meio, o instrumento de que servem os interessados para manter íntegro o desconhecimento de um fato" [5]. Assim, necessário esclarecer que, ademais de um e outro conceito guardarem relação, sigilo "é o segredo que não deve ser violado" [6].

2.Histórico Constitucional

2.1. A Constituição Política do Império do Brasil - 1824

As primitivas linhas traçadas em nosso Ordenamento acerca do sigilo de informações pessoais nos remetem à Constituição jurada em 25 de março de 1824 por D.Pedro I. Poder-se-ia dizer, permissa vênia., guardar semelhança o artigo 179 da Carta Imperial com o hodierno artigo 5º, resguardando – com as devidas proporções (temporais, inclusive) – os direitos e as garantias de cada cidadão.

A inviolabilidade individual vinha consubstanciada no citado artigo 179, in verbis:

"Art.179. A inviolabilidade dos Direitos Civis, e Políticos dos Cidadãos Brazileiros, que tem por base a liberdade,a segurança individual, e a propriedade, é garantida pela Constituição do Império, pela maneira seguinte: XXVII: O Segredo das Cartas é inviolável. A administração do correio fica rigorosamente responsável por qualquer infracção deste Artigo(...)" [7].

Vê-se que o "sigilo" não era citado explicitamente; fazia menção à garantia da liberdade e a segurança individual, conceitos tais que, certamente, haviam de englobar quaisquer direitos civis ou políticos, dentre os quais as informações e os valores (individuais), resguardando-se, outrossim, o seu sigilo.

Menção explícita havia consoante as cartas porquanto os "segredos" nelas contidas eram, sob a égide Constitucional, invioláveis. Nesse diapasão, mister atentarmos para o período temporal no qual a sobre dita Carta Constitucional foi promulgada, conquanto a correspondência, por via de cartas, era o único meio utilizado para a comunicação entre os cidadãos, quer de um mesmo Estado, quer além de suas terras. No mais, a Lei reflete, dentre outros valores e sentimentos, a realidade temporal em que se vive, e assim sendo, seria abstrair-se hipocritamente esperar do legislador Constitucional assegurar meios de comunicação, v.g., sigilo das informações bancárias, eis que não existiam à época de sua promulgação, ou seja, não deixou de lado certas inviolabilidades – permitindo-as; mas sim, não citaram-nas, porquanto inexistentes.

Ademais, o citado segredo das cartas era resguardado não só pela Carta Maior, eis que "o Estado tomou para si o privilegio de correio de cidadãos, e pune os que transportão cartas sem ser pelo seu vehiculo, e esquivando-se do pagamento" [8], mas igualmente pelas Cartas Penais, a demonstrar sua necessidade e importância: O Código Criminal do Império do Brasil, nos Artigos 215 a 218, da Secção VII, do Capítulo I, sob a rubrica "Abertura de Cartas", impunha pena aos que violavam o segredo das cartas que variava de 1 a 3 meses, havendo casos em que tais penas eram tidas em dobro, somando-se, ademais, àquelas do uso da violência ou arrombamento [9].

2.2. Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil - 1891

Adiante, em 24 de fevereiro de 1891, a fim de organizar um regime livre e democrático foi promulgada a Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil. Cuidou esta Carta Maior de unir as existentes províncias, transformando-os em Estados, assim como o Distrito Federal; como não havia de ser diferente, passou a tutelar novos direitos e garantias; os Estados possuíam a prerrogativa de editar suas próprias Leis, seguindo, de certo, a norma Constitucional.

Consoante o sigilo, encontrava-se subscrito na Secção II sob a rubrica das Declarações de Direitos, no artigo 72, in verbis:

"Art.72. A Constituição assegura a brazileiros e estrangeiros residentes no paíz a inviolablidade dos direitos concernentes á liberdade, á segurança, individual e á propriedade nos termos seguintes:

§18. É inviolável o sigilo da correspondência" [10].

Vê-se que o legislador não aponta explicitamente as cartas, mas fala, sim, da "correspondência" em linhas gerais. Nesse sentido, o Código Penal Brasileiro, promulgado em 11 de Outubro de 1890 passou a tutelar não só os segredos das cartas; cuidava-se de um Capítulo especial (IV), do Título IV, sob a rubrica "Dos crimes contra o livre gôso e exercício dos direitos individuais" [11], nos artigos 189 a 195, ad litteram:

"Art.189. Abrir maliciosamente carta, telegramma, ou papel fechado endereçado a outrem, e apossar-se de correspondência epistolar ou telegraphica alheia, ainda que não esteja fechada, e por qualquer meio lhe venha ás mãos; tiral-a de repartição publica ou do poder de portador particular, para conhecer-lhe o conteúdo:

Pena- de prisão cellular por um a seis mezes.

Paragrapho único. No caso de ser revelado em todo, ou em parte, o segredo da correspondência violada, a pena será augmentada de um terço.

Art.190. Supprimir correspondência epistolar ou telegraphica endereçada a outrem:

Pena- de prisão cellular de um a seis mezes.

Art.191. Publicar o destinatário de uma carta, ou correspondência, sem consentimento da pessoa que a endereçou, o conteúdo, não sendo em defesa de direitos, e de uma outra, restando damno a remettente:

Pena- de prisão cellular por dois a quatro mezes.

Art.192. Revelar qualquer pessoa o segredo de que tiver notícia, ou conhecimento, em razão de officio, emprego ou profissão:

Penas – de prisão cellular por um a três mezes e suspensão do officio, emprego ou profissão por seis mezes a um anno.

Art.193. Nas mesmas penas incorrerá o empregado do correio que se apoderar de carta não fechada, ou abril-a, si fechada, para conhecer-lhe o conteúdo, ou comunical-o a alguém, e bem assim o do telegrapho que, para fim idêntico, violar telegramma, ou propagar a communicação nelle contida.

Paragrapho único. Si os empregados supprimirem ou extraviarem a correspondência, ou não a entregarem ou communicarem ao destinatário:

Penas – de prisão cellular por um a seis mezes e perda do cargo.

Art.194. A autoridade que, de posse de carta ou correspondência particular, utilisal-a para qualquer intuito que seja, embora o da descoberta de um crime, ou na prova deste, incorrerá na pena de perda do emprego e na multa de 100$ a 500$000.

Art.195. As cartas obtidas por meio criminosos não são admittidas em juízo".

Como se verifica – repita-se – poder-se-ia afirmar que o conceito "correspondência" apontado na Carta Magna de 1891 abarca uma gama maior de "meios de informações", a despeito de não citar, explicitamente, o sigilo das relações bancárias.

2.3. Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil - 1934

Seguindo os passos históricos, o sigilo – consoante a Carta promulgada em 16 de julho de 1934 – estava assegurado no artigo 113, VIII, in verbis:

"Art. 113. A Constituição assegura a brasileiros e estrangeiros residentes no paiz a inviolabilidade dos direitos concernentes á liberdade, á subsistência, á segurança individual e á propriedade, nos termos seguintes:

VIII -É inviolável o sigilo da correspondência" [12].

2.4. Constituição dos Estados Unidos do Brasil - 1937

A Magna Carta decretada em 10 de novembro de 1937 assegurava o sigilo consoante seu artigo 122, sob a rubrica Dos Direitos e Garantias Individuais, a seguir exposto:

"Art.122. A Constituição assegura aos brasileiros e estrangeiros residentes no país o direito à liberdade, à segurança individual e à propriedade, nos termos seguintes:

VI – A inviolabilidade do domicílio e de correspondência, salvas as exceções expressas em lei".

Nesse diapasão, a exemplo da Carta pretérita, o legislador assegura outras inviolabilidades, ademais daquela postada nas cartas. No mais, acentuou que tal inviolabilidade pode excluir-se por exceção constada em Lei. Cuida-se, s.m.j., do que vem regrado no artigo 123 da Mesma ordem legal, in verbis:

"Art.123. A especificação das garantias e direitos acima enumerados não exclue outras garantias e direitos, resultantes da forma de governo e dos princípios consignados na Constituição. O uso desses direitos e garantias terá por limite o bem público, as necessidades da defesa, do bem estar, da paz e da ordem coletiva, bem como as exigências da segurança da Nação e do Estado em nome dela constituído e organizado nesta Constituição" [13].

2.5. Constituição dos Estados Unidos do Brasil - 1946

Promulgada em 18 de setembro de 1946, sob a égide de um regime democrático, a Constituição de 1946 resguardou o sigilo em seu artigo 141, §6º, a seguir:

"Art.141. A Constituição assegura aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade dos direitos concernentes à vida, à liberdade, à segurança individual e à propriedade, nos termos seguintes:

§6º. É inviolável o sigilo da correspondência.

Ademais da garantia Constitucional, o sigilo encontrava respaldo no Ordenamento Penal [14], sob o manto dos artigos 153 e 154, ad litteram:

"DIVULGAÇÃO DE SEGREDO

Art.153. Divulgar alguém, sem justa causa, conteúdo de documento particular ou correspondência confidencial, de que é destinatário ou detentor, e cuja divulgação possa produzir dano a outrem:

Pena – detenção, de um a seis meses, ou multa.

§1º-A. Divulgar, sem justa causa, informações sigilosas ou reservadas, assim definidas em lei, contidas ou não nos sistemas de informações ou banco de dados da Administração Pública:

Pena – detenção, de um a quatro anos e multa.

(...)

VIOLAÇÃO DO SEGREDO PROFISSIONAL

Art.154. Revelar a alguém, sem justa causa, segredo, de que tem ciência em razão da função, ministério, ofício ou profissão, e cuja revelação possa produzir dano a outrem:

Pena – detenção, de três meses a um ano, ou multa (...)

Nesses termos, a Carta penal impunha ao violador dos segredos uma pena que variava de um mês a um ano, em casos tais. No mais, cuidou o legislador de criar duas vertentes para o sigilo, ou seja, àquele inerente à determinada função, ministério, ofício ou profissão do agente infrator, e ao constante de documentos ou correspondências particulares, violadas por distintas pessoas.

2.6. Constituição do Brasil - 1967

Publicada no Diário Oficial da união em 24 de janeiro de 1967, e sob a guarda do artigo 150, §9º, o sigilo manteve-se inviolável, nos exatos termos:

"Art. 150. A Constituição assegura aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade dos direitos concernentes à vida, à liberdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

§9º. São invioláveis a correspondência e o sigilo das comunicações telegráficas e telefônicas.

Aqui, tratou o legislador de acrescentar o sigilo expresso das comunicações telegráficas e telefônicas. Igualmente, a Constituição da República federativa do Brasil, acrescida pela Emenda Constitucional nº. 1, de 17 de outubro de 1969 – que vigorou em seu período – manteve a guarda do sigilo em seus ulteriores termos.

2.7. Constituição da República Federativa do Brasil - 1988

Atualmente, passados mais de dezesseis décadas da primeira Carta Magna brasileira, vige a Constituição da República Federativa do Brasil, promulgada em 05 de outubro de 1988. Este atual "conjunto de normas que regem uma corporação" [15], funda-se na soberania, na cidadania, na dignidade da pessoa humana e nos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, resguardando seu caráter de "Lei fundamental de um Estado" [16]; qualquer direito, garantia ou dever instituído deve, necessariamente, basear-se nos sobre ditos conceitos - ainda que implicitamente - sob pena de eivar-se de inconstitucionalidade, sendo, por conseqüência, inaplicável.

O sigilo, nestes termos, encontra guarida no citado artigo 5º, X e XII, o qual se faz necessário transcrever, novamente, in verbis:

"Art.5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;

XII – é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal.

Assim sendo, vê-se que o sigilo encontra-se resguardado desde a primeira Carta Constitucional; certamente, o legislador tratou de inovar – no tempo – os conceitos e os direitos resguardados pelo sigilo. Todavia, mister apontar que em nenhuma Carta o sigilo bancário – móvel do presente estudo – foi citado de maneira explícita. Nesse diapasão, QUEZADO e LIMA [17] acentuam que, "a despeito de nenhuma trazer expressamente o direito ao sigilo de informações bancárias, deixam claro, em suas disposições, o intuito de resguardar-se a intimidade das pessoas". Com mais razão asseveram ademais os doutrinadores que, "evidentemente, nenhum legislador pode fugir, pois a esfera íntima do cidadão, em diversos aspectos, faz parte da natureza humana".

Desta arte, ainda que não expressamente apontado na Constituição, o sigilo encontra-se resguardado pelos incisos X e XII, por caracterizar, s.m.j., os conceitos de "intimidade" e "dados" – constante- da Carta – respectivamente.

3.Fundamento Jurídico

Consoante o sigilo lato sensu e o sigilo bancário – como espécie daquele, sem o condão de procrastinar o entendimento do presente estudo, repita-se, não podemos olvidar de esclarecer qual o seu fundamento, ou seja, "dizer o seu porque, a sua razão de ser" [18]; muitas teoria foram elaboradas com o fito de esclarecer tais questionamentos; a seguir vejamos – em epítome – algumas delas:

3.1.Teoria Consuetudinária

Segundo a teoria consuetudinária, o sigilo bancário funda-se no costume comercial dos bancos de respeitar o segredo bancário; com assento nas doutrinas jurídicas italianas e espanholas, "o equívoco dessa teoria está em confundir fundamento jurídico com fonte jurídica" [19].

3.2.Teoria Contratualista

Igualmente esclarecendo qual é a fonte, e não o seu fundamento, os defensores dessa teoria "justificam o sigilo como um dever jurídico oriundo da relação contratual que une o banco ao cliente. Dentro deste quadro, o sigilo bancário coloca-se como uma das arestas fundamentais em que se sustentam as operações bancárias, ou seja, os contratos bancários que constituem sua forma jurídica principal" [20].

3.3.Teoria da Responsabilidade Civil

Assim como as citadas teorias, essa limita-se a esclarecer qual a fonte do sigilo, deixando-nos carente quanto ao seu fundamento, ou seja, não responde o porque de sua existência. Àqueles que comungam dessa teoria afirmam que o sigilo tem assento no dever do banco de não prejudicar aqueles que se servem de seus serviços, sendo certo que "a conseqüência de uma possível violação será a reparação do dano pelo responsável" [21].

3.4.Teoria do Segredo Profissional

Com assento na doutrina jurídica francesa, os seguidores dessa teoria apregoam que o fundamento do sigilo encontra-se no dever de segredo, que é inerente ao profissional bancário. Mais uma vez, a tese afirmada pela maioria dos doutrinadores franceses limita-se a determinar a fonte do sigilo, e não o seu fundamento.

3.5.Teoria da Liberdade de Negação

Apregoam os doutrinadores afeitos a essa teoria – na qual, permissa vênia – me incluo, que o fundamento do sigilo é a liberdade, "especificamente, a liberdade vista por uma ótica negativa. Com base na liberdade, tem o cidadão o direito de não permitir que sua privacidade seja revelada. Todo sigilo existe, em última análise, como expressão da liberdade; direito este inerente ao ser humano. O homem exercita a liberdade tanto de maneira positiva, como negativa" [22].

Assim sendo, o porque da existência do sigilo está, fundamentalmente, na necessidade e no direito de um cidadão desejar que seu segredo não seja revelado, importando conhecimento apenas aos seus interessados. Vale dizer, que o sigilo não guarda relação – consoante seu fundamento – com a profissão ou o exercício financeiro; este, a exemplo de outros serviços prestados é que depende, sob pena de falibilidade – do sigilo e do segredo entre seus operadores, bancos e clientes.

Desta arte, em que pese a existência de teses e teorias com o escopo de determinar o fundamento do sigilo, bancário inclusive, a teoria da liberdade de negação o faz com esmero, apontando àquelas apenas a sua fonte.

Assim sendo, posta desta feita as assertivas consoante ao conceito e ao fundamento do sigilo (bancário), ademais dos apontamentos históricos e da necessidade de se tutelar – Constitucionalmente – a intimidade, faz-se necessário acentuar, adiante, questões deveras imperiosas acerca da quebra do sigilo bancário.


Capítulo III : Exceção ao Direito de Sigilo Bancário

O sigilo bancário – como dito anteriormente – há tempos permanece garantido pela Constituição, a qual lhe empresta a condição de direito e de garantia fundamental. Não se discute, pois, a necessidade de o Estado tutelar tal direito, inerente a todos indistintamente.

1. Garantias Fundamentais: Absolutas ou Relativas?

Quebrar o sigilo bancário é dizer, em linhas gerais, violar uma garantia e um direito fundamental; nesse itinerário, mister é questionar se é possível, sob a égide da legalidade, postular a inviolabilidade de um direito fundamental. Para tanto, necessário é determinar qual o caráter dessas garantias: absolutas ou relativas.

- Àqueles que emprestam caráter absoluto aos direitos e garantias fundamentais, apregoam que nenhum direito deve ser tolhido, ainda que se coloque outro direito ou garantia em conflito, vale dizer, o sigilo bancário não pode e não deve nunca ser violado, em nenhuma hipótese. Comunga com esse entendimento Ives Gandra da Silva Martins, acentuando que sequer a decisão judicatória tem o condão de violar tal garantia. Outros contudo, emprestam caráter relativo aos direitos e garantias fundamentais, apontando que "o direito ao sigilo bancário, assim como todos os direitos, são relativos, pois o ordenamento jurídico, como se infere na própria terminologia, consiste em uma ordem de direitos, os quais devem conviver harmoniosamente, sem que a prática de um inviabilize a de outro" [23]; assim, é de se emprestar caráter relativo ao sigilo bancário.

Nesse passo, forçoso afirmar que um direito ou uma garantia, ainda que fundamental e resguardada pelo manto Constitucional, e em que pese o entendimento contrário, pode ser excepcionado com o escopo de se garantir o exercício de outro direito, desde que respeitadas e resguardadas todas as garantias processuais.

Desta feita, considerando-se a possibilidade de se violar o sigilo bancário, eis que possui caráter relativo, importa-nos sobremodo estabelecer quais os critérios legais que devem ser utilizados e respeitados, com o fito de se chegar a este fim.

A expressão quebra do sigilo bancário há muito vem sendo utilizado nos manuais jurídicos, nas decisões judiciais e imprensa para designar aquela situação na qual, mediante ordem legal se permite a determinados agentes do Estado a tomar conhecimento de operações financeiras com o intuito de apurar-se eventual ilícito cometido, seja ele fiscal ou bancário.

Em que pese tal terminologia ser amplamente aceita tanto pelo meio acadêmico como pelos profissionais e operadores do direito, havia aqueles que se insurgiam em face de tal nomenclatura, alegando que o verbo quebrar, no vocabulário comum, por significar fragmentar, despedaçar, infringir, transgredir, violar, no Direito significaria a violação da norma jurídica [24].

Tais doutrinadores apregoavam que o mais correto seria utilizar-se da expressão exceção do direito ao sigilo, porquanto esta expressão significaria procedimento revelador de informações secretas por permissão legal, nos estreitos ditames da lei, ao passo que, a expressão quebra significaria a violação do sigilo, tipificada como crime, nos termos do artigo 38, parágrafo 7º da Lei 4.595/64 [25].

Ocorre que, com o advento da Lei Complementar 105/2001, tal discussão perdeu o sentido porquanto a própria lei veio expressamente a consagrar em alguns de seus dispositivos a terminologia quebra de sigilo [26].

Cumpre-nos, neste momento, ressaltar que é mais relevante discutir a aplicabilidade e constitucionalidade da Lei Complementar 105/2001, do que as expressões utilizadas tanto pela legislação pertinente como pelos operadores do direito, a doutrina e a jurisprudência.

Nesse diapasão, cabe perquirirmos quem possui a titularidade ativa para a quebra do sigilo bancário e qual o meio adequado para realizá-la.

2. Poder Judiciário

Conquanto seja matéria quase que pacífica que ao Poder Judiciário fora dada permissão constitucional para excepcionar o sigilo bancário, em situações concretas de conflito entre interesse privado e público é importante discutirmos em que condição poderá fazê-lo.

Ao Poder Judiciário cabe, em síntese, a função de dizer o direito, ou seja, dirimir conflitos de interesses. Denomina-se tal função como jurisdição.

A função precípua de dizer o direito, ou seja, de exercer jurisdição decorre do instituto jurídico da "coisa julgada", que proporciona a força e a solidez necessária à decisão judicial, em última instância, porquanto garante a imutabilidade dos efeitos da sentença, nos termos do artigo 5º, inciso XXXVI, da Constituição Federal.

Não é só. Além disso, a função jurisdicional encontra respaldo no princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional (art. 5º, inciso XXXV, CF), segundo o qual o Poder Judiciário tem o dever de prestar a tutela jurisprudencial postulada, seja negativa ou positiva.

Nesse contexto, ensinam Paulo Quezado e Rogério Lima que "Infere-se, portanto, da própria natureza da função do Poder Judiciário, que a este cabe, mesmo sem autorização expressa constitucional, excepcionar o direito fundamental à privacidade de quem quer que seja, diante de situações especiais em que haja verdadeiro comprometimento do interesse público. Isto porque o Judiciário foi criado, justamente, com a finalidade primordial de solucionar os conflitos em sociedade, resguardando a harmonia do ordenamento jurídico." [27]

A discussão é relevante, posto que a doutrina e jurisprudência pátria vêm dando especial relevo ao chamado princípio da reserva de jurisdição.

2.1. Princípio da Reserva de Jurisdição

Antes de delimitarmos a aplicação do princípio da reserva de jurisdição, devemos suscitar a seguinte indagação: A terminologia reserva de jurisdição é correta ou não ?

É notório que ao tratarmos da repartição de poderes, ou da chamada teoria dos freios e contrapesos, não estamos na verdade preconizando uma divisão do poder do Estado em Poder Judiciário, Poder Executivo e Poder Legislativo.

Na verdade o poder do Estado é uno e indivisível, a repartição se dá no tocante às funções exercidas pelo Estado, mediante a qual cada uma delas impõem limites umas às outras, objetivando assim atingir o equilíbrio necessário a um Estado Democrático de Direito.

O eminente constitucionalista Michel Temer assevera, ao meditar sobre o tema que "o valor da doutrina de Montesquieu está na proposta de um sistema em que cada órgão desempenhasse função distinta e, ao mesmo tempo, que a atividade de cada qual caracterizasse forma de contenção da atividade de outro órgão do poder. É o sistema de independência entre os órgãos do poder e do inter-relacionamento de suas atividades. É a fórmula dos ‘freios e contrapesos’ a que alude a doutrina americana." [28]

Destarte, o tecnicamente correto é dizer função jurisdicional, função executiva e função administrativa.

É pacífico o entendimento que as funções do Estado se entrelaçam, ou seja, cada uma das funções do Estado possuí uma atividade típica e outras atividades atípicas. Assim, a título de exemplo, para não nos estendermos demais no assunto, ao Poder Executivo cabe de forma precípua a função de administrar, mas nada impede que em determinadas circunstâncias julgue um caso concreto.

Devemos ter em mente, no entanto, que o Poder Executivo ao julgar determinado caso está exercendo uma função judicante, portanto, atípica e não jurisdicional. Ao Poder Executivo e ao Poder Legislativo foi permitido, no mais das vezes, tão somente dar "a primeira palavra", jamais a "última".

Somente ao Poder Judiciário foi conferido o poder de dar a última palavra, porquanto está é sua função típica, ou melhor, esta é a função a ele inerente.

Diante dessas considerações é que ensinam Paulo Quezado e Rogério Lima que na verdade não é correto dizer jurisdição reservada, afirmando que "somente teria sentido a terminologia reserva de jurisdição se fosse para frisar a exclusividade do exercício dessa função." [29]

Ocorre que, em determinadas matérias, há reserva ao Poder Judiciário de dizer, além da "última palavra", também fazê-lo exclusivamente quanto à "primeira palavra", estando os demais poderes impedidos. Daí infere-se o conceito do princípio da reserva de jurisdição.

Cumpre neste momento verificarmos como a doutrina e jurisprudência atual vêm aplicando o princípio em apreço.

Hugo de Brito Machado, insigne jurista e estudioso do direito tributário, preconiza que o artigo 6º da Lei Complementar 105/2001 é inconstitucional exatamente por afrontar o princípio da reserva da jurisdição [30].

Assim dispõe o citado artigo:

Artigo 6º. As autoridades e os agentes fiscais tributários da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios somente poderão examinar documentos, livros e registros de instituições financeiras, inclusive os referentes a contas depósitos e aplicações financeiras, quando houver processo administrativo instaurado ou procedimento fiscal em curso e tais exames sejam considerados indispensáveis pela autoridade administrativa competente.

Parágrafo único. O resultado dos exames, as informações e os documentos a que se refere este artigo serão conservados em sigilo, observada a legislação tributária.

Depreende-se daí que, para o renomado jurista, somente o juiz de direito poderá manifestar-se quanto à conveniência ou não da quebra do sigilo bancário, não devendo admitir-se que autoridade ou fiscal tributário o faça.

Todavia, vale ressaltar que a matéria é controvertida, porquanto há doutrinadores que, não obstante reconheçam a existência do princípio da reserva de jurisdição, entendam que o mesmo não se aplica a quebra do sigilo bancário.

Argumentam os defensores dessa tese que "considerando o princípio da reserva de jurisdição assim como têm conceituado a doutrina e a jurisprudência, ou seja, como princípio que resguarda a primeira e última palavra da tutela constitucional para a solução de conflitos, envolvendo matérias expressamente determinadas na Constituição, sustentamos que o sigilo bancário não se encontra sob sua proteção. Apesar de ser um direito fundamental do cidadão, o sigilo bancário não foi inserido entre as matérias reservadas à função jurisdicional." [31]

No que tange a jurisprudência, em que pese ainda haver divergência no Supremo Tribunal Federal sobre a aplicação do princípio em comento no caso do sigilo bancário, os Ministros Celso de Mello, Marco Aurélio, Sepúlveda Pertence, Néri da Silveira e Carlos Velloso admitem a aplicação do princípio para negar a possibilidade das Comissões Parlamentares de Inquérito efetuarem a quebra do sigilo bancário [32]

2.2. O Advento da Lei Complementar 105/2001

Neste tópico passaremos a abordar a Lei Complementar 105/2001 que trata do sigilo das operações de instituições financeiras, sendo contudo importante fazer breves considerações acerca do disposto na legislação que regulava a matéria anteriormente.

Antes do advento da legislação vigente a matéria era regulada pelo artigo 38, da Lei nº 4.595/64, denominada Lei do Sistema Financeiro Nacional.

Tal artigo preceituava que a competência do Judiciário para ordenar ao Banco Central do Brasil e às instituições financeiras que prestassem informações sobre o segredo bancário de seus clientes, permitindo inclusive ao Poder Legislativo e a CPI, por aprovação do Congresso Nacional, que requisitassem diretamente dos bancos as informações necessárias.

A Lei Complementar foi além e passou a permitir ao Poder Legislativo e a CPI requisitarem informações das instituições financeiras, sem autorização judicial, bem como declarou expressamente poderes à Receita Federal para abrir o sigilo bancário [33].

2.3. Autorização Judicial e o Devido Processo Legal

Ao Poder Judiciário portanto é dado autorizar mediante decisão fundamentada a abertura do sigilo bancário, desde que haja fundada suspeita, tais como indícios idôneos e reveladores de possível autoria de prática delituosa. A questão que se impõe é: Tal autorização somente dar-se-ia no bojo de um processo com todas as implicações jurídicas do devido processo legal ?

Quando ainda vigorava o art. 38 da Lei do Sistema Financeiro Nacional, havia determinação expressa para o Poder Judiciário ordenar, em juízo, às instituições financeiras a prestação de informações sigilosas. Com o advento da LC 105/2001, nos termos do par. 4º, art 1º, permitiu-se à exceção ao direito ao sigilo tão somente através de inquérito.

Paulo Quezado e Rogério Lima entendem tal disposição como inconstitucional por violar o princípio do devido processo legal. Argumentam que a Lei Maior determina no art. 5º, LIV, que ninguém terá sua liberdade restringida, total ou parcialmente, ou privado de seus bens sem o devido processo legal. Para estes não é possível decretar a abertura do sigilo bancário privando o titular do sigilo sem o contraditório e ampla defesa, porquanto se trata de um direito fundamental. [34]

Cumpre ressaltar, no entanto, que a doutrina e a jurisprudência majoritária entendem possível à exceção ao direito de sigilo bancário no âmbito de inquérito judicial ou administrativo.

Resume tal posição o ensinamento de Marco Antônio de Barros, na sua obra Lavagem de Dinheiro, na qual o autor preconiza a importância da autorização judicial para a quebra do sigilo bancário já na fase das investigações asseverando que tal medida "é da essência da persecução penal deste tipo de crime (...). A preservação do elemento ‘surpresa’ dessa medida é inevitável, pois a ninguém é dado o direito de menosprezar a volatilidade que distinguem as operações financeiras no âmbito da macrocriminalidade organizada." [35]

3. Poder Legislativo e a CPI

Portanto, em razão dos argumentos expostos linhas atrás, podemos afirmar que é consenso a possibilidade da quebra do sigilo bancário pelo Poder Judiciário. Cabe agora indagarmos se ao Poder Legislativo fora dada a mesma prerrogativa.

A matéria que enseja maior controvérsia tanto na doutrina quanto na jurisprudência se dá no tocante à permissão constitucional conferida as Comissões Parlamentares de Inquérito de efetuar investigação com poderes inerentes as autoridades judiciais.

Por oportuno, merece transcrição ad litteram o artigo o art. 58, parágrafo 3º da CF:

Artigo 58. O Congresso Nacional e suas casas terão comissões permanentes e temporárias, constituídas na forma e atribuições previstas no respectivo regimento ou no ato de que resultar sua criação.

(....)

Parágrafo 3º. As comissões parlamentares de inquérito, que terão poderes de investigação próprias das autoridades judiciais, além de outros previstos nos regimentos das respectivas Casas, serão criadas pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal, em conjunto ou separadamente, mediante requerimento de um terço de seus membros, para a apuração de fato determinado e por prazo certo, sendo suas conclusões, se for o caso, encaminhadas ao Ministério Público, para que promova a responsabilidade civil ou criminal dos infratores.

A doutrina majoritária assevera, utilizando-se da expressão "que terão poderes de investigação próprios das autoridades judiciais", que é possível a quebra do sigilo bancário por parte das Comissões Parlamentares de Inquérito, sem autorização judicial para tanto.

Não é só. Faz uso do parágrafo 1º do art. 4º, da LC 105/2001 para reforçar sua posição, uma vez que o mesmo dispõe:

(....)

Parágrafo 1º. As comissões parlamentares de inquérito, no exercício de sua competência constitucional e legal de ampla investigação, obterão as informações e documentos sigilosos de que necessitarem, diretamente das instituições financeiras, ou por intermédio do Banco Central do Brasil ou Comissão de Valores Mobiliários.

De outra feita, parte da doutrina não entende possível à quebra do sigilo bancário sem prévia decisão judicial, elencando uma série de argumentos.

O primeiro é que se tal prerrogativa não foi concedida pela Carta Política ao Poder Legislativo como aceitar que uma Comissão Parlamentar de Inquérito, a qual deriva tanto formal como substancialmente do Legislativo, possa dispor de poderes para tanto? Afirmam que concordar com essa possibilidade é subverter princípio elementar de lógica, o qual informa que a criatura não pode mais do que o criador.

Alegam que a norma extraída do parágrafo 3º do art. 58 da CF trata-se de norma de exceção e, portanto, deve ser entendida restritivamente. Sendo assim as CPIs apesar de possuírem poderes próprios das autoridades judiciais, não podem quebrar o sigilo bancário por tratar-se de direito fundamental.

Citam os defensores dessa tese que "por essa razão a teoria dos direitos fundamentais, com força nas lições de Jellinek, classificou os direitos fundamentais em: direitos de defesa (não intromissão estatal na esfera da liberdade individual) e direitos à prestação jurídica (intervenção estatal em prol do gozo efetivo da liberdade). Destarte, o exercício dos direitos fundamentais é a regra; a intervenção do Estado no exercício desses direitos, a exceção." [36]

Por derradeiro afirmam, pelas razões já aduzidas, que o parágrafo 1º do art. 4º da LC 105/2001 é inconstitucional, apregoando que somente é possível as comissões parlamentares que inquérito quebrar o sigilo das repartições públicas e autarquias, em razão do disposto no art. 2º, caput da Lei 1.579/52 (Lei das CPIs) [37] e dos órgãos públicos.

São defensores dessa tese, dentre outros, Rogério Lima e Paulo Quezado. [38]

Em que pesem tais considerações, o Supremo Tribunal Federal firmou entendimento unânime, não obstante ainda não tenha analisado a LC 105/2001, de que a CPI pode quebrar o sigilo bancário, independente de autorização judicial. [39]

Ressaltam os Ministros do Supremo Tribunal Federal, como embasamento para tais decisões, o caráter relativo do direito fundamental ao sigilo bancário e a exceção da função investigatória da CPI ao princípio da reserva de jurisdição, podendo este órgão dar a "primeira palavra" em termos de restrição de direitos fundamentais. [40]

Nessa esteira cumpre lembrar que comungamos do entendimento declinado pela doutrina e jurisprudência majoritária, não por mera conveniência mas sim por convicção.

4. Ministério Público

A Constituição Federal em seu art. 129, conferiu ao Ministério Público, entre outras, as funções institucionais de "expedir notificações nos procedimentos administrativos de sua competência, requisitando informações e documentos para instruí-los, na forma da lei complementar respectiva" (VI), e "requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito policial, indicados os fundamentos jurídicos de suas manifestações processuais (VIII)."

Por sua vez a LC 75/93, Lei Orgânica do Ministério Público, dispôs que "nenhuma autoridade poderá opor ao MP, sob qualquer pretexto, a exceção de sigilo, sem prejuízo da subsistência do caráter sigiloso da informação, do registro, do dado ou do documento que lhe seja fornecido".

Duas correntes se formaram em razão de tais disposições.

A primeira apregoa a permissão legal ao Ministério Público para requisitar informações bancárias sigilosas diretamente às instituições financeiras, sem qualquer intervenção do poder judiciário [41].

Em contrapartida, outra corrente preconiza que o sigilo bancário só pode ser excepcionado por meio de requisição motivada, comprovando a real da medida e sob decisão judicial [42], porquanto os dispositivos citados não autorizam a quebra sem a intervenção da autoridade judiciária. Argumentam seus adeptos que o sigilo bancário é espécie de direito à privacidade que a Constituição Federal consagra no artigo 5º, inciso X e, em sendo direito fundamental somente autorização expressa da Magna Carta legitimaria ação do Ministério Público para requerer, diretamente, sem intervenção da autoridade judiciária, a quebra do sigilo bancário de qualquer pessoa.

Nesse diapasão, o jurista e ex-Ministro da Justiça Miguel Reali e o Ministro do Superior Tribunal de Justiça Domingos Franciulli Netto, defendem que ao Ministério Público não foi dado efetuar a quebra do sigilo bancário, sem a devida autorização judicial emanada de processo no qual se garanta o contraditório e a ampla defesa. [43]

O Superior Tribunal de Justiça, vem-se posicionando contra a quebra do sigilo bancário pelo Ministério Público [44], sem autorização do judiciário. Por outro lado, caso o Ministério Público requisite-a judicialmente não necessitará instaurar processo.

O Supremo Tribunal Federal, por sua vez, está dividido entre duas correntes: uma que defende a possibilidade de o Ministério Público quebrar diretamente o sigilo bancário quando o caso envolver verbas públicas [45]

Esta posição de parte dos ministros do Supremo Tribunal Federal, ensina que ato de órgão ligado ao governo, direta ou indiretamente, como a origem já indica, é público. Por isso a obediência ao princípio da publicidade. Sendo o assunto dinheiro público, maior razão há de transparência em sua administração, pois, do contrário, estará comprometido o próprio Estado Democrático de Direito.

Assim, para os adeptos desse entendimento, com o qual nos filiamos, o Ministério Público em tratando-se de dinheiro público está autorizado para requerer diretamente informações às instituições financeiras. [46]

Explica-se, se o sigilo bancário está entre os direitos individuais, e, por isso, só podendo ser quebrado excepcionalmente, com a "coisa pública dá-se o inverso" - afirma o Prof. Hugo de Brito Machado. "O princípio é o da publicidade, e só excepcionalmente prevalece o sigilo". Em suma para o campo do direito privado a exceção é a publicidade; para o campo do direito público, a privacidade. [47]

De outra feita, outra corrente do Supremo Tribunal Federal diz ser necessário para a decretação da quebra do sigilo bancário uma decisão judicial.

O Supremo Tribunal Federal no entanto, é unânime em afirmar que vê motivo para instauração de processo, no qual se exercitará o contraditório e a ampla defesa, podendo portanto, ser decretada a exceção ao direito do sigilo bancário durante inquérito.

5. Poder Executivo

O art. 6º da LC 105/2001, regulada pelo Decreto 3.724/2001, veio a permitir à Fazenda Pública, de forma irrestrita, conhecer tanto em processo administrativo, como em procedimento fiscal as informações sigilosas do contribuinte, sem a prévia interferência do Judiciário.

No que tange a quebra do sigilo bancário pelos agentes do Fisco nos posicionamos pela inconstitucionalidade do dispositivo em apreço como tantos outros desta Lei Complementar 105/2001, pelos motivos exaustivamente expostos no presente ensaio.

Por derradeiro, entendemos que outra não poderá ser a conclusão senão a inconstitucionalidade também dessa disposição, em razão das opiniões doutrinárias já aduzidas e das decisões proferidas até o presente momento tanto pelo Superior Tribunal de Justiça quanto pelo Supremo Tribunal Federal.


Conclusão

A intimidade integra a personalidade que é a liberdade plena do homem de dispor de sua vida. A manutenção do sigilo de suas informações reflete-se um desejo pessoal, limitado pelo Direito;

O sigilo é inerente ao homem porquanto integraliza a sua personalidade, sua intimidade;

Na qualidade de garantia, o sigilo é tutelado pelo ordenamento Jurídico, e, em que pese o entendimento contrário, encontra-se fundado no artigo 5º, X e XII e da Constituição federal;

O sigilo, não obstante seja um direito fundamental, não possui, a exemplo de outras garantias, caráter absoluto; deve-se empresta-lo caráter relativo, podendo ser excepcionado.

A violação da garantia ao sigilo relativo das informações financeiras deve seguir critérios tais que, ao se sopesar sua necessidade frente ao direito individual, prevaleça, sem que isso implique na destruição – sob a ótica legal – daquele.

Em regra, a violação do sigilo deve preceder a autorização e o requerimento judicial.

Seguindo o juízo de nossos Tribunais, certo seria afirmar que a Lei Complementar 105, que autoriza a quebra do sigilo bancário sem a necessidade da intervenção judicial esta eivada de inconstitucionalidade; o contrário seria ferir o Direito, sempre vivo.


Compilação Jurisprudencial

EMENTA: MANDADO DE SEGURANÇA. COMISSÃO PARLAMENTAR MISTA DE INQUÉRITO. QUEBRA DE SIGILO BANCÁRIO, FISCAL E TELEFÔNICO. FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO. NULIDADE DO ATO IMPGNADO. PRECEDENTES. 1. Se não fundamentado, nulo é o ato da Comissão Parlamentar de Inquérito que determina a quebra dos sigilos bancário, fiscal e telefônico. 2. Meras ilações e conjecturas, destituídas de qualquer evidencia material, não têm o condão de justificar a ruptura das garantias constitucionais preconizadas no artigo 5º, X e XII, da Constituição Federal. Segurança concedida.

PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO. OFÍCIO AO BANCO CENTRAL DO BRASIL PARA LOCALIZAÇÃO DE CONTAS EM NOME DO EXECUTADO. O interesse patrimonial do credor não autoriza, em princípio, a atuação judicial, ordenando a quebra de sigilo bancário, na busca de bens do executado para satisfação da dívida. Precedentes. Recurso não conhecido.

Data da Decisão 17/12/1998

Orgão Julgador STJ T4 - QUARTA TURMA

Decisão Por unanimidade, não conhecer do recurso.

Acórdão RESP 128461/PR ;

RECURSO ESPECIAL (97/0026977-9)

Fonte DJ DATA:12/04/1999 PG:00156

Relator Ministro CESAR ASFOR ROCHA (1098)

PROCESSUAL CIVIL - EXECUÇÃO - REQUISIÇÃO DE INFORMAÇÕES A ÓRGÃO PÚBLICO, PARA LOCALIZAÇÃO DE BENS PENHORÁVEIS - AUSÊNCIA DE PROVA QUANTO AO ESGOTAMENTO DE DILIGÊNCIAS - IMPROVIMENTO DO AGRAVO.

Órgão: Quarta Turma Cível

Classe: AGI - Agravo de Instrumento

Num. Processo: 1998 00 2 002648-0

Agravante: SENAI - Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial - Departamento Nacional

Agravado: EMBRACO - Empresa Brasileira de Construção Ltda.

Relator: Des. ESTEVAM MAIA

1. O pedido de requisição de informações a órgão público, destinado à localização de bens penhoráveis, somente se justifica em situações excepcionais e ante a prova de exaurimento das diligências empreendidas pelo credor.

2. Agravo improvido.

ACÓRDÃO

Acordam os Desembargadores da Quarta Turma Cível do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, ESTEVAM MAIA - Relator, MÁRIO MACHADO e LECIR MANOEL DA LUZ - Vogais, sob a presidência do Desembargador MÁRIO MACHADO, em NEGAR PROVIMENTO. UNÂNIME. Tudo de acordo com a ata de julgamento e notas taquigráficas.

Brasília (DF),23 de novembro de 1998.

Des. MÁRIO MACHADO

Presidente

Des. ESTEVAM MAIA

Relator

RELATÓRIO

Cuida-se de agravo de instrumento tirado contra a r. decisão do MM. Juiz da Primeira Vara Cível da Circunscrição Judiciária de Taguatinga, consistente no indeferimento de expedição de ofício ao Banco Central do Brasil, requisitando informação sobre contas-correntes, com os respectivos números, em nome da agravada, para fins de bloqueio, até que se alcance o valor da dívida em execução.

Argumenta, em apertada síntese, que, após grande esforço, foram localizados três veículos antigos, insuficientes à satisfação da dívida, bem como um imóvel, sobre o qual incidem penhoras para garantia de créditos do INSS e da Fazenda Pública do Distrito Federal.

Doutra parte -- acrescenta --, esgotou os meios de que dispunha para localizar bens da devedora, passíveis de penhora, de sorte que não pode prevalecer o decisório recorrido.

Cita jurisprudência e pede a reforma da r. decisão impugnada, para deferir-se o pedido formulado, possibilitando o prosseguimento da execução.

A petição interpositiva veio instruída com a guia de preparo e cópias autenticadas de peças do processo (fls. 11/113).

Requisitadas informações, prestou-as o ilustrado juiz processante (fls. 117/118). Após confirmar os fatos narrados na petição interpositiva, acrescenta que o agravante exibiu certidão, apenas, do 4º ofício de Registro de Imóveis, que abrange apenas as regiões do Guará e Núcleo Bandeirante, não havendo falar em esgotamento de diligências tendentes à comprovação da inexistência de bens penhoráveis, a justificar a quebra do sigilo bancário da agravada. Informou, também, ter sido observada a norma inscrita no art. 526 do CPC.

A agravada não respondeu, embora regularmente intimada (fls. 115 e 119).

É o relatório.

VOTOS

O Senhor Desembargador ESTEVAM MAIA - Relator

Conheço do agravo, eis que presentes os pressupostos de sua admissibilidade.

Consoante se vê do relatório, pretende o agravante a quebra do sigilo bancário da agravada, com a expedição de ofício ao Banco Central, "a fim de possibilitar a localização e penhora das contas bancárias da execução do julgado".

Encarado sob rigor técnico, poder-se-ia considerar inepto o pedido formulado neste recurso, por isso que a execução do julgado não dispõe de contas bancárias, nem são estas passíveis de penhora. O que pode ser objeto de constrição judicial são os valores de saldos nelas existentes.

De qualquer sorte, e, consoante a própria jurisprudência colacionada pelo agravante, o deferimento do pedido de requisição de informações sobre contas bancárias do executado, para possibilitar a penhora de saldos porventura existentes, somente é admissível em caráter excepcional, quando se comprovar terem sido frustadas as diligências do exeqüente com vistas à localização de bens, hipótese que não se verifica no caso sob exame.

De fato. A agravante não comprovou ter esgotado as diligências tendentes à localização de bens da agravada, para penhora. Exibiu, apenas, expedientes do DETRAN/DF (fls. 99/101) e certidão do 4º ofício do Registro de Imóveis (f. 102), que abrange, tão-somente, as regiões administrativas do Guará (I e II) e do Núcleo Bandeirante. É dizer: não realizou a condição prévia que justificaria o pedido que formulou ao juiz da causa.

Não há dúvida que o Estado tem interesse em ver cumprida a sentença que ele próprio emitiu na sua condição de monopolizador da jurisdição.

Entretanto, não se tem admitido que, a despeito disso, e, em nome do atendimento de interesse meramente patrimonial, se viole o direito de sigilo, constitucionalmente assegurado (art. 5º, XII), de sorte que o r. decisório vergastado, a meu juízo, não está a merecer censura.

Com tais fundamentos, NEGO PROVIMENTO ao agravo.

É como voto.

O Senhor Desembargador MÁRIO MACHADO - Presidente e Vogal

Com o Relator.

O Senhor Desembargador LECIR MANOEL DA LUZ - Vogal

De acordo.

DECISÃO

Negou-se provimento. Unânime.

TJDF-A110812

MANDADO DE SEGURANÇA DENEGADO. RECURSO ORDINÁRIO. SIGILO BANCÁRIO: QUEBRA. LEI Nº 4.595/64, ART. 38, E CF, ART. 5º, X.

O Superior Tribunal Militar denegou mandado de segurança impetrado contra decisão que deferiu a quebra do sigilo bancário dos ora recorrentes, porquanto reconhecera, a partir de informações providenciadas pela Comissão de Inquérito, que existem dados que, nas circunstâncias descritas, precisam ser apurados, sendo manifesto o interesse da Comissão de Inquérito em sua obtenção como providência essencial à satisfação das finalidades inderrogáveis da investigação penal. Esta Corte tem admitido a quebra do sigilo bancário quando há interesse público relevante, como o da investigação criminal fundada em suspeita razoável de infração penal. Recurso improvido.

Observação

Votação: Unânime.

Resultado: Improvido.

Veja : HC-55447, HC-69372, RE-136239, PETQO-577, AGINQ-877,

RMS-15925, E-71640, MS-1047, RE-94608.

N.PP.:(09). Análise:(AL). Revisão:(JBM/AAF).

Inclusão: 12/01/99, (SVF).

Indexação

PC1035,

MANDADO DE SEGURANÇA, ATO JUDICIAL, QUEBRA DE SIGILO BANCÁRIO, PEDIDO, DEFERIMENTO, FUNDAMENTAÇÃO SUFICIENTE, INVESTIGAÇÃO CIMINAL, ATO ESSENCIAL, INTERESSE PÚBLICO SELEVANTE

Classe RMS-23002

Origem RJ

RECURSO DE MANDADO DE SEGURANCA

Relator Ministro ILMAR GALVAO

Publicação DJ DATA-27-11-98 PP-00033

EMENT VOL-01933-01 PP-00059

Julgamento 02/10/1998 - Primeira Turma

STF-RMS23002

PROCESSO CIVIL - EXECUÇÃO FISCAL - INFORMAÇÕES SOBRE BENS A SEREM PENHORADOS - REQUISIÇÃO - SIGILO BANCÁRIO - QUEBRA - IMPOSSIBILIDADE EM PROCESSO ADMINISTRATIVO.

A obtenção de informações sobre a existência ou não de bens a serem penhorados é obrigação do exeqüente.

O juiz da execução fiscal só deve deferir pedido de expedição de ofício à Receita Federal e ao BACEN após o exeqüente comprovar não ter logrado êxito em suas tentativas de obter as informações sobre o executado e seus bens.

Recurso improvido.

Decisão

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Exmºs. Srs. Ministros da Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, negar provimento ao recurso.

Votaram com o Relator os Exmºs. Srs. Ministros Demócrito Reinaldo, Humberto Gomes de Barros e José Delgado.

Ausente, justificadamente, o Exmº. Sr. Ministro Milton Luiz Pereira.

Data da Decisão 25/05/1999

Orgão Julgador STJ T1 - PRIMEIRA TURMA

Acórdão RESP 206963/ES ;

RECURSO ESPECIAL (99/0020660-6)

Fonte DJ DATA:28/06/1999 PG:00067

Relator Ministro GARCIA VIEIRA (1082)

CONSTITUCIONAL. PROCESSUAL PENAL. HABEAS-CORPUS. SIGILO DE DADOS.QUEBRA. BUSCA E APREENSÃO. INDÍCIOS DE CRIME. INVESTIGAÇÃO CRIMINAL.LEGALIDADE. CF, ART. 5º, XII. LEIS 9.034/95 E 9.296/96.

- Embora a Carta Magna, no capítulo das franquias democráticas ponha em destaque o direito à privacidade, contém expressa ressalva para admitir a quebra do sigilo para fins de investigação criminal ou instrução processual penal (art. 5º, XII), por ordem judicial. - A jurisprudência pretoriana é unissonante na afirmação de que o direito ao sigilo bancário, bem como ao sigilo de dados, a despeito de sua magnitude constitucional, não é um direito absoluto, cedendo espaço quando presente em maior dimensão o interesse público. - A legislação integrativa do canon constitucional autoriza, em sede de persecução criminal, mediante autorização judicial, "o acesso a dados, documentos e informações fiscais, bancários, financeiras e eleitorais" (Lei nº 9.034/95, art. 2º, III), bem como " a interceptação do fluxo de comunicações em sistema de informática e telemática" (Lei nº 9.296/96, art. 1º, parágrafo

único).

- Habeas-corpus denegado.

Data da Decisão

24/09/2002

Orgão Julgador

T6 - SEXTA TURMA

Decisão

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da SEXTA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, denegar a ordem de habeas corpus, nos termos do voto do Sr. Ministro-Relator. Os Srs. Ministros Fernando Gonçalves, Hamilton Carvalhido e Fontes de Alencar votaram com o Sr. Ministro-Relator. Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Paulo Gallotti. Sustentaram oralmente o Dr. Antônio Nabor Areias Bulhões e o Dr. Wagner Gonçalves, Subprocurador-Geral da República.

HABEAS CORPUS. CONFLITO APARENTE DE NORMAS RELATIVAS A CRIMES DE REVELACAO DE SEGREDO EM RAZAO DE FUNCAO, MINISTERIO, OFICIO OU PROFISSAO (ARTIGO 154 DO CODIGO PENAL) E QUEBRA DE SIGILO BANCARIO (ARTIGO 38 PARAGRAFO 7 DA LEI 4.595/64). PRINCIPIO DA ESPECIALIDADE, ARTIGO 12 DO CODIGO PENAL. DISPOSICAO QUE DISTINGUE O DELITO DO TIPO GENERICO DA NORMA CODIFICADA. DESNECESSIDADE DE REPRESENTACAO COMO CONDICAO DE PROCEDIBILIDADE, NA HIPOTESE DE QUEBRA DE SIGILO BANCARIO. BANCARIOS QUE, ASSINARAM A COMUNICACAO VIOLADORA DO SIGILO, SAO EXECUTORES DA CONDUTA DELITUOSA. RECURSO IMPROVIDO


Notas

1. Paulo José da Costa Jr. O Direito de EstarSó. Apud Maria José Oliveira Lima Roque. Sigilo Bancário & Direito à Intimidade, pág.42.

2. Maria José Oliveira Lima Roque. Sigilo Bancário & Direito a Intimidade. Pág.19.

3. Vocabulário Jurídico. Vols.III e IV. Pág.231. (grifo do autor).

4. Segredo "exprime o que se tem conhecimento particular, sob reserva ou ocultante. É o que não se deve, não se quer, ou não se pode revelar, para que não se torne público, ou conhecido". Idem; pág.182.

5. A Busca da Verdade no Processo Penal. pág.225.

6. De Plácido e Silva. Op. cit. pág. 182.

7. Campanhole. Constituições do Brasil. Pág. 832 (redação original).

8. Comentário à Constituição Política do Império. In Código Philippino ou Ordenações e Leis do Reino de Portugal. Primeiro Livro das Ordenações, pág. 260. (redação original)

9. "Artigo 215. Tirar maliciozamente do correio cartas, que não lhe pertencerem, sem autorização da pessoa, a quem vierem dirigidas: Penas – de prizão por 1 a 3 mezes, e de multa de 10$000 a 50$000 réis; Artigo 216. Tirar, ou aver as cartas da mão, ou do poder de algum portador particular, por qualquer maneira que seja: Pena – as mesmas do artigo antecedente, além das em que incorrer, si para commeter este crime usar o réo de violência, ou arrombamento; Artigo 217. As penas dos artigos antecedentes serão dobradas, em cazo de se descobrir a outro o que nas cartas se contiver, em todo, ou parte. Artigo 218. As cartas, que forem tiradas por qualquer das maneiras mencionadas, não serão admitidas em juízo". Código Criminal do Império do Brasil, pág. 108.

10. Campanhole. Op.cit., pág.768. (redação original).

11. Affonso Dionysio Gama. Código penal Brasileiro. Pág.209, edação original).

12. Campanhole. Constituições do Brasil. Pág.716. (redação original).

13. Idem. pág.621.

14. O Código Penal vigente hodiernamente é o mesmo aplicado ao tempo da Constituição de 1946 – Decreto-lei nº. 2848, de 7 de dezembro de 1940. Os parágrafos do artigo 153 foram acrescentados pela Lei 9983 de 14.07.00.

15. José Afonso da Silva. Curso de Direito Constitucional Positivo. Pág. 41.

16. Idem.

17. Paulo Quezado e Rogério Lima. Sigilo Bancário. Pág.31.

18. Paulo Quezado e Rogério Lima. Sigilo Bancário. Pág. 21.

19. Idem. pág.23. Acerca do conceito de fonte, acentuam os doutrinadores que é o lugar de onde provém algo(...)a fonte pergunta de onde?; o fundamento, o porquê.

20. Álvaro Mello Filho, Apud Paulo Quezado e Rogério Lima. Op. cit. pág.24.

21. Maria José Lima Roque. Idem.

22. Paulo Quezado e Rogério Lima. Sigilo Bancário. Pág.28.

23. Paulo Quezado e Rogério Lima. Sigilo Bancário. Pág. 36.

24. Paulo Quezado e Rogério Lima. Quebra do Sigilo Bancário: uma Análise Constitucional (Doutrina e Jurisprudência), pág. 15-18.

25. O parágrafo 7º do artigo em apreço previa como crime à quebra do sigilo bancário, sujeitando os responsáveis à pena de reclusão de um a quatro anos,e aplicando-se no que coubesse, o Código Penal e o Código de Processo Penal, sem prejuízo de outras sanções cabíveis.

26. Art.1º, par. 4º; Art. 3º, par.2º e art. 10º da LC 105/2001.

27. Paulo Quezado e Rogério Lima. Sigilo Bancário, pág. 54.

28. Michel Temer. Elementos de Direito Constitucional, pág. 18.

29. Paulo Quezado e Rogério Lima. Sigilo Bancário, pág. 55.

30. Hugo de Brito Machado.Quebra do Sigilo Bancário, pág. 240/257.

31. Paulo Quezado e Rogério Lima. Sigilo Bancário, pág. 58

32. Ementa: Comissão parlamentar de inquérito. Poderes de investigação (cf.art.58, par. 3º). Limitações constitucionais. Ilegitimidade do controle jurisdicional. Possibilidade de a CPI ordenar, por autoridade própria, a quebra dos sigilos bancário, fiscal e telefônico. Necessidade de fundamentação do ato deliberativo. Deliberação da CPI que, sem fundamentação, ordenou medidas de restrição a direitos. Mandado de segurança deferido. Comissão parlamentar de inquérito. Competência originária do Supremo Tribunal Federal(...) Postulado constitucional da reserva de jurisdição: um tema ainda pertinente de definição pelo Supremo Tribunal Federal.

O postulado da reserva constitucional de jurisdição importa em submeter, à esfera de decisão dos magistrados, a prática de determinados atos cuja realização, por efeito de explícita determinação constante do próprio texto da Carta Política, somente pode emanar do juiz, e não de terceiros, inclusive daqueles a quem se haja eventualmente atribuído o exercício de ‘poderes de investigação próprios das autoridades judiciais’. A cláusula constitucional da reserva de jurisdição – que incide sobre determinadas matérias, como busca domiciliar (CF, art.5º,XI), a interceptação telef6onica (CF, art 5º, XII), e a decretação de prisão de qualquer pessoa, ressalvada a hipótese de flagrância (CF, art 5º, LXI) – traduz a noção de que, nesses temas específicos, assiste ao Poder Judiciário, não apenas o direito de proferir a última palavra, mas, sobretudo, a prerrogativa de dizer, desde logo, a primeira palavra, excluindo-se, desse modo, por força da autoridade do que dispõe a própria Constituição, a possibilidade do exercício de iguais atribuições, por parte de quaisquer outros órgãos ou autoridades do Estado. Doutrina. – O princípio constitucional da reserva de jurisdição não foi objeto de consideração por parte dos demais eminentes Ministros do STF, que entenderam suficiente, para efeito de concessão do writ mandamental, a falta de motivação do ato impugnado.

MS 23.452/RJ, Tribunal Pleno, Min. Rel. Celso de Mello, j. 16/9/99, DJU 15/12/2000;

MS 23.652/DF, Tribunal Pleno, Min. Rel. Celso de Mello, j. 22/11/200, DJU 16/2/2001;

MS 23.466/DF, Tribunal Pleno, Min. Rel. Sepúlveda Pertence, j. 4/5/2000; DJU 6/4/2001;

33. Art. 3º, par. 1º; art. 4º, par. 1º e art. 6º, "caput" da LC 105/2001.

34. Ob. cit, pág, 61.

35. Marco Antônio de Barros. Lavagem de Dinheiro: Implicações Penais, Processuais e Administrativas, pág. 147.

36. Gilmar Ferreira Mendes e outros, Apud Paulo Quezado e Rogério Lima. Op. cit., pág. 71.

37. Art. 2º. "No exercício de suas atribuições, poderão as comissões Parlamentares de Inquérito determinar as diligencias que reputarem necessárias e requerer a convocação de ministros de Estado, tomar o depoimento de quaisquer autoridades federais, estaduais ou municipais, ouvir os indiciados, inquirir testemunhas sob compromisso, requisitar de repartições públicas e autarquias informações e documentos, e transportar-se aos lugares onde se fizer mister a sua presença."

38. Paulo Quezado e Rogério Lima. Sigilo Bancário, pág. 70-73.

39. MS nº 23.480-6/RJ, Acórdão unânime do STF-Pleno, Rel. Min. Sepúlveda Pertenc, j. 4/5/00, DJU-e 1 15/9/00, p.119.

40. MS nº 23.491/DF, Rel. Min. Celso de Mello, j. 1/7/99, DJ 2/8/99; MS nº23.652/DF, Min. Celso de Mello, j. 22/11/00, DJ 16/2/01; MS nº 23.669/DF, Rel. Min. Celso de Mello, DJU 17/4/00; MS 23.452/RJ, Tribunal Pleno, Rel. Min. Celso de Mello.

41. Alexandre de Moraes. Direito Constitucional, pág. 84-86.

42. Carlos Alexandre Marques. A Natureza do Pedido de Quebra de Sigilo Bancário e Fiscal e......, pág. 535-538.

43. Ives Gandra da Silva Martins (coord.). Direitos Fundamentais do Contribuinte, pág. 121-150.

44. STJ, Resp 37.566-5/RS, 1ª T., DJU 28/3/94. Habeas-Corpus nº 5287/DF, Rel. Edson Vidigal, DJ 4/3/97.

45. STF, MS nº 21.729-4/DF, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ 16/10/95. Informativos STF nº 8 e 27.

46. MS 21.729-DF, Informativo do STF nº 8.

47. Hugo de Brito Machado. Um Introdução ao Estudo do Direito, pág. 250.


Bibliografia

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TEMER, Michel. Elementos de Direito Constitucional, 9ª Ed. São Paulo:Malheiros, 1992;

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MARCOCHI, Marcelo Amaral Colpaert; CHECA JÚNIOR, Reinaldo Ribeiro. A garantia constitucional da intimidade e a quebra do sigilo bancário consoante a Lei Complementar nº 105/2001. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 8, n. 62, 1 fev. 2003. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/3756. Acesso em: 2 maio 2024.