Este texto foi publicado no Jus no endereço https://jus.com.br/artigos/3442
Para ver outras publicações como esta, acesse https://jus.com.br

Lei de arbitragem: quebra do monopólio jurisdicional estatal?

Lei de arbitragem: quebra do monopólio jurisdicional estatal?

Publicado em . Elaborado em .

INTRODUÇÃO

É fato evidente e incontroverso, o anseio social por uma prestação jurisdicional efetiva, baseada no trinômio: rapidez, segurança e efetividade. Até porque, o Estado, em um certo momento histórico, diante de um litígio que envolve algum dos seus administrados, assumiu a responsabilidade de dizer a quem o direito pertence. O Estado passou a ter o dever-poder, conquanto a imposição da sua vontade, ao substituir à das partes, é uma obrigação.

Na prática, obriga-se a garantir, aos súditos, a tutela dos direitos dos cidadãos, já que, ao proibí-los de escolher a forma mais adequada para pacificar seus problemas, diante da resistência de um direito, que, subjetivamente, possuem, torna-se, então, o Estado-juiz, único possuidor do monopólio da jurisdição.

Para agir desta forma, foi montado um sistema jurídico que o capacita a impor medidas aos membros da sociedade, através do uso de seu imperium, dentre as quais, a possibilidade de punir os infratores, de criar leis, organizar a máquina estatal, delegar competências administrativas, aplicar sanções, cobrar impostos, dentre tantos outros.

Entretanto, com a aprovação da Lei 9.307/96 – Lei da Arbitragem – o Estado distribui parte da competência que detinha com exclusividade, e possibilita, ao particular, declarar às partes, na forma de laudo (ou sentença) arbitral, o direito, de forma semelhante à sentença estatal.

Com efeito, com a implementação da Lei, criam-se mecanismos práticos (pois a arbitragem sempre esteve no ordenamento jurídico do país, embora, sem a aplicabilidade necessária para que, saísse da teoria legal, e, fosse implementada, na prática) pacificação social, desta feita, particular. Ressalta-se que esse ato, embora, disjunto da chancela do Poder Judiciário, produz efeitos semelhantes aos do ente estatal.

Porém, surge um questionamento acerca dessa matéria, pois se é certo que jurisdição advém dos termos "juris" — direito, e "dição" — do verbo dizer, (daí, dizer o direito), teria, ainda, o Estado, a partir da Lei de Arbitragem, o monopólio da jurisdição estatal?

Para responder a presente questão, este trabalho foi dividido em cinco capítulos. O primeiro, abordará a importância da história e do direito na vida das pessoas. Ressaltará, em especial, a importância do estudo do Direito Romano, por ser de onde vêm os pilares do sistema jurídico brasileiro — civil law. Nesse capítulo, serão abordadas as principais fontes e registros históricos, donde se costuma recolher informações, sobre a história do Direito Romano.

O segundo capítulo tratará da evolução histórica da arbitragem e da jurisdição, em uma viagem histórica desde os tempos das antigas civilizações, com maior ênfase na cultura Romana, até a data que a arbitragem chega, efetivamente, ao Brasil, importada do direito lusitano, através do advento das Ordenações Filipinas.

O terceiro capítulo, abordará a lei da Arbitragem, já no território nacional. Relatará o caminho percorrido para se chegar à lei atual, como também, os principais fatos, as dificuldades e os questionamentos e debates em torno do assunto escolhido. Tratará dos três anteprojetos que antecederam a Lei, a saber: o anteprojeto de lei de 1981, o do ano de 1986, e ainda, o anteprojeto de 1988. Será narrada, também, a vitoriosa trajetória da "operação arbiter", do início dos trabalhos, adentra na tramitação do projeto de lei no Congresso Nacional, até, sua publicação, em 24 de setembro de 1996, para que, sessenta dias após essa data, produzisse os efeitos no ordenamento jurídico nacional.

O quarto capítulo tratará da formação jurídica dos Estados, do Poder Judiciário, e abordará com profundidade acerca do tema monopólio jurisdicional estatal, e apresentará os benefícios da utilização da "justiça privada" para dirimir conflitos. Procurar-se-á, também, destacar a importância do princípio da autonomia das partes, e os limites impostos à atuação dos julgadores, tais como, a competência para a concessão (ou não) de medidas cautelares e antecipatórias da tutela pretendida na sentença, quando o objeto da lide versar acerca de direitos patrimoniais disponíveis, e as partes e os árbitros possuírem capacidade civil plena para instituir a arbitragem.

O quinto e último capítulo, tratará dos atos praticados pelo árbitro, ou tribunal arbitral. Dentre os atos decisórios, aprofundar-se-á no estudo da sentença arbitral, pois, encontra-se, aí, a manifestação acerca dos fatos, mormente, a declaração do próprio direito, pronunciada pelo julgador.

A abordagem consistirá em descobrir se há, embutido no instituto da arbitragem, o caráter jurisdicional, pois se demonstrado sua existência (caráter jurisdicional), decorrerão, ao menos, duas conseqüências: de plano, haverá necessidade de adequar os conceitos de jurisdição, à nova ordem de distribuição do direito, desta feita, concomitantemente privada. A segunda conseqüência, e sem dúvida a mais importante delas, é que de fato, restará rompido o monopólio jurisdicional estatal.


1 HISTÓRIA E DIREITO

O homem é um animal político. Impossível pensar lugar qualquer onde exista mais de um indivíduo, que não sejam criadas regras de convivência e harmonia. Esse conjunto de regras, latu sensu, estabelecerá direitos e deveres intersubjetivos.

Surge, assim, o direito, pois onde há pessoas, há direito ("ubi societas, ibi jus") (Cretella, 2001:18).

Mas as pessoas, independentemente de religião ou credo, dependem, sobremaneira, das coisas, dos objetos que as cercam. Muito além de propiciar conforto e prazer, os objetos são diretamente responsáveis pela vida e pela perpetuação da espécie humana. Desde a era primitiva, a vida depende dos alimentos, do calor, dos instrumentos para proteção, entre tantos outros elementos. E sempre dependerá.

Se há pessoas e coisas, haverá sempre uma forte relação entre ambas. O ser humano não encontra em seu habitat, todos os elementos de que necessita para a sua sobrevivência e bem estar. Esta escassez natural faz com que os indivíduos estabeleçam normas para delimitar a atuação do indivíduo em relação ao seu grupo social e aos objetos. Portanto, o direito regrará o comportamento dos indivíduos entre si, e a conduta que cada um deverá adotar com o que o rodeia.

A história é um meio que vai muito além de relatar fatos do passado. Deve-se, contudo, tentar eliminar a idéia de que há uma separação dos tempos: moderno e passado. A história é uma só: ontem e hoje combinam-se. Sendo impossível alterar fatos passados, cabe utilizar todos os meios e esforços para melhor entendimento do ocorrido, e, assim, os fatos podem servir como base para decisões futuras.

São os Gregos e Romanos os responsáveis pelos maiores relatos históricos ocorridos desde as civilizações antigas. Historiadores, por excelência, registraram fatos que permitiram conhecer toda a estrutura social da época. Destes registros são extraídas informações, que servem de paradigma na atualidade. Vale ressaltar, que a evolução técnica e científica contribui para entender melhor os fatos passados, permitindo a construção do futuro.

Desta reconstrução histórica, Cretella (2001:17) afirma que os romanos não conheciam o termo direito. "O vocábulo cognato e etimológico deste — directus — era adjetivo que significava: aquilo que é conforme a linha reta".

Ensina, ainda, que "em latim, o vocábulo que traduz nosso atual direito é jus, que pertence à raiz do verbo jubere, ordenar, ou ainda, a do verbo jurare, jurar. Jus é o ordenado, o sagrado, o consagrado" (id. ibidem).

"Justo é o que está em harmonia com Jus. E Justitia é a vontade constante de dar a cada um o que é seu" (op. Cit.).

Sendo certo que Direito é o conjunto de normas obrigatórias de conduta, impostas para garantir a convivência dos agrupamentos humanos, resta entender que o Direito vai à sociedade buscar elementos para que possa atingir seu principal objetivo. Assim, verifica-se que quanto melhor o estudo da história do Direito, melhor será a radiografia social, econômica, política e cultural da população. Mais que isso, permitirá identificar as causas e conseqüências das mudanças que nortearam as legislações.

O estudo histórico de uma experiência passada, presta-se a esclarecer inúmeras questões aparentemente sem solução nos quadrantes do direito de época contemporânea (Tucci, 2001:24).

Quando compreende-se o passado, eliminam-se as dúvidas e consegue-se levantar a estrutura do seu ordenamento, a solidez dos seus institutos, suas características, e chega-se, então, à razão de seu significado e conteúdo. Neste sentido, atinge-se o propósito da História do Direito. (Tucci, 2001).

A Grécia é o berço da doutrina do Direito Natural, onde a razão era associada à natureza de forma quase que inseparável. De lá vem a idéia de liberdade, educação, segurança, subsistência, aos bens da cultura, a vida. Confronta-se com a escola positivista do Direito Romano, que se exprime através das normas escritas (Cretella, 2001:21).

O conjunto de normas forma o ordenamento jurídico. Os princípios darão as diretrizes que as normas devem seguir e, junto o com ordenamento jurídico comporá o sistema jurídico presente ainda nos dias atuais, nas sociedades mundiais. Estes sistemas, aglomerados, formam três grandes grupos, a saber: romano-germânico (civil law), o common law anglo-americano e dos direitos socialistas. Ambos com o mesmo fim: propiciar um convívio harmonioso da sociedade, através da composição dos conflitos que nela possam existir.

Destaca-se ainda, que o sistema jurídico brasileiro está fincado no civil law, e sendo certa sua origem no Direito Romano, torna-se imprescindível uma abordagem histórica deste Direito, especialmente de suas fontes, seu ordenamento jurídico e as suas transformações.

1.1.Fontes do Direito Romano

Fonte do Direito é todo modo de formação do Direito, é todo documento, monumento, pessoa, órgão ou fato donde provém a norma jurídica. Fonte do direito romano é todo órgão revelador do direito romano. Indagar de que modo nasce ou se revela o direito romano em cada período é estudar as fontes do direito romano, nesse período (Cretella, 2001:27).

O Direito Romano, no seu período arcaico [1], à época da instauração da fase monárquica (510 a.C.), era caracterizada por decisões baseadas nos costumes (direito consuetudinário). Em 461 a.C., surge a Lex Tarantilla ou Lei das XII Tábuas, que é exaltada como fonte de todo o Direito Romano (fons omnis publici privatique iuris), por sua inequívoca relevância para o estudo do processo da época. O caráter Romano restou visível em praticamente todas as disposições da Lei: primitivo, prático, concreto, imediatista, religioso e violento (Tucci, 2001:29).

No período clássico [2], aparece a figura dos pretores romanos — pessoas que detinham a função jurisdicional. Com a sua evolução, os pretores passaram a publicar editos anuais que continham, basicamente, o plano de atuação durante sua gestão. Estes editos (edictum perpetuum) constituíam-se verdadeiras fontes do Direito, e vieram para completar, suprir e interpretar as lacunas deixadas na lei.

Outra fonte importantíssima para a compreensão da época Clássica do Direito Romano são as Institutas de Gaio. Famoso jurisconsulto Romano que teria vivido no século II como professor de Direito, escreveu as Institutas em quatro livros, que serviram de estudo aos seus alunos. Sua relevância para o estudo do Direito Romano é incontestável, principalmente o que se pode extrair do livro IV das Institutas, no caso, vários conceitos dos institutos romanos, além do rito processual, o que muito interessa.

Acerca desta mesma época, vasto conhecimento pode ser extraído do Digesto. Embora seja compilação da época pós-clássica, o Digesto foi integralmente tecido por trechos de assuntos em comum, relatando fatos, tanto da época clássica, quanto da época pós-clássica [3], recolhidos da obra de mais de quarenta jurisconsultos clássicos. Extraem-se desta fonte, a identificação da ação, a apelação, o regime da coisa julgada, entre vários outros. Os códigos Gregorianos e Hermogeniano também são considerados como fontes, secundárias, do Direito Romano na época Clássica.

Extraem-se informações históricas das diversas obras literárias, tais como as escritas por Cícero, grande orador dos fins da época republicana [4], e Aulo Gélio, autor de Noites Áticas, tratando esta última das suas atividades como iudex.

No período pós-clássico, pode-se citar o Código Theodosiano. Esta obra é composta por dezesseis livros, contendo Constituições Imperiais (leges), desde o reinado de Constantino. Com grande relevância nos aspectos recursais, e embora ainda pouco explorado, mostra-se importante no âmbito da fase cognitio extra ordem ou conhecimento extraordinário.

Cabe citar, finalmente, que Justiniano nomeou uma comissão para organizar e compilar o Direito Clássico e pós-clássico. Sua magistral obra ficou conhecida como Corpus iuris Civile. Divide-se em quatro partes, a saber: Codex repititae praelectiones (534 d.C. e continham 12 livros com constituições imperiais desde o fim do século II), Digesta ou Pandactae (533 d.C., monumental compilação de fragmentos extraídos de mais de 14.000 livros escritos pelos juristas clássicos; é a principal fonte de estudo do Direito Romano na sua fase de esplendor), Intitutiones (533 d.C., inspiradas na obra de Gaio) e Novellae (compilação do Corpus iuris e correspondem as novas constituições, 168 d.C., já na época de Justiniano).


2. EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA ARBITRAGEM E DA JURISDIÇÃO

Antes da formação dos Estados, os indivíduos pacificavam seus problemas através da força. A tutela dos seus direitos era garantida por atos de violência e imposição. Esta fase foi chamada de autotutela ou justiça de mão própria, onde cada um defendia à força sua pretensão.

A capacidade de uma pessoa agir, ou reagir, praticando qualquer atitude, mesmo que estivesse fazendo apenas prevalecer a força de seu instinto, era denominada agere. A tutela dos direitos originou-se nos povos primitivos do próprio instinto humano de preservação e da concepção individualista do justo e injusto.

A forma mais primitiva de composição de uma lide, utilizada pelos indivíduos, foi a força física. Estas ações eram exclusivamente privadas, visto que sequer idéia de Estado havia, menos ainda, de qualquer ordenamento jurídico que viesse coibir tais ações.

Num processo evolutivo, o homem vê-se obrigado a desprender da força física, passando a confiar em pessoas que, de certa forma, detinham a confiança de ambos os envolvidos em uma desavença, confiando, a terceiros, a tarefa de julgar suas lides.

A religião encontra-se presente em todos os povos. No afã de tentar entender a sua própria existência, o homem busca elementos divinos para explicar a razão da própria vida, e passa a confiar em Deus e nas pessoas por ele enviadas.

É com esse espírito de investigação que pretende-se constatar que o instituto da arbitragem é um dos que mais antigos que se tem na história do Direito e, especificamente, acerca da jurisdição ou justiça privada, noticiado na Babilônia de 3.000 anos a.C., na Grécia antiga e em Roma (Figueira Júnior, 1999:24).

Assim, dá-se continuidade à fase chamada justiça privada, todavia não mais diretamente pelo ofendido, mas pelo grupo social ou por terceiros designados especialmente para dirimir determinadas controvérsias. Apenas em momento histórico muito posterior é que vem à tona a justiça pública oferecida pelo Estado (Figueira Júnior, 1999: 25).

Com efeito, os árbitros incumbem-se de decidir a qual dos litigantes pertence o direito. O homem fez prevalecer seu lado racional, criando o instituto da arbitragem. Destaca-se que este fato não foi criado, apenas, a partir de um ato, já que faz parte da evolução do próprio homem.

A arbitragem substituiu a "lei da selva" pela "lei das gentes" ou das pessoas, prevalecendo a inteligência.

O desenvolvimento das técnicas arbitrais de conciliação de conflitos foi tão contundente e importante, que conduziu à sua própria jurisdicionalização. Tamanha sua força e benefícios práticos, que, embora, em momento histórico muito posterior, vem à tona a justiça pública oferecida pelo Estado.

Ressalta-se, que, ainda no século XXI, permanecem vários resquícios da possibilidade de defesa dos direitos com as próprias mãos, por exemplo, a legítima defesa, que torna lícito repelir a força através da própria força, assim como a autodefesa privada ativa (defesa do patrimônio), a qual possibilita o proprietário expulsar de seu imóvel animais alheios ou pessoas que nele ingressar, oculta ou violentamente.

Difícil traçar uma linha temporal da evolução da humanidade, na medida em que cada povo possui cultura com características próprias, e diferentes níveis de evolução.

A evolução da arbitragem aparece em quatro etapas. A primeira, a autotutela, é a força individual ou de um grupo, utilizada para decidir controvérsias. Com o passar dos tempos, estabeleceu-se regras para distinguir a violência legítima da ilegítima.

A segunda etapa, autocomposição facultativa ou arbitramento facultativo aparece quando os indivíduos, diante de uma controvérsia, resolvem, ao invés de utilizar-se da força individual ou de um grupo, fazer um acordo com a parte contrária e receber uma indenização, ou procurar pessoas que gozam de confiança de ambas as partes para fixá-la.

A terceira etapa é caracterizada pela determinação do Estado que impunha o arbitramento obrigatório enquanto as partes não indicavam árbitros de sua escolha para dirimir as controvérsias. O Estado passa, num determinado instante, a assegurar a execução forçada da sentença, caso o sucumbente não a cumprisse espontaneamente.

A quarta etapa, da justiça pública, é marcada pela solução de conflitos, advinda do poder Estatal, inclusive com execução forçada de sentença, se necessário. Muito embora a possibilidade de se instituir um árbitro não tenha sido excluída, apenas deixou de ser regra para transformar-se em exceção (Figueira Júnior, 1999:25).

A justiça privada antecedeu aos juízes ou tribunais. Assim, a instituição Estatal advém do Direito Romano, onde encontram-se as principais fontes do instituto da arbitragem ou do compromisso arbitral.

Quatro foram as fases evolutivas dos meios empregados pelos Romanos para a solução dos conflitos. A primeira, estabelecida ainda na Lei das XII Tábuas, trazia a idéia de vingança privada: olho por olho, dente por dente. A segunda ocorreu durante toda a evolução do direito romano, pois sempre se permitiu que os conflitos fossem conciliados por árbitros. O terceiro, nos dois primeiros sistemas de processo civil romano — o das legis actionem e o per formulas. Finalizando, o quarto meio de solução de conflitos encontra-se no terceiro sistema processual romano — a cognitio extraordinária (Figueira Júnior, 1999:25).

O direito subjetivo é tutelado pela ação (actio) que, no sentido restrito ainda a ele atribuído, nada mais sendo do que atividade processual, mediante a qual o particular procura concretizar a defesa dos direitos, pondo em movimento o aparelho judiciário do Estado. Para tanto, executa uma série de atos jurídicos ordenados, denominado processo.

Resta indispensável conhecer, para melhor compreensão do instituto da arbitragem, os três sistemas de processo civil romano: a) legis actiones — ações da lei; b) per formulas — formulário; c) cognitio extra ordem — extraordinário.

A organização da instância varia com relação aos três sistemas de processo civil romano. Nos dois primeiros (legis actiones e per formulas), vigora o ordo iudicium privatorum — ordem dos processos civis —, enquanto no último, cognitio extra ordem — fase do conhecimento extraordinário —, a justiça é pública.

Conhecida na antiga Roma, a primeira das formas processuais, legis actiones, já aparecia desenvolvida na época da Lei das XII Tábuas, e conservou-se por toda idade republicana, embora tenha sofrido algumas modificações. Apresentava resquícios da autodefesa e trazia uma forte influência dos elementos de natureza religiosa. Caracterizada por um rígido formalismo, resultante de uma estilização ou esquematização ritual, em gestos e formulários fixos, de atos de defesa privada (Figueira Júnior, 1999:26).

Havia na época, uma acentuada disparidade entre a plebe e os patrícios romanos. Esta rígida estratificação podia ser facilmente observada nos aspectos econômico e social, embora repercutisse efetivamente no direito dos cidadãos.

Diante de uma forte pressão das classes inferiores [5], e, com o intuito de suavizar tais diferenças, Roma passa gradativamente a buscar uma melhor equação de direitos (aequatio iuris). Ressalta-se que toda esta transformação não ocorreu por acaso. Na verdade, essa mudança só seria possível através de normas escritas.

Foi quando no ano 461 a.C., enfim, o tribuno da plebe Gaio Terentillo Arsa, criou uma magistratura encarregada de redigir um diploma legal que mitigasse o arbítrio dos cônsules — a Lex Tarantilla ou Lei da XII Tábuas. Após inúmeras protelações e resistências, foi aprovado (ou imposto), em Roma o texto definitivo das dez, que vieram a ser doze tábuas de bronze do ano de 455 a.C.. Compiladas e publicadas, as Leis contidas nas XII Tábuas passam a reger as relações jurídicas do povo Romano (Cretella, 2001: 33).

Com o advento da Lei das XII Tábuas em 455 a.C., o processo é bipartido em fases distintas. A fase in iure — desenvolvia-se perante um tribunal, com a presença de um magistrado. Por fim, a fase apud iudicem — transcorria diante de um cidadão privado. Na primeira fase fixava-se os pontos da controvérsia, enquanto que na segunda, o juiz privado analisava as razões das partes e proferia a sentença.

No período da realeza [6], em Roma, tudo se concentrava nas mãos do rei, chefe supremo e vitalício, o único depositário da potestas pública, reunindo por força de seu imperium, além dos poderes militares e religiosos, poderes civis, legitimando-o a julgar em primeira e última instância. Esse fato explica porque a estrutura jurídica do mais antigo sistema processual romano — legis actiones — era por demais formalista. A casta de sacerdotes, auxiliando o rei, ditava o comportamento dos cidadãos. Depreendendo-se daí, que nesta conjuntura havia um íntimo relacionamento entre direito (ius) e religião (fas).

Ao rei sucede o poder consular, dando início a república romana, período compreendido de 510 a.C. até 27 a.C. Nesta época, a magistratura foi posta, inicialmente, nas mãos de dois cônsules, que a exerciam em meses alternados. Estando a república exposta a perigos gravíssimos, o cônsul em exercício enfeixava o poder de ambos e tornava-se ditador, com poderes absolutos.

Roma estava em uma fase expansiva do seu território, marcada pelo aparecimento das províncias (territórios conquistados fora da Itália). Embora, no início, o encargo de declarar a justiça cabia exclusivamente ao pretor, com poderes que estendiam-se a todos os territórios submetidos, num segundo momento, o cargo de pretor vem a se desdobrar em dois.

A grande afluência de estrangeiros exigiu a descentralização dos poderes dos magistrados, e, assim, passam a existir a figura do pretor urbano, para as causas entre romanos, e a do pretor peregrino, para as questões entre romanos e peregrinos (estrangeiros) ou entre os próprios peregrinos.

Aparecem também as figuras do praefecti iure dicundo — delegados do pretor, encarregados de dizer o direito na área atualmente compreendida pela Itália, assim como os governadores de província, encarregados de distribuir justiça nos territórios dominados (Cretella, 2001:30).

Durante toda a época clássica, o direito romano era mais um sistema de actiones e de meios processuais do que de direitos subjetivos. Atualmente, tem-se um conceito genérico de ação; em Roma, a cada direito, correspondia uma ação específica.

Legis actio per sacramentum é considerada a primeira forma de processo institucionalizado. Era conhecida antes mesmo da Lei das 12 Tábuas. Havia duas modalidades de actio sacramentum: in rem e in personam.

Inicialmente, na actio sacramentum in rem (sacramento real), não era necessária a citação — in ius — do réu, bastando ao autor, portar a coisa ou algo que a representasse. Com o passar do tempo e a evolução gradativa da sociedade romana, o chamamento do réu perante o juízo tornou-se imprescindível, para que pudesse ser instalado o processo reivindicatório. Da mesma forma, a evolução do julgamento desenrolava-se diante do rex. Posteriormente, passa a ocorrer diante do pretor.

Aplicava-se a legis actio sacramentum in personam (sacramento pessoal), à lide cujo objeto versava sobre uma obrigação, e o autor deveria indicar uma causa pela qual se afirmava derivar a obrigação (oportere). Ao réu cabia: não comparecer, comparecer para confessar a dívida (hipóteses que estariam equiparados aos vencidos — iudicatus) ou ainda, contestar.

Muito embora, ambas as sentenças possuíssem um caráter declaratório, pois o juiz (iudex), após análise dos argumentos e provas, apenas dizia qual dos dois sacramentos seria o justo, na prática os efeitos eram diferentes nas duas ações. Os casos de sacramentos reais, o devedor insolvente estava sujeito aos efeitos da manus inectio, conquanto nos sacramentos pessoais, o demandante teria que fazer o chamamento do devedor (citação), dando início ao processo executivo.

O procedimento Legis actio per iudicis arbitrive postulationem foi instituído pela Lei das XII Tábuas, e era utilizado nos casos de partilha de herança e divisão de coisa comum, assim como, para as dívidas derivadas de uma promessa (sponsio).

Assim, diante da afirmação do autor, em um processo decorrente de uma promessa, o réu, porventura contestasse, solicitava-se ao pretor um juiz. O iudex escolhido ou nomeado vinha, possibilitando a evolução do processo.

Mais moderno que o sacramento, este procedimento foi exigido pelo desenvolvimento da economia romana, à medida que o comércio evoluiu e, as promessas (sponsio) tornaram-se cada vez mais freqüentes nas trocas de mercadorias.

Caso ainda mais interessante, eram as situações que envolviam partilha de bens hereditários (actio familiae irciscundae), quando após exposição das causas era solicitada ao magistrado, a nomeação de um árbitro (arbiter). Isto devia-se à natureza da de aquela ação exigir não somente a aplicação das normas jurídicas, mas como de fato, implicava na medição e avaliação das globas de terras, de animais e de vários outros bens que seria então, por ele dividido, o que certamente reclamava conhecimento e experiência extrajudicial.

O provimento final, nessa espécie de actio, tinha natureza constitutiva. Este mesmo procedimento fazia-se valer para a divisão de coisa comum (actio communi dividundo), a partir da lex Licinnia (210 a.C.) (Tucci, 2001:67).

A legis actio per conditionem foi introduzida no século III a.C., por duas leis: a lex Silia versava sobre créditos de certa pecúnia, e a lex Calpurnia, para os créditos de qualquer outra certa res. Pelo fato destes créditos teoricamente, poderem ter sido cobrados pela legis actio sacramentum in personam, acredita-se que a Legis actio per conditionem tenha vindo substituí-la, tornando mais rápido e eficiente o processo.

A Legis actio per manus iniectionem, típica ação de execução, tinha como requisito o inadimplemento de obrigação originada de sentença ou confissão perante a justiça. Geralmente era promovida em face do vencido (iudicatus) ou do réu confesso (confessus).

Nesta fase processual, o magistrado autorizava a manus iniectio propriamente dita, onde o credor apoderava-se do réu insolvente, imputando-o as mais desagradáveis situações.

A Legis actio per pignoris capio originou-se dos costumes da vida militar e muitos doutrinadores não a consideram possuir a natureza de legis actio, já que ela é efetivada sem a presença do magistrado (extra ius).

Permitia que o credor pegasse em penhor os bens móveis do devedor. A medida não permitia que tais bens fossem alienados, entretanto, servia para constranger o devedor de uma obrigação, pois a própria retenção da coisa, soava como pena contra o devedor faltoso, impondo ao cidadão uma posição vexatória, em um período que o respeito à palavra empenhada de uma pessoa, muito significa.

O período das ações da lei teve seu fim com a Lex Iulia iudiciorum privatorum, abolindo-a definitivamente.

Em idade republicana e estendendo-se até o século II a.C [7], firma-se um novo tipo de processo, concorrentemente ao já existente. Inicialmente aplicado às pessoas não legitimadas ao uso das legis actiones, a segunda das formas processuais romanas, per formulas, foi também utilizada em face de matéria que não encontrava tutela jurisdicional por intermédio dos trâmites das ações da lei. Com passar do tempo, torna-se o tipo processual civil normal, no início do principado (Figueira Júnior, 2001:26).

O processo formulário supera o rígido formalismo e ameniza-se a utilização da autodefesa [8], diante da consolidação da autoridade estatal. Conserva-se a separação do processo em duas fases — in iure e apud iudicem. [9] Adquire aqui, as partes, a atribuição do poder de decidir a controvérsia por parte de uma pessoa livremente escolhida entre as partes (Figueira Júnior, 2001:27).

Tanto nas ações das leis como no sistema por fórmulas, a fase denominada apud iudicem desenvolvia-se perante um juiz particular ou juiz popular (iudex), que procedia a cognição, apurava os fatos e proferia a sentença.

Nem sempre, no entanto, encontra-se, na fase apud iudicem, o iudex privatus; em certos processos, em lugar dele funcionam tribunais permanentes (isto é, órgãos formados por vários membros, e que existem permanentemente, ao contrário do iudex privatus, que é escolhido, para cada caso, pelas partes litigantes).

O processo formular, à época do seu surgimento, não teve reconhecimento legislativo (era essencialmente pretoriano), e, portanto, as sentenças pronunciadas por seus juízes não ostentavam relevância para o ius civile, e, em particular, nos processos entre cidadãos romanos, não poderiam ser equiparadas às sentenças dos juízes que julgavam com base em uma legis actio (Tucci, 2001:76).

A criação do pretor urbano (367 a.C.) e do pretor peregrino (242 a.C.) outorgou aos magistrados (cônsules, censores, governadores de província e pretores) o poder de conceber fórmulas não previstas no ius civile. O processo formulário, ou per formulas, era caracterizado pela publicação de um edito anual que continha basicamente seu plano de atuação durante sua gestão.

A fórmula correspondia ao esquema abstrato contido no edito do pretor, no qual eram feitos os ajustes necessários e era redigido um documento iudicium pelo magistrado, fixando o objeto da demanda que devia ser julgada pelo iudex popular.

Não há provas convincentes, para afirmar que o processo romano, entre o século II e III, tenha se originado da praxe jurídica das províncias — territórios dominados por Roma —, muito embora, sabe-se que as controvérsias pacificadas pelo meio de uma das legis actiones, eram admitidas, exclusivamente para os cidadãos romanos. Seja como for, pelo fato da criação do pretor urbano ter precedido a instituição da pretura peregrina, o agere per formulas teria sido instituído, em Roma como uma natural evolução das próprias ações da lei (Tucci, 2001:17).

O pretor urbano, na época, possuía além da jurisdictio, o imperium. Assim, pela jurisdictio, ele julgaria, dizendo o direito. Fixaria no fórum, em quais casos usaria seu imperium, fazendo cumprir suas decisões.

Existiam quatro tipos de editos: urbano (pretor urbano: o mais importante), perpétuo (sua duração estava adstrita à investidura do pretor, que por ser de regra anual, era chamado por Cícero de lex annua, e servia, via de regra, tanto para completar, suprir e interpretar as lacunas deixadas na lei, quanto para corrigir os rigores dos seus efeitos), repentino (de emergência, porém por haver originado abusos, foi abolido pela Lex Connélia em 687 d.C.) e "pars translaticia" (a parte aproveitada de editos anteriores). O novo pretor, além de criar novos editos — "pars nova" —, tinha o direito de alterá-los — jus edicendi (Cretella, 2001:36).

O instituto do juízo arbitral chegou merecer disposição expressa no Digesto (Liv. IV, Tít. 8; Cód. Liv. II, Tít. 55), sob a epígrafe De receptis. O receptum era uma assunção não formal de responsabilidade, sancionada pelo pretor de vários modos, da parte de determinados sujeitos, árbitros, armadores de navios, hoteleiros, estaleiros e banqueiros, do que resultam três diferentes formas de recepta: arbitrii, nautarum cauponum e stabulariorum, argentarii. (Figueira Júnior, 1999:28).

Dentre as três, a que mais nos interessa é a primeira. Porquanto a denominada recepta ou receptum arbitrii era a elevação, por parte de um árbitro escolhido mediante compromissum pelos litigiosos, da tarefa de emanar o juízo sobre a controvérsia apresentada à sua decisão.

O pretor, por sua vez, concedia no seu édito, em vez de uma ação, meios de coerção, tais como a irrogação de uma multa ou a pignoris capio, para que o árbitro executasse o compromisso assumido desde que não subsistissem causas de escusa (excusationes). Este pacto de compromisso serve para as hipóteses de ações em que os litigantes fixavam uma multa para o caso de inobservância da decisão do árbitro (Figueira Júnior, 2001:29).

Cita o Digesto, Livro IV, 8, 3, que o ato do árbitro consistente em aceitar o encargo se denominava arbitrium recipere e o julgamento recebia a designação de sententia.

No principado romano [10], com a concessão da cidadania romana a todos os seus habitantes, no século I a.C., desapareceram os praefecti iure dicundo. Assim, os litígios de menores valores processavam-se diante dos magistrados municipais; enquanto que os litígios, cujo objeto tivessem maior valor, a jurisdição era do pretor, devendo as partes, em conseqüência, se deslocarem para Roma.

Ainda à época do principado, as províncias distinguiam-se em: senatoriais, cuja jurisdição era exercida por um legado (legatus), que atuava como mandatário do governador, o procônsul, e por um questor que tinha a mesma função dos edis curuis em Roma; e imperiais, cuja jurisdição era delegada pelo Imperador aos legati iuridici, ou aos próprios governadores delas, no caso os propretores, que a exerciam com a assistência dos assessores.

A terceira forma processual romana, iniciou-se no período do principado romano. O novo processo, chamado de cognitio extra ordinem, diferencia-se das demais formas de processo ordinário que compõem a justiça de ordem privada (ordo iudiciorum privatorum) — legis actiones e per formulas.

Suas principais características eram o abandono do formalismo residual do processo formular e o incremento à participação estatal, com relativa abolição das duas fases (in iure e apudi iudicem), diminuição da intervenção das partes e redução da defesa privada. O desenvolvimento do processo transcorria, do início ao fim, perante órgão estatal. Este era o responsável por impulsionar o feito, e também a quem era reservada a emanação da sentença (Figueira Júnior, 2001:27).

No dominato [11], surge a hierarquização dos juízes, classificando-os em inferiores e superiores.

Os juízes inferiores eram os que julgavam, normalmente, em primeira instância e se denominavam iudices ordinari. Estes eram subclassificados, de acordo com seu local de atuação. Assim, o juiz que exercia suas atividades em Roma e Constantinopla, era o prefeito urbano (praefectus urbi), que veio a substituir o pretor urbano, nessas funções, a partir do século II d.C.

Havia, também, os que exerciam suas atividades nas províncias. Lá, os litígios mais importantes processavam-se diante do governador, ou por sua ordem; os litígios menos importantes, de valor inferior, desenrolavam-se diante de funcionários municipais, e nos fins do dominato, o defensor da cidade (ciuitatis).

Os juízes superiores, encontravam-se no cume da escala hierárquica. Eram os Imperadores do Oriente e Ocidente; abaixo deles, os praefecti praetorio, que representavam os imperadores, razão pela qual, suas decisões eram irrecorríveis para aqueles; e, mais baixo, os uicarii, de cujas decisões podia-se recorrer ao imperador.

Ainda no dominato, Constantino reconheceu que os bispos tinham jurisdição quando um dos litigantes, durante o processo, pedisse a sua suspensão, a fim de que passasse a correr diante de um bispo, cuja sentença, nesse caso, teria força executória. Entretanto, essa jurisdição foi revogada nos fins do século IV, ou durante o século V d.C.

Mister ressaltar, que Roma não conheceu o princípio da separação dos poderes: executivo, legislativo e judiciário, razão pela qual os magistrados judiciários romanos, além da função de distribuir justiça, desempenhavam atribuições administrativas, e, muitas vezes, militares.

No período inicial da queda do Império Romano e da conquista dos seus territórios pelos bárbaros percebe-se um drástico declínio cultural, permanecendo poucos vestígios das notáveis realizações da cultura clássica.

Os bárbaros encaravam a guerra como meio de adquirir tudo o que não conseguiam criar com seu trabalho. Pilhavam cidades e aldeias, aprisionavam cidadãos ricos e exigiam resgate, ou tomavam suas terras e pertences. Neste contexto, Roma foi saqueada mais de uma vez.

Os povos bárbaros viviam em numerosas tribos, a princípio no Norte e a Leste do Império, e foram fixando-se no Oeste e ocupando toda a Europa Ocidental e Ilhas Britânicas. Eram unidades familiares patriarcais primitivas, divididas em grupos de clãs formados por grandes unidades familiares. A procura por novas terras era inevitável, levando-os a invadir territórios romanos com mais freqüência.

O êxito foi alcançado e territórios foram anexados ao novo Império Bárbaro. Sem que estivessem capacitados para administrar seu novo território, surgem diferenças de posição nas próprias comunas bárbaras. Estas comunas eram governadas por representantes eleitos que se reuniam em assembléias de toda tribo, aldeia ou distrito. Ali eram deliberados os assuntos importantes e praticada a arbitragem na sua forma mais elementar (Manfred, 1990).

Os bárbaros avançaram sobre um enorme território. O trabalhador do campo muitas vezes não encontrava apoio ou proteção da parte dos companheiros de sua comuna de origem, que enfraquecera e desorganizara-se. Estes camponeses passaram, então, a buscar apoio com os homens ricos de sua própria região. Este processo levou a Europa a dividir-se em unidades independentes, e sem a noção de Estado, de nação.

A Idade Média foi marcada pelo empobrecimento do Estado, forte presença da Igreja, ausência de leis e a conseqüente falta das garantias fundamentais para os cidadãos, grande variedade de ordenamentos e conflitos entre igreja e Estado.

Este cenário em muito contribuiu para o ressurgimento, a partir do século XII, da arbitragem, desta feita, com uma nova roupagem: entre cavaleiros, barões, proprietários feudais e entre soberanos distintos.

Apareceram, na Europa, impulsionadas pela expansão marítima e suas novas descobertas, as arbitragens comerciais. Os comerciantes resolviam suas controvérsias evitando o dispêndio de tempo e buscando desvincular-se ao máximo do Estado soberano e absolutista.

Ainda neste período, a Igreja, uma extensa e rígida organização social, dotada de ordem jurídica interna das mais rígidas, também foi adepta da arbitragem. O direito canônico teve sua origem na arbitragem e na disciplina. O declínio desta prática ocorreu apenas no século XVI, com a decadência dos tribunais eclesiásticos. Segundo as epístolas de São Paulo era aconselhado aos cristãos a resolução de conflitos pela arbitragem da comunidade cristã.

No direito lusitano medieval, a arbitragem estava presente antes mesmo de Portugal ser elevada à condição de Reino. O Fórum Iudicium representou o direito presente na comunidade Hispânica. Na monarquia lusitana, D. Afonso III publicou normas sobre juyzes aluydores. Em seqüência, o instituto passou a ser regulado nas Ordenações Afonsinas, Manuelinas e Filipinas, sendo estas últimas, já com aplicação nas terras brasileiras, inclusive, mesmo depois da sua independência.


3. A ARBITRAGEM NO BRASIL

3.1 FASE PRECEDENTE À LEI 9.307/96

A Constituição do Império de 1824, no título destinado ao poder Judiciário, desta feita, já com a idéia da separação dos poderes concebida por Montesquieu (baseando-se em Locke), tratava a matéria em seu artigo 160, facultando às partes a escolha de árbitros nas lides cíveis e penais.

Em 1831 e 1837, passa a arbitragem a ser obrigatória em demandas que envolvessem, respectivamente, seguro e locação, ampliando a obrigatoriedade, com o advento do Código Comercial em 1850, para abranger todas as questões de natureza mercantil. O dispositivo legal referente ao caso (regulamento 737, artigo 411 et seq.) passa a fazer distinção entre arbitragem voluntária e necessária (Figueira Júnior, 2001:33).

Após sofrer duras críticas, a arbitragem (compulsória), em 1866, volta a ser voluntária.

A arbitragem foi mantida no Código de Processo Civil vigente, na república, embora algumas alterações tenham sido praticadas. No Código Nacional (ou unificado) de 1939, foi tratado em dezesseis dispositivos. O Código Buzaid e o Código Civil Pátrio (Lei 3.071/16) também dispunham sobre a matéria (Figueira Júnior, 2001:33).

O insucesso e falta de hábito de utilização deste instituto não se deve ao fato da não previsão expressa nos Códigos, pois esta esteve sempre presente no ordenamento pátrio, desde as ordenações Afonsinas. Muito provavelmente, a justificativa histórica para tal insucesso pode ser apontada como sendo os entraves criados pelas legislações, sempre no sentido de desencorajar os interessados em solucionar suas lides através da arbitragem.

Pontes de Miranda In Carmona (1998:15) foi um crítico contumaz ao instituto: "é primitivo, regressivo mesmo, a que pretendem volver, por atração psíquica a momentos pré-estatais, os anarquistas de esquerda e os de alto capitalismo". E mais: "é arma eficacíssima do capitalismo tardio, eliminador da concorrência e da segurança extrínseca (da certeza da lei que regeu e rege os negócios de cada um)".

Vários autores, das mais variadas áreas do direito, juristas, economistas e empresários estrangeiros consideravam a arbitragem no Brasil e América Latina, de forma geral, como de impossível implementação. Viam os tribunais nacionais como um entrave danoso. Segundo esses mesmos autores e juristas, tribunais nacionais são tendenciosos, sempre decidindo em favor dos seus patrícios; sentenças refletem o enaltecimento de seus espíritos nacionalistas, patrióticos, deixando de priorizar a técnica, esquecendo as razões do próprio Direito.

Segundo Carmona (1998:16), outros entusiastas vêem na arbitragem "a panacéia para os males de que padece o Poder Judiciário". A esses, parece que a arbitragem resolverá todos os males.

Um dos grandes problemas enfrentados ainda no século XXI, pelo instituto da arbitragem é o modo com que é ofertada a pacificação de conflitos por caminho diverso que não, através do Poder Judiciário, vez que, depois de declarada a solução arbitral, esta estaria, ainda, adstrita à homologação perante um juiz togado. Ou seja, depois de entregue o laudum arbitral, este estaria adstrito a homologação por parte dos tribunais estatais.

Não bastasse a necessidade desta homologação pelo Poder Judiciário, pode-se, ainda, citar a ineficácia obrigacional de observância da cláusula compromissória, dispositivo contratual onde as partes prevêem que a solução de conflitos possam ser resolvidos pelo meio da arbitragem.

Com efeito, em que pese fosse estipulada a cláusula compromissória entre as partes, nenhuma delas estaria obrigada a submeter-se a sua imposição, tornando-as letra morta no contrato, já que esta, por si só, não permite a oposição da exceção de que trata o Estatuto Processual Civil na sua versão original, antes da Lei 9.307/96 (Carmona, 1998).

Na esteira do entendimento do artigo 301, IX, do diploma retro citado, as decisões de todos os tribunais pátrios, foram no sentido da obrigatoriedade do compromisso arbitral, e não apenas bastava a referida cláusula arbitral.

Resumidamente, a doutrina e jurisprudência transformaram na prática o pacto de contrahendo (cláusula compromissória) em verdadeiro pactum nudum, contribuindo para que empresas estrangeiras abandonassem a escolha da solução arbitral de controvérsias no Brasil (Carmona, 1998:17).

Outro entrave foi o reconhecimento e a execução de sentenças arbitrais advindas do estrangeiro, perante o Supremo Tribunal Federal, que exigia a dupla homologação (duplo exequatur), da sentença ou laudo arbitral alienígena. A exigência fazia-se valer tanto do país originário, que emitira a sentença ou laudo, quanto da Corte Suprema brasileira. Acabava por extinguir, na prática, a composição por meio da arbitragem dos tribunais nacionais.

Certo é, uma vez levada a lide ao judiciário (para a homologação), restariam comprometidos vários benefícios deste instituto: a rapidez para uma solução definitiva ao problema, o sigilo dos negócios envolvidos (já que para a homologação o processo teria que obedecer ao princípio da publicidade), entre tantos outros.

Enquanto a Bélgica (1972), a França (1980), Portugal (1986), a Itália (1983 e 1994) e a Espanha (1988) aboliam ou mitigavam a homologação de laudos arbitrais, o legislador brasileiro optou por seguir trilha em inverso sentido ao mundo contemporâneo, mantendo-se fiel às suas tradições históricas (Carmona, 1998:18).

3.2 OS CAMINHOS PARA A LEI ATUAL

3.2.1 O anteprojeto de lei de 1981

O Governo Federal, ciente de que precisava mudar o quadro de atraso em que se encontrava o Brasil em relação aos demais países, inclusive sul-americanos, por solicitação do extinto Ministério da Desburocratização, publicou no Diário Oficial da União de 27/05/81, o anteprojeto para apresentação de críticas e sugestões.

O primeiro de uma série de três, procurou, em 28 artigos, afastar do judiciário a parte do trabalho que lhe era imposto. Equiparando cláusula compromissória e compromisso arbitral, atacou o mal de que padecia o instituto arbitral. A partir de então, bastava apenas a cláusula compromissória ou o compromisso arbitral para afastar a competência do juiz estatal.

Trouxe, também, um regramento próprio para os casos em que houvesse resistência de alguma das partes em cumprir o ajustado, no sentido da instauração da arbitragem. Outro ponto marcante que merece destaque, foi o fato de regulamentar a desnecessidade de homologação de laudo arbitral, equiparando-o a título executivo extrajudicial. Cuidadoso em alguns pontos, embora impreciso tecnicamente em outros, foi abandonado e esquecido em Brasília.

3.2.2 O anteprojeto de lei de 1986

Foi publicado no Diário Oficial da União de 27/02/87, e também previu, à semelhança do projeto anterior, a presença da convenção arbitral como que auto-suficiente para afastar a competência do juiz empossado pelo Estado.

Porém, encontrou problemas para regular as situações em que as partes não conseguissem chegar a um acordo na escolha de um árbitro. Segundo o anteprojeto, cada parte escolheria um árbitro e estes, indicariam o desempatador.

Embora mais aprimorado que o primeiro trabalho, trazia defeitos técnicos que acabaram por aconselhar seu arquivamento. Confundia dois conceitos distintos: arbitragem (meio de compor lides, solucionar controvérsias) e arbitramento (meio de integrar um elemento faltante em um contrato).

Outro entrave foi a maneira com que a matéria que viria disciplinar os casos da homologação de laudo estrangeiro fora abordada: bastaria, pelo anteprojeto, ser documento autenticado (consularizado e trazido), e, por conseguinte, teria eficácia no Brasil. Tal solução era carecedora de técnica apurada e efetivamente não poderia ser aceita nos tribunais.

Segundo Carmona (1998:19), a este projeto faltou vontade política. Se houvesse um amplo debate dos setores sociais envolvidos, certamente culminaria em sua aprovação, após superadas as suas falhas técnicas.

3.2.3 O anteprojeto de lei de 1988

Através da portaria 298-A, de 20/06/88, o Ministério de Estado da Justiça convidava-se a sociedade a discutir mais um anteprojeto de lei. Desta feita, o novo texto caiu em vários erros que inviabilizaram o projeto, tais como: a) quis preservar a unidade do Código processual alterando apenas alguns artigos (10, no caso); b) disciplinou a cláusula compromissória e compromisso arbitral, pretendendo alterar o artigo 1.074, de tal modo, que ambas teriam que dispor sobre o objeto do litígio, sob pena de nulidade [12]; c) outro equívoco, de natureza grave, seria a nova redação do artigo 1.078, §§ 1º e 2º do Estatuto Processual: estabelecia que a sentença arbitral estaria sujeita a Recurso de Apelação pelo Tribunal de Justiça local — desnecessário citar os desserviços que esta cláusula traria ao instituto, pois na prática só ocorreriam as desvantagens da jurisdição estatal; d) outro ponto duramente criticado pela doutrina, estudiosos, professores etc. foi a obrigatoriedade do árbitro ser bacharel em Direito [13]; e) o projeto não tratou da homologação do laudo arbitral e muito menos dos problemas ligados ao laudo estrangeiro, dois pontos cruciais para o êxito da arbitragem que, na prática, foram desprezados

Diante dos fatos seu arquivamento não tardou por se concretizar.

3.2.4 A operação arbiter

A dificuldade de aprovar os anteprojetos pelo governo mostrava-se evidente. Assim como também era evidente o anseio de toda a sociedade por um método de composição de conflitos que não passasse pelas prerrogativas inerentes ao Estado.

Buscava-se o método utilizado praticamente em todo o mundo, cada vez mais, e, que por certo, desencadearia um estímulo aos diversos setores da economia. Economia esta, carecedora de recursos econômicos e financeiros, capazes de estimular serviços, incrementar a produção de produtos e financiar obras de cunho sociais. Diante deste quadro, a própria sociedade mobilizou-se.

O impulso inicial foi dado pelo Instituto Liberal de Pernambuco, no final de 1991. Chamada "Operação Arbiter", contou com apoio da Associação Comercial de São Paulo, Associação dos Advogados de Empresas de Pernambuco, aceito pela FIESP, Instituto Brasileiro de Direito Processual, professores da USP, da Faculdade de Direito da Cândido Mendes do Rio de Janeiro, representantes de grandes escritórios de advocacia de São Paulo e Rio de Janeiro, entre outros, que se mobilizaram para que fosse elaborado um anteprojeto de lei, unindo as experiências práticas a um rigor científico (Carmona, 1998).

O inicio efetivo da "Operação Arbiter" deu-se em 05 de novembro de 1991, quando foi escolhida a comissão relatora, e estipulado o prazo para apresentação do projeto de elaboração do anteprojeto de lei, em 9 de dezembro de 1991. Após esta apresentação, o anteprojeto foi debatido e aprovado, sendo que sugestões foram incorporadas, de plano, ao texto original.

Novamente foram distribuídas cópias do texto aos órgãos interessados. Foi estipulada nova data para que se continuassem as discussões. Ressalta-se, que a repercussão dos trabalhos foi além das expectativas iniciais, e, em reunião na Associação Comercial de São Paulo, em fevereiro de 1992, foi apresentado o texto por professores universitários, membros do Poder Judiciário, Câmara de Comércio Internacional, entre outros. O anteprojeto em sua forma final foi apresentado e discutido no Seminário Nacional sobre Arbitragem Comercial, na cidade de Curitiba, Paraná, em 27 de abril de 1992 (Carmona, 1998).

É através da narrativa de suas dificuldades e principalmente das pessoas envolvidas [14], que pode entender, na sua plenitude, a extensão deste instituto.

E também, a sua importância na vida da sociedade num todo.

3.2.5 A tramitação do projeto de lei no Congresso Nacional

O processo legislativo teve início em junho de 1992, pelo então Senador da República, Marco Maciel. Dignou-se a apresentar o esboço de lei ao Congresso Nacional, aonde o projeto recebeu o número 78/92. Críticas, sugestões e modificações vieram em grande número, mas nada que tirasse o projeto da trilha originalmente traçada (Carmona, 1998).

O referido projeto foi aprovado pela Câmara dos Deputados, em Junho de 1996. Devolvido o projeto à casa de origem, o Senado Federal, este restou aprovado com a alteração de dois artigos, sem que, contudo, abalasse a norma em seus pontos vitais. Embora muito se tenha tentado modificar ou adicionar, principalmente no que tange à obrigatoriedade da homologação de laudos estrangeiros e aos valores mínimos do litígio, por sorte não logrou qualquer êxito.

Em uma rápida análise sobre o lapso temporal decorrido entre a apresentação e a aprovação (junho de 1992 até setembro de 1996), observam-se as dificuldades que tal empreendimento obteve para lograr êxito.


4. A LEI 9.307 DE 24 DE SETEMBRO DE 1996: "LEI MARCO MACIEL"

4.1 O ESTADO, O JUDICIÁRIO, O MONOPÓLIO JURISDICIONAL E AS LIMITAÇÕES IMPOSTAS

Não resta a menor dúvida de que os fatos históricos sobre o aparecimento da arbitragem e da jurisdição deságuam na formação da presente lei. Razão que leva a esmiuçá-la na intensidade necessária para o entendimento dos seus objetivos.

Sabe-se que o homem, sábio como nenhum outro ser que se tenha conhecimento, vai buscar na sua história a base para sustentar o seu presente e construir um melhor futuro. Intimamente ligado à inteligência, está o dom do livre arbítrio. Jus est norma agendi. E mais, agir conforme interesse próprio.

O instituto da arbitragem traz consigo a idéia de que ninguém é melhor para decidir algo sobre a vida, além dele mesmo.

A hermenêutica faz extrair do texto legal, a sua norma, o seu significado. Do texto da lei deve ser extraído não somente o significado de cada frase, cada palavra. Deve-se perseguir e alcançar seu significado num todo. Por isso, que as normas se interagem, formando um conjunto normativo. Pode-se dizer, que devemos extrair "the spirit of the law" — o espírito da lei.

Fato é que o homem tem constitucionalmente assegurado o direito de ter ou não ter religião, times de futebol, amigos, conselheiros, e como tal, nada mais justo seria permitir-lhe o poder de escolher as pessoas que os julguem.

Com efeito, caso haja uma lide entre duas ou mais pessoas, e que ambas demonstrem o interesse de serem julgadas por uma pessoa que detenha a confiança comum, não deveria (poderia) o Estado negar, que a composição se desse entre os envolvidos e o julgador confiado, para que submetessem àqueles à decisão deste. Até porque, o julgador escolhido parece ser a pessoa mais indicada para decidir uma questão que a ambos envolva: é a vontade das partes sendo valorizada, em detrimento do monopólio jurisdicional estatal.

A regra estabelece que, diante de um conflito, deve-se, obrigatoriamente, buscar o órgão estatal responsável pela jurisdição (Poder Judiciário), e este, diante do conflito entre as partes envolvidas, tutelaria a pretensão do direito do autor e entregaria a uma, a ambas, ou em alguns casos, a nenhuma delas, a decisão jurisdicional (sentença). Substitui-se a vontade das partes, pela do Estado.

Diferentemente desse caminho processual, uma vez instituída a arbitragem, a decisão que porá termo ao processo virá de "juízes privados", vinculados ao processo, e que após a análise dos fatos que o envolvem, emitirá uma sentença ou laudo arbitral.

Assim, uma vez diante de uma causa adversa, o cidadão passa a ter o direito de pactuar com a parte oponente para que sejam socorridos não mais pelo Poder Judiciário Estatal, e, sim, por um árbitro (ou mais de um), escolhido por ambos.

Inteligente é a lei voltada à vontade da coletividade (e todas deveriam ser). Argucioso é o homem que toma decisões políticas, institucionais e corporativistas ignorando os anseios da sociedade.

Retornando à reconstituição histórica da arbitragem, verifica-se a sua importância, desde os primórdios da humanidade. O homem, em um determinado momento, ou em vários, se organizou e constituiu entes políticos para gerenciar a vida dos cidadãos. Ato contínuo, esta organização deu origem ao que se chamou atualmente de Estado.

Sem dúvida, o monopólio da jurisdição é um dos fatores determinantes para a existência do próprio Estado, visto que seria impossível administrar interesses dos mais diversos, sem que se tivesse que praticar seu imperium aos que agissem contra jus ou contra legem.

Na prática, o Estado passa a decidir (elaborando leis) sobre quando, onde e de que forma o cidadão pode agir — caráter legislativo. Passou a ser também, o responsável por declarar o direito — caráter jurisdicional, e único detentor do poder de fazer cumprir as suas decisões — o imperium. E foi além: fez com que as causas por ele decididas tivessem o condão da definitividade [15].

Daí decorrem alguns pontos relevantes.

O primeiro é sobre esta "força jurisdicional monopolizada pelo Estado", pois se ele existe, é para ser na medida exata a permitir uma melhor condição de convivência entre seus súditos. Assim, fácil entender que toda forma de manifestação estatal deve ser visando o bem comum.

Um outro ponto que emerge é o fato de que a arbitragem sempre aparece alentada quando o Estado não vai de encontro aos anseios da população. Seja quando utiliza em demasia sua força para fazer cumprir decisões imperiosas, autoritárias, arrogantes, impondo sanções que extrapolam os objetivos sociais, ou, quando, por outro lado, não se mostra suficientemente capaz de agir: quando seus súditos não mais confiam em seu poder de atuar perante o próximo para fazer valer suas decisões.

Ao tomar para si o monopólio da jurisdição, o Estado não fez outra coisa que não assumir a responsabilidade de tutelar os interesses individuais e coletivos dos cidadãos, para lhes garantir a entrega da prestação jurisdicional. Com efeito, o Estado tomou dos cidadãos uma coisa inerente ao ser humano: a capacidade de agir.

Na prática, isto significa que se quando se está diante de uma resistência a algo que se considera próprio do direito do indivíduo, não se tem a capacidade de agir contra alguém, pelo simples fato de, subjetivamente, possuir tal direito.

Exemplificando, se emprestar um objeto a uma pessoa que até então gozava de confiança, e, se ela não devolver o objeto, mesmo que saiba onde encontra-se tal objeto, não tem o indivíduo que emprestou o objeto, a capacidade de utilizar a força para tê-lo de volta. Deverá ser intentada uma Ação, através da qual será solicitado o restabelecimento da posse. Ou seja, terá o Estado que executar um ato, que outrora seria inerente à pessoa prejudicada.

Mas, se o Estado assim não o faz, ou se o faz de forma inadequada ou tardiamente, a parte interessada sentir-se-á frustrada e impotente, o que por certo, a colocará diante da dúvida, se deve ou não agir por conta própria, caso, tão logo, ocorra situação semelhante.

Para melhor entendimento, busca-se definir o Estado como um agrupamento de pessoas com interesses comuns, politicamente reunidas, com um determinado grau de hierarquização e divisão de poderes e tarefas, que tem a finalidade de gerir, organizar e possibilitar a melhor maneira de garantir a paz e uma vida em comum aos administrados.

O Estado, em especial o Poder Judiciário, para que possa atender aos diversos tipos de demandas, nas diversas localidades do extenso território nacional, distribui competência para diversos cidadãos, já na qualidade de juízes togados [16], que irão decidir os casos levados ao Judiciário.

Não há necessidade de adentrar no meio jurídico e, nem sequer, trabalhar nesta área para saber que a sociedade não está satisfeita com a efetividade do Judiciário. A "máquina" estatal deve obedecer a certos requisitos legais para "se movimentar", o que, em muito a torna ineficiente e ineficaz. Para agravar a situação, a crise econômica que assola o país tem inviabilizado: a) a contratação de novos juízes; b) investimentos em tecnologias capazes de acompanhar o ritmo da economia; c) remuneração compatível com a importância dos cargos dos administradores; d) treinamentos adequados às funções exercidas pelos funcionários estatais.

O planeta transforma-se, num ritmo alucinado. Surge sempre algo novo, diferente. O homem unindo inteligência e criatividade, cria e desenvolve meios modernos de comunicar-se. E faz isso de maneira cada vez rápida e constante, mormente, após o aparecimento e aperfeiçoamento da informática. Os computadores estão presentes na vida das pessoas, direta ou indiretamente. O mundo tornou-se "pequeno". As empresas e as pessoas, para acompanhar a evolução, têm-se especializado a percentuais cada vez mais altos.

A profissão da Engenharia, por exemplo, que existia apenas em uma modalidade, dividiu-se em civil, mecânica e elétrica. Atualmente, para atender a demanda das organizações, que disponibilizam seus altos cargos para aqueles que estão atualizados com toda a tecnologia moderna e especificidade desenvolvida, tem-se também, as modalidades de engenharia de informática, de produção, de petróleo, entre tantas outros.

Como o efeito da globalização, as empresas praticam o comércio de forma cada vez mais rápida. A televisão, a Internet, os aparelhos de fax símile, telefonia celular, enfim, tudo torna a vida mais dinâmica e o mercado, extremamente competitivo. E verdade é que o Estado não tem conseguido acompanhar toda essa evolução.

Diante deste quadro, embora reconhecendo o esforço feito, principalmente pelos magistrados, na tentativa de abrandar o déficit temporal da entrega jurisdicional, a verdade é que eles não conseguem, e nem poderiam conseguir, cumprir essa tarefa.

A Carta Magna Brasileira, garante o livre acesso à justiça. A cada dia, há uma enxurrada de novos processos, enquanto que poucos são definitivamente pacificados. Não há dívida que o rito procedimental prejudique a entrega da prestação jurisdicional, entretanto, a estagnação econômica que encontra-se o país, contribui, direta ou indiretamente para a morosidade da justiça.

Em 1999, com o advento da Lei 9.099/95, foram criados os Juizados Especiais [17], enfatizando o princípio da celeridade processual e da informalidade. Percebe-se, na prática, que a lei apenas possibilita o amparo à tutela estatal, para causas de pequenos valores, no caso, até quarenta salários-mínimos.

Se o objetivo da medida, seria amenizar sobrecarga de processos no judiciário, pode-se afirmar, que seu efeito limitou-se a possibilitar o acesso à justiça, daqueles que, já não mais, confiavam na da obtenção dos seus direitos, em tempo razoável.

Outro grande problema gerado pela economia moderna, é em relação ao aspecto material que se leva ao judiciário.

A título de exemplo, apresenta-se um fato corriqueiro, entre uma companhia administradora de um terminal portuário e uma empresa de navios de transporte marítimo, uma lide que versa sobre um abalroamento da embarcação no cais. Diante deste fato, um juiz togado dificilmente (quase impossível) terá um conhecimento de termos técnicos que envolvam o caso.

Ora, já é difícil exigir que o magistrado conheça o vasto ordenamento jurídico que regra a conduta sobre os mais diversos assuntos, tais como cíveis, penais, tributários, sucessórios, trabalhistas, tributários, entre outros. Isso, sem levar em consideração as leis especiais, que tratam geralmente de assuntos específicos e que se encontram esparsas no ordenamento jurídico brasileiro.

Exigir, ainda, o domínio dos termos específicos de cada assunto envolvidos na dinâmica de embarque e desembarque de cargas, do funcionamento dos guinchos, cordas, nós e outros, que se não é indispensável para a solução da lide, decerto ocasionaria uma facilidade enorme para a tomada de decisão, é ultrapassar os limites da coerência. O juiz togado, em casos semelhantes, vê-se obrigado a recorrer a peritos,para que estes, então, possam esclarecer acerca dos assuntos suscitados.

Seria mais conveniente para a companhia administradora e a empresa de navegação, que o julgador da lide tivesse, além do domínio jurídico, conhecimento técnico sobre o assunto, podendo, assim, decidir com maior segurança sobre os fatos, e garantido uma possibilidade de decisão mais acertada.

E daí, ressurge a arbitragem. Justamente desta necessidade de esquivar-se da demora, da lentidão e atecnismo dos tribunais.

A arbitragem tem-se mostrado como o instrumento alternativo de pacificação de conflitos de maior eficácia, aceitação e tradição. Meio fundamental, por excelência, de resolução de conflitos internacionais, voltada para a solução de causas de grande complexidade, por permitir que as questões técnicas sejam julgadas por peritos competentes, ao invés de magistrados, na maior parte das vezes, não preparados para tais lides.

A arbitragem tem como virtudes: a) celeridade e informalidade. É, essencialmente mais rápida se comparada à justiça estatal, caracterizada pela morosidade e formalidade e, decorrente dessa rapidez, há um menor custo para alcançar-se o fim pretendido; b) neutralidade do juízo como garantia de tratamento equânime entre as partes, principalmente, em relação a nacionalidade dos litigantes, afastando a incerteza quanto à isenção dos tribunais locais; c) confidencialidade, fator importante nas relações de troca de tecnologia, dentre outras, resguardando segredos comerciais e industriais. O conteúdo da arbitragem fica adstrito às partes e aos árbitros, obrigados ao sigilo profissional; d) especialização ante a possibilidade de se escolher juízes que possuam conhecimentos técnicos, jurídicos e outros, à altura da complexidade e especificidade da questão e a essência do litígio abordado, possibilitando uma decisão de melhor nível qualitativo; e) confiabilidade, por serem os árbitros escolhidos pelas partes, com base na confiança que neles depositam; e f) possibilidade de decisão por eqüidade, se autorizados pelas partes, não ficam circunscritos à aplicação do direito positivo, podendo decidir por eqüidade, além da possibilidade de escolha da lei aplicável (Muniz, 1999:14).

Ad ultimum, o Estado diante de sua impotência, do seu fracasso, e ainda, de sua falência administrativa e financeira, volta então a permitir, com a Lei 9.307/96, na prática [18], que os particulares escolham os julgadores de suas lides, utilizando este instituto, uma vez, resguardadas, determinadas matérias.

4.2 A TEORIA DA VONTADE DAS PARTES

O Estado existe para observar e delimitar as ações de cada administrado. Se o que ele visa é a harmonia e a paz social, deve continuar tutelando as matérias que são consideradas "matérias de ordem pública", ou seja, quando o interesse da coletividade mostra-se maior que a do indivíduo (ou de um determinado grupo social). Para tanto, limita o direito de aplicação da Lei 9.307/96, como forma alternativa de composição da lide. Com efeito, há determinados casos, que, mesmo que as partes envolvidas manifestem interesse em utilizar a arbitragem, não encontra amparo legal para utilizar este procedimento, o que acarretará, provavelmente, a nulidade dos atos praticados. E nem poderia deixar de ser diferente!

Esta limitação foi feita residualmente pela Lei. Dois foram os critérios tidos como pressupostos à instauração da arbitragem: o critério subjetivo e o critério material.

O primeiro critério faz referência às partes envolvidas no litígio. Estabelece que para que seja efetivado um acordo válido, as partes devem, obrigatoriamente, ser capazes. Esta capacidade diz respeito à capacidade civil tratada na Carta Civil Brasileira. Em relação ao árbitro, também pesam algumas considerações, pois a lei trata de regular quais os casos em que há incompatibilidade para o exercício desta atividade.

O segundo critério é o material. Como o próprio nome diz, refere-se à matéria que pretende-se buscar uma solução. O objeto do contrato. Com efeito, o litígio deverá versar sobre questões que envolvam, apenas, direitos patrimoniais disponíveis.

Há matérias que continuarão tuteladas, apenas pelo Estado, pois entende-se que há um interesse, ainda maior, da própria sociedade em "protegê-las". Exemplificam-se os direitos personalíssimos, direitos que versam sobre assuntos ligados à família, sobre os menores, às matérias penais e tantos outros. Continuam, e assim devem permanecer, sobre proteção chancela Estatal.

Se por um lado, o legislador preferiu delimitar o campo de abrangência da nova lei, deixando claro, que as matérias que não tratassem de questões patrimoniais disponíveis, não poderiam ser reguladas por este regramento, por outro, optou por, uma vez preenchido esse pressuposto, liberar, inteligentemente, as partes, para que, ao escolherem aquele que decidiria a pendência, também o fizessem com relação a quando e como seria. Possibilitou, também, ao contratante, estipular prazos para que fosse dado provimento final ao conflito. Hipótese que na justiça oficial, estatal, seria utópica.

Porém, a Lei de Arbitragem foi mais além. Optou o legislador por permitir que as partes estabelecessem os parâmetros, dentre os quais, a decisão seja tomada. Possibilitou que a decisão fosse tomada de acordo com a eqüidade, princípios gerais de direito, nos usos e costumes e nas regras internacionais de comércio, ou qualquer outra fonte, desde que respeite os princípios "do bom direito".

O princípio da autonomia de vontade, na Lei de Arbitragem, foi elevado ao grau máximo e de forma expressa, a evitar dúvidas na aplicação da lei. Talvez no instituto da arbitragem esse princípio encontre seu maior alicerce.

O próprio termo, arbitragem, traz a idéia de livre arbítrio. Isto porque, há muito os Romanos valorizavam a idéia de que a melhor segurança de um negócio é quando ambas as partes assim o querem. Consideravam que havendo transparência e lealdade no pacto firmado, amigável será o relacionamento entre os pactuantes — "pacta clara, boni amici" —, e com muita razão!

Autonomia significa capacidade de reger-se por si só, capacidade de agir espontaneamente.

Para que uma cláusula contratual tenha validade e eficácia em sua plenitude, deve haver a união de vontade dos contratantes. Acima de tudo, a vontade de ambos deve convergir para o mesmo ponto, para o mesmo objetivo. Ora, se Jus est ars boni et aequi, como poderia ser justa uma cláusula que não se deseja? E como poderia ser justa se alguém foi coagido a firmar?

A falta desta harmonia ou congruência de interesses acaba por abolir qualquer possibilidade de validade de uma decisão, já que para produzir os efeitos, a manifestação da vontade deve ser autônoma, livre, espontânea. Não deve, portanto, ser exercida diante ou em razão de uma coação irresistível, caso em que estaria comprometida a validade do ato.

Em breves palavras, este ato contrário ao direito faz desta cláusula, letra morta no contrato. Pois aí estão fincados os alicerces de um dos princípios fundamentais do direito obrigacional.

4.3 CONVENÇÃO ARBITRAL

A nova legislação sobre arbitragem preferiu seguir o padrão adotado pela França, ainda no início da década de 1980, quando tratou no mesmo capítulo cláusula compromissória e do compromisso arbitral, denominando-as convenção de arbitragem (Carmona, 1998:28).

Com o advento da Lei 9.307/96, basta a cláusula ou o compromisso para que o artigo 301, IX, do Código Processual Civil produza seus efeitos. Diferentemente do modo que era interpretado o ordenamento que tratava a matéria antes da sua promulgação.

Vale ressaltar, ainda, que embora o legislador tenha optado por manter ambas as terminologias (cláusula compromissória e compromisso arbitral), alterou completamente seus conceitos: possibilitou a instauração da arbitragem com base apenas na cláusula compromissória, tornando o compromisso arbitral, mera formalidade (Carmona, 1998: 29).

4.4 CLÁUSULA COMPROMISSÓRIA

A cláusula compromissória é o pacto através do qual os contratantes avençam, por escrito, submeter à arbitragem a solução de eventual litígio que possa decorrer de um determinado contrato.

A cláusula compromissória deixou de ser apenas uma mera explicitação de possibilidade de vontade, um mero pré-contrato de compromisso: tornou-se um ato, que passa a produzir efeitos de fato, e que por si só, afasta a possibilidade do processo ser decidido pelo ente Estatal, mesmo quando uma das partes resolver não mais se submeter ao instituto da arbitragem.

Para tanto, o legislador dedicou atenção especial ao assunto.

A lei de Arbitragem estabelece que a cláusula pode estar ou não inserida no corpo de um contrato. Caso não esteja, será aceita a convenção realizada a posteriori através dos inúmeros meios de comunicação disponíveis atualmente, tais como, cartas, telegramas, telex ou mesmo fac-símiles. Deverão, contudo, mencionar sobre qual negócio jurídico esta se refere, e que há uma vontade recíproca em estabelecer a arbitragem como modo de pacificação do litígio.

Para que tivesse o efeito desejado, a lei estabeleceu ao juiz amplos poderes, caso a cláusula compromissória fosse "vazia" — limitada a estabelecer que qualquer desavença sobre um contrato ou negócio seria solucionada pela arbitragem. O artigo sétimo da Lei 9.307/96, trata exatamente destes poderes e critérios que deverão ser observados pelo magistrado estatal.

Ainda sobre o mesmo assunto, cláusulas compromissórias vazias, vale destacar que estas devam ser evitadas sempre que possível; devem as partes estabelecer desde logo qual o órgão arbitral institucional ou a forma desejada, evitando a invocação ao artigo 7º da nova Lei de Arbitragem.

Outro ponto que merece destaque foi à maneira com que a mídia e a imprensa, de forma geral, tratou o assunto da (in) constitucionalidade da lei da arbitragem. A bem da verdade, hora nenhuma foi questionada a conformidade do instituto da arbitragem (leia-se, a lei que a regula) com o regramento da Carta Magna Brasileira. Na verdade, o que se questionou (e já não se questiona mais, haja vista tenha sido considerada válida, constitucional) foi, exatamente o que a doutrina classifica como cláusulas compromissórias vazias.

Tanto que, se desde o início do contrato, ou mesmo depois de pactuado, a cláusula compromissória que viesse a ser constituída fosse cheia (se constasse as principais características do procedimento arbitral a ser seguido; não fosse abstrata, vazia), não haveria falar-se em inconstitucionalidade.

Não há como cair em erro dissertando sobre a força que foi destinada à cláusula compromissória, e ao próprio árbitro. Prova disto é a disposição contida na lei 9.307/96, em seu 8º artigo e seu § único, como segue (ipsis litteris):

Art. 8º. A cláusula compromissória é autônoma em relação ao contrato em que estiver inserta, de tal sorte que a nulidade deste, não implica, necessariamente, a nulidade da cláusula compromissória.

§ único. Caberá ao árbitro decidir de ofício, ou por provocação das partes, as questões acerca da existência, validade e eficácia da convenção de arbitragem e do contrato que contenha a cláusula compromissória.

Está, sem sombras de dúvida, a cláusula de compromisso elevada a um patamar de autônoma, ratificando o que foi dissertado acerca da teoria da vontade das partes.

4.5 COMPROMISSO ARBITRAL

A qualificação das partes, dos árbitros ou a especificação da entidade que os indicará, a matéria que será o objeto da arbitragem e o lugar em que será proferida a sentença são extremamente recomendados, pois a falta de algum destes elementos pode implicar sua nulidade. Daí, são considerados obrigatórios.

A obrigatoriedade de incluir-se o local onde será proferida, é tratada no artigo 10, IV, e, está intimamente ligada ao conceito de sentença arbitral estrangeira. Este assunto é tratado no artigo 34, § único, e serve para estabelecer a necessidade (ou não) do reconhecimento e execução de sentenças advindas de outros países.

Já o local aonde a arbitragem irá se desenrolar está dentre os elementos facultativos do compromisso, diferentemente da exigência de fazer constar o lugar em que será proferida a sentença arbitral. Cabe, portanto, ao árbitro escolher onde esta se processará.

Outro elemento facultativo à arbitragem é a indicação de lei ou das regras que deverão ser observadas pelo árbitro ao decidir. Entende-se que esta é uma matéria que não encontra solução prática, mesmo com o advento da Lei 9.307/96.

Segundo Carmona (1998:32), as partes podem escolher que a desavença poderá ser decidida com base na eqüidade. É claro, entretanto, que essa autorização não permite aos árbitros abandonar a observância das normas jurídicas de ordem pública.

Ora, há aí uma grande disparidade neste posicionamento, pois, se a lei não exige qualquer formação profissional (apenas capacidade civil), não há como vincular a decisão arbitral a um conhecimento tal, que o impeça decidir em desacordo com a ordem pública.

Até porque, como se sabe, este critério (matérias de ordem pública) é subjetivo, variável. Mais adequado seria esperar do árbitro, uma decisão de acordo com os princípios gerais do direito, que embora também subjetivos, seus conceitos presumem-se conhecidos por todos.

De mesma sorte, pode-se considerar a fixação do prazo de apresentação do laudo como facultativo, conforme aduz o artigo 11, III. Se nada houver sido estabelecido, este será de seis meses (artigo 23), nada impedindo, em comum acordo, haver sua prorrogação.

Por fim, outro elemento facultativo é o regramento referente ao ônus da sucumbência e a responsabilidade pelo pagamento dos honorários e despesas com a arbitragem (antes à lei era obrigatório, artigo 1.074 do C.P.C.).

Já em relação às hipóteses de extinção do compromisso, pode se afirmar que estas se reduziram à quantidade mínima, fazendo valer o princípio da salvação da convenção arbitral (Carmona, 1998).

A recusa ou impedimento do árbitro não inutiliza o processo, pois basta invocar o artigo 7º da Lei de Arbitragem para que o juiz togado restabeleça o procedimento a ser seguido. Se a escolha do árbitro (ou árbitros) se deu em razão de escolha personalíssima dos mesmos e se previamente declarada a impossibilidade, caso não se chegue a um acordo, não haverá a possibilidade de dar prosseguimento à arbitragem.

Outra possibilidade de extinção dá-se quando se ultrapassa o prazo para a entrega da sentença. Antes, porém, a extinção dar-se-ia de forma automática, conforme estipulava o artigo 1.077, III. Atualmente, faz-se necessária a notificação do julgador para apresentação da decisão, sob pena de fazer valer a parte notificante a exceção de extinção do compromisso, sem prejuízo do direito dos contratantes à indenização por perdas e danos contra os árbitros.

4.6 O ÁRBITRO

Quase que um código de ética, as regras que tratam sobre o árbitro encontram-se no Capítulo III da Lei. Estabelecem os deveres e obrigações daqueles que irão decidir uma controvérsia, seja monocrático ou colegiado. As partes deverão escolher em quantidade ímpar, e se par, elas escolhem o que irá desempatar. Na falta do acordo, o Poder Judiciário é convocado para nomeá-lo conforme estabelece o artigo 7º, da Lei Marco Maciel (Carmona, 1998).

Para que possa elevar ao máximo as vantagens do instituto, o árbitro deverá proceder sempre com imparcialidade, independência, competência, diligência e discrição.

A lei equiparou o árbitro ao funcionário público, para os efeitos da legislação penal.

A respeito da exceção de suspeição e de impedimento, o controle não é exercido de imediato pelo Poder Judiciário. Aceita a exceção, não cabe controle algum; negada, a arbitragem, prossegue e nada caberá ao opositor, além de utilizar-se do artigo 33, da referida lei, para requerer seja decretada a nulidade da decisão.

4.7 PROCEDIMENTO ARBITRAL

Encontra-se aqui, um dos pontos cruciais deste trabalho, pois, se o que se pretende saber é, justamente, o alcance da efetividade da arbitragem, mister analisar quais são, de fato, os limites determinados pela lei.

Importante, também, analisar a parte da Lei 9.307/96, que regra o procedimento arbitral, já que lá se encontram os instrumentos, com os quais o julgador poderá, e deverá, lançar mão, para cumprir com êxito sua tarefa.

A arbitragem e procedimento arbitral são coisas diferentes. Enquanto aquela é o instituto que tem por objetivo buscar uma solução rápida e efetiva à controvérsia, o procedimento arbitral é a maneira como a arbitragem se processará; é o conjunto de regras que as partes, o árbitro, e todos em que na arbitragem estão envolvidos deverão seguir para desempenhar efetivamente seu papel.

As regras do procedimento foram expostas de forma clara e objetiva, tentando evitar fossem necessárias interpretações diversas a respeito de algum dos pontos positivados.

A interpretação de uma norma depende do que cada pessoa extrai de seu texto, havendo variações que dependem do modo de pensar, da linha de conduta, até mesmo da cultura de cada indivíduo.

Verificando o Capítulo IV (Do Procedimento Arbitral) da Lei 9.307/96, vê-se que foi fortalecido o princípio do devido processo legal, e, concomitantemente, o princípio da vontade das partes.

Se não, observe-se o que nos ensina o professor Carmona (1998:36):

Cumpre lembrar que a vontade das partes (e, subsidiariamente, dos árbitros) quanto à especificação de regras procedimentais, encontra limitação na natureza e finalidade da arbitragem e também na própria lei. Assim, não podem as partes estabelecer, por exemplo, que a sentença arbitral tenha forma diversa daquela prevista no artigo 26 ou que possa ser a decisão impugnada, além do prazo previsto no artigo 33.

Pode-se afirmar, que a arbitragem, à luz do artigo 19, é considerada instituída (e portanto, instaurado o processo arbitral), quando o árbitro (ou o último, se forem vários) aceitar a nomeação.

O Código Civil e o Código de Processo Civil de 1939 (art. 1032) referiam-se à arbitragem sem precisar o momento que esta se daria por instaurada. O Código Processual de 1973 deu tratamento técnico adequado, quando no seu artigo 1.085, hoje revogado pela Lei de Arbitragem, estabelecia que considerava-se instituído o juízo arbitral tanto que aceita a nomeação pelo árbitro, quando apenas um, ou por todos, se fossem vários (Carmona, 1998:193).

A aceitação da arbitragem trará como efeito: a) a interrupção da prescrição; b) fará litigiosa a coisa; c) induzirá a litispendência.

Segundo Figueira Júnior (1999:206),

os efeitos da litispendência na jurisdição privada não estão atreladas ao ato de comunicação e chamamento preliminar da parte adversária (ex adversa); modo diverso ao que se verifica no Código de Processo Civil Pátrio, que elegeu a citação como sendo o ato instaurador da formação da relação Jurídico-processual, segundo o que se infere do disposto em seu art. 219.

Antes mesmo de instaurada a arbitragem, deve o árbitro tentar uma composição amigável do litígio. O ajuste pode ser alcançado a qualquer instante do processo arbitral, entretanto, deve-se salientar, que cabe ao árbitro marcar, antes mesmo de instaurada a arbitragem, uma audiência de conciliação.

Destarte considere "louvável" o incentivo à conciliação, entende Carmona (Carmona, 1998:208) ser este ato, a audiência de conciliação, facultativo, não podendo sua falta ser motivo de argüição de nulidade do processo arbitral.

Tão logo seja iniciado o processo, surge o momento oportuno para argüição das exceções, conforme estabelece o artigo 20 da Lei 9.307/96. Uma vez argüida e aceita a exceção de suspeição ou impedimento, afastará o árbitro suspeito ou impedido, fazendo com que seja este substituído. Caso haja disposição anterior em contrário, estabelecendo que as partes não estarão obrigadas a aceitar a substituição do julgador, tal fato, acarretará a extinção do processo arbitral.

Por outro lado, se nada houver nesse sentido, e, as partes não chegarem a um acordo, em relação ao modo de escolha do árbitro substituto, deverá a parte interessada proceder conforme estabelece o artigo 7º, da Lei 9.307/96.

Se um dos casos de argüição de incapacidade, incompetência do árbitro ou do colégio arbitral, bem como a nulidade, invalidade ou ineficácia da convenção de arbitragem, for aceito, ocorrerá extinção do juízo arbitral, sem julgamento do mérito. Neste caso, caberá, somente ao interessado, fazer o encaminhamento dos autos ao Poder Judiciário.

A Lei de Arbitragem, em seu artigo 21, permite, também, aos litigantes, a possibilidade de adotar o procedimento arbitral que melhor os atender, desde que seja respeitado o princípio do amplo contraditório, da igualdade das partes, da imparcialidade e o convencimento racional do árbitro.

Segundo Joel Dias Figueira Júnior (1999:208):

O tipo de procedimento a ser aplicado no processo arbitral dependerá de três circunstancias. a) as partes definem o rito procedimental na convenção de arbitragem; b) o procedimento será definido pelo órgão arbitral institucional ou entidade especializada ou pelo árbitro ou tribunal arbitral, conforme indicação das partes na convenção arbitral; c) não havendo estipulação acerca do procedimento, caberá ao árbitro ou colégio arbitral discipliná-lo.

Importante a análise do artigo 22 da referida lei. Se não, como segue, litteris, (griffos nossos):

Art. 22. Poderá o árbitro ou tribunal arbitral tomar o depoimento das partes, ouvir testemunhas e determinar a realização de perícias ou outras provas que julgar necessárias, mediante requerimento das partes ou de ofício.

§ 1º. O depoimento das partes e das testemunhas será em local, dia e hora previamente comunicados, por escrito, e reduzido a termo, assinado pelo depoente (ou a seu rogo) e pelos árbitros.

§ 2º. Em caso de desatendimento, sem justa causa, da convocação para prestar depoimento pessoal, o árbitro ou o tribunal arbitral levará em consideração o comportamento da parte faltosa, ao proferir a sentença; se a ausência for de testemunha, nas mesmas circunstâncias, poderá o árbitro ou o presidente do tribunal arbitral requerer à autoridade judiciária que conduza a testemunha renitente, comprovando a existência da convenção de arbitragem.

§ 3º. A revelia da parte não impedirá que seja proferida a sentença arbitral.

§ 4º. Ressalvado o disposto no § 2º, havendo necessidade de medidas coercitivas ou cautelares, os árbitros poderão solicitá-las ao órgão do Poder Judiciário que seria, originariamente, competente para julgar a causa.

§ 5º. Se, durante o procedimento arbitral, um árbitro vier a ser substituído (art. 16), fica a critério do substituto repetir as provas já produzidas.

O caput deste artigo permite ao árbitro obter as informações necessárias para formar o seu convencimento, através de colheita de "provas úteis" que julgar necessárias. Este artigo simplifica os dispositivos 125 e 130 da Carta Processual Civil Brasileira, consentindo ao árbitro, atuar ex ofício para efetuar tal tarefa. Verifica-se, também, que a lei concedeu, ao árbitro, poderes instrutórios semelhantes ao do juiz togado. A Lei de Arbitragem não dispensou, contudo, o princípio do ônus da prova (Carmona, 1998).

Entende Carmona (1998), que os poderes instrutórios do árbitro e do juiz togado foram equiparados. Assim, pode o árbitro: a) requisitar documentos públicos, como faria o juiz estatal; b) solicitar informações aos órgãos estatais; c) determinar exames e vistorias, se necessário, com o concurso do Poder Judiciário [19], d) oitiva de testemunhas não arroladas pelas partes; e) exigir que as partes apresentem documentos [20], entre tantas outras utilidades.

O depoimento das partes presta-se a dois objetivos: esclarecimento de fatos os quais o árbitro, ainda não tem total conhecimento, e, a obtenção da revelia. O primeiro objetivo presta-se, primordialmente, para capacitar o julgador a oferecer o julgamento que lhe parece mais correto, mais justo, beneficiando-se do princípio da imediação. O segundo objetivo, presta-se para obtenção de fatos do depoente, mesmo que seja, ao depoente, desfavorável (confissão provocada).

Considerada oportuna a prova, será marcada data, local e hora para o comparecimento das testemunhas, que devem ser intimadas por qualquer meio idôneo de comunicação, sendo prudente a juntada do aviso de recebimento. Se as regras seguirem as do Código de Processo Civil, deverá ser respeitado o prazo mínimo de 24 horas para a audiência. A recusa do comparecimento acarretará a necessidade de solicitação, pelo árbitro, junto o Poder Judiciário, de condução coercitiva.

4.7.1 Medidas Cautelares

Como conseqüência, decorrente do transcurso temporal necessário para obtenção de uma sentença de mérito, pode qualquer dos litigantes, sofrer algum prejuízo irreparável, ou de difícil reparação, que consista na colocação em perigo da efetiva possibilidade de atuação de sentença, sobre a questão de fundo da controvérsia. Ou até mesmo, na permanência do direito em estado de insatisfação, por todo curso do processo, à consecução de uma sentença — o dano marginal que a duração do processo causa ou pode causar. Daí a necessidade de todos sistemas jurídicos preverem mecanismos de intervenção capazes de neutralizar o prejuízo (irreparável, ou grave) resultante da duração do processo (Proto Pisani In Figueira Júnior, 1999:213).

Com efeito, sendo necessária, uma medida acautelatória, que evite dano irreparável ou inutilize uma decisão futura que porventura venha a ser proferida, deverá o árbitro solicitar ao Poder Judiciário, sejam executadas as medidas que entender adequadas.

As partes deverão, portanto, solicitar as medidas preventivas ao julgador privado, para que esse, considerando presentes, a fumaça do bom direito — fumus boni iuris —, e, o perigo da demora — periculum in mora —, procure na força imperiosa da justiça estatal, a execução das medidas que julgar propícias.

Deverá, desta forma, o árbitro, sempre observando o contraditório, deferir por conta da urgência a concessão da medida, oficiando ao juiz competente, para que dê cumprimentos às providências cautelares, pelo árbitro, deliberadas. Caso a parte, em face de quem forem decretadas as medidas, conforme-se com a decisão, não há falar em intervenção do órgão judiciário estatal. Deve-se, portanto, haver resistência, para que o árbitro efetive tais medidas.

Segundo Carmona (1998,215), o árbitro decide qual medida deverá aplicar ao caso concreto, e então, o Judiciário analisa se esta mostra-se necessária ou não. Ao judiciário resta, apenas, acatá-las ou não.

4.7.2 Antecipação de tutela

Por mais eficiente que seja o rito processual adotado para a obtenção da tutela jurisdicional (estatal ou arbitral), o dano causado pelo tempo, será, sempre, inevitável. A antecipação dos efeitos da tutela pretendida é, inegavelmente, uma ferramenta criada para amenizar os efeitos ocasionados pelo tempo, no processo.

O legislador regulamentou, no artigo 273 do Código de Processo Civil, reconhecendo, finalmente, as benesses deste mecanismo. Os limites e requisitos, da tutela antecipada, estão, de mesma forma, positivados no referido diploma.

Entretanto, sabe-se que a utilização da Carta Processual Civil Brasileira não é requisito obrigatório no procedimento arbitral. E nem poderia ser. Os objetos de um processo arbitral (aspectos materiais), via de regra envolvem leis internacionais, direitos consuetudinários (usos e costumes), assuntos técnicos, e, uma vez estivesse o contratante, restrito ao regramento nacional, impossível seria alcançar a efetividade pretendida. Tanto que o próprio legislador, permite a utilização de outros caminhos, que não, o do ordenamento positivo.

O que importa, nesses comentários, é ressaltar, que uma vez pactuado que a declaração arbitral não está restrita ao ordenamento jurídico nacional, quer seja, pelo Diploma Processual Civil Brasileiro, ou qualquer outra norma infra ou constitucional, pertencente ao ordenamento pátrio, não caberá ao árbitro, decidir amparado única e exclusivamente nessa demarcação.

Ainda que à exaustão, vale frisar, que as medidas adequadas (as que irão antecipar os efeitos da tutela, ou ainda, da sentença — arbitral — que futuramente será proferida), ao caso sub judice, deverão ser tomadas, apenas, pelo árbitro; ao juiz (estatal), cabe apenas, se for o caso, as providências para sua execução (Carmona, 1998:218).


5 ATOS DECISÓRIOS E SENTENÇA ARBITRAL

5.1 ATOS DOS ÁRBITROS

Três são os principais atos dos árbitros, segundo o Código Processual Civil [21], praticados no processo especial arbitral: a) sentença arbitral; b) decisão interlocutória; e, c) despachos. "Essa classificação não satisfaz por completo, porquanto os árbitros praticam diariamente muitos outros atos na direção e instrução do processo, que não se enquadram no modelo apontado" (Figueira Júnior, 1999:227)

Com efeito, os árbitros presidem audiências, coletam provas, pessoalmente ou a seu mando, realizam inspeções, propõem acordos, apresentam os pontos controvertidos da demanda, entre tantas outras tarefas que não se enquadram perfeitamente à classificação acima.

Praticam também, atos de correição parcial — processual e administrativa —, assim como podem reconsiderar certos atos realizados, de ofício ou a requerimento da parte, quando se tratar de erro material ou quando a própria natureza do ato a ser retificado assim o permitir" (Figueira Júnior, 1999:228).

Mister destacar o posicionamento do ilustre Figueira Júnior (1999:229), acerca das diferenças e semelhanças existentes nas diversas formas de pronunciamento arbitral. Ensina que

a principal diferença reside no conteúdo desses atos, ou seja: o despacho de expediente é mera atividade de impulso ao processo, sem o mínimo teor decisório, tanto que pode ser praticada por secretário ou outro auxiliar do árbitro ou tribunal arbitral; a decisão interlocutória restringe a manifestação à questão relativa ou absoluta complexidade e de conteúdo incidental; a sentença arbitral, por sua vez, é o principal ato de manifestação na jurisdição privada, por apresentar conteúdo substancial que permite a composição da lide (sentença de mérito) ou, excepcionalmente, conteúdo estritamente processual (sentenças processuais típicas ou atípicas).

Ressalta-se, que esses atos, em regra, não são públicos. São absolutamente privados.

Durante o procedimento arbitral, poderão ocorrer (e, geralmente ocorre), incidentes processuais que venham a exigir a pronta intervenção do árbitro através da prolação de decisões não terminativas do juízo arbitral.

Estas questões não resumem-se às tutelas de urgência e das medidas coercitivas, e são, em regra, medidas que não podem ser postergadas para verificação, quando da sentença arbitral.

Se competente para tanto, em razão da matéria apresentada [22], o árbitro, deverá decidir as questões incidentais [23], ou dependendo da controvérsia, suspender o procedimento arbitral, sobrestando o feito, até que a autoridade competente (Poder Judiciário) decida acerca da (in) competência do juízo arbitral.

Em regra, essa primeira análise de competência versará sobre a indisponibilidade dos direitos e sobre a capacidade civil das partes. As questões incidentes são, portanto, todas as matérias que serão conhecidas pelo árbitro, ou tribunal arbitral, em momento processual anterior ao julgamento do mérito da causa.

Decidida a matéria pela competência material do árbitro, deverão ser juntadas aos autos a decisões transitadas em julgado. Apesar de antecederem ao conhecimento da causa, essas questões não se confundem com as preliminares suscitadas pela Carta Processual Civil Brasileira, e, que se encontram numeradas como causas de suspensão do processo.

Ressalta-se ainda, que as questões prejudiciais não constituem o objeto da sentença, mas, "apresentam uma íntima relação com o mérito da causa, figurando como pressuposto lógico do julgamento" (Figueira Júnior, 1999:234).

Ademais, não geram, tais questões, efeitos de coisa julgada, e servem tão só como objeto de cognição e formação de convencimento do árbitro, para a composição da lide, conforme reza o artigo 469, no seu inciso III, do Código Processual Civil, in verbis: "Não fazem coisa julgada [...] a apreciação de questão prejudicial decidida incidentalmente no processo", excetuando-se o artigo 470 do referido Código, ao dispor sobre a questão prejudicial.

5.2 SENTENÇA ARBITRAL

O ato mais importante do árbitro no processo arbitral é a sentença. É o momento em que o julgador entrega a prestação jurisdicional pretendida pelas partes. É, também, o ato em que o julgador põe termo ao processo.

Semelhante ao que ocorre no processo estatal, a sentença arbitral é classificada em terminativas e definitivas. As terminativas dizem respeito ao conteúdo estritamente processual, e põem termo ao processo, sem que seja julgado o mérito da questão. As definitivas, acabam por definir o direito aplicado ao caso em concreto.

Assim, uma sentença em que os árbitros decretem a invalidade da convenção arbitral ou onde estabeleçam não é arbitrável será meramente terminativa, enquanto a decisão em que se reconheça o direito de uma das partes a uma indenização por perdas e danos será catalogada como sentença arbitral de mérito (Carmona, 1998:222).

As sentenças também são classificadas, em função de resultado às partes. Serão meramente declaratórias, as que se limitem a afirmar a inexistência ou inexistência de relação jurídica ou a falsidade de documento. As constitutivas são aquelas sentenças que além de declarar o direito a um dos litigantes, ela constitui, modifica ou extingue uma relação jurídica. Por fim, as condenatórias, são as sentenças que declaram e impõem o cumprimento de uma prestação à qual esteja obrigado. Deve-se entender, que o termo imposição, refere-se a uma sanção que será imposta ao vencido (Carmona, 1998:222).

A natureza declaratória que toda sentença possui (pois, mesmo as constitutivas e as condenatórias trazem consigo, força declaratória embutida), será, definitivamente, o paradigma para estabelecer se o caráter jurisdicional encontra-se presente no instituto arbitral. Uma vez capaz de declarar o direito às partes, sem que possa ser, novamente, rediscutido o mérito — o aspecto material, a conseqüência será conclusiva no sentido de rever toda a conceituação de jurisdição, como sendo dever-poder, apenas do poder estatal, visto que, a declaração da sentença pela "justiça privada", ocasionará os mesmos efeitos que a pronúncia do Poder Judiciário.

A sentença arbitral, ou laudo arbitral [24], é tratado no Capítulo V — Da Sentença Arbitral —, da Lei 9.307/96. O prazo legal para entrega da sentença, se não houver estipulação em contrário, será de seis meses, conforme aduz o artigo 23 da referida lei.

A sentença será apresentada necessariamente na forma escrita e assinada pelo árbitro (ou árbitros). Os requisitos indispensáveis à existência e validade da sentença arbitral são:

a) relatório, que conterá o nome das partes, e breve resumo da lide e das principais ocorrências verificados durante o procedimento;

b) fundamentos da decisão, trazendo as análises de fatos e de direito, e se, fundado na eqüidade, trará expressa menção a essa circunstância;

c) disposição, também denominada parte dispositiva da sentença, representada pela conclusão sobre a qual o julgador soluciona a lide que lhe foi submetida, através do julgamento de procedência ou improcedência do pedido com a conseqüente disposição de natureza declaratória, constitutiva (positiva ou negativa), condenatória, mandamental ou executiva lato sensu [25]. Se for o caso, disporá ainda a respeito do prazo concedido para o cumprimento da decisão arbitral;

d) data e local onde foi proferida, sendo esse requisito, o único que não ensejará a nulidade da sentença (ou laudo) arbitral, na sua inobservância, que será assim declarada e desconstituída pelo Poder Judiciário, mediante provocação do interessado, conforme estabelece o artigo 32, combinado com o artigo 33 da Lei de Arbitragem (Figueira Júnior, 1999:236).

No tocante ao requisito data e local, que tem caráter material, em que pese sua indispensabilidade, poderá, caso seja verificada a omissão, a qualquer tempo, ser corrigida e complementada. A bem da verdade, tal situação, dificilmente, acarretará nulidade da sentença arbitral.

À luz do artigo 27 da Lei de Arbitragem, a responsabilidade das partes acerca das custas e despesas, com a arbitragem, será tratada também na sentença arbitral. Custas, tecnicamente serve para designar despesas ou encargos decorrente do processo, fixadas em lei, Por outro lado, as despesas são os gastos advindos do processo com o pagamento de peritos, avaliadores, diligências e outros encargos pecuniários conseqüentes do andamento do processo (Carmona, 1998:242).

A sentença serve, também, para declarar o acordo, que, eventualmente, traduza o entendimento das partes. Dispensa-se assim, o procedimento arbitral. Não resta, contudo, qualquer dúvida, que as partes podem colocar a termo o acordo, sem que seja instaurada a arbitragem. Porém, caso as partes busquem, desde logo, a obtenção da segurança oferecida pelo título executivo judicial, encontrarão na sentença arbitral, seu amparo, uma vez que não cumprido, espontaneamente, ensejará execução de título executivo judicial.

Outra vantagem da utilização da arbitragem para homologação de acordo, são os mecanismos de coerção (execução indireta) que estimulam o cumprimento das obrigações determinadas na sentença (Carmona, 1998:246).

5.2.1 Efeitos da sentença arbitral

O efeito principal da sentença arbitral é a produção de resultados concretos no plano material e do direito objetivo, reequilibrando a situação fática ou jurídica violada ou ameaçada, a fim de satisfazer a pretensão resistida da parte vencedora.

Embora o professor Carmona (1998:258) ressalte que a equiparação da sentença arbitral estatal e a arbitral faz com que a segunda produza os mesmos efeitos que a primeira, entendo, que o legislador, ao equipará-las, tornou a sentença arbitral, um instrumento de maior eficácia se comparado à sentença estatal. Isso porque, a partir do descumprimento da sentença arbitral, o caminho recursal que o processo arbitral enfrentará, decerto, será, efetivamente, mais célere que o percalço a ser seguido pela via estatal [26].

Neste momento, importa saber, que por conseqüência desta equiparação, além da extinção da relação jurídica processual e da decisão da causa (declaração, condenação ou constituição), a decisão do mérito faz coisa julgada às partes entre as quais é dada. Esgotam-se aqui, os poderes dos árbitros, que só poderão ser restaurados, caso seja opostos embargos de declaração, ou se, anulado o laudo, for caso de nova decisão, nos termos do artigo 33, § 2º, II, da Lei de Arbitragem (Carmona, 1998:258).

Ao proferir a sentença arbitral terminativa de mérito, o árbitro ou tribunal exaure a sua função jurisdicional privada e, via de conseqüência, dá-se por finda a arbitragem. A publicação da decisão se dá por comunicação às partes, através do envio por meio que permita o recebimento de uma cópia do julgado, sendo o envio praticado pelo árbitro ou tribunal arbitral (Figueira Júnior, 1999:257).

Se o laudo apresentar erros materiais — equívocos flagrantes, grosseiros, tais como, lapsos ortográficos ou de cálculos aritméticos, falhas que não se confundem com erros de julgamento ou no julgamento —, que permitem reparos, sem maiores formalidades, a todo tempo, suas correções serão feitas, preferencialmente, pelo próprio árbitro, por via dos embargos de declaração.

Não obstante, sendo a decisão arbitral utilizada para execução do julgado, poderá, o juiz da execução — mesmo de ofício —, fazer a correção necessária, caso por algum motivo ou por economia processual, já não se imagina anulação do laudo por conta de um lapso sem importância (Carmona, 1998:251).

5.2.2 Nulidade da sentença arbitral

A sentença arbitral será atacada por meio de ação anulatória, que deverá ser ajuizada pelo interessado perante o órgão do Poder Judiciário competente, quando:

a) for nulo o compromisso arbitral;

b) emanado por quem não podia se árbitro;

c) não contiver os requisitos do artigo 26 da Lei 9.307/96 [27];

d) proferida fora dos limites da convenção arbitral (ultra ou extra petita);

e) não decidir todo o litígio submetido à arbitragem (citra petita);

f) emitida por prevaricação, concussão ou corrupção passiva, sem prejuízo da responsabilidade penal, agravada pela equiparação do julgador infrator aos funcionários públicos;

g) proferida fora do prazo, desde que notificado o árbitro ou tribunal arbitral, concedendo-lhe prazo de dez dias; e

h) se desrespeitados os princípios do contraditório, da igualdade das partes, da imparcialidade do árbitro e de seu convencimento ou, inobservado o devido processo legal, como determina o artigo 32, da Lei Marco Maciel.

Sendo nulas de pleno direito, as sentenças ou laudos arbitrais, não geram qualquer efeito no mundo jurídico, embora ocasionem reflexos práticos, no mundo dos fatos.

Barbosa Moreira In Carmona (1998:261) entende que a maior parte dos casos apontados na Lei refere-se à anulabilidade do laudo, e não à nulidades, já que enquanto não manejada, com sucesso, a demanda que trata o artigo 33 permanece válida. Decorrido o prazo decadencial de noventa dias para o ataque ao laudo defeituoso, não há mais como impugná-lo. Exceção feita aos laudos condenatórios, eis que reservada ao executado a possibilidade de oposição de embargos.

A sentença arbitral é a manifestação acerca dos fatos, mormente a declaração do próprio direito, pronunciada pelo julgador. É a materialização do que se pretende ao convencionar a arbitragem.


CONCLUSÃO

A partir do tema proposto, foi realizado o trabalho acerca da arbitragem e da jurisdição, e, através da análise de suas conformidades histórias, tentou-se buscar elementos para definir se a Lei de Arbitragem, rompe, vez por toda, o monopólio da jurisdição estatal.

A matéria é cercada de controvérsias. Registra-se a prática da arbitragem há cerca de três mil anos, e, montar todo o quadro da sua evolução no tempo, mostra-se tarefa árdua, pois seus caminhos, nem sempre, são cristalinos.

Parece-me claro, que a moderna doutrina rendeu-se às benesses da forma consensual de pacificação de conflitos — a arbitragem. Porém, em relação à possibilidade da Lei de Arbitragem romper o monopólio jurisdicional estatal, mesmo consenso não é verificado.

A partir de uma pesquisa histórica, encontramos que a jurisdição — jurisdictio — era apenas uma das atividades dos pretores. Compreende-se a jurisdição, a notio e judicium, ou seja, o conhecimento e o julgamento da causa. Fato que, sem dúvida, a arbitragem presta-se a fazer.

Quando o estado, através da Lei 9.307/96, vetou a possibilidade do árbitro agir coercitivamente para executar medidas coercitivas, proibiu, apenas, que fosse praticado o imperium — função estatal que não pertence aos atributostos da jurisdição.

Parte-se, após, para conceito do vocábulo da jurisdição, conquanto significa dizer o direito, para concluirmos que a sentença arbitral — ato mais importante do julgador no processo — é um dos pontos do trabalho que merece ser enfatizado. Até porque, na sua parte dispositiva, o árbitro materializa o que dele se espera: a entrega da prestação jurisdicional pretendida. É onde ele "diz a quem pertence o direito". E justamente, na análise da "força" dessa declaração, podemos afirmar que já não há que se falar em monopólio jurisdicional estatal.

Verdade é que o legislador equiparou as sentenças estatal e arbitral [28], e, assim procedendo, tornou esta, um instrumento de maior eficácia, se comparada à sentença estatal,.

A partir da resistência de uma das partes em cumprir o que fora declarado na sentença arbitral, o caminho recursal que o processo arbitral enfrentará, decerto, será, efetivamente mais célere, que se adotada a jurisdição estatal.

Com efeito, enquanto a sentença arbitral remete-se diretamente à fase executória do processo, (sendo de natureza condenatória, constitui título judicial para efeitos de execução), modo diverso ocorre com a sentença pronunciada pelo órgão judicial estatal. Antes de obter a mesma força executória do laudo privado, a sentença estatal estará sujeita, ainda, a uma seqüência desanimadora de atos protelatórios, que surgem, muito dos casos, em forma de recursos.

Mister ressaltar, que ambas concedem o efeito da imutabilidade (inalterabilidade) às sentenças, quando as decisões meritórias transitam em julgado.

Em suma, a natureza declaratória que toda sentença possui, irá, também, confirmar o caráter jurisdicional do instituto arbitral. Certo é, que, a arbitragem mostra-se capaz de declarar o direito às partes, sem que se permita, novamente, discutir o mérito — o aspecto material de uma questão levada à justiça privada. E, como vimos, o faz, de forma mais eficaz que as questões submetidas ao Poder Judiciário.

A doutrina moderna vem posicionando-se nesse sentido, destarte, algumas variações a respeito do tema. Exemplificando-se, o ilustre professor Marcelo Abelha Rodrigues (Rodrigues, 1998) considera que o monopólio da jurisdição estatal não perdura em duas situações: uma delas, seguindo o entendimento acima, quando da decisão do juiz arbitral, e a outra, quando a decisão advém do tribunal do júri, "cujos juízes efêmeros e não estatais, julgam os crimes dolosos contra a vida". Ele entende que a decisão do júri — juízes leigos, não partem do estado, além de ser, sua decisão, soberana.

Contrapondo-me a essa idéia, ressalto a inegável participação do Estado-juiz na audiência. Tamanha a interferência do Estado, que o próprio juiz é quem coordena todo o ato solene. E o faz, inclusive, baseado em expressa previsão legal. Cabe ao juiz togado, do tribunal do júri, estipular a pena; enquanto ao júri, apenas, o fato de condenar ou absolver. Outro ponto, para reforçar ainda mais meu entendimento, refere-se ao fato de que, na sentença, a pena que deve-se aplicar ao indivíduo é mensurada pelo julgador estatal. E isso, acarretará, na prática, a condenação ou absolvição.

Com efeito, dependendo da circunstância, sobre um mesmo julgamento, a condenação poderá fazer aproveitar ou não, o instituto da prescrição. Mostra-se evidente a participação do Estado na condução do referido processo, corroborando, a nossa proposição. Vale lembrar, finalmente, que o procedimento arbitral é ato estritamente privado, e assim sendo, a partir da Lei 9.307/96 — Lei de Arbitragem —, não há que se falar em monopólio jurisdicional estatal.


REFERÊNCIAS

CARMONA, Carlos Alberto. Arbitragem e Processo: um comentário à Lei 9.307/96. São Paulo: Malheiros, 1998.

CRETELLA JÚNIOR, José. Curso de Direito Romano: o Direito Romano e o Direito Civil brasileiro. 25 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001.

FIGUEIRA JUNIOR, Joel Dias. Arbitragem, jurisdição e execução: análise crítica da lei 9.307, de 23.09.1996. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999.

MANFRED, A. Z.. Do feudalismo ao capitalismo. 4 ed. São Paulo: Global, 1987.

MUNIZ, Jânio Lobo. Arbitragem no Brasil e a Lei 9.307/96. Curitiba: Juruá, 1999. PIETRO, Maria Sylvia Zanella Di. Direito administrativo. São Paulo: Atlas, 2001.

TUCCI, José Rogério Cruz; AZEVEDO, Luiz Carlos de. Lições de História do Processo Civil Romano. São Paulo: Revista dos tribunais, 2001.


BIBLIOGRAFIA COMPLEMENTAR

ALVIN, J. E. Carreira. Comentário à Lei de Arbitragem (Lei nº 9.307, de 23.09.1996). Rio de Janeiro: Sumen Juris, 2002.

CARNEIRO, Athos Gusmão. Jurisdição e Competência. 10 ed. Saraiva: São Paulo: Saraiva, 2000.

CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido R.. Teoria Geral do Processo. 15 ed. São Paulo: Malheiros, 1999.

DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de Direito processual civil. São Paulo: Malheiros, 2001.

FIGUEIRA JUNIOR, Joel Dias. Arbitragem (legislação nacional e estrangeira) e o monopólio jurisdicional. São Paulo: Ltr, 1999.

JAGUARIBE, Helio. Um Estudo Crítico da História. São Paulo: Paz e Terra, 2001.

KELSEN, Hans. O problema da justiça. 3 ed. São Paulo: Martins fontes, 1998.

LACERDA, Belizário Antônio de. Comentários à Lei da arbitragem. Belo Horizonte: Del Rey, 1997.

MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Recurso Extraordinário e Recurso Especial. 6 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999.

MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 13 ed. São Paulo: Malheiros: 2001.

MENEZES, Cláudio Armando Couce de; BORGES, Leonardo Dias. O moderno processo do trabalho. São Paulo: Ltr, 1997.

MONTESQUIEU, Charles de Secondat Baron de. O espírito das leis: as formas de governo, a federação, a divisão dos poderes, presidencialismo versus parlamentarismo. 7 ed. São Paulo: Saraiva, 2000.

MORAIS, José Luis Bolgan de. Mediação e arbitragem: alternativas à jurisdição. Livraria do Advogado: Porto Alegre, 1999.

MORGADO, Isabele Jacob. A arbitragem nos conflitos de trabalho. São Paulo: Ltr, 1998.

NERY JUNIOR, Nelson. Princípios fundamentais: teoria geral dos recursos. 5 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000.

PUCCI, Adriana Noemi. Aspectos atuais da Arbitragem: coletânea de artigos sobre arbitragem. Rio de Janeiro Forense, 2001.

RAMOS FILHO, Wilson. O fim do poder normativo e a arbitragem. São Paulo: Ltr, 1999.

RODRIGUES, Marcelo Abelha. Elementos de Direito Processual Civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998.

SANTOS, Paulo de Tarso. Arbitragem e o Poder Judiciário. São Paulo: Ltr, 2001.

SIQUEIRA, Cleanto Guimarães. A defesa no processo civil. Belo Horizonte: Del Rey, 1995.

STRENGER, Frineu. Comentários à Lei brasileira de arbitragem. São Paulo: Ltr, 1998.


NOTAS

1. O período arcaico é o período do direito romano que se estende desde suas origens, em 753 a.C., até o ano de 510 a.C..

2. O período clássico é o compreendido entre 27 a.C., até o ano de 284 d.C., sendo considerado o período de máximo esplendor, quando apareceram os mais ilustres jurisconsultos romanos (Cretella, 2001:11).

3. É o período compreendido entre 510 a.C. e 27 a.C., compreendendo o período histórico de Roma, a qual domina a bacia do Mediterrâneo. Época, também, que se lançam os alicerces da elaboração técnica do direito privado, que brilha na época seguinte (clássica). Época que surge o "direito das gentes" e o "direito honorário", sendo este último, praticado perante o magistrado (Cretella, 2001:11).

4. É o período de grande decadência sob o aspecto político e jurídico, compreendido entre 284 d.C. e 565 d.C., época em que o cristianismo aparece como fator importante para as transformações do direito.

5. "Como conseqüência, greve de grandes proporções agita os plebeus que se retiram, em massa, para o monte sagrado. Sem a participação da parte mais numerosa e trabalhadora da Cidade, esta fica paralisada" (Cretella, 2001:31).

6. Este período é também denominado de período arcaico. Estende-se do ano 753 a.C., até 510 a.C..

7. Segundo Tucci (Tucci, 2001:76), "do ponto de vista da cronologia, essa nova modalidade de processo teria surgido no transcorrer do século III a.C., á época da expansão mediterrânea de Roma (1ª Guerra Púnica — 264-241 a.C.), coincidindo com problemas gerados pelo comércio internacional" (Tucci, 2001:76).

8. "O processo formular nasce no vigor das ações da lei, como alternativa mais moderna, menos formalista, mais ágil e funcional do que aquelas" (Tucci, 2001:76).

9. A primeira fase ocorre in iure — diante do magistrado, que órgão da iurisdictio, (ou de um delegado seu), e é destinada a colocação da controvérsia e preparação do prejuízo. A segunda fase, apud iudicem ocorria diante de um órgão judicante (por regra era um iudex unus privado) designado pelo magistrado em acordo com as partes, no âmbito de uma lista de pessoas detentoras de certos requisitos, a menos que as partes não estivessem inicialmente de acordo sobre o nome da pessoa idônea não inscrita na referida lista, mas que poderia ser constituída, para determinados tipos de controvérsia ou para questões individuais concretas, de um colégio de reciperatores (recuperadores) escolhidos da listagem (Figueira Júnior, 2001:28).

10. O principado ou alto império é a fase compreendida entre 27 a.C. e 284 d.C.

11. Dominato ou baixo império foi a época compreendida entre 284 d.C. e 410 d. C.

12. Ora, incorreu em erro, pois, se aquela é um dispositivo contratual onde as partes prevêem que a solução de conflitos que possam vir a aparecer será resolvida pelo meio da arbitragem, impossível seria estabelecer seus limites e características, antes mesmo que se chegasse a um desacordo (Carmona, 1998).

13. Ada Pellegrini Grinover, em parecer sobre o anteprojeto criticou duramente o corporativismo embutido no que seria a cláusula 1.079 do Código Processual, sendo aprovado por unanimidade pela própria OAB (Ada Pellegrini Grinover, In Carmona, 1998: 21).

14. Pessoas físicas e jurídicas, públicas e privadas, instituições governamentais, associações de classe, representantes de setores importantes da economia e da sociedade de forma geral, políticos, profissionais liberais, enfim, uma grande parcela dos indivíduos que movimentam, de uma ou de outra forma, a nação.

15. Resguardadas exceções que são tratadas em leis especiais. Como exemplo, temos as sentenças que versam sobre alimentos, que não fazem coisa julgada definitiva, e as sentenças que põem termo ao processo considerando o aspecto formal.

16. Juízes representantes do Estado, invertidos com o poder da jurisdição estatal; funcionário público estatal.

17. Posteriormente, os Juizados Especiais Federais.

18. O instituto da arbitragem sempre esteve presente no ordenamento jurídico. Porém, vários foram os fatos que impossibilitaram sua utilização, em termos práticos.

19. A relação, segundo o professor Carmona, entre o árbitro e o juiz (estatal), é de coordenação (e não de subordinação), para efeito de tornar o último eficazes as determinações do primeiro. Entende tratar de divisão de competência que não comporta invasão de parte a parte: ao árbitro cabe a verificação da necessidade e utilidade das provas, enquanto ao juiz, a legitimidade do provimento arbitral através da conferência da regularidade da investidura do árbitro (Carmona, 1998:213)

20. As partes podem adotar procedimento semelhante ao praticado na common law, denominado discovery, através do qual os contendentes obrigam-se a permitir a verificação pelo adversário de todos ou alguns documentos relativos a determinado negócio praticado.

21. Segundo Nelson Nery Jr. (Nelson Nery Jr. In Figueira Júnior, 1999:227), "O elenco mencionado no artigo 162 do CPC é exemplificativo, pois nomeados apenas os pronunciamentos do juiz".

22. Em regra, essa primeira análise de competência versará sobre a indisponibilidade dos direitos e sobre a capacidade civil das partes.

23. A professora Thereza Alvim prefere utilizar a expressão "questões prévias" por deverem ser decididas logicamente antes das outras, por manterem entre si uma vinculação de subordinação lógica. Distinguem-se as que são preliminares e as que são prejudiciais (Thereza Alvim In Figueira Júnior, 1999:230).

24. Segundo Carmona (Carmona, 1998) a utilização dos termos sentença arbitral e laudo arbitral devem ser entendidos como sinônimos. Entende ainda não quebrar a tradição do sistema processualista, até porque há grande divergência no ordenamento jurídico mundial.

25. Carmona entende quanto à natureza jurídica, a sentença arbitral divide-se em três grupos: declaratória, condenatória e constitutiva, diferentemente da posição adotada por Joel Dias Figueira Júnior, quanto a classificação das sentenças, tendo como base a sua natureza jurídica.

26. Ensina Joel Dias Figueira Júnior que da sentença arbitral "não caberá qualquer tipo de recurso, ressalvados os embargos de declaração que serão redigidos aos próprios árbitros (art. 30), ou homologação pelo Poder Judiciário (art. 18), assim como as partes não poderão submeter novamente o mesmo litígio à apreciação do Estado-Juiz" (Figueira Júnior, 1999:260).

27. Para Joel Dias da Figueira, ressalvada a data e o lugar onde foi proferida (Figueira Júnior, 1999).

28. Conforme aduz o artigo 31, da Lei 9.307/96, litteris: "A sentença arbitral produz, entre as partes e seus sucessores, os mesmos efeitos da sentença proferida pelos órgãos do Poder Judiciário e, sendo condenatória, constitui título executivo".


Autor


Informações sobre o texto

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LIMA, Carlos Guilherme de Abreu e. Lei de arbitragem: quebra do monopólio jurisdicional estatal?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 7, n. 60, 1 nov. 2002. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/3442. Acesso em: 2 maio 2024.