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Juros bancários: a legalidade das taxas de juros praticadas pelos bancos perante norma constitucional limitadora

Juros bancários: a legalidade das taxas de juros praticadas pelos bancos perante norma constitucional limitadora

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PALAVRAS-CHAVE – constitucionalidade – taxas de juros – contratos bancários – consumidor

SUMÁRIO: Resumo informativo; Lista de abreviaturas e siglas; Introdução; Capítulo 1 – Noções Preliminares dos Juros; 1.1. – Evolução Histórica dos Juros, 1.2. – O Conceito e a Natureza Jurídica dos Juros, 1.2.1. – Espécies de Juros, 1.3. – Juros Bancários, 1.3.1 – Correção Monetária, 1.3.2. – Comissão de Permanência, 1.3.3. – Anatocismo; Capítulo 2 – Princípios que Regem os Contratos; Capítulo 3 – Controle da Constitucionalidade das Leis no Brasil, 3.1 – A Função do Supremo Tribunal Federal, 3.2. – Princípio da Separação dos Poderes, 3.3 – O Controle Constitucional da Omissão, 3.3.1. – ADIn nº 4, 3.3.2. – ADIn nº 2.591, 3.3.3 – ADIn nº 2.316, 3.3.4. – Mandado de Injunção na visão do STF; Capítulo 4 – Teses Contrárias aos Bancos, 4.1 – Auto-aplicabilidade do § 3º do artigo 192, 4.2. – Lei de Usura, 4.3 – Atos das Disposições Constitucionais Transitórias, 4.4 – Aplicabilidade do CDC; Capítulo 5 – Teses Defensivas dos Bancos, 5.1. – Ausência de Lei Complementar, 5.2. – Aplicabilidade Restritiva do CDC nos Contratos Bancários, 5.3 – Competência do CMN e Banco Central, 5.3.1. – A normatização do BACEN; Conlusão; Referências Bibliográficas; Anexo I; Anexo II.


RESUMO INFORMATIVO

Monografia de caráter compilatório-especulativo que trata do aspecto jurídico das taxas de juros praticadas no Brasil pelas instituições financeiras a partir da Constituição de 1988, que traz inserta no § 3º do único capítulo que trata do sistema financeiro nacional, disposição que limita as taxas dos chamados juros reais ao percentual máximo de 12% (doze por cento) ao ano. Objetiva especialmente analisar a questão da aplicabilidade ou não do referido dispositivo constitucional sob o prisma técnico-jurídico, uma vez que o atual posicionamento do Supremo Tribunal Federal considera inexistente qualquer conceituação aplicável aos juros reais no Direito Positivo Brasileiro. A abordagem da questão inicia-se com uma breve retrospectiva histórica, onde se discorre sobre a origem e a criação dos juros, análise de sua natureza jurídica, acompanhados das teorias que tratam dos efeitos do tema central dentro do quadro político-econômico atual. Os juros bancários são examinados em seus fatores constitutivos, enumerando suas rubricas e o momento no qual foram criadas com o intuito de traçar pautas e parâmetros para o conceito de juros reais. Trata ainda dos princípios reguladores dos contratos sob a influência do ambiente político predominante, quer seja no Estado Liberal, quer seja no Estado Social. Os novos institutos de controle de constitucionalidade trazidos a partir da promulgação da atual Constituição são observados sob a ótica finalística, pretendendo solução de questão controversa. No que tange à aplicação da norma constitucional limitadora, apresenta e analisa os argumentos prós e contras esposados na doutrina e em julgados de tribunais pátrios. São ponderadas as justificativas que delegam ao Conselho Monetário Nacional e ao Banco Central as atribuições conferidas ao Congresso Nacional para dispor sobre matéria financeira, cambial e monetária. Finalmente, apresenta desenvolvimento conclusivo sobre a questão-tema principal, sintetizando as conclusões parciais formuladas durante o desenrolar dos estudos.


INTRODUÇÃO

As taxas de juros são discutidas em todo o mundo sob o aspecto político-econômico, pois representam o grau de desenvolvimento de um país, a estabilidade ou instabilidade de sua atividade econômica, trazendo ou não investimentos de capitais externos. O índice das taxas de juros controla a moeda circulante em um país, ora tirando o dinheiro do mercado incentivando a poupança, ora desestimulando o ganho de capital sem esforço, chamando o empresário a investir no trabalho onde terá maior rentabilidade.

As taxas de juros usadas na concessão de crédito são citadas no capítulo constitucional da Ordem Econômica e Financeira, sob o título de Sistema Financeiro Nacional. Por essa razão, entendemos imprescindível a análise da instituição integrante desse sistema: o Banco Central do Brasil, que detém entre outras funções, a de controlar a emissão de meio circulante e a utilidade e custo do crédito.

No Brasil, desde quando o Estado foi chamado a intervir para evitar que a instabilidade econômica se transformasse em crise, os juros, até então de livre estipulação, ganharam índices limitadores no próprio ordenamento jurídico. A primeira norma que impôs limites aos juros foi o Decreto 22.623/33, conhecido como Lei de Usura.

Para as instituições financeiras, a limitação das taxas de juros significa limitação de lucro. Valendo-se desse princípio do capitalismo – o lucro –, artifícios "legais" eximiram as instituições públicas ou privadas que integram o sistema financeiro nacional das disposições da Lei de Usura.

A Carta Política de 1988 reafirmou no único artigo que trata do SFN o índice máximo de 12% (doze por cento) ao ano para as taxas de juros reais e designou expressamente o Congresso Nacional como competente para tratar de matéria financeira, cambial e monetária, instituições financeiras e suas operações. Daí porque, desde a Constituição Cidadã de 1988, o mundo jurídico tem enfrentado a mais exasperada discussão sobre a legalidade dessa limitação.

O presente trabalho não tem a intenção de afirmar que os argumentos aqui expostos são os únicos cabíveis na matéria em questão. Visa apenas detalhar os já citados artifícios "legais" que têm exonerado os bancos de cumprir o limite imposto em norma constitucional, assim como trazer aos operadores do Direito noções básicas de economia, matéria na qual os interessados se apóiam para se desobrigarem do cumprimento de preceito constitucional.

No primeiro capítulo, é feito um retrocesso histórico com o intuito de definir a natureza dos juros e trazer sua finalidade de criação aos tempos hodiernos. Percebe-se que as diversas rubricas dos juros bancários têm a intenção única de evitar uma definição precisa do seu real conceito e conteúdo, com sobreposição de benefícios que incrementam os lucros das instituições financeiras e que tanto revoltam os devedores de seus empréstimos.

O capítulo seguinte traz os princípios do novo Estado Social, quando o Estado é chamado para equilibrar as partes contratantes, regulando em lei a punição para aqueles que abusam de seu poder de coação.

Já no terceiro capítulo, o princípio da supremacia do interesse público sobre o particular, proposição basilar da Administração Pública, é confundido face à arbitrariedade que fere o controle de constitucionalidade das leis, transformando uma lei ordinária em lei complementar sem observâncias das regras a isso impostas. O mandado de injunção, instituto recém criado com a finalidade de colocar em prática o princípio dos freios e contrapesos, produz efeitos não previstos diante do objeto deste estudo.

Nos últimos capítulos, teremos as teses mais empregadas para defender ora os clientes bancários, devedores de altas quantias, ora os bancos, instituições que vivem do investimento de capitais.


CAPÍTULO 1: NOÇÕES PRELIMINARES

A tentativa constitucional de pacificação do entendimento universal do que sejam juros reais provocou a mais acirrada discussão entre os operadores do direito e desses com os responsáveis pela área econômica. O § 3º do art. 192 da Constituição de 1988, ao dizer que "as taxas de juros reais, nelas incluídas comissões e quaisquer outras remunerações direta ou indiretamente referidas à concessão de crédito, não poderão ser superiores a doze por cento ao ano", abalou a invulnerabilidade das instituições financeiras que nem de longe respeitam este limite constitucional em seus contratos.

Pesquisa mensal realizada pelo Procon mostra que os juros cobrados nas linhas de cheque especial e empréstimo pessoal em abril permaneceram, praticamente, nos mesmos patamares verificados em março. No cheque especial, a taxa média ficou em 8,84% ao mês, contra 8,90% em março. No empréstimo pessoal, a taxa média foi de 5,48% ao mês, pouco superior à anterior, de 5,47%.

Para melhor entendimento do tema, faz-se necessário definir conceitos e preceitos necessários para a análise de idéias debatidas nesta controvérsia.

1.1– Evolução Histórica dos Juros

Desde a antiguidade os juros eram utilizados para compensar o uso do capital alheio.

Teorias a respeito existem, sendo as mais antigas aquelas que condenavam o empréstimo a juro, dando-lhe a denominação pejorativa de usura. Argumentavam que dinheiro não gera dinheiro, portanto, exigir remuneração por uma quantia emprestada, era aproveitar-se da necessidade de alguém para explorá-lo. Defensores desta tese diziam que o empréstimo deveria ser feito por amizade, até mesmo por caridade.

Essa concepção encontra respaldo nas condições econômicas da época que só permitiam a modalidade de empréstimo para consumo.

Com o advento do progresso tecnológico, quando o capital emprestado seria usado na produção, o conceito de juro mudou, deixando de lado as especulações de caráter moral. As teorias mais recentes visam explicar o fenômeno dos juros. Estas justificam as indenizações pagas ao emprestador através de motivos exteriores ao empréstimo. Seriam eles: a privação de lucros cessantes, perda resultante do próprio contrato e o risco de não ser reembolsado.

Considerando as figuras do emprestador e do tomador, este priva aquele de outros ganhos de poupador, devendo compensá-lo pelo sacrifício (abstinência). O tempo que o poupador precisa esperar para recuperar seu capital é equiparado a um custo.

Sob o ponto de vista do tomador, este tem a intenção de lucro ao aplicar o capital alheio. A tese da produtividade do capital diz que o lucro auferido pelo tomador deverá ser maior que o juro pago ao emprestador. Daí a melhor justificativa para que o juro não seja mais condenável, pois o dinheiro utilizado por um tomador empresário aumenta o rendimento de sua produção, gerando outros benefícios, até mesmo para o próprio emprestador.

A tese do ágio considera que há uma troca entre um bem presente e um bem futuro. Sendo aquele de maior valor que este, justifica-se o juro.

As exposições feitas até aqui, conforme pesquisa feita por Sérgio BORCHARDT, correspondem à concepção clássica do juro que era considerado como a renda do capital. Era a teoria microeconômica da poupança.

Na visão microeconômica, os fenômenos eram considerados sob o ponto de vista do indivíduo ou da empresa, enquanto na visão macroeconômica, as análises partem do prisma do país ou do globo.

Pela teoria macroeconômica, o juro é considerado o preço da própria moeda, conseqüência das decisões dos poderes públicos, sendo instrumento da direção econômica.

Verifica-se no Brasil que a intenção do legislador, ao elaborar o Código Civil de 1917, era permitir a cobrança de juros livres, desde que estipulada entre as partes, como forma de fomentar a economia da época e a circulação do capital.

A Lei de Usura, o decreto nº 22.623/33, estipulou como crime de usura a cobrança de taxas superiores a 12% (doze por cento ao ano) e coibiu a capitalização dos juros. A sociedade brasileira respeitou as limitações impostas por essa lei, sem maiores problemas, até 1964.

O golpe militar de 1964 teve o apoio das forças econômicas vinculadas às instituições financeiras. Inevitável que o poderio militar aliado ao poderio econômico excluíssem a restrição imposta pelo decreto nº 22.623/33. Adveio a Lei nº 4.595/64, conhecida como a Lei de Reforma Bancária, que, em resumo, autorizou as instituições financeiras a cobrarem juros acima do limite legal.

Para reforçar a autonomia dos bancos, o STF editou a súmula 596, em 1977, excluindo expressamente as instituições públicas ou privadas que integram o sistema financeiro nacional das disposições da Lei de Usura. A justificativa dessa exclusão deu-se pelo fato da necessidade dos bancos terem uma compensação quando a lei proibia a correção de dívida de dinheiro. Segundo SANTIN [2001, p.241], a súmula 596 permitiu, então, a taxação dos juros, pelo SFN, acima do limite legal, quando a atualização dos empréstimos bancários seria feita por juros complessivos, que abrangiam na taxa de juros a inflação da época.

Nova tentativa de limitar as taxas de juros praticadas pelas instituições financeiras ocorreu na promulgação da Constituição Federal de 1988, que em seu § 3º do artigo 192, reafirmou o percentual de 12% (doze por cento) ao ano contido no decreto nº 22.626/33.

Sendo juros complessivos os praticados pelos bancos, a limitação constitucional fez com que os poderosos da área econômica reagissem de imediato. Até a presente data, essa limitação não está sendo aplicada pelos motivos que serão esmiuçados no decorrer deste trabalho.

1.2. O Conceito e a Natureza Jurídica dos Juros

O instituto dos juros, em tempo de globalização, deve ser analisado sob prismas econômicos, políticos e jurídicos. Essas três áreas interagidas deveriam trazer a paz e a justiça almejadas, evitando-se as infindáveis discussões.

Concordamos com Celso Ribeiro BASTOS e Ives Gandra MARTINS que defendem a tese de que as imposições taxativas na área financeira exigem um estudo, no mínimo superficial, da área econômica.

A taxa de juros praticada em um país age como regulador do crescimento econômico, da estabilidade ou da instabilidade desse crescimento, da inflação e das causas de desemprego.

Uma vez que os economistas divergem sobre o grau de importância da taxa de juros sobre as questões acima expostas, veremos os pontos mais importantes de duas visões econômicas: neoclássica e keynesiana.

Na visão dos economistas neoclássicos, se o mercado de fundos de empréstimos for deixado livre, a instabilidade é passageira. A oscilação das taxas de juros incentiva ora a poupança, ora o investimento. Esse é função decrescente da taxa de juros e aquela é função crescente da taxa de juros. O desemprego é voluntário ou friccional, dependendo unicamente daqueles que desistem de trabalhar porque o salário não cobre a desutilidade do trabalho ou o ócio perdido.

A Teoria Geral de Keynes conferiu completude ao conceito econômico de juro, apresentando-o como "instrumento de políticas de desenvolvimento econômico com manipulação da oferta monetária disponível".

A teoria keynesiana diz que não haverá igualdade entre poupança e investimento se o mercado atuar livremente, devendo o Governo intervir para evitar que a instabilidade se transforme em crise. Isso porque o poupador renuncia a liquidez não só pela rentabilidade oferecida, mas devido à incerteza do retorno de seu investimento no mercado. Havendo mais gente poupando que consumindo ou investindo na economia, haverá excesso de mercadoria, que provocará suspensão ou redução na produção e conseqüentemente, o desemprego. Na hipótese oposta, isto é, quando há excesso de procura, ocorre a inflação, ou seja, aumento de custos.

Na teoria keynesiana, a moeda e o crédito bancário são importantes para estimular a atividade econômica. O investimento depende da rentabilidade esperada que deverá ser superior ao custo. Quanto menor a taxa de juros em concessão de crédito bancário, maior a possibilidade de haver interessados em investir.

A ciência jurídica define juros como frutos civis produzidos pelo uso do dinheiro. Juros constituem, pois, obrigações acessórias e decorrem de uma obrigação principal. Os elementos obrigacionais dos juros, na qualidade de acessórios e fungíveis, são acrescidos da remuneração pelo consumo da coisa e cobertura do risco do credor na concessão do crédito, que pode variar com maior ou menor segurança ao mutuário, conforme a situação dos negócios.

A política une as duas ciências, economia e direito, para avaliar a taxa de juros como incentivo ao capital estrangeiro, necessário a este País. Para atrair capitais e aumentar o saldo positivo de reservas, o Governo pode manter as taxas de juros do país altas em relação às taxas de juros do exterior.

Considerando que o investidor estrangeiro só optará em aplicar seu capital em um país que tem uma dívida externa de curto prazo muito elevada se estimulado por uma alta taxa de juros, as atuais taxas de juros praticadas no Brasil estariam justificadas. Porém, o combate a essa especulação financeira foi a razão demagógica que levou o constituinte a incluir a matéria em tela no texto constitucional.

1.2.1 – Espécies de Juros

Nos dizeres de Álvaro Villaça AZEVEDO, os juros nada mais são do que um pagamento, que se faz ao titular do capital pela utilização de seu dinheiro, com ou sem a sua concordância.

A concordância se aperfeiçoa nos juros compensatórios, quando o emprestador esclarece ao tomador o quantum de acréscimo aquele receberá pelo prazo do contrato. Este quantum, se especificado, é chamado de juros convencionais, por nascerem do contrato, da convenção.

Juros moratórios são aqueles oriundos do inadimplemento do tomador, são contados depois do vencimento da obrigação até o efetivo pagamento.

Caso os contratantes não convencionem a taxa de juros, esta será a que consta da lei. Aqui temos os juros legais, que podem ser compensatórios (art. 1.063 do CC) ou moratórios (art. 1.062 CC).

A lei diz que quando não estipulada, a taxa de juros compensatórios será de 6% (seis por cento) ao ano ou 0,5% (meio por cento) ao mês.

Embora os juros moratórios tenham natureza punitiva, por estar ausente o consentimento do dono do capital, ou natureza indenizatória, pelos danos sofridos pelo credor em conseqüência da mora do devedor, a taxa é a mesma, ou seja, 6% (seis por cento) ao ano ou 0,5% (meio por cento) ao mês.

Os juros moratórios são exigíveis, independentemente e sem prejuízo da cláusula penal convencionada pelas partes e das custas judiciais (art. 1061 CC).

As taxas convencionais, aquelas estipuladas livremente pelas partes contratantes, devem observar o limite consignado pelo Dec. 22.626, de 7.4.1933 – Lei da Usura – que, pelo seu art. 1º é de 12% (doze por cento) ao ano ou 1% (um por cento) ao mês. Ou ainda, o mesmo percentual de 12% (doze por cento) do § 3º do art. 192 da Carta Magna.

O artigo 1.262 do Código Civil permite fixar juros ao empréstimo de dinheiro (mútuo) acima da taxa legal (art.1.062), com ou sem capitalização. Daí os juros compostos ou capitalizados, que é a cobrança de juros sobre juros. Calcula-se os juros do primeiro mês, que é incorporado ao capital para o cálculo do mês seguinte e assim sucessivamente. Juros complessivos é a cobrança de taxa de juros cumulada com correção monetária ou atualização do capital.

Juros reais, expressão citada no § 3º do art. 192 da Constituição, para a Corte Suprema, não tem definição no nosso Direito. Esse modelo de juros será analisado minuciosamente em oportunidade outra de nosso trabalho.

1.3 – Juros Bancários

A existência de um capítulo constitucional destinado inteiramente ao sistema financeiro nacional, além de ser novidade, é inócuo, vez que seu único artigo não é auto-aplicável, pendendo de lei complementar para sua regulamentação (art. 192 da CF/88).

Por essa razão, o referido sistema continua sendo disciplinado pela Lei 4.595, de 31 de dezembro de 1964, que criou o Conselho Monetário Nacional, o qual através de seu agente executivo, o Banco Central do Brasil, é titular de competência normativa para deliberar e regrar acerca do funcionamento das instituições financeiras e suas operações.

A Resolução nº 1.524, emitida pelo BACEN em 21 de setembro de 1988, permitiu a constituição dos chamados "bancos múltiplos", ou seja, as atividades desempenhadas pelos bancos comerciais passaram a ser desenvolvidas por outras instituições integrantes do sistema financeiro nacional.

O objetivo precípuo do banco comercial é proporcionar o suprimento oportuno e adequado dos recursos necessários para financiar, a curto e médio prazos, o comércio, a indústria, as empresas prestadoras de serviços e as pessoas físicas. Para atender o seu objetivo, o banco comercial pode: descontar títulos; realizar operações de abertura de crédito, simples ou em conta corrente; realizar operações especiais, inclusive de crédito rural, de câmbio e comércio internacional; captar depósitos à vista e a prazo fixo; obter recursos junto a instituições oficiais; obter recursos no exterior, para repasse; efetuar operações acessórias ou de prestação de serviços, inclusive mediante convênio com outras instituições. A captação de depósitos à vista, livremente movimentáveis, é atividade típica de banco comercial, configurando-o como instituições financeiras monetárias.

Os bancos comerciais, ao emprestar, multiplicam a quantidade de moeda criada pelo BACEN, o que impede que as taxas de juros praticadas pelas instituições financeiras sejam desvencilhadas da taxa de juros que o Governo oferece aos investidores nacionais e estrangeiros. Essa taxa tem o objetivo de regular a oferta de dinheiro no país e, por conseguinte, controlar a inflação, além de tentar atrair recursos internos e externos para financiar investimentos no país e rolar a dívida do governo.

A taxa de juros praticada em um país age como regulador do crescimento econômico, da estabilidade ou da instabilidade desse crescimento, da inflação e das causas de desemprego. São os instrumentos econômicos os únicos capazes e necessários para fortalecer o mercado abalado por crises internacionais.

Quando falamos em oferta de moeda, estamos nos referindo ao volume de papel-moeda em poder do público e aos depósitos à vista nos bancos comerciais. Outrora, quando a moeda consistia basicamente em metais preciosos, como ouro ou prata, as pessoas que detinham essas riquezas confiavam em uma instituição e ali depositavam suas reservas por motivo de segurança em troca de um recibo de depósito. O estoque de moeda correspondia, então, ao ouro monetário que as pessoas guardavam consigo e ao que depositavam nessas instituições.

Com o passar do tempo, os recibos de depósitos passaram a circular e a serem usados para efetuar pagamentos, assumindo a função de moeda. Os guardiões, sabendo que os estoques não seriam demandados simultaneamente, passaram a emprestar partes desses depósitos a terceiros, sob a forma de juros, propiciando-lhes ganhos extras.

O processo acima descrito é semelhante ao que ocorre nas instituições financeiras hoje. O BACEN estipula um percentual sobre os valores recebidos em depósito pelos bancos comerciais que será recolhido como a reserva (compulsório), permitindo que o excedente seja emprestado, sob a forma de empréstimos bancários.

Sendo as taxas de juros cobradas nesses empréstimos bancários o objeto deste estudo, segue a sua composição.

Os bancos, após o advento do Plano Real (1994) e o controle da inflação, passaram a ganhar muito menos com o floating (ganhos com a inflação) e passaram a obter seus lucros com o spread que é a diferença entre as taxas pagas para capturar recursos e as cobradas nos empréstimos.

Hoje, os spreads estão em patamares bastante elevados, mesmo concebendo que os juros cobrados pelas instituições financeiras incluem, além dos juros básicos, a inadimplência, os custos administrativos e operacionais, o lucro e também os impostos (IR, IOF, etc).

O spread do cheque especial de pessoa física foi de 7,30% ao mês ou 157% ao ano. Descontados a inadimplência 19%, os impostos diretos e indiretos 30%, as despesas administrativas 20%, restou ainda ao banco o lucro de 31% (ao ano).

Considerando que o lucro médio dos bancos é de 18% do spread, determinadas operações são mais dispendiosas, outras mais lucrativas. O custo administrativo é sempre percentualmente maior quanto menor o montante da operação. De qualquer forma, a redução dos juros ao tomador não depende de uma medida isolada.

Em outubro de 1999, o Departamento de Estudos e Pesquisas (DEPEP) do Banco Central elaborou um estudo que embasou medidas e iniciativas que o Governo vem desenvolvendo para reduzir o spread bancário e conseqüentemente, os juros finais pagos pelo cliente bancário.

A medida mais imediata foi edição da Resolução 2.582 de 21 de dezembro de 1999, que indexou os juros contratados ao risco de crédito. As taxas de juros de cheque especial podem variar em 270% (duzentos e setenta por cento), num mesmo banco, dependendo da garantia oferecida pelo tomador. A conta garantida caucionada terá uma taxa de menos de 3% (três por cento) ao mês; sem a caução esta taxa aproxima-se de 7% (sete por cento) ao mês. Quando a caução trata-se de cheques pré-datados, estes são a própria garantia do banco que os retém sob custódia. Quando a caução é bloqueio em conta de poupança ou conta de aplicação, o valor bloqueado cobre eventual inadimplência.

Isso porque, a citada Resolução trata de critérios de classificação das operações de crédito e regras para constituição de provisão para créditos de liquidação duvidosa, tornando o custo do empréstimo bancário ainda maior. Antes, a provisão feita sob a forma de garantia pela incerteza do adimplemento da obrigação era generalizada. Agora, o percentual do provisionamento pode variar de 0,5% a 100%, dependendo de prévia avaliação do tomador considerado individualmente.

A inadimplência também aumenta o custo, pois o conceito do tomador pode variar durante o contrato, aumentando substancialmente a provisão inicial, constituída mensalmente.

Por outro lado, a ineficiência do processo judicial limita a expansão das atividades creditícias, além de elevar os spreads bancários, na medida em que os créditos perdidos são tentativamente recuperados mediante taxas de juros cobrado no conjunto das operações.

Para agilizar o recebimento de verbas discutidas judicialmente, o Governo pretende propor legislação própria para que haja a devida separação entre juros e principal e ainda depósito judicial da parcela incontroversa dos empréstimos concedidos pelo SFN. Pretende também a aplicabilidade do juízo arbitral regulado pela Lei 9.307/96, o que facilitaria e reduziria os custos dos empréstimos a médias e grandes empresas.

Outra iniciativa é a abertura do mercado para a participação estrangeira. Com isso, o BACEN visa aumentar a concorrência e transparência no setor financeiro, promovendo a divulgação pública diária das taxas médias de cheque especial efetivamente praticadas por todos os bancos, contribuindo para que as pessoas físicas tenham melhores informações na escolha da instituição em que decidem ter conta.

Por conseqüência, essa presença surtiu efeito somente no aumento da eficiência operacional, sob a alegação de que os bancos estrangeiros até o momento não baixaram as taxas por estarem ainda em processo de reorganização interna e avaliação mais pormenorizada do mercado brasileiro.

Além das medidas e propostas acima expostas, outras estão previstas pelo DEPEP como:

a)a redução dos compulsórios, do IOF, das exigências burocráticas;

b)o aumento de informações dos cadastros de inadimplentes;

c)reforma tributária através de emenda constitucional.

A mais recente providência e, acreditamos, a mais sensata é o aperfeiçoamento do sistema de pagamentos que visa aumentar a credibilidade do País internacionalmente, quando não será mais necessário ofertar juros tão altos ao investidor estrangeiro a título de compensação pelo risco.

Uma das razões para o risco de crédito ser elevado no Brasil refere-se a sua vinculação com o risco sistêmico. Com o recém implantado Sistema de Pagamentos Brasileiros (SPB) os tomadores de crédito serão beneficiados, assim como todos os clientes do sistema financeiro. O presente assunto será detalhado ao final deste trabalho, quando trataremos da normatização do BACEN.

1.3.1 – Correção Monetária

A correção monetária é um instituto que visa preservar o valor do aquisitivo da moeda. É a atualização, entre os extremos de determinado período, do poder de compra.

Pelo princípio da eqüidade, não é justo que, em uma mesma relação obrigacional, o bem que apresenta hoje um valor, amanhã, apresente outro. Adotando esse ponto de vista, o princípio do nominalismo vem cedendo à correção monetária que permite assegurar o valor real da prestação quando, por motivos imprevisíveis, sobrevier desproporção manisfesta entre o valor da prestação devida e o do momento da sua execução (art. 317 do Novo Código Civil).

Acha-se superado nos tempos hodiernos o nominalismo puro e simples, de tal forma que o devedor, ao restituir o dinheiro mutuado, deve faze-lo em quantum devidamente atualizado. (Omissis) Cabível, portanto, no caso, a correção monetária. (In voto do Relator, Ministro Barros Monteiro, no REsp. nº 1.124-SP – RSTJ 16/90/413)

Pelo princípio do nominalismo, o título de crédito, à época da cobrança terá a composição dos danos embasada no valor inscrito no título. Conforme art. 947, 1.061 e 1.062, todos do Código Civil de 1916, os encargos por atraso corresponderão aos juros moratórios legais ou convencionais acrescido da pena convencional.

Os adeptos ao princípio do nominalismo, por conseguinte, contrários à correção monetária, atribuem a essa a causa da inflação. O saudoso economista Mário Henrique Simonsen dizia que a inflação é um imposto cujo ônus alguém tem de suportar e que a indexação generalizada conduz à hiperinflação. Enquanto a indexação foi aplicada no Brasil dentro de um conceito de excepcionalidade, as coisas funcionavam bem, porém a inflação brasileira começou a desandar exatamente no momento em que se resolveu democratizar a indexação dentro de um princípio de que todos são iguais perante a correção monetária, no final dos anos 70. Essa política adotada no Brasil não é adotada em nenhum país no mundo e a correção monetária deve ser banida do universo jurídico brasileiro, em respeito às dezenas de milhões de cidadãos desafortunados que são vítimas da ganância do sistema financeiro.

1.3.2 – Comissão de Permanência

A comissão de permanência surgiu de uma Resolução do BACEN quando foi facultado aos bancos cobrar de seus devedores encargos de caráter compensatório além dos juros de mora já estipulados.

A norma do SFN que permitiu tal estipulação é a Lei 4.595/64 que em seu artigo 4º, inciso IX autoriza o CMN limitar juros, descontos, comissões e outras formas de remuneração de operações e serviços bancários.

Todavia, é importante lembrar que comissão é remuneração ou a paga que se promete à pessoa, a quem foi conferido encargo de fazer alguma coisa por sua conta.

Em um contrato bancário, comissão seria a porcentagem a que tem direito o banco (comissionário) que trabalha com os bens do cliente (comitente), em razão do seu valor. Tal é o caso de aplicação de dinheiro em fundo de ações, de empréstimo, overnight.

O supramencionado inciso reza a possibilidade de limitar e não criar novas formas de remuneração de operações bancárias. Uma vez que a letra da lei fala em compensação e não em indenização, o instituto "inventado" – a comissão de permanência – foi equiparada à correção monetária pelo Colendo Tribunal de Justiça que editou a Súmula 30 proibindo a utilização simultânea dos dois institutos: "a comissão de permanência e a correção monetária são inacumuláveis".

O Tribunal de Alçada de Minas Gerais, ao proceder o exame da matéria, entendeu que a correção monetária sobrepõe-se à comissão de permanência. Por oportuno e conveniente, transcrevemos abaixo parte do acórdão exarado por aquela Corte, o qual é vazado nos seguintes termos:

A correção monetária tem berço legislativo – foi instituída por lei – e, por isso – embora destinada também a manter atualizado o quantum devido e a preservar o valor aquisitivo da moeda – deve prevalecer sobre a comissão de permanência, que tem origem administrativa. (TAMG – AC 0284656-6 – 3ª C.Cív. Rel. Juiz Wander Marotta – J. 11.08.1999)

A comissão de permanência não se constitui em juros remuneratórios ou compensatórios e jamais poderá ser de livre convenção, vale dizer, o limite é a exata atualização do débito por índices oficiais, atualmente o INPC. Porém esses índices oficiais serão a base da atualização, devendo constar, no ato da contratação, a fixação de seu percentual, não podendo haver referência genérica.

Diz o artigo 115 do Código Civil: "São lícitas, em geral, todas as condições, (sic) que a lei não vedar expressamente. Entre as condições defesas se incluem as que privarem de todo efeito o ato, ou o sujeitarem ao arbítrio de uma das partes."

Decidem os tribunais:

A previsão pura e simples acerca da aplicabilidade de comissão de permanência, desvinculada de qualquer parâmetro correcional, constitui, por ficar ao exclusivo alvedrio do banco mutuante, cláusula potestativa não passível, pois de exigibilidade. (Apelação cível 97.001360-4, relator Des. Eládio Torret Rocha, julg. 2 de junho de 1999).

JCCB.115 – COMISSÃO DE PERMANÊNCIA – TAXA DE MERCADO – CLÁUSULA POTESTATIVA – ART. 115, DO CÓDIGO CIVIL – A atual e predominante jurisprudência tem entendido ser nula e sem qualquer eficácia a cláusula contratual ou sua parte que sujeita o devedor à taxa de juros ou correção, comissão de permanência, fixada ao arbítrio do credor, mediante condição puramente potestativa, em índice do mercado, não pré-fixado. O art. 115 do Código Civil tem por ilícita a condição imposta a uma das partes e que a sujeite ao arbítrio da outra. (TAMG – AC 0297905-9 – 7ª C.Cív. – Rel. Juiz Geraldo Augusto – J. 24.02.2000)

Inobstante a decisão sumulada, esteado no argumento do dinamismo do direito, Luis Ricardo Fernandes de CARVALHO ofertou outra interpretação à expressão "comissão de permanência", de forma apartada do mais apropriado tratamento jurídico devido ao tema.

Para fugir da proibição de acumulação dos dois institutos, o ilustre advogado diz que o que se tem nos contratos de mútuo financeiro, que são equivocadamente chamadas de comissão de permanência, são, em verdade, cláusulas que prevêem a indenização por perdas e danos decorrentes de lucros cessantes.

Ilustra desta forma seu entendimento, remetendo-nos à Lei nº 3.071, de 1º de janeiro de 1916, o Código Civil:

Art. 1059. Salvo as exceções previstas neste Código, de modo expresso, as perdas e danos devidos ao credor abrangem, além do que efetivamente perdeu, o que razoavelmente deixou de lucrar.

Parágrafo único. O devedor, porém, que não pagou no tempo e forma devidos, só responde pelos lucros, que foram ou podiam ser previstos na data da obrigação.

Nesses tipos de contrato, a comissão de permanência representaria a estipulação de lucro cessante, ou seja, aquilo que a financeira deixou de ganhar com a aplicação no mercado financeiro do valor que deveria, mas não recebeu, por mora do devedor.

Para completar, argumenta que seu entendimento deve prevalecer, sob pena de causar prejuízo às financeiras que, ao final, penalizará toda a sociedade. Quando não aceita a comissão de permanência, as taxas de juros aplicadas no mercado deverão ser revistas, pois o que se preza é a própria estabilidade econômica do país.

A nossa discordância com aqueles que comungam com a interpretação desse advogado se deve ao fato da obrigatoriedade de se provar que o banco deixou de lucrar. Não acreditamos existir investimento melhor que o advindo da cobrança de juros remuneratórios tão altos. Além do mais, deturpar a definição de comissão, permitindo ao BACEN criar nova forma de remuneração de operação bancária é contrário ao direito. "Pela permanência do dinheiro com o cliente, sem paga do título correspondente, já se estipularam verbas a que correspondam causas econômicas reais: multa e juros."

A interpretação mais acertada é aquela que diz que a comissão de permanência e a correção monetária se equivalem, inibindo assim, o lucro sobre o lucro.

1.3.3 – Anatocismo

O anatocismo financeiro – cômputo de juros sobre juros – só é permitido em periodicidade anual, conforme art. 4º do Decreto nº 22.626/33:

A capitalização de juros somente é possível em casos de expressa previsão legal, cumprindo a velha máxima do direito público que permite praticar somente atos previstos em lei, ao contrário do direito privado onde é permitido tudo o que a lei não veda. Dessa forma, permitida a cobrança de juros sobre juros nos casos de títulos de crédito à exportação (Lei nº 6.313/75), de crédito rural (Decreto-lei nº 167/67), de crédito industrial (Decreto-lei nº 413/69), de crédito comercial (Lei nº 6.840/80), mas não para contrato de mútuo bancário e contratos de abertura de conta com cheque especial.

É sabido que as instituições bancárias, conforme a linha de crédito concedido, fixam uma forma de remuneração de capital emprestado, e impõem determinadas condições, inclusive coma capitalização mensal e até diária, mesmo sabendo das disposições proibitivas do Decreto nº 22.626/33 (art. 4º), a denominada Lei de Usura. Até quem não admite a auto-aplicabilidade do artigo 192, § 3º, da Constituição Federal de 1988 vê na infringência à lei infraconstitucional uma desobediência praticada unilateralmente pelas instituições bancárias.

Juros. Semestralização. A capitalização de juros semestral é permitida nas operações regidas por Leis ou normas especiais, que nela expressamente consentem, não constituindo anatocismo essa prática na espécie. (Apelação Cível 24.244 de Carmo do Rio Verde - GO., Relator: Desembargador Fenelon Teodoro Reis, julgado de 23.08.90).

As Instituições financeiras ao aplicarem os juros capitalizados ou compostos apóiam-se na Lei 4.595/64 que acreditam ter revogado a Lei de Usura ou na Súmula 596- do STF, editada em 1977, que as excluem das disposições do Decreto nº 22.626/33.

Todavia, a Constituição de 1988 não recepcionou tal exceção ao proibir expressamente qualquer distinção na interpretação das normas jurídicas, assegurando que todos são iguais perante a lei (art. 5º, caput). Ainda revogou a delegação de competência dada ao CMN para tratar de matéria financeira, cambial e monetária, instituições financeiras e suas operações (art. 22 e 48), atribuindo-a exclusivamente ao Congresso Nacional.

Mais recentemente, a MP nº 1.963 insiste em regularizar a prática de cobrança de juros capitalizados pelas instituições financeiras. Sendo a 22ª reedição dessa MP, datada de 25 de agosto de 2000, objeto da ADIn nº 2.316, permitimo-nos detalhar o assunto em capítulo corresponde, quando trataremos dos efeitos dessa prática e da visão dos tribunais pátrios.


Capítulo 2: PRINCÍPIOS QUE REGEM OS CONTRATOS

Primeiramente, contrato é todo negócio jurídico entre sujeitos capazes que após estipularem o objeto lícito, que será a prestação obrigacional de conteúdo patrimonial, e as formas de adimplemento previstas em lei, dão o seu consentimento para que ele se realize. Sílvio RODRIGUES define contrato como um ato bilateral que se aperfeiçoa pela coincidência de dois ou mais consentimentos.

Para todo direito, existem os princípios reguladores. No ramo das obrigações contratuais o princípio pacta sunt servanda foi até meados do século XX o mais difundido, o mais discutido, sendo a base do cumprimento dos contratos.

A idéia central do princípio da força obrigatória (pacta sunt servanda) era de que cada indivíduo, por livre e espontânea vontade, escolhesse com quem iria contratar, qual seria o objeto, que cláusulas seriam estipuladas e quais as formas de adimplemento. Dessa forma, o contrato jamais poderia deixar de ser cumprido sob a alegação de diferenças econômicas e sociais entre os contratantes. Visava preservar a autonomia da vontade, a liberdade de contratar e a segurança jurídica de que os instrumentos previstos no nosso ordenamento são confiáveis.

Com a Revolução Industrial, verificou-se uma massificação dos contratos, não sendo mais possível estipularem-se cláusulas individuais como outrora acontecia. O capitalismo liberal trouxe os contratos de adesão, aqueles em que as cláusulas são previamente estipuladas por uma das partes (economicamente mais fortes), cabendo a outra parte que tem necessidade de contratar (em geral, menos afortunada), simplesmente submeter-se a elas.

Com o intuito de reter os abusos dos poderes econômicos e sociais privados e equilibrar a relação contratual, nasce um novo ramo de direito: o Direito do Consumidor que tem, como núcleo fundamental, os contratos de consumo. Reconhece a condição de vulnerabilidade dos consumidores no mercado e, em função disso, visa ao consentimento mais esclarecido por parte do consumidor, à realização de melhor justiça contratual e à mais efetiva garantia de reparação de danos eventualmente sofridos pelos consumidores.

O Estado Social faz suscitar novos princípios contratuais que, de um modo ou de outro, comparecem nos Novo Código Civil (NCC) e Código de Defesa do Consumidor (CDC), constituindo ferramentas hermenêuticas indispensáveis e imprescindíveis.

São eles:

a)princípio da função social – a prevalência da realização individual perde espaço o social. Mesmo os contratos que não são protegidos pelo direito do consumidor serão interpretados no sentido que melhor contemple o interesse social, que inclui a tutela da parte mais fraca no contrato, ainda que não configure contrato de adesão;

b)princípio da boa-fé – a boa-fé objetiva importa em conduta honesta, leal e correta de todos os contratantes, porém caberá ao fornecedor o dever de incluir na oferta toda informação ou publicidade suficientemente precisa, assegurando ao consumidor cognoscibilidade e compreensibilidade prévias do conteúdo do contrato;

c)princípio da equivalência material – visa realizar e preservar o equilíbrio real de direitos e deveres no contrato, antes, durante e após sua execução. Há presunção absoluta da vulnerabilidade do trabalhador, do inquilino, do consumidor e do aderente de contrato de adesão. Este princípio rompe a barreira de contenção da igualdade jurídica e formal que caracterizou a concepção liberal do contrato, quando este fazia lei entre as partes. O princípio clássico pacta sun servanda passou a ser entendido como o contrato que obriga as partes contratantes a se manterem nos limites dos direitos e deveres entre elas.

Os princípios sociais do contrato não eliminam os princípios liberais (ou que predominaram no Estado liberal), a saber, o princípio da autonomia privada (ou da liberdade contratual em seu tríplice aspecto, como liberdades de escolher o tipo contratual, de escolher o outro contratante e de escolher o conteúdo do contrato), o princípio de pacta sunt servanda (ou da obrigatoriedade gerada por manifestações de vontades livres, reconhecida e atribuída pelo direito) e o princípio da eficácia relativa apenas às partes do contrato (ou da relatividade subjetiva); mas limitaram, profundamente, seu alcance e seu conteúdo.

Considerando que os contratos bancários são a maior expressão das relações negociais massificadas, sendo os mais típicos contratos de adesão, mesmo que venham a ser desconsiderados os "serviços bancários como relações de consumo" (objeto da ADIn 2.591), estes princípios sociais atuarão mais cedo ou mais tarde, sob o risco de retroagirmos ao absolutismo em pleno século XXI, ou seja, independente do regime jurídico que venha a reger as relações entre as instituições financeiras e seus clientes, os princípios alencados não poderão ser ignorados.


Capítulo 3: CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE DAS LEIS NO BRASIL

Constituições flexíveis são aquelas que se caracterizam pela possibilidade de suas normas serem alteradas e revistas pelo mesmo processo legislativo empregado para elaboração das leis ordinárias. Contrariamente, toda vez que for exigido procedimento legiferante mais solene e gravoso do que o estipulado para as leis ordinárias, evidencia-se a supremacia da Constituição sobre todo o ordenamento jurídico e o controle de constitucionalidade das leis.

Daí a idéia de intersecção entre controle de constitucionalidade e constituições rígidas citada por Alexandre de MORAES. Onde se concluiu que havendo uma, haverá, conseqüentemente, a outra.

Controlar a constitucionalidade das leis é verificar se a Constituição está sendo aplicada, se o princípio da legalidade previsto em seu artigo 5º, inciso II está sendo cumprido pelo legislador. MORAES [2000, p.555-556] sintetiza o princípio básico em um Estado Democrático de Direito: "... ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa, senão em virtude de espécie normativa devidamente elaborada de acordo com as regras de processo legislativo constitucional (art. 59 a 69, da Constituição Federal)".

As espécies de controle de constitucionalidade dependerão do momento em que será exercido: preventivo ou repressivo. O preventivo visa impedir que alguma norma ainda em vias de formação, e que apresente algum tipo de inconstitucionalidade, seja na forma ou na matéria, venha a ingressar no nosso ordenamento jurídico. É realizado pelo Poder Legislativo, através das comissões de constituição e justiça (artigo 58 da CF/88) e pelo Poder Executivo, através do veto jurídico (artigo 66, § 1º da CF/88).

O repressivo visa expurgar a norma maculada já editada. A regra impõe que o Poder Judiciário, como guardião da Constituição Federal (art. 102, I, "a" da CF/88) exerça o controle repressivo da constitucionalidade. Excepcionalmente, pode ser exercido pelo Legislativo e pelo Executivo. Esse, através do Presidente da República, nos respectivos entes da Federação, consistente em negar obediência à lei, por entendê-la inconstitucional, provocando/instigando ou induzindo o surgimento da Ação Declaratória de Constitucionalidade, visando à pacificação da presunção relativa (juris tantum) de que "toda lei é constitucional". Aquele o exerce, em três hipóteses: artigo 49, V, artigo 52, X e artigo 62, todos da CF/88.

No Brasil, o controle repressivo judiciário de constitucionalidade das leis e demais atos normativos é misto, podendo ser exercido tanto da forma difusa, quanto da forma concentrada.

No controle difuso, concreto, aberto ou por via de exceção ou de defesa, todo e qualquer juiz ou tribunal poderá realizar o controle de constitucionalidade dentro do caso concreto que está sob sua análise, onde, verificada a incompatibilidade da matéria alegada com a Constituição Federal, a mesma será declarada e a parte a quem beneficiar poderá deixar de cumprir a lei ou ato produzidos em desacordo com a Lei maior. Os efeitos são ex tunc e inter partes, permanecendo válidos a lei ou ato no que se refere à força obrigatória com relação a terceiros. Existe, ainda uma previsão da mesma decisão passe a ter efeito erga omnes e efeitos ex nunc-, quando vier a ser apreciada pelo STF, seja de via de competência originária, ou por via recursal. O STF comunica ao Senado Federal que, através de seu poder discricionário, estende a declaração de inconstitucionalidades a todos.

De maneira contrária, o controle concentrado, também conhecido como controle reservado, abstrato, ou ainda por via de ação, tem o condão de expedir do sistema a lei ou ato inconstitucional. É aquele que busca a declaração de inconstitucionalidade em tese, de maneira abstrata, independentemente da existência de um caso concreto. A declaração de inconstitucionalidade produzirá, via de regra, efeitos erga omnes, vinculante e ex tunc, pois não se poderá considerar que um ato normativo eivado em sua origem venha a causar qualquer efeito no mundo jurídico. As espécies contempladas na Constituição de 1988 são:

a)ação direta de inconstitucionalidade genérica, art.102, I, "a";

b)ação direta de inconstitucionalidade interventiva, art. 36,III;

c)ação direta de inconstitucionalidade por omissão, art. 103 §2º ;

d)ação declaratória de constitucionalidade, art. 102, I, "a", 2ª parte;

e)argüição de descumprimento de preceito fundamental, art. 102,§ 1º.

As duas primeiras já eram previstas em constituições anteriores. As demais foram incorporadas à atual Constituição de 1988, sendo as duas últimas através da EC nº 3 de 17-3-1993.

As ações diretas de inconstitucionalidade genérica e por omissão – as ADIns – serão objeto de estudo mais detalhado neste trabalho, por serem métodos utilizados pelos operadores do direito para tentarem resolver o impasse da legalidade dos juros bancários.

A ação de argüição de descumprimento de preceito fundamental ampliou o campo do controle concentrado, que se limitava aos atos estaduais e federais (ADIn) ou só federais (ADCon). Foi introduzida no ordenamento jurídico a apreciação pelo mesmo STF de atos normativos municipais, atos estaduais e atos normativos federais, inclusive anteriores à Lei Maior.

Apesar da distinção entre as ADIns e as ADCons, a Lei 9.869/99 que regula as duas ações, atribui a ambas natureza dúplice, prevendo que durante o julgamento proclamar-se-á a constitucionalidade ou inconstitucionalidade da lei ou ato normativo impugnado, presentes pelo menos oito membros do STF, e se num ou noutro sentido houver manifestação de no mínimo seis de seus componentes (maioria absoluta). Ou seja, uma ação iniciada com a intenção de declaração de inconstitucionalidade pode ser revertida para declaração de constitucionalidade e vice-versa. Assim, a cada levantamento da matéria quanto à constitucionalidade ou não dos juros bancários poderíamos vislumbrar uma solução para o impasse, e é o que de certa forma se espera da ADInº 2.591, em trâmite perante o Supremo e que será discutida neste trabalho.

3.1 – A Função do Supremo Tribunal Federal

O Supremo Tribunal Federal compõe-se de onze Ministros, escolhidos dentre cidadãos brasileiros natos com mais de trinta e cinco e menos de sessenta e cinco anos de idade, de notável saber jurídico e reputação ilibada. Esses serão nomeados pelo Presidente da República, depois de aprovada a escolha pela maioria absoluta dos membros do Senado Federal.

Os Ministros do Supremo, a fim de garantir a imparcialidade nos seus julgados, gozarão de garantias específicas: vitaliciedade, inamovibilidade e irredutibilidade de subsídio, a fim de não se verem pressionados ou influenciados em suas decisões.

A função precípua do Pretório Excelso é garantir que as normas constitucionais sejam cumpridas. Pode ser acionado diretamente, através das ações que lhe cabe processar e julgar originariamente, analisando a questão em única instância (competência originária). Se acionado através de recursos ordinários ou extraordinários, estará analisando a questão em última instância (competência recursal).

Antes da CF/88, o Supremo Tribunal Federal acumulava também as matérias que são hoje de competência do Superior Tribunal de Justiça. A criação desse último Tribunal foi uma das alternativas para solucionar a chamada "crise do Supremo". A crise nasceu do fantástico número de processos levados à análise da Corte Suprema, visto que o recurso extraordinário tinha a peculiaridade de ser exercitável em qualquer dos ramos do Direito Objetivo onde houvesse "questão federal" ou "questão constitucional". A questão infraconstitucional passou a ser analisada pelo recém criado STJ, guardião da Ordem Jurídica Federal.

Porém a criação do STJ não permitiu o completo desafogamento do STF, e que hoje se verifica através da "crise do recurso extraordinário". A Carta Magna de 1988 apesar de restringir a competência do STF, trouxe no art. 5º, inciso XXXV, a obrigatoriedade de apreciação pelo Poder Judiciário de lesão ou ameaça de direito. Desta forma, cada vez que se publica um novo Código, até que a jurisprudência se pacifique, aumenta enormemente o número de recursos extraordinários.

Providências legais e regimentais foram tomadas com o intuito de conter o crescimento vertiginoso do número de recursos extraordinários e outras estão sendo estudas e discutidas. Dentre aquelas é importante citar a EC 16/65 que outorgou ao STF competência originária para julgar representações de inconstitucionalidade de lei e atos normativos estaduais e federais, com a finalidade de lhe permitir, num único julgamento, solver a questão de constitucionalidade, ou não, dessas normas. Recentemente, a EC 3/93, juntamente com a Lei 9.868/99, prevêem decisões de efeito vinculante com o fim específico de acabar com o controle difuso e findar com as sentenças monocráticas infrutíferas.

3.2 – Princípio da Separação dos Poderes

Em seu livro Do Espírito das Leis, Montesquieu não afirma, em nenhum momento, que existem três poderes no Estado absolutamente separados. O que ele pregava é a necessidade de equilíbrio entre estes mesmos poderes, inspirando o princípio dos freios e contrapesos (checks and balances), de forma que cada poder limitaria os demais. MEIRELLES, Hely Lopes afirma que foram seus seguidores que deturpando seu pensamento, passaram a falar em divisão e separação de poderes, como se estes fossem estanques, quando é certo que o Governo é resultante da interação dos três poderes do Estado – Legislativo, Executivo e Judiciário.

Assim justifica-se o Executivo podendo criar leis, o Legislativo julgando e até mesmo o Judiciário legislando, dentro das funções atípicas que lhes sejam atribuídas por seus regimentos internos, sem que haja qualquer invasão nas independências desses mesmos poderes.

O importante é manter a "viga-mestre" do sistema intacta, contendo os excessos e abusos de poder. O Judiciário avalia a constitucionalidade das MPs sempre que suscitado. O Executivo, juntamente com o Legislativo auxiliam o Judiciário na missão de exercer o controle repressivo de constitucionalidade. Cabe ao Judiciário legislar perante a inércia do Legislativo que impossibilidade a fruição de direito constitucional. Essas atribuições excepcionais não devem ser interpretadas como rompimento do princípio das separações dos poderes quando visam exclusivamente a democracia almejada por todos os brasileiros.

3.3 – O Controle Constitucional da Omissão

Introduzido pela Constituição Federal de 1988, o controle de constitucionalidade por omissão é previsto para casos de inércia de qualquer dos poderes para disciplinar determinada matéria. O fato é levado ao conhecimento do Judiciário para que, através de ação própria e reconhecendo a referida omissão, faz valer o direito impossibilitado de fruição, seja cientificando o Poder competente para que tome as providências necessárias, seja obrigando-o a sanar a omissão em tempo estabelecido ou, conforme dito acima, fica autorizado a exercer suas funções atípicas. É a regra do § 2º do art. 103:

Art. 103.......

§ 2º Declarada a inconstitucionalidade por omissão de medida para tornar efetiva norma constitucional, será dada ciência ao Poder competente para a adoção das providências necessárias e, em se tratando de órgão administrativo, para fazê-lo em trinta dias.

Sendo misto o controle repressivo judiciário de constitucionalidade das leis, teremos, no controle concentrado, a ADIn por omissão que recebe o mesmo tratamento da ADIn por ação, diferenciando apenas os efeitos da decisão. Nessa, o ato é reconhecido como nulo e naquela, como inexistente.

No controle difuso, o sistema constitucional colocou à disposição do indivíduo a garantia do mandado de injunção. Assim determina o art. 5º, em seu inciso LXXI:

LXXI – conceder-se-á mandado de injunção sempre que a falta de norma regulamentadora torne inviável o exercício de direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania.

Dado que o STF ao analisar pela primeira vez a legalidade dos juros praticados pelas instituições financeiras frente à norma constitucional limitadora (§ 3º do artigo 192 do CF/88), decidiu pela eficácia contida, dependendo de LC para sua real aplicabilidade, os institutos acima citados – Ação Direta de Inconstitucionalidade por omissão e o Mandado de Injunção – são os remédios que, em tese, devem resolver a questão.

A seguir, veremos como o Supremo que é o órgão competente para processar e julgar originariamente as ditas ações vem exercendo sua função de guardião da Constituição Cidadã.

3.3.1 – ADIn nº 4

Celso Marcelo de OLIVEIRA, ao analisar os anais da Assembléia Nacional Constituinte, na parte pertinente ao Sistema Financeiro Nacional, constatou um lobby dos banqueiros com o propósito de não constar, como norma constitucional, crime de usura e/ou limitação das taxas de juros. Como projetos de lei, as tentativas de fixar limite para os juros bancários eram facilmente "engavetadas". Porém, sob o argumento de que "uma Constituição tem que conter o fundamental para transformar a vida de um país, a fim de que ele alcance seu desenvolvimento econômico e social, equilibrado, sem desníveis regionais e com uma boa distribuição de renda", venceu a opção pela via constitucional, e a Carta Magna fixou o limite de juros reais, capitulando como crime de usura a cobrança acima do seu valor fixado.

O constituinte Fernando Gasparian, então relator da subcomissão do Sistema Financeiro, a pedidos, conceituou juro real como sendo esse juro (limitado a 1% ao mês) mais a inflação.

Para finalizar, o relator Bernardo Cabral, em resposta ao pedido de esclarecimento do constituinte César Maia, elucidou a eficácia do § 3º do artigo 192. Constituiu ponto controvertido se a expressão "nos termos em que a lei determinar", contida no parágrafo 3º, fine, está relacionada com todo o dispositivo, ou apenas com o crime de usura. A resposta: "(...) A remissão ‘nos termos da lei’ é feita quanto ao crime de usura. O que se estabelece no texto permanente é que as taxas de juros não poderão ser superiores a 12% ao ano. Isto é auto-aplicável, evidentemente."

Imagina-se que, diante de tão claras exposições, baseadas em documentos autênticos e com finalidade pré-definida, qual seja, a real intenção do legislador, as taxas de juros bancários, promulgada a Constituição Federal de 1988, estariam definidas e limitadas.

Contudo, não foi o que aconteceu. O lobby financeiro fez que o Poder Executivo recuperasse, através do Conselho Monetário Nacional e do Banco Central, o monopólio ameaçado dos assuntos pertinentes à matéria financeira, cambial e monetária, às instituições financeiras e suas operações. Foram tomadas as seguintes providências:

a) reedição de medidas provisórias para prorrogar o prazo de 180 dias estipulado no art. 25 do ADCT, que revogaria todos os dispositivos legais que atribuam ou deleguem a órgão do Poder Executivo competência assinalada pela Constituição ao Congresso Nacional;

b) publicação de circular nº 1.365, do Banco Central do Brasil, baseado em Parecer do Consultor-Geral da República, reafirmando que o SFN será regulado pela Lei 4.595/64 até lei complementar que regulamente o artigo 192 da CRF.

Esse Parecer nº SR/70, do Consultor-Geral da República, de 6 de outubro de 1988, D.O. de 7.10.1988, após aprovação do Presidente da República, assumiu caráter normativo, passando a ser objeto de impugnação mediante ação direta de inconstitucionalidade. O Partido Democrático Trabalhista (PDT), legitimado conforme art. 103, VIII da Carta Magna, impetrou ADIn nº 4 que teve como matéria de mérito, a eficácia imediata, ou não, da norma do parágrafo 3º do artigo 192 da Constituição Federal, sobre a taxa de juros reais (12 por cento ao ano).

Quatro anos e oito meses foram necessários para o Supremo julgar a matéria. Dizem ser o maior acórdão da história do judiciário brasileiro. Causou, na época, o mesmo embaraço jurídico que causa hoje a Adin nº 2.591, que trata da inaplicabilidade do CDC nos contratos bancários.

Foi declarada a constitucionalidade dos atos normativos impugnados, quer seja o Parecer, quer seja a Circular, o primeiro considerando não auto-aplicável a norma do parágrafo 3º sobre juros reais de 12% ao ano; o segundo determinando a observância da legislação anterior à Constituição de 1988 até advento de lei complementar reguladora do sistema financeiro nacional, e a conceituação de juros reais.

E é com base nesse acórdão que as instituições financeiras estão autorizadas a cobrarem juros acima do limite constitucional.

3.3.2 – ADIn nº 2.591

Em 26 de dezembro do ano passado, a Confederação Nacional do Sistema Financeiro (Consif) interpôs ao Supremo Tribunal Federal Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIn nº 2.591), com o intuito de declarar a inconstitucionalidade formal e material da expressão "inclusive a de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária", constante no artigo 3º, parágrafo 2º da Lei nº 8.078/1990 (CDC), aduzindo que incompatível com o disposto no artigo 192, caput e incisos II e IV, bem como o artigo 5º, inciso LIV, todos da Constituição Federal.

Um dos argumentos suscitados pela Consif diz respeito à obrigatoriedade de lei complementar para regulamentação do Sistema Financeiro Nacional (art. 192, caput da CF), não podendo tal matéria ser disciplinada por lei ordinária, como é a Lei nº 8.078/90.

Segundo Ives Grandra da Silva MARTINS, em artigo publicado na revista Consulex de março do corrente ano, o STF determinou, em ADIN nº 4, que as relações financeiras serão reguladas pela Lei 4.595/64, até que outra regulamente a matéria, não podendo mero acordo de liderança ou maioria simples, que é o caso de lei ordinária, prevalecer sobre lei complementar que exige para sua aprovação maioria absoluta nas duas Casas do Congresso.

O artigo 170, inciso V, da Carta Política de 1988, diz que a defesa do consumidor é princípio de ordem econômica, porém é o artigo 192 da mesma Carta que trata do sistema financeiro nacional. Para os interessados na procedência do ADIn nº 2.591 a ordem financeira não se confunde com a ordem econômica. Há uma distinção entre o cliente das instituições financeiras e o consumidor tratado pela ordem econômica.

O "consumidor" que investe no sistema financeiro estaria prejudicado se igualado ao consumidor comum, pois é com o dinheiro daqueles que trabalham os bancos. O cliente bancário é precisamente um investidor e não propriamente um consumidor. Este é protegido por lei ordinária, enquanto o investidor pela Lei nº 4.595/64.

A violação ao princípio do devido processo legal substantivo, consagrado pelo artigo 5º, inciso LIV, da CF, deve-se exatamente ao tratamento isonômico dado às atividades econômicas em geral e às atividades bancárias, que possuem peculiaridades próprias.

Sob o prisma da impetrante, a referida ação visa ao pronunciamento do Supremo Tribunal Federal, no exercício do controle concentrado, sobre o regime jurídico a que estão subordinadas as instituições financeiras, se ao Banco Central e ao artigo 192 da Constituição Federal, ou ao Código de Defesa do Consumidor e ao artigo 170, inciso V da lei suprema.

Sob uma ótica mais simplista, o objetivo primordial dessa ação é desconsiderar os serviços bancários como relações de consumo. Excluir, de vez, os bancos do pólo passivo de ações embasadas nos direitos protetivos do consumidor.

Como previsto na Lei 9.868/99, que dispõe sobre processo e julgamento da ação direta de inconstitucionalidade, manifestaram-se o Banco Central, o presidente Fernando Henrique Cardoso, o procurador-geral da República, Geraldo Brindeiro e a Advocacia-Geral da União, através do Dr. Walter do Carmo Barletta.

No entender da Presidência da República, as regras do SFN são definidas pela Lei da Reforma Bancária, recepcionada pela Constituição de 1988. "O CDC será sempre constitucional na medida em que de sua interpretação não resulte a fixação do custo das operações ativas e a remuneração das operações passivas praticadas por instituições financeiras", defende o parecer, referindo-se, por exemplo, à definição da política monetária e, especialmente, das taxas de juros.

O parecer presidencial deixa a cargo dos órgãos de defesa do consumidor apenas os assuntos mais simples e corriqueiros: o recebimento e pagamentos de tributos e de contas diversas, aluguel de cofres, além de questões ligadas ao atendimento ao público, como o fornecimento de informações, clareza de cláusulas contratuais e tempo de espera em filas. A parte que mais gera prejuízo para os consumidores, que são as taxas de juros e as cobranças indevidas, continua reservada para o Banco Central.

Brindeiro, em parecer encaminhado ao STF, ressaltou que as normas do CDC não podem ser utilizadas para regulamentar o sistema financeiro, já que existe uma lei complementar com essa função, que é a Lei da Reforma Bancária, nº 4.595/64. O direito consumerista serve como parâmetro da qualidade do serviço bancário.

O julgamento da ADIn nº 2.591, marcado para final de março, foi adiado por prazo indeterminado, após pedido de vista do Senhor Ministro Nélson Jobim. Antes de ser suspenso o julgamento, o ministro Néri da Silveira considerou improcedente a ação dos bancos. Já o ministro-relator Carlos Velloso considerou a aplicação do CDC nas relações bancárias procedente, em parte. De acordo com Velloso, nas relações entre banco e consumidor aplica-se o CDC. Não está incluída nessa situação, segundo ele, a questão da taxa de juros reais, que é assunto do sistema financeiro.

Caso o Plenário proclame a inconstitucionalidade da expressão impugnada diante da manifestação de pelo menos de 6 (seis) Ministros, o consumidor de serviços bancários, tais como, depósitos bancários, contratos de mútuo, cartões de crédito, contratos de seguro, abertura de crédito, não terá amparo nos artigos 6º, 51 do CDC, que trata da nulidade de cláusulas consideradas abusivas. E essa declaração terá eficácia contra todos e efeito vinculante em relação aos órgãos do Poder Judiciário e à Administração Pública federal, estadual e municipal.

Da mesma forma, caso o STF, na condição de intérprete maior da Constituição, defina que as instituições financeiras devem observar as regras do direito consumerista no que tange à qualidade dos serviços bancários, essa declaração parcial de constitucionalidade terá o mesmo efeito vinculante citado acima, se observado o mesmo quorum de votação.

3.3.3 – ADIn nº 2.316

Legitimado pelo inciso VIII do art. 103 da Carta da República, o Partido Liberal (PL) requereu, através de ADIn nº 2.316, a declaração de inconstitucionalidade do artigo 5º, caput, parágrafo único, da MP nº 1.963-22, de 25 de agosto de 2000. Afinal, toda a matéria relacionada ao sistema financeiro nacional, inclusive a que tratar das operações de crédito, deveria ser objeto de Lei Complementar e não de medida provisória.

A capitalização de juros é reivindicação antiga das instituições financeiras. Porém, tal matéria não é revestida dos pressupostos de relevância e urgência ensejadores da edição de MP, o menos democrático dos instrumentos legiferantes.

Reza o citado artigo:

Art. 5º: Nas operações realizadas pelas instituições integrantes do Sistema Financeiro Nacional, é admissível a capitalização de juros com periodicidade inferior a um ano.

Parágrafo único: Sempre que necessário ou quando solicitado pelo devedor, a apuração do valor exato da obrigação, ou de seu saldo devedor, será feita pelo credor por meio de planilha de cálculo que evidencie de modo claro, preciso e de fácil entendimento e compreensão, o valor principal da dívida, seus encargos e despesas contratuais, a parcela de juros e os critérios de sua incidência, a parcela correspondente a multas e demais encargos contratuais."

A exordial da ADIn em epígrafe assinalada, datada de 18 de setembro de 2000, advogou a seguinte tese: "Capitalizar os juros significa incorporar-se os juros de um período sobre determinado capital para, no período subseqüente, calcular novos juros, agora já sobre o montante do binômio capital somado a juros do período anterior." (grifo do requerente)

Os efeitos dessa prática são devastadores, pois o resultado é o crescimento geométrico da dívida em um curto espaço de tempo e conseqüentemente, a mora do devedor, que para adimplir necessita desfazer de seu patrimônio.

O anatocismo, assim entendido como cobrança de juros capitalizados, normalmente, não é explícita. As instituições financeiras, em contratos de abertura de crédito bancário (intitulado cheque especial) e cartões de crédito, fazem uma renovação dos empréstimos mensalmente, de maneira que uma operação de crédito nova liquide a anterior, acumulando ao valor da dívida os juros da operação vencida.

A súmula nº 121 do STF, assim como o art. 4º do Decreto nº 22.626/33, repudiam o anatocismo.

Os Tribunais pátrios vêm, majoritariamente, rejeitando a prática dos juros compostos, por ser proibida pelo nosso ordenamento jurídico.

A 4ª Turma do STJ, no Resp 53.935-RS, j. 13.03.1995, rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, entendeu que: Juros – capitalização – contrato de abertura e crédito em conta corrente – Inadmissibilidade – Não se admite a capitalização de juros em contratos bancários para os quais não exista previsão legal específica, como acontece com os contratos de abertura de crédito em conta corrente (crédito ouro).

Só se admite capitalização de juros em se tratando de cédula rural, comercial ou industrial (Súmula 93 do Superior Tribunal de Justiça), sendo inviável a capitalização em confissão de dívida. 4 – Recurso parcialmente provido. (TAMG – AC 0317036-7 – 2ª C.Cív. – Rel. Juiz Batista Franco – J. 12.09.2000)

CONTRATO DE MÚTUO BANCÁRIO – INCIDÊNCIA DE JUROS CAPITALIZADOS – INADMISSIBILIDADE – SÚMULA 121 DO STJ QUE NÃO FOI SUPERADA PELO ENUNCIADO 596 DA MESMA CORTE – PRECEDENTE JURISPRUDENCIAL DO STJ – FUNDAMENTOS DIVERSOS PARA CADA SÚMULA – ANATOCISMO INADMITIDO – APELO CONHECIDO E PROVIDO – A capitalização mensal de juros é inadmissível em financiamento que não se inclui no elenco dos financiamentos nos quais leis especiais admitem a prática do anatocismo, como é o caso dos créditos rurais (art. 5, do Dec.-Lei 167/67), dos créditos industriais (art. 5 do Dec.-Lei 413/69) e dos créditos comerciais (art. 5, da Lei nº 6.840/80). Aplica-se a Súmula nº 121, do pretório excelso que veda a capitalização de juros, ainda que expressamente pactuada, a qual não restou superada com a superveniência do enunciado de n 596. (TAPR – AC 144603100 – (9922) – Matelândia – 6ª C.Cív. – Rel. Juiz Anny Mary Kuss – DJPR 28.04.2000)

O advogado Sérgio Machado Terra conquistou decisão contrária na Justiça carioca, ao argumentar que a questão é meramente econômica. Explica que a jurisprudência leva em consideração o decreto 22.626/33 para proibir a cobrança de juros sobre juros. Excluídos os bancos do citado decreto, a Lei 4.595/64 autoriza-os a prática tão onerosa e nefasta. O TJ-RJ entendeu, por unanimidade, que a Medida Provisória nº 1.367/96, através de sucessivas reedições, legitima a cobrança de juros compostos pelas instituições integrantes ao Sistema Financeiro Nacional.

3.3.4 – Mandado de Injunção na Visão do STF

1988. O país acabara de sair de uma ditadura militar, o que tornava o momento propício a mudanças. Daí, buscar no direito comparado um mecanismo capaz de tornar o cidadão brasileiro participante ativo da democracia. Depois de assistir estarrecido à extinção de direitos duramente conquistados, censuras, prisões, desaparecimentos e até assassinatos, seria concitio sine qua non que no novo texto constitucional existissem princípios e institutos das mais abrangentes garantias, suficientes para elevar o cidadão à "finalidade" e não apenas ao "instrumento".

Sob esse matiz, o legislador constituinte de 1988 trouxe em seu art. 5º, inciso LXXI, um instituto processual inédito a ser aplicado sempre que a falta de norma regulamentadora torne inviável o exercício de direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania – o mandado de injunção.

Esse nobre instituto, dentre outros, evita que a Constituição Cidadã se torne um "manual de boas intenções", letra morta. É a garantia que tem o impetrante de que aquele direito contemplado na Constituição lhe será deferido, mesmo que falte norma regulamentadora, provado o nexo de causalidade entre seu direto subjetivo preexistente e sua inviabilidade de fruição pela omissão, mesmo que parcial.

É a criação de uma norma individual, no caso concreto, para a realização de um direito já consagrado pela Constituição, com efeito inter partes.

O MI se assemelha à ADIn pelo fundamento, pois ambos visam ao suprimento de norma necessária para tornar efetivo o exercício de direito constitucional. Porém, a finalidade das ações é diversa. Na ação direta, o objetivo é conseguir, com efeito erga ommes, uma decisão do STF que reconheça a inconstitucionalidade por omissão, sendo que a norma regulamentadora não será emitida pelo Judiciário que apenas dará ciência ao órgão competente para fazê-lo. O avanço está justamente em diferenciar os dois institutos, dando ao MI poder de decisão.

Na interpretação de Maria Sylvia Zanella DI PIETRO, é o próprio Poder Judiciário que supre, no caso concreto, a omissão da norma regulamentadora, fazendo coisa julgada.

Os dois novos instrumentos processuais criados em 1988 eram absolutamente distintos:

-a ADIn por Omissão visava à defesa objetiva da integridade do sistema normativo, tinha por objeto o próprio vício omissivo, em si considerado, e constituía forma de controle abstrato, concentrado e objetivo da ordem jurídica, com legitimidade ativa restrita e definida em numerus clausus; sua finalidade seria a de reprimir a omissão normativa dos Poderes Políticos, constatando, em tese, a existência de lacunas, embora seu provimento não pudesse ir além da simples declaração desse vício e da sua comunicação.

-o Mandado de Injunção, pelo contrário, visava socorrer direito subjetivo concreto do titular, prejudicado, em seu exercício, pelaausência de norma regulamentadora; era processo subjetivo, com legitimação ativa ampla e sua finalidade seria a viabilização do exercício desse direito, no caso concreto; seu provimento significaria, tal como ocorre em qualquer outro processo inter-subjetivo, a edição, pelo órgão judicante, de uma norma concreta para reger o caso trazido a juízo.(grifo do autor)

Este é o entendimento da doutrina majoritária que considera o Constituinte arrojado ao instituir o mandado de injunção. Sua razão de existir não é a mesma da ação direta de inconstitucionalidade por omissão, sob pena de configurar despautério constituinte, duas ações com o mesmo objetivo, discrepando apenas quanto ao rol dos legitimados.

Considerando a divergência quanto à extensão desses direitos e liberdades tuteladas pela Injunção, três correntes doutrinárias se formaram:

a)restritiva – reduz, sobremaneira, o campo de incidência do writ. Somente os direitos inscritos nos Cap. I, II e IV do Título II, excluídos os inscritos entre os direitos sociais;

b)intermediária – alcança os direitos consagrados no Título II, inclusive os Direitos Sociais;

c)abrangente – não acolhe qualquer tipo de restrição, defende que as garantias constitucionais devem ser interpretadas da forma mais elástica possível: ampliativamente, nunca restritivamente, inclusive normas infraconstitucionais.

Todavia, um exemplo da inocuidade do MI veio à tona quando da interpretação do § 3º do art 192 da CF que limita as taxas de juros reais a 12% ao ano. Pois era de se imaginar que o mandado de injunção resolveria, então, a questão daquele que se sente lesado por contrato bancário que estipula juros acima do permitido legal, uma vez que em Adin nº 4, o STF decidiu que a norma não é auto-aplicável, pendente de regulamentação para sua aplicabilidade.

O STF, ao julgar MI a respeito da matéria em questão, não está deixando de aderir à teoria abrangente. Simplesmente, concede ao writ os mesmos efeitos da ação de inconstitucionalidade por omissão – caráter meramente declaratório. Ou seja, não permite que seja suprida a omissão, permanecendo a livre estipulação de juros bancários.

E recebe críticas por essa decisão, pois, em outras matérias, ao mesmo instituto, confere efeitos condenatórios ou constitutivos. Constitutivo, quando entende que não deve esperar a boa vontade do Congresso Nacional ou do órgão omisso, mas, sim, tornar viável o exercício do direito aludido. Nesse ponto, há justificativas diversas para o que poderia ser chamado de afronta ao Princípio da Separação dos Poderes.

Os Ministros Carlos Veloso e Marco Aurélio consideram que não há usurpação de poder haja vista que tal decisão não será erga ommes, e sim, inter partes. Já para os Ministros Néri de Silveira e Moreira Alves, o Princípio da Inafastabilidade do Judiciário é que não pode ser esquecido. Desta forma, declarada a omissão inconstitucional normativa, é feita a comunicação ao órgão competente, seja o Executivo, seja o Legislativo, para que, num prazo nunca inferior ao processo legislativo sumário, haja manifestação do poder competente. Só, após decorrido o prazo, permanecendo a omissão, é que o Tribunal fixará as condições necessárias para que possa o impetrante usufruir de seu direito subjetivo, passando ele mesmo a regular a matéria.

O Mandado de Injunção nº 232/RJ (Rel. Min. Moreira Alves, DJ 21.08.1991) foi impetrado com o fito de viabilizar o exercício do direito constante no art. 195, § 7º, da Constituição Federal, que estabelece o seguinte: "São isentas de contribuição para a seguridade social as entidades beneficentes de assistência social que atendam às exigências estabelecidas em lei." A impetrante aduziu que havia esgotado o prazo fixado no art. 59, do ADCT para a deliberação, pelo Congresso, dos projetos de lei dispondo sobre a organização da Seguridade Social. O Supremo Tribunal Federal concedeu o prazo de seis meses para que o legislativo tomasse as medidas necessárias de acordo com o disposto no art. 195, § 7º. Caso contrário, vencido esse prazo sem que a obrigação fosse cumprida, o impetrante passaria a gozar da imunidade requerida.

No MI 235-5/RJ (Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ 12.03.1993), a chegada dos Ministros MARCO AURÉLIO e CARLOS VELLOSO fez ressurgir os debates quanto à natureza jurídica do Mandado de Injunção pela tese que defendem. Ambos (sic) são filiados à corrente constitutivista, sustentam que a decisão do writ deve criar a norma para o caso concreto.

Há contradição ainda maior, quando o STF conhece ou não da impetração do mandado de injunção.

A interpretação que o STF, por sua maioria, vem dando ao MI, significa, em síntese, que: a) se a Corte entende dispensável a norma regulamentadora (que o impetrante supunha necessária para viabilizar o exercício do direito), ela não conhece da Impetração, o que vale dizer que a parte pode deduzir sua pretensão perante o juízo comum competente, e este pode formular, como de hábito, a norma concreta para dar solução ao caso, promovendo a densificação da norma, e para isso valendo-se, se necessário, da analogia, dos costumes, dos princípios gerais e, se o caso, da eqüidade; b) se a Corte, ao contrário, entende que realmente faz-se necessária a norma regulamentadora, então ela conhece da Impetração, mas se nega a formular a norma para solucionar o caso, deixando de valer-se, para tanto, do poder inerente ao Judiciário, de densificar a norma, e dos recursos à analogia, aos costumes, aos princípios gerais, e à eqüidade, ou, como postula a doutrina mais moderna, da aplicação dos Princípios Jurídicos. Em lugar disso, o Tribunal limita-se a declarar a mora do legislador e "cientificá-lo" (sic) da mesma (provimento que, a experiência veio confirmar, é pouco mais do que inútil). Disso resulta que a melhor solução para o Impetrante é que a Corte "não conheça" de sua impetração... (!), eis que tal decisão eqüivale a uma declaração de que a norma constitucional é de aplicabilidade direta e imediata, ficando, assim, o Judiciário, através dos seus demais órgãos, autorizado a dar solução ao caso concreto, independentemente de lei. Ora, parece evidente a deformação, eis que nenhuma ação judicial pode ter sido concebida para ser manejada com o fim de ser rechaçada nos tribunais. Salvo melhor juízo, esta é uma clara evidência da impropriedade do atual entendimento da Corte sobre a matéria.

No ensejo de um dos momentos de maior avanço, a Corte deu um passo à frente para admitir, na hipótese "b" da conclusão anterior, ir além da "declaração e ciência"; foi quando entendeu haver-se expirado o prazo constitucional (ou o que seria "razoável") para o legislador e, a seu ver, coincidiam, na mesma entidade estatal, o obrigado à elaboração da norma e o obrigado à prestação. Nesse caso, a Corte fixou novo prazo (agora judicial) e, descumprido também este, incidiu a sanção – consistente em ter-se por dispensável a norma regulamentadora abstrata. A partir de tal dispensa, em um dos casos, o Impetrante entrou diretamente no gozo do benefício, e, em outros, foi autorizado a ajuizar nova ação, no juízo comum competente. Esse órgão judicial, por sua vez, ficava tacitamente autorizado a decidir, na forma da hipótese "a" (v. supra), aplicando o direito comum, para formular, como de hábito, a norma concreta individual, e valendo-se, se necessário, da analogia, dos costumes, dos princípios gerais e da eqüidade. Vê-se, aí, data venia, a contradição, pois se a Impetração foi conhecida, é porque a Corte entendeu ser realmente necessária a norma regulamentadora (ver hipótese "b"), isto é, no seu entender, a norma constitucional não continha, em si, os elementos indispensáveis à sua aplicação pelo Judiciário, sem a interpositio legislatoris...; entretanto, se o legislador extrapola o prazo agora estabelecido, a mesma norma, por um passe de mágica, passa a conter os elementos suficientes à sua aplicação direta pelo juiz comum... (grifo do autor)

Em suma, quanto à utilização do writ injuncional para suprir omissão legislativa que inviabiliza desfrutar da limitação das taxas de juros praticadas pelos bancos, o STF conhece da impetração – a fim de impedir que o juiz de instância inferior julgue, valendo-se, se necessário, da analogia, dos costumes, dos princípios gerais e, se for o caso, da eqüidade – e dá deferimento em parte do pedido somente para reconhecer que o CN permanece omisso quanto à regulamentação da norma, e não resolve a questão.


CAPÍTULO 4: TESES CONTRÁRIAS AOS BANCOS

4.1 – Auto-aplicabilidade do § 3º do artigo 192

Observada rigorosamente a boa técnica legislativa, parágrafos, incisos e alíneas são dependentes do artigo. Dessa forma, quando o caput do artigo exige lei complementar para sua regulamentação, seu parágrafo depende da mesma lei para que obtenha eficácia.

O Ministro Marco Aurélio ao julgar ADIn nº 4, ponderou brilhantemente que o conteúdo deve sobrepor-se à forma. Assim, o simples fato de o preceito estar revelado em parágrafo não firma a presunção definitiva de dependência ao artigo no qual está inserido. O teor do § 3º exsurge sem interligação com o caput do mesmo artigo 192.

Dispõem o art. 192 e § 3º da Constituição Federal de 1988:

Art. 192. O sistema financeiro nacional, estruturado de forma a promover o desenvolvimento equilibrado do País e a servir aos interesses da coletividade, será regulado em lei complementar, que disporá, inclusive, sobre:

§ 3º. As taxas de juros reais, nelas incluídas comissões e quaisquer outras remunerações direta ou indiretamente referidas à concessão de crédito, não poderão ser superiores a doze por cento ao ano; a cobrança acima deste limite será conceituada como crime de usura, punido, em todas as suas modalidades, nos termos que a lei determinar.

O Ministro Marco Aurélio expressa que o cotejo dos dispositivos constitucionais – do caput e do parágrafo – revela a ligação de ambos com os princípios gerais da atividade econômica como um todo e com a ordem social. Destarte, visando o desenvolvimento equilibrado do País, o bem-estar e a justiça sociais, inevitável o combate ao abuso do poder econômico, à dominação dos mercados, à eliminação da concorrência e ao aumento arbitrário dos lucros. Sem propósito seria ditar os princípios reguladores da ordem econômica e social sem o preceito limitador para coibir a desenfreada liberdade na cobrança de juros.

José Afonso da SILVA é favorável à eficácia plena e à aplicabilidade imediata do § 3º do artigo 192 da Constituição Federal, por se tratar de uma norma autônoma, não subordinada à lei prevista no caput do referido artigo. Entende o citado doutrinador que, quando da elaboração constitucional, houve uma grande preocupação de que a Carga Magna de 1988 não aparecesse com grande número de artigos, daí reduzi-los a parágrafos, e, uns e outros, não raro, a incisos. Cediço, pois, que caso tivesse sido observada a boa técnica nos trabalhos de elaboração da Constituição de 1988, o § 3º do art. 192 seria um artigo, e não um parágrafo.

Considerando, ainda, o julgamento da ADIn nº 4, o parecer do Ministério Público Federal foi pelo reconhecimento da eficácia do parágrafo 3º, do art. 192, da Constituição Federal, dando eficácia limitada apenas ao caput do artigo.

O Ministro Carlos Velloso concorda com os estudiosos da hermenêutica constitucional que ensinam que as normas constitucionais que contenham vedações, proibições ou que declarem direitos são, de regra, de eficácia plena. E o limite de 12% (doze por cento) ao ano dado às taxas de juros reais é, indiscutivelmente, uma vedação. E um direito aos que operam no mercado financeiro.

Outro voto vencido no julgamento da ADIn nº 4 é o voto do Ministro Néri da Silveira de defende que a primeira parte do parágrafo 3º, de natureza civil, constitui norma de eficácia plena, de aplicabilidade imediata, integral, independendo de legislação posterior para sua inteira operatividade. A segunda parte do cito parágrafo, de índole penal, terá punição pelo crime de usura definida em lei.

O Ministro Paulo Brossard admite que se fosse legislador não incluiria o preceito em tela em texto constitucional. Todavia, sua autonomia deve ser respeitada e o limite prescrito obedecido, pois a lei a ser elaborada é que está subordinada à regra do parágrafo 3º e não este subordinado àquela. São suas as eloqüentes palavras:

Ora, o parágrafo 3º do art. 192 ao dizer que os juros reais não excederão a taxa de 12% ao ano e que a eles não se somarão comissões de nenhuma natureza, direta ou indiretamente, relacionadas com a concessão de crédito, disse tudo que era necessário para sua cabal e imediata aplicação, independente de lei ordinária ou complementar.

O Ministro Marco Aurélio, ao tratar da definição de juros reais, ateve-se à análise gramatical, separando o vernáculo juro do adjetivo real. Constatou que se não fosse o adjetivo, não estaria a discutir a aplicação imediata do preceito. Contrário à necessidade de lei que defina juros reais, o ilustre julgador do Supremo remete o interessado ao próprio texto constitucional para elucidação do que sejam taxas de juros reais: nelas incluídas comissões e quaisquer outras remunerações direta ou indiretamente referidas à concessão de crédito, excluindo apenas a correção monetária (inflação).

Os votos vencidos dos Ministros que participaram do julgamento da ADIn nº 4 inspiram juízes monocráticos, desembargadores, Ministros de instâncias inferiores, doutrinadores, além dos operadores do Direito, pois mesmo que a tese da auto-aplicabilidade do § 3º do artigo 192, após mencionado julgamento, seja infrutífera e inútil, os embasamentos utilizados nessa continuam sendo referência para as outras teses favoráveis aos clientes bancários.

4.2 – Lei de Usura

Os juros correspondem ao preço do uso; daí usura, vocábulo empregado originariamente para designar o empréstimo de dinheiro mediante remuneração. Atualmente, a palavra usura é utilizada como sinônimo de juro excessivo, exorbitante, ou lucro exagerado.

Em função de seus efeitos destruidores, a usura tem recebido reprovação moral e legal, estando tipificada como crime em norma constitucional (artigo 192, § 3º, 2ª parte da CF/88). O abuso traz como conseqüência a lesão, que é o prejuízo pecuniário nas relações jurídicas, especial e principalmente nos contratos firmados com as instituições financeiras, que dispõem hodiernamente de tratamento diferenciado (súmula 596 STF e circular nº 1.365, do BACEN).

Constatada a inocuidade das decisões de primeiro e segundo graus contrárias ao julgado da ADIn nº 4 que limitavam a taxa de juros com base na norma constitucional, alguns tribunais aquiesceram ao determinado pelo STF. Outros, no intuito de manterem seus posicionamentos e obterem a confirmação de seus votos no Supremo, procuraram novos caminhos que não o da auto-aplicabilidade do § 3º do artigo 192.

A mais usada das teses alternativas é o retorno da invocação do antigo decreto nº 22.626/33, a Lei de Usura, como fundamento da limitação dos juros.

O artigo 1º do cito decreto proíbe e pune aquele que estipular em quaisquer contratos taxas de juros superiores ao dobro da taxa legal (6% ao ano conforme art. 1.062 do CC), ou seja, a taxa está limitada a 12% ao ano. Acreditam estes defensores que a lei nº 4.595/64, conhecida como Lei de Reforma Bancária, juntamente com a súmula 596 do STF, não revogaram a Lei de Usura.

Conforme art. 2º, § 1º da lei de introdução do Código Civil, só existem três hipóteses de uma lei posterior revogar a anterior:

a)por declaração expressa;

b)quando regular inteiramente a matéria;

c)por incompatibilidade.

As duas primeiras hipóteses não ocorreram, certamente.

A lei nº 4.595/64, em seu artigo 4º, inciso IX, outorga autorização ao CMN para "limitar, sempre que necessário, as taxas de juros, descontos, comissões e qualquer outra forma de remuneração de operações e serviços bancários ou financeiros...".

A expressão "limitar", contida na lei 4.595/64, interpretada normalmente, autoriza o CMN a "diminuir, reduzir, restringir" a taxa de juros sempre que achar conveniente fazê-lo. BORCHARDT [1999] bem interpreta a função dessa autonomia que visa, evidentemente reduzir juros para empréstimos especiais em que se recomendam juros favorecidos. Considerando que o decreto nº 22.626/33 estabelece o limite máximo, a Lei de Reforma Bancária e a Lei de Usura são compatíveis, e esta não se encontra revogada por aquela.

Decidem os Tribunais de Alçada do Rio Grande do Sul e de Minas Gerais:

A legislação infraconstitucional lei da Usura e Código Civil – art. 1.062 e 1.063) não foi revogada pela lei 4.595/64. Foi recepcionada pela Carta Política de 1988, prevalecendo a limitação de 12% ao ano. (Ap. Cível. Nº 197170392 TARS)

A atribuição ao Conselho Monetário Nacional, contida no artigo 4º, IX, da Lei 4.595/64, era para limitar as taxas de juros, e não liberá-las, devendo tal delimitação cingir-se à graduação até o limite legal (doze por cento ao ano), estatuído pelo Decreto 22.626/33. (TAMG – AC 0284656-6 – 3ª C.Cív. – Rel. Juiz Wander Marotta – J. 11.08.1999)

O Ministro Marco Aurélio posicionou-se contra a prática de juros excessivos voltada a interesses isolados e momentâneos em detrimento dos gerais e, portanto, da sociedade. A usura decorrente de desequilíbrio marcante do próprio mercado mostrou-se, desde cedo, como algo condenável. Em julgamento da ADIn nº 4, citou o intróito do Decreto 22.626/33:

O Chefe do Governo Provisório da República dos Estados Unidos do Brasil:

Considerando que todas as legislações modernas adotam normas severas para regular, impedir e reprimir os excessos praticados pela usura;

Considerando que é de interesse superior da economia do país não tenha o capital remuneração exagerada impedindo o desenvolvimento das classes produtoras;

Decreta:...

No preâmbulo da Carta da República de 1988, encontramos princípios de um Estado Democrático de Direito que se destinam a assegurar o exercício dos direitos sociais, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos.

Pelas razões acima esposadas, constitui entendimento majoritário que a Lei de Usura foi recepcionada como lei complementar pela Constituição Cidadã, afastando-se assim a tese advogada por alguns de que a mesma estaria revogada pela intitulada Lei de Reforma Bancária. Decorrente desse raciocínio lógico resta demonstrado de forma cabal e irrefutável a ausência de supedâneo jurídico à utilização da Súmula 596 do STF que consagra o entendimento favorável às instituições financeiras. Primeiro porque súmula não é lei; também não possui força vinculativa, nem tampouco tem eficácia revogativa de norma legal, muito menos constitucional (e em pleno vigor); e segundo, porque a súmula referida é na verdade a cristalização do equivocado entendimento exarado pela Corte Maior de que os agentes financeiros estariam autorizados pelo CMN a infringir a lei.

4.3 – Ato das Disposições Constitucionais Transitórias.

O artigo 25 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, a partir de cento e oitenta dias da promulgação da Constituição, revogou as instruções normativas que atribuíam ao Poder Executivo poder para regular matérias de competência do Poder Legislativo. Nos termos do artigo 48, inciso XIII da Carta Política de 1988, cabe ao Congresso Nacional, com a sanção do Presidente da República, dispor sobre matéria financeira, cambial e monetária, instituições financeiras e suas operações.

O prazo de 180 dias não era definitivo, podendo, como expresso no próprio artigo, ser prorrogado por lei. A Constituição Federal foi promulgada em 5 de outubro de 1988, o que fixou o término do prazo concedido pelo artigo 25 do ADCT para a vigência das delegações legislativas em 3 de abril de 1989.

Observado que o artifício legislativo utilizado para dilatar o prazo e ressuscitar os poderes normativos do CMN foi a edição reiterada de medidas provisórias, J. R. Feijó COIMBRA suscita um pequeno detalhe, por demais importante, que para os aplicadores da lei não pode passar despercebido: a revogação da Lei nº 4.595/64 com base no artigo 62 da Constituição Federal, reza que as medidas provisórias perderão sua eficácia se não convertidas em lei no prazo de 30 dias.

A primeira tentativa de prorrogação da delegação dada ao CMN foi com a MP nº 45, de 31 de março de 1989. Segundo COIMBRA [1999], esta MP não foi convertida em lei pelo Congresso Nacional no prazo previsto no artigo 62, parágrafo único do texto constitucional. Mesmo que novas MPs contivessem o mesmo teor da MP nº 45, não surtiriam efeito, pois inexistiria a delegação que deveria ser ressuscitada.

COIMBRA [1999] esclarece ainda que, mediante revogação da delegação em tela, a Súmula 596 do Supremo não poderá ser invocada, uma vez que a disposição legal na qual se apoiava não pertence mais ao mundo do direito.

O eminente desembargador Jorge Alcibíades Perrone de Oliveira, do TJRS, em brilhante artigo publicado em julho de 1996, argumenta que nem mesmo as MPs convertidas em lei poderiam outorgar poderes ao Executivo porque padeceriam de vício flagrante de inconstitucionalidade. Após 1988, caso pretendesse o Executivo – leia-se o Conselho Monetário Nacional – manter a liberação das taxas de juros, deveria ter usado o meio constitucional próprio: a remessa do projeto de lei ao Congresso Nacional, único poder competente para legislar a matéria.

Em Porto Alegre, assim se manifestou o Tribunal:

Juros – Validade do Limite de 12% a.a. – Aplicabilidade da Lei de usura. Com o advento da Constituição Federal de 1.988, por força do art. 25 do ADCT, revogadas ficaram todas as instituições sermativas e, de resto, o próprio poder normativo, em poder de competência legislativa do Congresso Nacional. Por conseguinte, o poder normativo a respeito de juros bancários que a Lei nº 4.595/64 concedia ao Conselho Monetário Nacional restou revogado. A única lei federal limitativa de juros é a Lei de Usura que hoje regra os contratos de toda a sociedade, inclusive, os bancários. (Ap.Cív. nº 196.004.204, de Porto Alegre, Rel. Des. Márcio Puggina)

Diante do exposto, resta apenas ao Congresso Nacional editar lei complementar para regulamentar o artigo 192 ou expurgar de vez a norma limitadora.

4.4 – Aplicabilidade do CDC

A Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990, conhecida como Código de Defesa do Consumidor disciplina normas de proteção e defesa do consumidor, de ordem pública e interesse social, nos termos dos artigos 5º, inciso XXXII, 170, inciso V, da Constituição Federal e artigo 48 de suas Disposições Transitórias.

Reza os citados artigos:

Art. 5º da CF/88: Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País, a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (...) inciso XXXII – o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor.

Art. 170 da CF/88: A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: (...) inciso V – defesa do consumidor.

Art. 48 do ADCT: O Congresso Nacional, dentro de cento e vinte dias da promulgação da Constituição, elaborará código de defesa do consumidor.

Destarte, é o CDC o direito do consumidor institucionalizado, a materialização de princípios instituídos desde o início do século XX. Sendo os contratos bancários o exemplo mais puro das relações negociais massificadas e o mais típico dos contratos de adesão, o Direito do Consumidor que se caracteriza como um Direito especial destinado a corrigir os chamados "efeitos perversos" da sociedade de consumo os inclui no artigo que define fornecedor.

Assim determina no capítulo 1 que trata das disposições gerais:

Art. 3º do CDC: Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividades de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestações de serviços.

§ 2º Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista. (grifo nosso)

Em que pesem as argumentações de que a expressão grifada acima é inconstitucional, pois seria incompatível com o disposto no artigo 192, caput e incisos II e IV da CF/88 que exige lei complementar e não lei ordinária para regulamentação das instituições integrantes do sistema financeiro nacional, os princípios constitucionais da igualdade e da atividade econômica induzem os operadores do Direito a aplicarem os dispositivos do CDC nos contratos bancários por tratarem-se de relações de consumo e estarem revestidos de cláusulas abusivas.

Os dois grandes princípios embasadores do CDC são os do equilíbrio entre as partes (não igualdade) e o da boa-fé (art. 4º do Código). A presunção de vulnerabilidade (art. 4º, I do Código) prevalece em todos os contratos bancários e baseia-se na realidade fática de superioridade econômica e técnica que possuem os bancos em relação à maioria dos seus clientes. O flagrante desequilíbrio entre as partes exige a intervenção estatal legislativa e judicial. Daí porque as operações bancárias no mercado foram consideradas pela doutrina e jurisprudência brasileiras como submetidas às normas e ao novo espírito do Código Consumerista.

Para manutenção do equilíbrio contratual, o CDC contém dispositivos que vedam a existência de cláusulas abusivas e criação de obrigações que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada (art. 6º, V e 51, IV).

Dentre as cláusulas abusivas, podemos destacar a que determina a taxa de juros que será aplicada em contrato firmado entre o cliente e a instituição. Mesmo apresentando a indicação do percentual dos juros, não esclarece como esses juros serão aplicados, aumentando sensivelmente as prestações dos clientes, causando-lhes uma verdadeira lesão patrimonial. BORCHARDT [1998] explica bem essa lesão, defendendo inclusive que há uma apropriação indébita por parte do mutuante quando o nível dos juros for superior a taxa de lucro, pois estará aquele absorvendo não só o resultado do trabalho, mas também algo do patrimônio anteriormente formado.

Em relação ao conceito de consumidor, de modo contrário àqueles que advogam a tese de que o cliente de empréstimo bancário não é destinatário final, tribunais têm decidido pela incidência do CDC.

Incidem as normas do CDC em relação aos contratos bancários, pois, se o produto é todo bem jurídico, não há negar-se que o crédito é um bem jurídico que é fornecido pelo Banco (fornecedor) ao tomador de crédito (consumidor), como destinatário final (do crédito), diante da interpretação dos art. 2º e 3º, § 1º do próprio Código. (...) O mutuário só não seria destinatário final do crédito – enquanto crédito – se, em vez de "consumi-lo", ele o repassasse a terceiros. (Ap. Cív. 196.099.337, 4ª Cam. Cív. do TARS, RT 734/488)

Aplicação do Código de Defesa do Consumidor aos contratos bancários. (...) "O consumidor, conforme a definição legal, é a pessoa física ou jurídica que, independente da qualidade de hipossuficiente, usa o serviço como destinatário final (Lei nº 8.078/90, art. 2º). E as atividades bancárias, financeiras e de crédito, também por expressa disposição legal (art. 3º, § 2º da Lei 8.078/90), subordina-se à Lei de Defesa do Consumidor. Essa lei não contraria as disposições que regulam o sistema financeiro nacional e com elas harmoniza-se, complementando-as sem revogá-las, substituí-las ou modifica-las." (Ap. nº 199900120998; TJRJ; Rel. Des. Milton Fernandes de Souza; j. 13.6.2000; un.)

Todavia, prevalecem os julgados apoiados na tese da aplicabilidade do princípio do equilíbrio entre as partes baseado na vulnerabilidade do consumidor bancário e na prática de cláusulas abusivas em contratos firmados com as instituições financeiras.

(...) Por todo o exposto, aplica-se, pois o Codecon na hipótese, no que passo à análise das cláusulas, uma a uma. Cláusula A 1: a alteração unilateral do limite de crédito pela banco, com a aceitação presumida do cliente. (...) tal cláusula fere, literalmente, o disposto no art. 51, XIII do Codecon, eis que autoriza o banco a modificar unilateralmente o contrato, no que toca ao seuconteúdo, após a sua celebração. (...) A cláusula B 5, que estipula o poder do banco de sacar contra o cliente um título de crédito para a representação de qualquer tipo de obrigação. A cláusula em questão é nula, na forma do artigo 51, VIII do Codecon, eis que se trata de uma "cláusula mandato". (Rosana Navega Chagas Juízo de Direito da 5ª Vara de Falência e Concordatas em Ação Civil Pública 98.001.083876-3 proposta pelo Ministério Público contra o Banco Real S/A)

À exceção da temática relativa aos juros moratórios que será objeto de exame ao final deste, ao banco recursante desassiste razão em suas objeções concernentes à incidência do Código de Defesa do Consumidor à hipótese aos autos, motivo pelo qual, sendo este o único fundamento por ele apresentado a respeito, permanecem os comandos editados pela sentença quanto: a) à nulidade da cláusula que prevê autorização irrevogável do mutuário para débito em conta corrente das parcelas mensais; b) à redução da multa a 2% (art. 52, § 1º da Lei nº 8.078/90). (REsp. nº 213.825 – RS; 1999/0041288-5, Relator: Min. Barros Monteiro.)

Em 26 de julho de 2001, foi publicada a Resolução 2.878 do BACEN que dispõe sobre procedimentos a serem observados pelas instituições financeiras e demais instituições autorizadas a funcionar pelo Banco Central do Brasil na contratação de operações e na prestação de serviços aos clientes e ao público em geral. O fato de tal resolução ser intitulada Código de Defesa do Cliente Bancário, não exime as instituições financeiras de serem vistas como fornecedores em uma relação de consumo, nem os clientes de empréstimos bancários de serem consumidores nessa relação. Inclusive, reforça a tese de que existe abuso por parte do Poder Executivo que insiste em colocar os bancos em patamar privilegiado e intocável, o que é inaceitável.

Tratar de maneira igual os iguais e de maneira desigual os desiguais não significa tornar imunes e inatingíveis os que se dizem desiguais. Aceitando a tese de que as instituições financeiras estão sujeitas apenas à autoridade do CMN, em face ao princípio da inafastabilidade do Judiciário (art. 5º, inciso XXXV, da CF/88), não podem essas jamais causar lesão ou ameaçar qualquer direito de seus clientes, sob pena em terem que responder perante as regras já contidas no CDC.


CAPÍTULO 5: TESES DEFENSIVAS DOS BANCOS

5.1 – Ausência de Lei Complementar

Dispõem o art. 192 e § 3º da Constituição Federal de 1988:

Art. 192. O sistema financeiro nacional, estruturado de forma a promover o desenvolvimento equilibrado do País e a servir aos interesses da coletividade, será regulado em lei complementar, que disporá, inclusive, sobre:

§ 3º. As taxas de juros reais, nelas incluídas comissões e quaisquer outras remunerações direta ou indiretamente referidas à concessão de crédito, não poderão ser superiores a doze por cento ao ano; a cobrança acima deste limite será conceituada como crime de usura, punido, em todas as suas modalidades, nos termos que a lei determinar.

Aqueles que defendem as instituições financeiras resumem seus argumentos afirmando que, enquanto permanecerem em vacatio legis as determinações contidas no caput do artigo, ou seja, enquanto lei complementar não regulamentar o sistema financeiro nacional, não há de se falar em limite de 12% ao ano das taxas de juros reais.

Jane Courtes LUTZKY, ao discursar a tese de inaplicabilidade do disposto no § 3º do artigo 192 por falta de lei complementar, cita Ives Gandra Martins e Celso Ribeiro Bastos como adeptos. Estes, em "Comentários à Constituição do Brasil", Ed. Saraiva, 1990, explicam que incisos, parágrafos ou alíneas estão sujeitos à disposição preambular do artigo. O fato de a fixação dos limites de juros reais estar em parágrafo não o torna independente da regra fundamental do caput. Para se desvencilhar, seria necessário que houvesse ressalva expressa. A previsão de penalidade depende também de regulamentação, pois enquanto não se definir o que sejam juros reais, não se pode precisar quando o limite foi ultrapassado e conseqüentemente, cometeu-se o crime de usura.

Reafirmando as preposições acima expostas está a Circular nº 1.365 do Banco Central do Brasil que enfatiza:

"IX – que o Excelentíssimo Senhor Presidente da República, na forma da lei, aprovou o Parecer nº SR/70, do Consultor-Geral da República, o qual (sic) conclui que a eficácia dos preceitos contidos na Constituição, em seu artigo 192, está condicionada à edição de Lei Complementar e que, enquanto não promulgada esta, permanece em vigor o sistema de leis e regulamentos, em especial os decorrentes da Lei nº 4.595 de 31.12.1964, aplicável ao Sistema Financeiro Nacional."

Os juízes e tribunais que advogam essa tese são concisos, não deixando claro se concordam ou simplesmente admitem que é inútil divergir da Suprema Corte. Vejamos os seguintes julgados:

"(...) De se ter em conta que o Tribunal de Alçada do Estado de Minas Gerais decide que ‘os juros reais previstos no art. 192 § 3º, da Constituição da República, dependem de regulamentação porque a norma constitucional não é auto-aplicável’, conforme conta na Apelação Cível nº325.764-1, da 7ª Câmara Cível, relator o eminente Juiz Nilson Reis." (grifo do Ilmo. Sr. Dr. Juiz de Direito Eduardo Botti, da comarca de Santos Dumont/MG, em processo nº 607.00.005780-4, de 04 de mar.2002.)

(...) Taxação constitucional dos Juros. Descabe aplicação de norma constitucional desvestida de efetividade, o que lhe subtrai a eficácia. Recurso parcialmente conhecido à unanimidade e provido por maioria. (Ap. Cív. nº 191150200, TARS, 1ª Câmara Cível, 26.11.1991)

Juros. Não-Aplicabilidade da Regra do art. 192, § 3º, da CF/88. O citado dispositivo não tem vigência enquanto não editada a lei complementar a que alude o "caput". Manifestação, em tese do colendo STF, na ADIn nº 4. Precedentes do STJ. (Julgados 91/357)

Somente um ponto é visivelmente incontestável: há inércia do Legislativo para editar a lei complementar que daria imediata e plena operância ao postulado limitador. Acreditamos ser "difícil" reunir metade do deputados federais ou senadores para que o processo legislativo se efetive. Pois, se para uma lei ordinária, basta que metade dos 513 deputados esteja em plenário (apenas 257) e a sua aprovação só requer a maioria simples (metade mais um) dos presentes, uma lei complementar para passar na Câmara, é necessário que votem a favor metade mais um do total de 513, ou 81 de senadores para o trâmite no Senado.

5.2 – Aplicabilidade Restritiva do CDC nos Contratos Bancários

Luciano Braga CÔRTES defende brilhantemente esta tese, restringindo-se à interpretação autêntica no próprio bojo da Lei nº 8.078/90, quando esta estabelece os sujeitos da relação de consumo, definindo consumidor em seu artigo 2º como toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto como destinatário final.

O cliente bancário que recorre à instituição para adquirir um empréstimo não é o destinatário final que o código consumerista visa proteger, pois sua intenção não é atender a uma necessidade própria, e sim desenvolver uma outra atividade negocial.

Ricardo Tadeu Dias ANDRADE, advogado em Belo Horizonte, pugna pela inaplicabilidade do CDC em contrato de financiamento imobiliário alegando que o dinheiro circula e não se consume. Trata-se de um veículo que se destina à aquisição de bens e serviços. As pessoas do consumidor e do mutuário de banco são, por isto, diferentes.

A argüição de desequilíbrio entre os contratantes é descartada por falta de qualidade objetiva de destinatário final fático do bem ou do serviço. A vulnerabilidade ou desvantagem exagerada que o CDC pretende eliminar em seu artigo 51, inciso IV está estritamente ligada ao conceito de consumidor, por ser a Lei 8.078/90 uma lei específica, especial.

Segundo a interpretação finalista, só é destinatário final aquele que encerra a cadeia de produção, excluídos os adquirentes que visam utilizar o bem no exercício de sua profissão, para proveito econômico. O consumidor seria o não-profissional, restrito àquele que adquire (utiliza) um produto para uso próprio e de sua família.

Já a corrente doutrinária maximalista considera o CDC como um código geral de consumo, devendo o conceito de consumidor ser interpretado o mais extensivamente possível. CÔRTES [1997] discorda da posição dos maximalistas uma vez que a finalidade da Lei é tutelar de maneira especial um grupo da sociedade que é mais vulnerável.

Tanto a hierarquia do CDC dentro do contexto legislativo, quanto o seu objeto-finalidade embasam a tese da inaplicabilidade do direito consumerista nos contratos bancários. Vejamos os seguintes julgados:

O leasing pode representar economicamente uma operação de financiamento na aquisição do equipamento industrial ou comercial de uma empresa, mas juridicamente a operação é veiculada os moldes de uma locação, com opção unilateral de compra. Essa especial peculiaridade caracteriza o leasing como contrato de arrendamento mercantil, e não como contrato de empréstimo. Desse modo, não se está diante de relação de consumo derivada de um serviço colocado à venda e regulado pelo CDC, sendo legítima a cláusula resolutória em caso de falta de pagamento. (AgI 15.597-4-2, São Paulo, 9ª CDP do TJSP, RT 737/224)

CONTRATO – CLÁUSULAS CONTRATUAIS – PEDIDO JUDICIAL PARA A MODIFICAÇÃO DE SEU CONTEÚDO – INADMISSIBILIDADE – JUSTIFICAÇÃO DA INTERVENÇÃO JUDICIAL EM LEI PERMITIDA PARA A DECRETAÇÃO DA NULIDADE OU DA RESOLUÇÃO DA AVENÇA. O princípio da intangibilidade do conteúdo dos contratos significa impossibilidade de revisão pelo Juiz, ou de libertação por ato seu. As cláusulas contratuais não podem ser alteradas judicialmente, seja qual for a razão invocada por uma das partes. Se ocorrem motivos que justificam a intervenção judicial em lei permitida, há de realizar-se para a decretação da nulidade ou da resolução do contrato, nunca para a modificação do seu conteúdo. (...) (Apelação Cível n.º 591.696-7 – 2.ª Câmara – Relator: Juiz Alberto Tedesco – "In" RT 714/163.

CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR – Inaplicabilidade da Lei nº 8.078/90 aos mútuos bancários. Inexistência de relação de consumo a ser protegida. Recurso provido. (1º TACivil - 6ª Câmara; Ag. Instrumento. nº 877.727-1-SP; Rel.: Juiz Evaldo Veríssimo, j. 10/8/99; v.u)

O jurista Ives Gandra da Silva MARTINS, ao esclarecer as razões pelas quais a Consif argüiu a inconstitucionalidade da expressão "inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária" do art. 3º, § 2º do CDC, defendeu a tese de que nenhum investidor estrangeiro ou brasileiro manterá recursos nos bancos brasileiros se continuar a multiplicação de decisões dos magistrados pátrios limitando as taxas de juros. Faltará, então, recursos para financiamentos, para desenvolvimento das empresas, para qualquer operação. Defende a imunidade das instituições financeiras à intervenção judicial, sujeitando-as apenas à autoridade do Conselho Monetário Nacional.

Concordamos com o advogado ETCHEVERRY [2002] que considera que a Consif, ao ajuizar a ADIn nº 2.591, não está procurando justiça e sim, um cúmplice. Pois, diante de evidente lesão patrimonial que tem sido constatada em contratos bancários por parte do cliente, justiça é a aplicabilidade do Codecon, que protege contra a publicidade enganosa e abusiva, garante qualidade dos serviços prestados e transparência do sentido e alcance das cláusulas contratuais.

5.1 – Competência do CMN e do Banco Central do Brasil

Após julgamento da ADIn nº 4, a Lei 4.595/64 (lei ordinária) ganhou status de lei complementar e passou a regulamentar o art. 192 da Constituição de 1988. Desta forma, o Conselho Monetário Nacional (CMN) é competente para "disciplinar o crédito em todas as suas modalidades" e "limitar, sempre que necessário, as taxas de juros", conforme disposição do artigo 4º, incisos VI e IX da Lei 4.595/64.

A competência dada ao CMN para limitar as taxas de juros sempre que necessário deve ser interpretada considerando a importância que tem a disciplina do mercado financeiro para a vida econômica do País. Significa dizer, que toda vez que for conveniente ou aconselhável para a economia do País, pode (e deve) esse órgão governamental aumentar ou tornar indeterminadas as taxa de juros praticadas pelas instituições financeiras. A faculdade de "limitar" dada pelo legislador permite simplesmente diferenciar o Brasil da prática de outros países, onde os juros bancários são regulados pelos usos, pela taxa habitual, isto é, pelo próprio mercado. Nesse texto de lei, limitar significa fixar o percentual, se achar conveniente.

O CMN e seu agente executor, o Bando Central do Brasil (BACEN), são detentores dos poderes normativo e disciplinar, respectivamente, e exercidos sobre as instituições integrantes do sistema financeiro nacional. As Resoluções baixadas pelo BACEN são aceitas como normas providas de força cogente e de cumprimento obrigatório por partes das instituições financeiras no que concerne ao funcionamento, procedimentos e operações.

Trataremos a seguir de duas Resoluções recém editadas pelo BACEN que demonstram claramente a supremacia das instituições integrantes do sistema financeiro nacional perante outros entes que trabalham com igual zelo e dedicação para bem administrarem seus custos e lucrarem dentro do atual capitalismo globalizado.

5.3.1 – Normatização do BACEN

O Banco Central editou, por determinação do Conselho Monetário Nacional, a Resolução nº 2.878 que "dispõe sobre procedimentos a serem observados pelas instituições financeiras e demais instituições autorizadas a funcionar pelo Banco Central do Brasil na contratação de operações e na prestação de serviços aos clientes e ao público em geral".

Referida Resolução, popularmente conhecida como Código de Defesa do Cliente Bancário, foi elaborada mediante sugestões advindas de diversos segmentos da sociedade civil, inclusive os Procons. Considerando que os Procons são órgãos de defesa do consumidor, deve-se admitir que a Resolução foi baseada não em sugestões e sim em reclamações. É cediço que os bancos só perdem para o setor de telefonia em termos de reclamações.

Mesmo que se apresente com preceitos mais rígidos do que aqueles constantes no Código de Defesa do Consumidor, só encontramos em seu teor penalidades genéricas (art.19). Trata-se da normatização de pontos que a jurisprudência já consagrou como entendimento majoritário.

Em 22 de abril deste ano, foi implantado o Sistema de Pagamentos Bancário (SPB), uma nova operação de transferir dinheiro de pessoas para empresas, entre empresas ou entre pessoas. Se antes, ao adquirir um carro, por exemplo, a concessionária tinha acesso ao capital do comprador no dia seguinte, considerando o pagamento feito em cheque ou Documento de Ordem de Crédito (DOC), agora esta transferência ocorrerá em tempo real ou, no máximo, no mesmo dia, sendo utilizada uma Transferência Eletrônica Disponível (TED). O comprador transferirá o dinheiro da compra do carro para a concessionária na hora. Até então, a concessionária, sendo um cliente de ótima reciprocidade em determinado banco já gozava de um privilégio correspondente, utilizando, no mesmo dia do depósito, o capital do comprador antes da confirmação de saldo em seu banco – sem que devidamente compensado. Essa prática bancária conhecida como "saque sobre depósito bloqueado", permitia que a concessionária utilizasse o dinheiro que entraria na conta no dia seguinte para pagar uma conta que vencia hoje. Esse empréstimo tácito, geralmente a custo zero, é o alvo do novo SPB. Se antes, os bancos que têm empresas como clientes, costumavam emprestar um dinheiro que não possuíam, terminando o dia com saldo bancário negativo, hoje, estas transferências só acontecerão se houver saldo disponível ou depósitos de garantia. Os bancos terão de trabalhar com os pagamentos e recebimentos bem sincronizados, terão que captar para, só depois, emprestar. Segundo Luiz Fernando Figueiredo, diretor de política monetária do BC "essa é a melhor garantia de solidez para todo o sistema financeiro". Essa reestruturação tem o intuito de transferir para o setor privado o risco de insolvência do sistema financeiro atualmente suportado pelo setor público, por intermédio do Banco Central.

O SPB trará conseqüências imediatas. Uma vez que as instituições financeiras não poderão, em nenhum momento, operar com saldo devedor durante o movimento diário, as empresas estarão obrigadas a ter limites de conta garantida, mesmo que não usem o crédito. Significa que o banco não cobrará juro sobre o valor sacado até o limite da conta garantida caso a empresa pague uma conta por meio eletrônico antes de entrar com o recurso através de depósito, no mesmo dia. Ou seja, se antes o cliente fazia suas movimentações bancárias durante todo o dia, se preocupando somente em não fechar, ao final do expediente bancário, com saldo negativo, agora, a cada movimentação, ou o cliente garante que possui saldo no exato momento do pagamento, ou utiliza "momentaneamente" o limite da sua conta garantida, isentando-se dos juros com posterior depósito da quantia utilizada.

A inserção dessa novidade no presente trabalho visa demonstrar que a venda casada estará "legalizada", já que será inaceitável uma empresa trabalhar com um banco sem um "cheque especial".

Em contrapartida, o SPB ajudará a melhorar a imagem do País internacionalmente e a reduzir o Risco Brasil. Em linhas gerais, o risco-país é uma sobretaxa que os investidores estrangeiros cobram do governo e do setor privado para compensar a possibilidade de não receber empréstimos concedidos. Esse adicional de juros é estabelecido acima do rendimento dos títulos do Tesouro dos Estados Unidos, considerados de risco zero. Ou seja, dependendo de quão arriscado, de quão vulnerável avaliam a economia brasileira, maior ou menor será essa sobretaxa.


CONCLUSÃO

O presente trabalho foi desgastante e gratificante. Foram inúmeras as dúvidas que nos torturaram e fizeram com que estudássemos mais e mais. Existiram momentos que em que consideramos os bancos verdadeiros culpados, imorais e inescrupulosos. Porém, a prática de taxas de juros visivelmente ilegais nos fazia indagar como tal aceitação era possível diante de mecanismos democráticos viáveis e defensores (operadores do Direito) tão capacitados. Algo deveria estar correto, ou impossível de ser revertido.

A circunstância nos levou a estudar economia, compreendermos o mínimo sobre os indexadores dos juros praticados no País. Conhecemos, então, o que seria a taxa Selic, o Risco-País e a força que tem o capitalismo selvagem em um mundo globalizado. Considerando que o Governo remunera o investidor sobre a taxa de 18,50% a.a. somada à sobretaxa de 8,35% a.a. – essa referente ao risco de se aplicar em um país em desenvolvimento –, como conceber que a Constituição impõe uma taxa anual de 12%?

Se a taxa de juros sofre influência do mercado global, inclusive quando ocorrem discursos pré-eleitoreiros nacionalistas, é incoerente termos uma norma limitadora que fixa porcentagem máxima em uma constituição rígida que exige processo legislativo solene para alteração desse percentual.

Os juros no mundo jurídico são simplesmente frutos civis, acessórios do capital principal. Só que esse bem principal não é um bem fungível qualquer. Trata-se de dinheiro e "dinheiro é a mola do mundo", do mundo capitalista que visa lucro acima de tudo.

A Lei 4.595/64 legitimou as instituições financeiras a praticarem taxas de juros fixadas pelo Conselho Monetário Nacional e seu órgão executor, o Banco Central do Brasil. O momento político em que essa lei foi criada, os artifícios legais usados para prorrogar sua competência em matéria de atribuição do Congresso Nacional realmente instigam quaisquer juristas a contestar a legitimidade do Poder Executivo. O efeito diverso dado ao mandado de injunção quando a questão é juros bancários desmoraliza o Estado Democrático de Direito.

O princípio da separação dos Poderes funciona de maneira desigual. Pode o Executivo continuar legislando quando a competência original é do Legislativo. Porém não pode o Judiciário legislar mesmo quando a inércia do Legislativo é incontestável e admitida expressamente porque fere a autonomia do Executivo que insiste ser o único competente para tratar de matéria cambial e financeira. Diante desse contexto, podemos dizer que o Poder Executivo tem primazia em ditar as regras no Brasil. No mínimo, quando se trata de dinheiro e poder que dele advém.

Se o capitalismo trouxe tanta desigualdade e concentração de renda, trouxe também o Direito do Consumidor que tem sido o exemplo vivo de democracia e cidadania. Em breve o Judiciário (lê-se Executivo) terá que se decidir: se o CDC não pode ser aplicado em contratos bancários por ser lei ordinária, também não podem os bancos praticar o anatocismo autorizado por medida provisória.

As rubricas dos juros devem ser consideradas isoladamente a fim de evitar os abusos. A Constituição Federal ao tentar definir juros reais evidenciou sua intenção de unificar juros remuneratórios, moratórios e quaisquer comissões relacionadas direta ou indiretamente à concessão de crédito. O objetivo foi (e é) fixar um limite máximo para conter a usura. Destarte, a comissão de permanência criada como encargo moratório não pode alterar sua finalidade simplesmente para fugir da proibição de ser cobrada cumulativamente com a correção monetária. O banco não pode obrigar seu cliente, que já se submete a um contrato de adesão, a adquirir outros produtos que garantam ao mutuante lucro certo. Isso correspondente a um privilégio único que permite aos bancos antecipar os seus lucros quando o restante do mercado precisa arriscar mais sem a certeza do retorno.

O spread bancário é demasiadamente alto e traduz a agiotagem legalizada. Se as despesas são altas, a inadimplência encarece o empréstimo, que os bancos usem de sua supremacia tecnológica para reduzir seus custos do mesmo modo que o restante do mercado, não usufruindo de regalias inigualáveis.

Concordamos que a limitação das taxas de juros praticadas no Brasil em norma constitucional é fruto de demagogia e não poderia desconsiderar os indexadores da economia de modo geral já que não tem como desvencilhar as taxas de juros que remuneram os títulos públicos das taxas de juros bancários. Porém é inegável que essa política monetária favorece de modo condenável uma minoria.

O fato de o Banco Central ter elaborado um estudo "sério" e estar cumprindo paulatinamente todo um cronograma de moralização do sistema bancário (SPB) que aumentará a credibilidade do País no exterior e, conseqüentemente diminuirá o Risco-Brasil e ainda uma análise de risco de crédito rigorosa que visa reduzir a inadimplência que tanto acrescenta o spread bancário, nos faz acreditar que "alguém" é bem intencionado e confiável. Pois, essas medidas mais o reconhecimento das regras do CDC que induziu a criação do CDC bancário, inevitavelmente reduzirão as taxas de juros bancários no Brasil.

Destarte, concluímos que as taxas de juros praticadas pelos bancos atualmente são ilegais em face da norma constitucional limitadora que prevê de maneira clara e inequívoca o limite de 12% ao ano. Entretanto, deve-se admitir que não são aplicáveis no contexto globalizado em que vivemos. Ou seja, a inserção da limitação legal dos juros foi um equívoco legislativo motivada pela repressão à usura e que uma vez inserida na Carta Magna, não pode ser ignorada.


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ANEXO I

BANCO CENTRAL DO BRASIL

RESOLUÇÃO 2.682

Dispõe sobre critérios de classificação das operações de crédito e regras para constituição de provisão para créditos de liquidação duvidosa.

O BANCO CENTRAL DO BRASIL, na forma do art. 9º da Lei nº 4.595, de 31 de dezembro de 1964, torna publico que o CONSELHO MONETARIO NACIONAL, em sessão realizada em 21 de dezembro de 1999, com base no art. 4º, incisos XI e XII, da citada Lei,

R E S O L V E U:

Art. 1º. Determinar que as instituições financeiras e demais instituições autorizadas a funcionar pelo Banco Central do Brasil devem classificar as operações de crédito, em ordem crescente de risco, nos seguintes níveis:

I - nível AA;

II - nível A;

III - nível B;

IV - nível C;

V - nível D;

VI - nível E;

VII - nível F;

VIII - nível G;

IX - nível H.

Art. 2º. A classificação da operação no nível de risco correspondente e de responsabilidade da instituição detentora do crédito e deve ser efetuada com base em critérios consistentes e verificáveis, amparada por informações internas e externas, contemplando, pelo menos, os seguintes aspectos:

I - em relação ao devedor e seus garantidores:

a) situação econômico-financeiro;

b) grau de endividamento;

c) capacidade de geração de resultados;

d) fluxo de caixa;

e) administração e qualidade de controles;

f) pontualidade e atrasos nos pagamentos;

g) contingências;

h) setor de atividade econômica;

i) limite de crédito;

II - em relação à operação:

a)natureza e finalidade da transação;

b)características das garantias, particularmente quanto a suficiência e liquidez;

c)valor.

Parágrafo único. A classificação das operações de crédito de titularidade de pessoas físicas deve levar em conta, também, as situações de renda e de patrimônio bem como outras informações cadastrais do devedor.

Art. 3º. A classificação das operações de crédito de um mesmo cliente ou grupo econômico deve ser definida considerando aquela que apresentar maior risco, admitindo-se excepcionalmente classificação diversa para determinada operação, observado o disposto no art. 2º, inciso II.

Art. 4º. A classificação da operação nos níveis de risco de que trata o art. 1º deve ser revista, no mínimo:

I - mensalmente, por ocasião dos balancetes e balanços, em função de atraso verificado no pagamento de parcela de principal ou de encargos, devendo ser observado o que segue:

a) atraso entre 15 e 30 dias: risco nível B, no mínimo;

b) atraso entre 31 e 60 dias: risco nível C, no mínimo;

c) atraso entre 61 e 90 dias: risco nível D, no mínimo;

d) atraso entre 91 e 120 dias: risco nível E, no mínimo;

e) atraso entre 121 e 150 dias: risco nível F, no mínimo;

f) atraso entre 151 e 180 dias: risco nível G, no mínimo;

g) atraso superior a 180 dias: risco nível H;

II - com base nos critérios estabelecidos nos arts. 2º e 3º:

a) a cada seis meses, para operações de um mesmo cliente ou grupo econômico cujo montante seja superior a 5% (cinco por cento) do patrimônio líquido ajustado;

b) uma vez a cada doze meses, em todas as situações, exceto na hipótese prevista no art. 5º.

Parágrafo 1º. As operações de adiantamento sobre contratos de câmbio, as de financiamento a importação e aquelas com prazos inferiores a um mês, que apresentem atrasos superiores a trinta dias, bem como o adiantamento a depositante a partir de trinta dias de sua ocorrência, devem ser classificados, no mínimo, como de risco nível G.

Parágrafo 2º. Para as operações com prazo a decorrer superior a 36 meses admite-se a contagem em dobro dos prazos previstos no inciso I.

Parágrafo 3º. O não atendimento ao disposto neste artigo implica a reclassificação das operações do devedor para o risco nível H, independentemente de outras medidas de natureza administrativa.

Art. 5º. As operações de crédito contratadas com cliente cuja responsabilidade total seja de valor inferior a R$50.000,00 (cinqüenta mil reais) podem ter sua classificação revista de forma automática unicamente em função dos atrasos consignados no art. 4º, inciso I, desta Resolução, observado que deve ser mantida a classificação original quando a revisão corresponder a nível de menor risco.

Parágrafo 1º. O Banco Central do Brasil poderá alterar o valor de que trata este artigo.

Parágrafo 2º. O disposto neste artigo aplica-se as operações contratadas ate 29 de fevereiro de 2000, observados o valor referido no caput e a classificação, no mínimo, como de risco nível A.

Art. 6º. A provisão para fazer face aos créditos de liquidação duvidosa deve ser constituída mensalmente, não podendo ser inferior ao somatório decorrente da aplicação dos percentuais a seguir mencionados, sem prejuízo da responsabilidade dos administradores das instituições pela constituição de provisão em montantes suficientes para fazer face a perdas prováveis na realização dos créditos:

I - 0,5% (meio por cento) sobre o valor das operações classificadas como de risco nível A;

II - 1% (um por cento) sobre o valor das operações classificadas como de risco nível B;

III - 3% (três por cento) sobre o valor das operações classificadas como de risco nível C;

IV - 10% (dez por cento) sobre o valor das operações classificados como de risco nível D;

V - 30% (trinta por cento) sobre o valor das operações classificados como de risco nível E;

VI - 50% (cinqüenta por cento) sobre o valor das operações classificados como de risco nível F;

VII - 70% (setenta por cento) sobre o valor das operações classificados como de risco nível G;

VIII - 100% (cem por cento) sobre o valor das operações classificadas como de risco nível H.

Art. 7º. A operação classificada como de risco nível H deve ser transferida para conta de compensação, com o correspondente débito em provisão, apos decorridos seis meses da sua classificação nesse nível de risco, não sendo admitido o registro em período inferior.

Parágrafo único. A operação classificada na forma do disposto no caput deste artigo deve permanecer registrada em conta de compensação pelo prazo mínimo de cinco anos e enquanto não esgotados todos os procedimentos para cobrança.

Art. 8º. A operação objeto de renegociação deve ser mantida, no mínimo, no mesmo nível de risco em que estiver classificada, observado que aquela registrada como prejuízo deve ser classificada como de risco nível H.

Parágrafo 1º. Admite-se a reclassificação para categoria de menor risco quando houver amortização significativa da operação ou quando fatos novos relevantes justificarem a mudança do nível de risco.

Parágrafo 2º. O ganho eventualmente auferido por ocasião da renegociação deve ser apropriado ao resultado quando do seu efetivo recebimento.

Parágrafo 3º. Considera-se renegociação a composição de dívida, a prorrogação, a novação, a concessão de nova operação para liquidação parcial ou integral de operação anterior ou qualquer outro tipo de acordo que implique na alteração nos rabos de vencimento ou nas condições de pagamento originalmente pactuadas.

Art. 9º. É vedado o reconhecimento no resultado do período de receitas e encargos de qualquer natureza relativos a operações de crédito que apresentem atraso igual ou superior a sessenta dias, no pagamento de parcela de principal ou encargos.

Art. 10. As instituições devem manter adequadamente documentadas sua política e procedimentos para concessão e classificação de operações de crédito, os quais devem ficar a disposição do Banco Central do Brasil e do auditor independente.

Parágrafo único. A documentação de que trata o caput deste artigo deve evidenciar, pelo menos, o tipo e os níveis de risco que se dispõe a administrar, os requerimentos mínimos exigidos para a concessão de empréstimos e o processo de autorização.

Art. 11. Devem ser divulgadas em nota explicativa as demonstrações financeiras informações detalhadas sobre a composição da carteira de operações de crédito, observado, no mínimo:

I - distribuição das operações, segregadas por tipo de cliente e atividade econômica;

II - distribuição por faixa de vencimento;

III - montantes de operações renegociadas, lançados contra prejuízo e de operações recuperadas, no exercício.

Art. 12. O auditor independente deve elaborar relatório circunstanciado de revisão dos critérios adotados pela instituição quanto à classificação nos níveis de risco e de avaliação do provisionamento registrado nas demonstrações financeiras.

Art. 13. O Banco Central do Brasil poderá baixar normas complementares necessárias ao cumprimento do disposto nesta Resolução, bem como determinar:

I - reclassificação de operações com base nos critérios estabelecidos nesta Resolução, nos níveis de risco de que trata o art. 1º;

II - provisionamento adicional, em função da responsabilidade do devedor junto ao Sistema Financeiro Nacional;

III - providências saneadoras a serem adotadas pelas instituições, com vistas a assegurar a sua liquidez e adequada estrutura patrimonial, inclusive na forma de alocação de capital para operações de classificação considerada inadequada;

IV - alteração dos critérios de classificação de créditos, de contabilizarão e de constituição de provisão;

V - teor das informações e notas explicativas constantes das demonstrações financeiras;
VI - procedimentos e controles a serem adotados pelas instituições.

Art. 14. O disposto nesta Resolução se aplica também as operações de arrendamento mercantil e a outras operações com características de concessão de crédito.

Art. 15. As disposições desta resolução não contemplam os aspectos fiscais, sendo de inteira responsabilidade da instituição a observância das normas pertinentes.

Art. 16. Esta resolução entra em vigor na data da sua publicação, produzindo efeitos a partir de 1º de marco de 2000, quando ficarão revogadas as Resoluções nºs 1.748, de 30 de agosto de 1990, e 1.999, de 30 de junho de 1993, os arts. 3º e 5º da Circular nº 1.872, de 27 de dezembro de 1990, a alínea "b" do inciso II do art. 4º da Circular nº 2.782, de 12 de novembro de 1997, e o Comunicado nº 2.559, de 17 de outubro de 1991.

Brasília, 21 de dezembro de 1999.

Armínio Fraga Neto

Presidente


ANEXO II

BANCO CENTRAL DO BRASIL

RESOLUÇÃO 2.878

Dispõe sobre procedimentos a serem observados pelas instituições financeiras e demais instituições autorizadas a funcionar pelo Banco Central do Brasil na contratação de operações e na prestação de serviços aos clientes e ao público em geral.

O BANCO CENTRAL DO BRASIL, na forma do art. 9º da Lei nº 4.595, de 31 de dezembro de 1964, torna público que o CONSELHO MONETARIO NACIONAL, em sessão realizada em 26 de julho de 2001, com base no art. 4º, inciso VIII, da referida lei, considerando o disposto na Lei nº 4.728, de 14 de julho de 1965, e na Lei nº 6.099, de 12 de setembro de 1974,

R E S O L V E U:

Art. 1º. Estabelecer que as instituições financeiras e demais instituições autorizadas a funcionar pelo Banco Central do Brasil, na contratação de operações e na prestação de serviços aos clientes ao publico em geral, sem prejuízo da observância das demais disposições legais e regulamentares vigentes e aplicáveis ao Sistema Financeiro Nacional, devem adotar medidas que objetivem assegurar:

I - transparência nas relações contratuais, preservando os clientes e o público usuário de práticas não eqüitativas, mediante prévio e integral conhecimento das cláusulas contratuais, evidenciando, inclusive, os dispositivos que imputem responsabilidades e penalidades;

II - resposta tempestiva as consultas, as reclamações e aos pedidos de informações formulados por clientes e público usuário, de modo a sanar, com brevidade e eficiência, dúvidas relativas aos serviços prestados e/ou oferecidos, bem como as operações contratadas, ou decorrentes de publicidade transmitida por meio de quaisquer veículos institucionais de divulgação, envolvendo, em especial:

a) cláusulas e condições contratuais;

b) características operacionais;

c) divergências na execução dos serviços;

III - clareza e formato que permitam fácil leitura dos contratos celebrados com clientes, contendo identificação de prazos, valores negociados, taxas de juros, de mora e de administração, comissão de permanência, encargos moratórios, multas por inadimplemento e demais condições;

IV - recepção pelos clientes de cópia, impressa ou em meio eletrônico, dos contratos assim que formalizados, bem como recibos, comprovantes de pagamentos e outros documentos pertinentes às operações realizadas;

V - efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, causados a seus clientes e usuários.

Art. 2º. As instituições referidas no art. 1º devem colocar a disposição dos clientes, em suas dependências, informações que assegurem total conhecimento acerca das situações que possam implicar recusa na recepção de documentos (cheques, bloquetos de cobrança, fichas de compensação e outros) ou na realização de pagamentos, na forma da legislação em vigor.

Parágrafo único. As instituições referidas no caput devem afixar, em suas dependências, em local e formato visíveis, o número do telefone da Central de Atendimento ao Público do Banco Central do Brasil, acompanhado da observação de que o mesmo se destina ao atendimento a denúncias e reclamações, além do número do telefone relativo ao serviço de mesma natureza, se por elas oferecido.

Art. 3º. As instituições referidas no art. 1º devem evidenciar para os clientes as condições contratuais e as decorrentes de disposições regulamentares, dentre as quais:

I - as responsabilidades pela emissão de cheques sem suficiente provisão de fundos;

II - as situações em que o correntista será inscrito no Cadastro de Emitentes de Cheques sem Fundos (CCF);

III - as penalidades a que o correntista está sujeito;

IV - as tarifas cobradas pela instituição, em especial aquelas relativas a:

a) devolução de cheques sem suficiente provisão de fundos ou por outros motivos;

b) manutenção de conta de depósitos;

V - taxas cobradas pelo executante de serviço de compensação de cheques e outros papéis;

VI - providências quanto ao encerramento da conta de depósitos, inclusive com definição dos prazos para sua adoção;

VII - remunerações, taxas, tarifas, comissões, multas e quaisquer outras cobranças decorrentes de contratos de abertura de crédito, de cheque especial e de prestação de serviços em geral.

Parágrafo único. Os contratos de cheque especial, além dos dispositivos referentes aos direitos e às obrigações pactuados, devem prever as condições para a renovação, inclusive do limite de crédito, e para a rescisão, com indicação de prazos, das tarifas incidentes e das providências a serem adotadas pelas partes contratantes.

Art. 4º. Ficam as instituições referidas no art. 1º obrigadas a dar cumprimento a toda informação ou publicidade que veicularem, por qualquer forma ou meio de omunicação, referente a contratos, operações e serviços oferecidos ou prestados, que devem inclusive constar do contrato que vier a ser celebrado.

Parágrafo único. A publicidade de que trata o caput deve ser veiculada de tal forma que o público possa identificá-la de forma simples e imediata.

Art. 5º. É vedada às instituições referidas no art. 1º. a utilização de publicidade enganosa ou abusiva.

Parágrafo único. Para os efeitos do disposto no caput:

I - é enganosa qualquer modalidade de informação ou comunicação capaz de induzir a erro o cliente ou o usuário, a respeito da natureza, características, riscos, taxas, comissões, tarifas ou qualquer outra forma de remuneração, prazos, tributação e quaisquer outros dados referentes a contratos, operações ou serviços oferecidos ou prestados.

II - é abusiva, dentre outras, a publicidade que contenha discriminação de qualquer natureza, que prejudique a concorrência ou que caracterize imposição ou coerção.

Art. 6º. As instituições referidas no art. 1º, sempre que necessário, inclusive por solicitação dos clientes ou usuários, devem comprovar a veracidade e a exatidão da informação divulgada ou da publicidade por elas patrocinada.

Art. 7º. As instituições referidas no art. 1º, na contratação de operações com seus clientes, devem assegurar o direito a liquidação antecipada do débito, total ou parcialmente, mediante redução proporcional dos juros.

Art. 8º. As instituições referidas no art. 1º devem utilizar terminologia que possibilite, de forma clara e inequívoca, a identificação e o entendimento das operações realizadas, evidenciando valor, data, local e natureza, especialmente nos seguintes casos:

I - tabelas de tarifas de serviços;

II - contratos referentes a suas operações com clientes;

III - informativos e demonstrativos de movimentação de conta de depósitos de qualquer natureza, inclusive aqueles fornecidos por meio de equipamentos eletrônicos.

Art. 9º. As instituições referidas no art. 1º. devem estabelecer em suas dependências alternativas técnicas, físicas ou especiais que garantam:

I - atendimento prioritário para pessoas portadoras de deficiência física ou com mobilidade reduzida, temporária ou definitiva, idosos, com idade igual ou superior a sessenta e cinco anos, gestantes, lactantes e pessoas acompanhadas por criança de colo, mediante:

a) garantia de lugar privilegiado em filas;

b) distribuição de senhas com numeração adequada ao atendimento preferencial;

c) guichê de caixa para atendimento exclusivo; ou

d) implantação de outro serviço de atendimento personalizado;

II - facilidade de acesso para pessoas portadoras de deficiência física ou com mobilidade reduzida, temporária ou definitiva observado o sistema de segurança previsto na legislação e regulamentação em vigor;

III - acessibilidade aos guichês de caixa e aos terminais de auto atendimento, bem como facilidade de circulação para as pessoas referidas no inciso anterior;

IV - prestação de informações sobre seus procedimentos operacionais aos deficientes sensoriais (visuais e auditivos).

Parágrafo 1º. Para fins de cumprimento do disposto nos incisos II e III, fica estabelecido prazo de 720 dias, contados da data da entrada em vigor da regulamentação da Lei nº 10.098, de 19 de dezembro de 2000, as instituições referidas no art. 1º, para adequação de suas instalações.

Parágrafo 2º. O início de funcionamento de dependência de instituição financeira fica condicionado ao cumprimento das disposições referidas nos incisos II e III, após a regulamentação da Lei nº 10.098, de 2000.

Art. 10. Os dados constantes dos cartões magnéticos emitidos pelas instituições referidas no art. 1º. devem ser obrigatoriamente impressos em alto relevo, no prazo a ser definido pelo Banco Central do Brasil.

Art. 11. As instituições referidas no art. 1º. não podem estabelecer, para portadores de deficiência e para idosos, em decorrência dessas condições, exigências maiores que as fixadas para os demais clientes, excetuadas as previsões legais.

Art. 12. As instituições referidas no art. 1º. não podem impor aos deficientes sensoriais (visuais e auditivos) exigências diversas das estabelecidas para as pessoas não portadoras de deficiência, na contratação de operações e de prestação de serviços.

Parágrafo único. Com vistas a assegurar o conhecimento pleno dos termos dos contratos, as instituições devem:

I - providenciar, no caso dos deficientes visuais, a leitura do inteiro teor do contrato, em voz alta, exigindo declaração do contratante de que tomou conhecimento de suas disposições, certificada por duas testemunhas, sem prejuízo da adoção, a seu critério, de outras medidas com a mesma finalidade;

II - requerer, no caso dos deficientes auditivos, a leitura, pelos mesmos, do inteiro teor do contrato, antes de sua assinatura.

Art. 13. Na execução de serviços decorrentes de convênios, celebrados com outras entidades pelas instituições financeiras, é vedada a discriminação entre clientes e não-clientes, com relação ao horário e ao local de atendimento.

Parágrafo único. Excetuam -se da vedação de que trata o caput:

I - o atendimento prestado no interior de empresa ou outras entidades, mediante postos de atendimento, ou em instalações não visíveis ao público;

II - a fixação de horários específicos ou adicionais para determinados segmentos e de atendimento separado ou diferenciado, inclusive mediante terceirização de serviços ou sua prestação em parceria com outras instituições financeiras, desde que adotados critérios transparentes.

Art. 14. É vedada a adoção de medidas administrativas relativas ao funcionamento das dependências das instituições referidas no art. 1º. que possam implicar restrições ao acesso as áreas daquelas destinadas ao atendimento ao público.

Art. 15. As instituições referidas no art. 1º. e vedado negar ou restringir, aos clientes e ao publico usuário, atendimento pelos meios convencionais, inclusive guichês de caixa, mesmo na hipótese de atendimento alternativo ou eletrônico.

Parágrafo 1º. O disposto no caput não se aplica as dependências exclusivamente eletrônicas.

Parágrafo 2º. A prestação de serviços por meios alternativos aos convencionais e prerrogativa das instituições referidas no caput, cabendo-lhes adotar as medidas que preservem a integridade, a confiabilidade, a segurança e o sigilo das transações realizadas, assim como a legitimidade dos serviços prestados, em face dos direitos dos clientes e dos usuários, devendo, quando for o caso, informá-los dos riscos existentes.

Art. 16. Nos saques em espécie realizados em conta de depósitos a vista, na agência em que o correntista a mantenha, é vedado às instituições financeiras estabelecer prazos que posterguem a operação para o expediente seguinte.

Parágrafo único. Na hipótese de saques de valores superiores a R$5.000,00 (cinco mil reais), deve ser feita solicitação com antecedência de quatro horas do encerramento do expediente, na agência em que o correntista mantenha a conta sacada.

Art. 17. É vedada a contratação de quaisquer operações condicionadas ou vinculadas a realização de outras operações ou a aquisição de outros bens e serviços.

Parágrafo 1º. A vedação de que trata o caput aplica-se, adicionalmente, as promoções e ao oferecimento de produtos e serviços ou a quaisquer outras situações que impliquem elevação artificiosa do preço ou das taxas de juros incidentes sobre a operação de interesse do cliente.

Parágrafo 2º. Na hipótese de operação que implique, por forca da legislação em vigor, contratação adicional de outra operação, fica assegurado ao contratante o direito de livre escolha da instituição com a qual deve ser pactuado o contrato adicional.

Parágrafo 3º. O disposto no caput não impede a previsão contratual de débito em conta de depósitos como meio exclusivo de pagamento de obrigações.

Art. 18. Fica vedado às instituições referidas no art. 1º:

I - transferir automaticamente os recursos de conta de depósitos a vista e de conta de depósitos de poupança para qualquer modalidade de investimento, bem como realizar qualquer outra operação ou prestação de serviço sem previa autorização do cliente ou do usuário, salvo em decorrência de ajustes anteriores entre as partes;

II - prevalecer-se, em razão de idade, saúde, conhecimento, condição social ou econômica do cliente ou do usuário, para impor-lhe contrato, cláusula contratual, operação ou prestação de serviço;

III - elevar, sem justa causa, o valor das taxas, tarifas, comissões ou qualquer outra forma de remuneração de operações ou serviços ou cobra-las em valor superior ao estabelecido na regulamentação e legislação vigentes;

IV - aplicar formula ou índice de reajuste diverso do legal ou contratualmente estabelecido;

V – deixar de estipular prazo para o cumprimento de suas obrigações ou deixar a fixação do termo inicial a seu exclusivo critério;

VI - rescindir, suspender ou cancelar contrato, operação ou serviço, ou executar garantia fora das hipóteses legais ou contratualmente previstas;

VII - expor, na cobrança da dívida, o cliente ou o usuário a qualquer tipo de constrangimento ou de ameaça.

Parágrafo 1º. A autorização referida no inciso I deve ser fornecida por escrito ou por meio eletrônico, com estipulação de prazo de validade, que poderá ser indeterminado, admitida a sua previsão no próprio instrumento contratual de abertura da conta de depósitos.

Parágrafo 2º. O cancelamento da autorização referida no inciso I deve surtir efeito a partir da data definida pelo cliente, ou na sua falta, a partir da data do recebimento pela instituição financeira do pedido pertinente.

Parágrafo 3º. No caso de operação ou serviço sujeito a regime de controle ou de tabelamento de tarifas ou de taxas, as instituições referidas no art. 1º. não podem exceder os limites estabelecidos, cabendo-lhes restituir as quantias recebidas em excesso, atualizadas, de conformidade com as normas legais aplicáveis, sem prejuízo de outras sanções cabíveis.

Parágrafo 4º. Excetuam-se das vedações de que trata este artigo os casos de estorno necessários à correção de lançamentos indevidos decorrentes de erros operacionais por parte da instituição financeira, os quais deverão ser comunicados, de imediato, ao cliente.

Art. 19. O descumprimento do disposto nesta Resolução sujeita a instituição e os seus administradores às sanções previstas na legislação e regulamentação em vigor.

Art. 20. Fica o Banco Central do Brasil autorizado a:

I - baixar as normas e a adotar as medidas julgadas necessárias a execução do disposto nesta Resolução, podendo inclusive regulamentar novas situações decorrentes do relacionamento entre as pessoas físicas e jurídicas especificadas nos artigos anteriores;

II - fixar, em razão de questões operacionais, prazos diferenciados para o atendimento do disposto nesta Resolução.

Art. 21. Esta Resolução entra em vigor na data de sua publicação.

Art. 22. Ficam revogados o parágrafo 2º. do art. 1. da Resolução n. 1.764, de 31 de outubro de 1990, com redação dada pela Resolução n. 1.865, de 5 de setembro de 1991, a Resolução n. 2.411, de 31 de julho de 1997, e o Comunicado n. 7.270, de 9 de fevereiro de 2000.

Brasília, 26 de julho de 2001.

Carlos Eduardo de Freitas

Presidente Interino


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PICININ, Cláudia Goldner. Juros bancários: a legalidade das taxas de juros praticadas pelos bancos perante norma constitucional limitadora. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 8, n. 61, 1 jan. 2003. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/3562. Acesso em: 4 maio 2024.