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Um réquiem às condições da ação.

Estudo analítico sobre a existência do instituto

Um réquiem às condições da ação. Estudo analítico sobre a existência do instituto

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"Até quando, ó Catilina, abusarás de nossa paciência?"


Sumário: 1. À guisa de justificativa. 2. O direito positivo e o sistema tricotômico de categorias processuais. Análise crítica. 3. Excertos de pensamento de Liebman sobre jurisdição e ação. A teoria eclética da ação. 4. Crítica à concepção de Liebman sobre a ação e jurisdição. A incoerência de nosso Código de Processo Civil. 5. Posicionamentos doutrinários justificadores das condições da ação. Crítica. 6. Outras terminologias. 7. É possível falar-se em exercício irregular do direito de ação ou de nenhum direito de ação? 8. As categorias processuais: pressupostos processuais e mérito. A equivocidade da expressão condição de ação. 9. Carência da ação e improcedência: importância da distinção conceitual para efeitos da produção de coisa julgada material. Reposicionamento dogmático das chamadas condições da ação. Conclusão. 10. Considerações iniciais sobre a possibilidade jurídica do pedido. 11. Nosso posicionamento anterior. Evolução. 12. Direito positivo. Crítica. 13. A possibilidade jurídica como concessão à concepção concretista do direito de ação. 14. Posições doutrinárias explicativas da possibilidade jurídica do pedido. Crítica. 15. A posição de Eduardo Ribeiro de Oliveira. 16. Síntese da nosso proposta hermenêutica.


1. Tutela específica, tutela cautelar, tutela antecipada; instrumentalidade e efetividade do processo; deformalização; ação civil pública, ação monitória, ação declaratória de constitucionalidade; juizados especiais, arbitragem, reforma do código de processo etc., enfim, são tantos e tão importantes os temas que pululam diariamente nas mesas dos nossos juristas, que cutucar a Teoria Geral do Processo, mais precisamente no que concerne ao vetusto direito de ação, soaria, ao leitor desavisado, simples fetichismo; mera lucubração descabida; inoportuno exercício de retórica; logomaquia, ou, até mesmo, necrofilia. Não sem motivo. A dificuldade que a Ciência Processual vem enfrentando, nos últimos lustros, para assegurar a efetividade do comando constitucional consagrador do acesso à justiça, em face das inelutáveis transformações sociais, políticas e econômicas de um pragmatismo por vezes cego – ao menos caolho – no pensamento jurídico nacional, que se revela na busca sequiosa por meios de facilitarporque passamos, tem gerado uma onda e acelerar o processo de administração da Justiça, seja importando técnicas já consagradas em outros países (ação monitória), seja engendrando mecanismos nitidamente brazucas – alguns verdadeiramente dignos de encômios, outros, nem tanto.E essa busca pelo resultado, pela prestação jurisdicional efetiva, pela solução tão mais rápida quanto possível dos conflitos, desviou a atenção dos nossos mestres para assuntos já então tidos por inquestionáveis ou meramente teoréticos O estudo sobre o direito de ação aparece freqüentemente nos obituários jurídicos de nossos professores – e é nesse necrológio que se encontram as condições da ação, tema que reputamos, sem hesitação, como dos mais áridos e mal explicados em toda a seara processual. Não escapou à percepção de Marinoni o fato de que a questão do acesso à Justiça implica o repensar dos institutos processuais, inclusive quanto à produção de coisa julgada material pela sentença que declara a carência de ação – exatamente por se tratar, conforme pensamos, de aspectos do direito material O objetivo destas rápidas linhas é exatamente questionar o instituto "condição da ação", inclusive quanto à sua existência, à luz do eterno desafio da administração efetiva da Justiça, cotejando-o, em particular, com o dispositivo constitucional que consagra o direito de ação. Escrever de lege ferenda é sempre um ato meio quixotesco. No particular, então, a situação torna-se ainda mais preocupante, porquanto boa parte da intelligentsia processual brasileira já tenha aderido à doutrina liebmaniana, que preconiza a categorização das condições da ação – teoria essa inclusive adotada por nosso Código, de forma deliberada –; situação que levou mestres do quilate de Moniz de Aragão e Humberto Theodoro Jr. a desenganar todo aquele que, por discordar da teoria dominante e adotada pelo direito positivo, porventura queira reformulá-lo, adequá-lo ou questioná-lo. Ao aplicador, sem dúvida, resta pouca margem de questionamento: o código adotou-as, alçando à causa de extinção do processo sem julgamento do mérito a carência de quaisquer delas. Afora a nítida impropriedade desta solução, ao julgador é exigido, entretanto, o mínimo de respeito às instituições, para que a aplicação irrestrita de uma teoria perneta não cause ainda mais males do que a sua própria existência já causa por si mesma. Ao jurista, no entanto, o campo de especulação é mais extenso. Cabe-lhe apontar, entre outras coisas, os manifestos equívocos legislativos no trato de matéria, interpretando a norma não apenas de acordo com seu código genético, mas em confronto com todo sistema, de forma a dar-lhe o mínimo de coerência e aplicabilidade. Em momento brilhante, ensina-nos Adroaldo Furtado Fabrício que nada impede "que se questionem os critérios do legislador, em nível doutrinário e até com vistas a uma interpretação e análise crítica dos textos que possa eventualmente relativizar a adesão do legislador a conceito tão polêmico, ainda sujeito a tormentosa controvérsia e tenaz oposição.O silêncio sobre o assunto em nada ajuda na explicação destas realidades jurídicas. Propomos, a partir de agora, o debate.


2. A citação escancarada de Cícero não é mera maquiagem para esconder uma malformação cultural; tem por razão, tão-somente, ilustrar da melhor maneira possível a nossa posição sobre o problema. Acreditamos que as condições da ação devem ser extraditadas, em definitivo, do nosso ordenamento (assim como Catilina, de Roma), por se constituírem em equívoco do legislador que nos tem levado a outros equívocos, em razão de perplexidades até agora não solucionadas, as quais teimamos, por devoção ao santo, em mal-resolver com a aplicação cega e irrestrita de uma teoria que se mostra falha em sua essência. Abyssus abyssum invocat, diziam os Salmos de Davi. Eis porque fizemos questão de emprestar a esse nosso brado a força e a contundência de uma das Catilinárias. O nosso Código de Processo seguiu a teoria de Liebman, adotando uma tricotomia de categorias processuais: condições da ação, pressupostos processuais e mérito Embora um tanto assistemático, o nosso diploma processual refere-se aos condicionamentos da ação em dois momentos: quando trata da ação (art. 3º), referindo-se apenas ao interesse processual e à legitimidade – cópia quase literal do art. 100 do Código italiano,e ao elencar os casos de extinção do processo sem julgamento do mérito (art. 267, VI), quando finalmente menciona a possibilidade jurídica – curiosamente, sem o complemento "do pedido".É o quadro normativo. Entendemos que o legislador, além de incoerente em vários pontos, andou mal em seguir deliberadamente uma teoria que, à época, já havia sido revista, ainda que em parte, por seu pai (como é sabido, Liebman, na 3ª edição do seu "Manuale" já não mais mencionava a possibilidade jurídica do pedido como condição da ação). Neste particular, seguimos o mestre Calmon de Passos, que já em 1960, por ocasião de sua tese à cátedra (fundamental para quem se propõe a um estudo minucioso sobre o tema),defendia a postergação das condições da ação do nosso ordenamento,bem como Pontes de Miranda, que simplesmente as ignora, falando em pressupostos processuais e pré-processuais. O mestre das Alagoas, inclusive, com costumeiro brilhantismo, afirma que a simples referência às condições da ação como categoria autônoma seria um resquício da concepção privatística do processo. Outros doutrinadores nos apóiam nesta empreitada; citá-los-emos ao longo da exposição. O problema das categorias do processo se nos apresenta, portanto, de forma mais singela: trata-se do binômio pressupostos processuais/mérito da causa. Além da adoção de uma categoria equívoca, falha o legislador ao regrar a produção de coisa julgada material das sentenças que declaram a chamada carência de ação, pois finge não se analisar a relação jurídica de direito material quando se reconhece a carência de ação.Esse é ponto nevrálgico da questão, o qual discorreremos ao longo de todo o ensaio.


3. A teoria de Liebman, que engendra as condições da ação como pressupostos de admissibilidade do exame do mérito, funda-se em um conceito de jurisdição a nosso ver bastante equivocado e por nosso legislador, paradoxalmente, não seguido. Por exercício do poder jurisdicional, entende Liebman, a decisão sobre o mérito da causa, derivando daí que não há ação nem exercício da função jurisdicional onde não estejam presentes as condições da ação Nesta linha de raciocínio, a existência da categoria condições da ação se justifica. Salta a olhos vistos, entretanto, que se trata de uma teoria obtusa, fundada em premissas falsas, pois, claramente, quando se extingue o processo, declarando carecedor de ação o autor, há ação, jurisdição e processo. Ou então teríamos de dizer, efetivamente, que natureza têm esses fenômenos jurídicos.remos excertos do pensamento de Liebman sobre jurisdição: "... no processo de cognição somente a sentença que decide a lide tem plenamente a natureza de ato jurisdicional, no sentido mais próprio e restrito. Todas as outras decisões têm caráter preparatório e auxiliar: não só as que conhecem dos pressupostos processuais, como também as que conhecem das condições da ação e que, portanto, verificam se a lide tem os requisitos para poder ser decidida. Recusar o julgamento ou reconhecê-lo possível não é, ainda, propriamente, julgar: são atividades que por si próprias nada têm de jurisdicional e adquirem esse caráter só por ser uma premissa necessária para o exercício da verdadeira jurisdição. Sobre a ação, o mestre italiano defendia uma conceituação intermediária entre a concepção concretista e a abstrata, também chamada teoria eclética, como forma de adequá-la ao conceito de jurisdição já anunciado. Afirma ser a ação o direito de provocar o julgamento do pedido, sendo abstrata porque esse julgamento inclui as hipóteses em que ele, o pedido, seja julgado procedente ou improcedente. Repele a teoria abstrata pura, que defende a possibilidade de requerer aos órgãos jurisdicionais uma decisão, seja ela qual for, inclusive a de denegar a apreciação do pedido, pois descaracterizaria o direito de ação como direito subjetivo, porque competiria a todos, em qualquer circunstância, identificando-o com o direito constitucional, e não com a concepção processualista da ação Eis as bases do pensamento de Liebman. Passaremos a expor a nossa posição sobre o problema, tentando evidenciar a incoerência dos postulados do mestre italiano, bem como a infelicidade de nosso legislador, ao seguir seus ensinamentos.


4. A existência do instituto "condição da ação" dependerá do que se entenda, em nível de direito positivo, por ação e jurisdição. Nosso Código seguiu a doutrina do direito de ação abstrata e autônomo, bem como considerou que o provimento judicial terminativo pusesse fim ao processo, sendo induvidosamente jurisdição. Nessas condições, acreditamos ser absolutamente incabível a aplicação in totum da teoria de Liebman em nosso ordenamento, que, conquanto a tenha acariciado em vários pontos, tratou de rejeitá-la em tantos outros, fulcrais para a sua validade – crítica também já feita por Barbi, muito embora sem polemizar sobre o instituto. É, portanto, nitidamente incoerente. A concepção de um direito de ação condicionado apenas se justifica para aqueles que o entendam como direito a um provimento sobre o mérito, e a jurisdição, como a prestação jurisdicional que componha a lide. Não seguimos essa linha de raciocínio. A sentença (sim, é sentença!) que declara inadmissível o exame do mérito (análise puramente processual) é tão sentença (jurisdição) quanto aquela que declara inexistente o direito material invocado. Dizer que a atividade do magistrado, neste caso, não é jurisdição nos parece absurdo e arbitrário mesmo que mentes brilhantes já o tenham feito – queremos crer que hoje não mais paire controvérsia a respeito do tema. Dizer, por outro lado, que, quando o juiz extingue o processo sem julgamento de mérito, por reconhecer inexistente uma das ditas condições da ação, não houve exercício do direito de ação, na lúcida observação de Calmon de Passos, é uma arbitrariedade. Ora, quem foi que disse que, ao dizer o direito ("juris dicere", "jurisdizer", jurisdição), o juiz apenas aplica o direito material? Onde isso está escrito? No Decálogo, Corão ou Talmud? Como podemos chegar a essa conclusão? Para os conceitos de administração da justiça, prestação jurisdicional e jurisdição apenas entra a aplicação do direito objetivo material? Impossível fugirmos da citação de Pontes de Miranda, ao defender que a ação rescisória protege também o direito processual, para, com a sua autoridade, ajudar-nos: "Primeiro, porque o direito processual é tanto direito quanto o material, e fora arbitrário distingui-los, considerando-se, a um, digno de vigilância e de retomada da prestação jurisdicional, ao outro, não. É falso que o processo só tenha por fim realizar o direito material; ele procura realizar o direito objetivo, material ou formal. Limitar o direito de ação apenas à declaração de cabimento ou não de determinada fattispecie prevista na lei material ("si riferisce ad una fattispecie determinata ed esattamente individuata"), fazendo pouco caso do próprio direito objetivo formal, é, também, violentamente e sem autorização, restringir o conceito de jurisdição, que se tornaria mera aplicação do direito material, ou considerar que o direito objetivo formal não é, nem nunca foi, digno de aplicação – o que é em si mesmo algo esconso e paradoxal. É mera opinião pessoal do doutrinador; não se trata de ciência. Desprezam-se conceitos básicos da ciência processual; há nítida incoerência, pois não explicaria a existência, nestes casos, de jurisdição e processo (que efetivamente existem; inclusive, é assim que o Código trata desses fenômenos), sem ação, pois são conceitos correlatos. "A aceitar-se integralmente a doutrina de Liebman, ter-se-ia processo sem ação, muito embora não iniciado de ofício. Enfim, consideramos construção teórica de fundamentação dogmática bastante frágil, inaplicável em nosso ordenamento, por mais que as meras palavras da lei digam o contrário. Lembremos de São Paulo, na segunda epístola aos Coríntios, 3:6: "Littera enim occidit spiritus autem vivificat" ("porque a letra mata, mas o espírito vivifica"). Quando Liebman, criticando a teoria concretista de Wach (Rechtsschutzanspruch), afirma que ela não explica os casos em que a ação é julgada improcedente (sic) arma a sua própria arapuca, pois é patente que seguindo as suas convicções não explicaríamos: a) qual a natureza jurídica do ato que extingue o processo por carência de ação b) se não houve ação, porque o Estado se manifestou para aplicar o direito objetivo e impedir o curso regular do processo? c) o que justificaria, então, já que não houve ação, a movimentação do aparelho jurisdicional, como pergunta Barbi? Entre outras perguntas que permeiam toda a discussão que ora travamos. Liebman não esclareceu essas questões. Seu silêncio, lembra Calmon de Passos, autorizou a severa e letal crítica que lhe fez Guillén, que, além de alguns dos questionamentos que já fizemos, assevera, com pena de ouro, que se naqueles casos não há processo "impunha-se duplicar a teoria geral em duas (para processos com ação e para processos sem ação); com a circunstância, entretanto, de que, no início de todos eles, não se podendo saber (segundo Liebman) se a ação existe ou não, a pertinência de um determinado processo a uma ou outra teoria geral somente seria determinável a posteriori. O mais grave, contudo, na concepção eclética da ação, é a sua roupagem de modernidade; autoproclama-se abstrata, mantendo, entretanto, íntima relação com o concretismo. Já apontado por Calmon de Passos, o ecletismo da teoria liebmaniana voltou à tona com a contundente crítica formulada por Ovídio Baptista da Silva – corroborada por Luiz Guilherme Marinoni –, quando o considera o maior problema do pensamento do mestre italiano. Lembra o Professor da Escola de Curitiba, que Liebman defende que as condições da ação não resultam da simples alegação do autor, mas da verdadeira situação trazida a julgamento, podendo a análise de sua verificação ocorrer durante a instrução do processo, pouco importando o momento procedimental – "é suficiente que as condições da ação, eventualmente inexistentes no momento da propositura desta, sobrevenham no curso do processo e estejam presentes no momento em que a causa é decidida Lembra-nos, ainda, "o verdadeiro pânico que toma conta dos operadores jurídicos quando se defrontam com casos como o da ação reivindicatória, na qual o juiz, após a instrução, verifica que o autor não é proprietário." O que deveria o magistrado, nestas situações, fazer? Extinguir o processo sem julgamento do mérito, por ilegitimidade, ou julgá-lo improcedente, porque o autor não tem o direito material vindicado? Perguntamos nós: será que o autor, realmente, não tinha ação? O Estado teria gastado toda aquela energia para nada? Terá sido um mero favor estatal? "Podemos dizer, sem medo de errar, que a teoria que aceita que o caso é de carência de ação está muito mais perto do concretismo do que pode imaginar.


5. Às vezes, a sanha nos leva a lamentáveis equívocos. Osvaldo Afonso Borges considerou o indeferimento da inicial mera função público-administrativa de fiscalização da lei processual.como se a "outra", a jurisdição propriamente dita, pudesse ser classificação de função público-administrativa de fiscalização da lei material (?); como se o direito objetivo fosse dois; como se a divisão formal/processual não fosse meramente didática; como se o juiz também não estivesse submetido à lei processual, o que levaria ao paradoxo de ser o juiz fiscal de sua própria atuação. A idéia, muito embora bem intencionada, data venia, deve ser desconsiderada. Não tem razão Donald Armelin, quando tenta distinguir condições de ação e mérito: "... a existência de uma esfera preliminar ao exame do mérito é o resultado da atuação de princípios de técnica e economia processual respaldados por lei. Com isso se objetiva impedir que processos oriundos de exercício irregular de um direito de ação ou de nenhum direito de ação (no sentido de direito a um exame de mérito) cheguem a se prolongar, ensejando decisões ineficazes ou rescindíveis, com manifesto prejuízo para todos, partes e órgãos jurisdicionais. A "atuação de princípios de técnica e economia processual" se dá de forma enviesada, pois ao "condicionar" o exercício do direito de ação a aspectos atinentes ao direito material, não o faz de forma a tornar tais decisões definitivas e imutáveis (coisa julgada material), possibilitando que se discuta em outros processos a mesma questão – quantas vezes quisermos, pois não implica perempção. Que economia é essa? Que forma mais troncha de se evitar "decisões ineficazes ou rescindíveis, com manifesto prejuízo para todos", não? A utilidade da medida é a de um placebo. Há quem ainda, na valorosa ânsia de buscar aplicabilidade e coerência ao instituto, para salvá-lo, elabora teorias que, em nível de direito positivo, são aplicáveis, embora permaneçam equivocadas. Kazuo Watanabe e Flávio Luiz Yarshell defendem que as condições da ação devam ser aferidas de acordo com a afirmativa do autor na petição inicial, in statu assertionis – à vista do que se afirmou na petição inicial, abstraindo-se as possibilidades que se abrirão ao julgador no momento do juízo de mérito As condições da ação não seriam analisadas sumária e superficialmente, de forma a permitir-se uma outra análise por ocasião do saneamento. "O que importa é a afirmação do autor, e não a correspondência entre a afirmação e a realidade, que já seria problema de mérito. A teoria não tem como vingar. Se o autor afirma, na inicial, que quer prestação alimentícia de seu amigo de infância, que brigou com ele depois de vinte anos de amizade, faltar-lhe-ia legitimidade para a causa; mas diria também o juiz, afirma Marinoni com acerto, que o autor não tem pretensão de direito material, e, por conseqüência, ação materialPontes de Miranda – o que é problema de mérito. Trata-se o caso de improcedência prima facie, ou como diria Marinoni, improcedência macroscópica. Os questionamentos exaustivamente feitos continuam sem resposta.


6. Com mais razão estão Barbosa Moreira e Hélio Tornaghi,que de há muito vêm defendendo uma mudança na terminologia empregada por nosso código. Sugerem a expressão "condições do exercício legítimo do direito de ação", em substituição à nossa malsinada "condições da ação", pois, como já tentamos demonstrar, os referidos requisitos nada dizem quanto à existência do direito de ação (incondicionado), apenas quanto a seu exercício. No geral, não há reparos a fazer na lição dos mestres, que tentam, ao menos, emprestar um pouco de coerência ao instituto. Watanabe tenta adequar a construção liebmaniana às suas convicções abstrativistas, ao denominá-las de condições para o julgamento do mérito da causa. Belas construções, sem dúvida. Mas são paliativos ou meras correções redacionais. Como pretendemos ser um tanto quanto iconoclastas, não nos servem em nível de especulação científica – tão-somente, como frisamos, nos servirá para efeitos de análise de direito positivo. Não há razão em se estabelecer uma terceira categoria processual, tampouco em erigir as ditas condições da ação – que como já fizemos antever, ou dizem com o mérito, ou são pressupostos de existência e desenvolvimento válido do processo, a depender de como se as encarem –, de forma estanque, em requisitos para o exercício legítimo da ação, pois em última análise, os casos de litigância de má-fé também seriam situações de exercício legítimo do direito de ação. Muito embora dogmaticamente aceitável e de muitos méritos pela coerência, as teorias não enfrentam a questão da coisa julgada material e não pugnam pela extinção da categoria – pontos, para nós, fundamentais. É, entretanto, repita-se, o que há de melhor em se tratando de terminologia e coerência. Pela iniciativa, aplausos.


7. É possível falarmos em "exercício irregular do direito de ação ou de nenhum direito de ação", quando não são preenchidas as malditas condições da ação? Não. Para ser exercido irregularmente, é necessário que, em primeiro lugar, ele exista; não há, então, como defender que o autor careceria de ação – seria um contra sensu. Com toda razão Tornaghi quando afirma que de carência de ação se falaria com propriedade se se entendesse que a própria existência do direito de ação depende daqueles requisitos. Que pode haver exercício abusivo ou irregular do direito de ação, como de resto com qualquer espécie de direito, é, a nosso ver, induvidoso. Mas não se justifica que, contrariando princípios de lógica comezinhos, se diga que o autor terá carecido do direito de ação e, ao mesmo tempo, terá abusado dele. A expressão "êxito da ação" cunhada por Liebman é cabível? Também não, por óbvio. A ação sempre terá êxito, porquanto, pelo menos, haverá pronunciamento jurisdicional sobre a ausência de requisitos legais para que o processo prossiga. Se condições da ação são esses requisitos, para que o mérito da lide seja apreciado (para que o processo vá adiante, até seus ulteriores termos), o que seria, então, o espaço de tempo que medeia a propositura da ação e o despacho saneador ou extinção liminar do processo? Nada? Zona cinzenta? Não houve acionamento do aparelho jurisdicional estatal? O juiz não aplicou o direito objetivo? Que espécie de atividade o juiz realizou? Não houve jurisdição? Não houve processo? Então fica combinado: vamos fazer de conta que nada aconteceu e fenômenos induvidosamente jurídicos ficarão sem explicação. "Pare o mundo que eu quero descer...", diria um poeta baiano. Podemos falar, portanto, em possibilidade de não existir direito de ação? Diante de nosso ordenamento, que consagra o acesso à justiça em sede constitucional; que acolhe a teoria abstracionista, desvinculando o direito de ação do direito material; que veda, em regra, a instauração de processo de ofício, entre outras considerações que vimos fazendo, em nosso sentir, é conclusão a que jamais podemos chegar. Trata-se de fato inegável, portanto, que, quando haja extinção do processo sem julgamento do mérito, haverá exercício do direito de ação assim como jurisdição, pois se aplica o direito ao caso concreto, ainda que para dizer que o autor não preencheu determinadas condições ou requisitos impostos pela lei processual (também direito) para que o processo prossiga regularmente. O dizer-se abstrato e autônomo o direito de ação já elimina qualquer possibilidade de falarmos em êxito ou fracasso da ação, pois se o processo, p. ex., for extinto por vício de forma, terá havido ação; se o processo tiver sido extinto por ausência de uma das condições da ação, também terá havido ação, pois o Estado, obrigado a manifestar-se sobre a pretensão deduzida, que também possui caráter processual, cumpriu o seu ofício, aplicando o direito objetivo (direito processual, que seja) ao caso concreto. Com razão, ainda, Theodoro Jr. quando pontua o equívoco das expressões "ação procedente" e "ação improcedente", mesmo para os adeptos da teoria do eminente mestre de Pávia, pois: a) procedência e improcedência são termos atinentes ao pedido (um dos elementos da causa); b) uma vez admitida a ação, segundo a teoria dominante, quando presentes as suas condições, não mais se questionaria da sua procedência, pois direito à prestação jurisdicional não se confunde com a existência do direito material, como queriam fazer crer os concretistas; c) como já fizemos crer, não há, simplesmente, que se falar em procedência ou não da ação, pois em qualquer caso o Estado haverá de pronunciar-se sobre a demanda, ou seja, sempre a ação terá procedência.


8. Os adeptos da teoria dominante entendem que a categoria "condições da ação" é estranha ao mérito, tampouco pertencendo à órbita dos pressupostos processuais. Constituir-se-ia, na lição de Adroaldo Furtado Fabrício, em um círculo concêntrico intermediário entre o externo, correspondente às questões puramente formais, e o interior, representativo do mérito da causa. Hoje não mais se discute sobre a existência de duas esferas bem distintas: a processual e a material.Não mais se discute, também que a ação pertence à esfera do processo, bem como é um direito abstrato e autônomo em relação ao direito material a que está conexo e a que serve de instrumento de realização – e não há confundir, como diz Marinoni, instrumentalidade do processo e neutralidade do processo em relação ao direito material. Partindo destas premissas, não nos parece razoável entender como pode estar condicionado o exercício do autônomo e abstrato direito de ação a elementos que hão de ser verificados no direito material: seja o seu respaldo no ordenamento jurídico, seja a sua titularidade. Entre questões de mérito e questões de rito não há uma terceira espécie, porque todas as questões ou são regidas pela lei processual ou pela lei material. Sem qualquer razão, portanto, Liebman, quando identifica as "condições da ação" com categoria intermediária entre os pressupostos processuais e o mérito. Sendo a ação, induvidosamente, um instituto processual, não nos é aceitável que se pretenda resposicioná-lo como se fosse realidade distinta deste, como se pertencesse a outro mundo. Sejamos mais claros: aquilo que se poderia (mera conjectura) entender como condição da ação, em análise mais precisa, seria pressuposto de processo. A diferenciação entre um e outro, para nós, portanto, é descabida. E diz mais o professor baiano Calmon de Passos, em sucinto arremate: "... é injustificável que se desvinculando a existência do direito de ação da existência do direito material se persista no falar em condições da ação, como se ela fosse condicionada. A existência desta categoria processual autônoma, distinta e descabida, afora todos os senões de ordem dogmática que já tentamos expor, encerra o prejuízo do equívoco que sugere, pois "compromete o legislador, o magistrado ou o estudioso com uma concepção do direito de ação em face da qual, e somente em face da qual, o termo seria aceitável e explicaria algo", ensejando sérios e desnecessários equívocos. O jurista trabalha apenas e tão-somente com palavras, que sofrem, por sua própria natureza, da pobreza da linguagem; o cuidado com elas – com o "falar", na prédica de Tiago –, apresenta-se, pois, como em poucos outros ramos do conhecimento, imprescindível. O instituto, enfim, não se justifica. Até quando, ó Catilina, até quando?


9. Como a impossibilidade jurídica do pedido, a ilegitimidade ad causam e a falta de interesse processual são realidades jurídicas – e estão previstas em nosso ordenamento –, a sua simples desconsideração não seria a atitude correta de um estudioso. O erro não consiste na sua identificação, mas, sim, no seu enquadramento em nova ou diversa categoria, o que, para além da mera terminologia, sempre acarreta terríveis males, pois se emprestam a essas realidades atributos que ou não possuem ou não merecem. O que hoje se entende como condição da ação ou é mérito (legitimidade ad causam e possibilidade jurídica do pedido) ou é, no mínimo, pressuposto processual (interesse de agir) – há quem, como Marinoni, entenda que também quanto ao interesse de agir se estaria analisando o mérito. A distinção conceitual entre carência de açã o e improcedência, criticada, em razão de suposta inocuidade, por Chiovenda, como bem lembra Barbi (que não se posiciona conclusivamente a respeito), tem importância fundamental, pois os regimes de produção de coisa julgada material, em nosso direito, para ambas, são distintos. Nosso legislador se utilizou de terminologias distintas para identificar situações materialmente iguais: a sentença que declara a carência de ação (por ilegitimidade de parte e impossibilidade jurídica do pedido, ao menos) é ontologicamente igual àquela que julga o pedido improcedente. E o equívoco da terminologia diversa levou ao equívoco do tratamento também diverso quanto à produção de coisa julgada material – o que não se justifica No caso de carência de ação por falta de interesse processual, a situação, conquanto distinta, para alguns, leva-nos à conclusão semelhante. Ora, se entendermos que a carência de interesse processual, como é conhecido, leva a uma análise puramente processual, não é razoável que se elabore uma nova terminologia para identificar tal situação, porquanto plenamente subsumida àquela em que o processo é extinto pela ausência de pressupostos processuais de formação ou desenvolvimento válido e regular do processo. São inúmeros, portanto, os prejuízos causados à conquista social do direito de ação constitucionalmente assegurado, hoje induvidosamente incondicionado. Vincular, de qualquer forma, o direito de ação ao direito material é retrocesso. Em tempos em que se considera o direito de ação como garantia constitucional, direito político mesmo, pois consubstancia a participação do cidadão no processo de formação de uma manifestação do poder estatal – dizer e aplicar o direito – falar em condições da ação soa como um triste lamento nostálgico. Não fossem apenas os inúmeros equívocos que sugere, o instituto até hoje não foi bem explicado pela doutrina, que, para justificá-lo, constrói teorias frágeis e que nos causam, a todo momento, perplexidades, pois não as conseguimos aplicar na prática. O primeiro passo para a solução destes problemas seria banir o instituto da legislação – deixando-o à deriva, em busca de algum doutrinador que o acolha em seguro porto, o que certamente ocorreria... Talvez seja exigir demais. Talvez não.


10. Tida por Moniz de Aragão como "um dos aspectos menos versados da teoria da ação e por Calmon de Passos como "uma invenção nacional", a possibilidade jurídica do pedido é, sem sombra de dúvida, a mais esdrúxula e despropositada das condições da ação. Em substituição à categoria denominada por Chiovenda de "existência do direito" (fiel ao concretismo), também considerada como condição da ação, criou Enrico Liebman a possibilidade jurídica do pedido, com a manifesta preocupação de extremá-la do mérito – talvez por isso se tenha utilizado da palavra "possibilidade", que denota aquilo que pode ser, e não aquilo que necessariamente será. Como nos informa o dileto discípulo do mestre italiano, o prof. Cândido Dinamarco, tendo sido permitido o divórcio na Itália, em 1970, a partir da 3ª edição do Manuale, Liebman retirou a possibilidade jurídica do rol das condições da ação, pois esse, o divórcio, era o principal exemplo de impossibilidade jurídica da demanda, passando a integrar o conceito de interesse de agir Não obstante tenha o próprio criador revisto a sua teoria, o nosso Código a adotou, ainda que de forma assistemática, como vimos, e cá estamos a debatê-la, para ao menos aprimorá-la ao que hoje se entende e espera do processo.


11. Em estudo anterior, defendemos, como forma de adequação da "invenção" ao nosso ordenamento, uma sua subdivisão: impossibilidade absoluta e impossibilidade relativa; a primeira seria o antijurídico ou "ajurídico", o pedido manifestamente proibido pelo ordenamento ou fora dele, como, p. ex., matar alguém e pedir um terreno na lua; quando à segunda, seria mera improcedência, pois não é propriamente o pedido que torna impossível a sua pretensão, mas, sim, a sua causa de pedir: p. ex., o usucapião de bem público. Defendíamos, que, no segundo caso, a sentença que extinguisse o processo haveria de produzir coisa julgada material, por entendermos não haver distinção entre esta modalidade de impossibilidade jurídica e a improcedência como a conhecemos – aqui, examinando a pretensão, o juiz repele-a, pois não a sustenta o direito. Já recomendávamos a expulsão da possibilidade jurídica do pedido como condição da ação, devendo esta integrar (em sua modalidade absoluta, pois a relativa seria improcedência), como queria o próprio Liebman, o conceito de interesse processual.Reformulamos parcialmente nosso entendimento; pensamos melhor sobre o tema. Consideramos que, outrora, fomos muito tímidos. Com efeito, a distinção que fizemos, conquanto interessante para fins didáticos, na prática, não deveria implicar diversidade de tratamento. A possibilidade jurídica do pedido não é condição da ação, e nem poderia ser, pois atine ao próprio exame do direito material: não há correspondência entre o fato alegado pelo autor com o fato legalmente previsto como embasador de sua pretensão; a fattispecie legal não incide na fattispecie material; a análise, pois, é de mérito.


12.Quando se pede, em países que não permitem o divórcio, a dissolução do vínculo matrimonial, está-se a pedir algo que o direito positivo repele; quando se pede uma determinada indenização, e o pedido foi julgado improcedente, a ordem jurídica também o repeliu. Qual a diferença, então? Ontologicamente, nenhuma. Quando o autor afirma na inicial de uma ação de usucapião que possui determinado bem imóvel por apenas dois anos, é caso de impossibilidade jurídica do pedido (exemplo clássico na doutrina); se o mesmo autor tivesse alegado na inicial que possuía o imóvel há 25 anos, e o tempo de posse fosse comprovado, ao longo da audiência, insuficiente para a usucapião, extinguir-se-ia o processo com julgamento do mérito. Há diferença entre essas duas situações? Ontologicamente, também não sucede que, por razões de economia (?), se convencionou extinguir as demandas em que houvesse manifesta inviabilidade jurídica do pedido, de logo vista quando do exame da petição inicial. Correta a intenção do legislador? Sim, sem dúvida. Pitoresca a solução? Novamente sim, sem quaisquer resquícios de dúvida. Ora, a improcedência macroscópica é apenas a forma mais avultante de improcedência, e por isso deve ser tratada com mais rigor – como já acontece com os casos de decadência e prescrição. Nosso direito, estranhamente, considera rigor excessivo a extinção prematura do processo sem julgamento do mérito. "– Não vamos permitir que o aparelho jurisdicional se movimente em razão de um pedido manifestamente repelido pelo ordenamento." O curioso é que essa medida economicamente esqueceu-se do mais elementar antídoto contra a proliferação de demandas judiciais: a coisa julgada material. Quando a inviabilidade jurídica é manifesta, é caso de improcedência prima facie, com extinção do processo com julgamento do mérito, à semelhança do que ocorre quando verificadas a prescrição ou a decadência, as quais, não obstante se configurem como exemplos de inépcia da inicial (que é causa de extinção do processo sem julgamento do mérito), geram extinção do processo com julgamento do mérito, produzindo coisa julgada material. Cabe a remissão ao quanto já discorremos sobre a matéria: "Diria o juiz, preliminarmente, ao autor, novamente de forma vulgar, mas ilustrativa: "– Beltrano, não permitirei o prosseguimento do feito, pois já sei que julgarei tua pretensão pela improcedência." Que julgue, então, ora bolas! O direito de ação consiste exatamente em obter uma decisão do Poder Judiciário sobre a matéria; e não necessariamente uma decisão pelo acolhimento do pedido" Para fundamentar nossa posição, em princípio, permaneceremos apenas no plano lógico. É razoável imaginar a situação em que o magistrado extingue o processo, dizendo que não está examinando o mérito, porque o pedido (direito material; mérito, pois) do autor é juridicamente inviável? É razoável imaginar, ainda no mesmo plano lógico, que o nosso ordenamento jurídico permite que se extinga o processo por impossibilidade jurídica do pedido, por razões de economia, mas permita que se o repita, pois não veda o ingresso de nova e idêntica ação, bem como não empresta a essa decisão força de coisa julgada material? Ao pensarmos em sentido contrário, chegaríamos ao paradoxo de conceber a possibilidade de o autor, que tivera seu processo extinto por ausência desta condição da ação, poder repeti-lo, quantas vezes o seu bel prazer assim o desejar, pois sequer perempção ensejaria a sua atitude. Ademais, seria erro primário questionar-se sobre a possibilidade de proposição de nova demanda, em caso de preenchimento de determinado requisito (como queria Theodoro Jr., pois haverá ocorrido mudança na tríplice identidade, portanto nova ação, não ensejando coisa julgada material. E lembra ainda Furtado Fabrício que alguma ulterior alteração dos dados de fato, ou possível superveniência de ius novum, pudesse elidir essa nossa conclusão, pois ocorrendo quaisquer dessas modificações, a ação também já não será a mesma, pois diversa a causa de pedir


13. A existência da possibilidade jurídica do pedido como condicionadora da ação é uma concessão ao antigo pensamento de Wach e Chiovenda, que vinculava a existência do direito de ação à existência do direito material. Com toda razão, portanto, Calmon de Passos e Marinoni, quando afirma que o pensamento de Enrico Liebman é restritivo, à semelhança dos concretistas, podendo ser colocado ao lado deles, expressando um meio termo entre a concepção tradicional e a concepção abstrata A verdade é uma só: a possibilidade jurídica do pedido foi uma grande falha, que originou outras tantas. Não obstante a reformulação do pensamento de Liebman; a incoerência de posicionamento do nosso código (cf. item 2), que conquanto tenha seguido a doutrina de Pávia, cometeu alguns "escorregões"; a inviabilidade de se condicionar um direito que é abstrato e autônomo a um outro direito, o material, a que serve de instrumento de realização, como queriam os concretistas; o sofisma de afirmar-se que não se entra no mérito quando há carência de ação em razão da ausência desta condição, "os doutrinadores nacionais continuam a tentar explicar, herculeamente e com olhos postos no texto da lei, a possibilidade jurídica do pedido como condição da ação, elaborando, para tanto, construções teóricas tão mais mirabolantes quanto infirmes".


14. Vejamos Rodolfo de Camargo Mancuso, quando tenta justificar a possibilidade jurídica do pedido: "Normalmente, a possibilidade jurídica do pedido é concebida como a necessidade da previsão, in abstracto, no ordenamento jurídico, da pretensão formulada pela parte. O que bem se compreende porque, sendo nosso sistema jurídico filiado à legalidade estrita, cabendo ao juiz fazer a subsunção do fato à norma (da mihi factum dabo tibi jus), tal atividade ficaria inviável, à míngua de texto legal que previsse, mesmo que genericamente, a pretensão formulada pelo autor". Para nós, trata-se de uma explicação sobre possibilidade jurídica paradigmática: não explica nada, apenas elenca frases lugares-comuns para justificar o injustificável. O primeiro dos equívocos está na conceituação – o calcanhar de aquiles da doutrina nacional. A possibilidade jurídica do pedido não seria a "previsão, in abstracto, no ordenamento jurídico, da pretensão formulada pela parte", pois, como bem explica o prof. Moniz de Aragão, citado, curiosamente, também pelo próprio autor: "A possibilidade jurídica, portanto, não deve ser conceituada, como se tem feito, com vistas à existência de uma previsão no ordenamento jurídico, que torne o pedido viável em tese, mas, isto sim, com vistas à inexistência, no ordenamento jurídico, de uma previsão que o torne inviável". Eduardo Oliveira complementa o pensamento do professor paranaense, para abarcar, também, as hipóteses em que o ordenamento não permita o pedido expressamente, como nos casos de permissões numerus clausus, quando haveria tanta proibição quanto o veto explícito. É a aplicação direta do princípio ontológico do direito. Que cabe "ao juiz fazer a subsunção do fato à norma" é duvidoso, pois o que entendemos é que a ele cabe verificar se o fato se subsume à norma – quando há norma –, o que é diferente. A subsunção do fato à norma ocorre quando há procedência do pedido; em caso de improcedência (impossibilidade jurídica do pedido ser atendido), não houve subsunção, direta ou por algum dos processos de integração, e exatamente por isso houve improcedência. Dizer que "tal atividade ficaria inviável, à míngua de texto legal que previsse" – e queremos entender que o autor se refere à jurisdição – é manifesto equívoco, pois distorce a função jurisdicional, limitando-a apenas aos casos de procedência, o que nem mesmo Liebman fê-lo. Enfim, ao dizer que o pedido é juridicamente impossível, o julgador aplica a norma de direito material, pois é lá que ele verifica a impossibilidade – e essa aplicação também é jurisdição. Cândido Dinamarco, brilhante jurista e discípulo dileto de Liebman, elaborou construção teórica para tentar melhor aplicar a possibilidade jurídica do pedido, por nós seguida, em parte, no estudo anterior. Demonstra, o eminente professor paulista, que a impossibilidade jurídica deve estender-se para os casos em que, embora previsto o pedido no direito positivo, haja uma ilicitude na causa de pedir, como ocorre nos casos de cobrança de dívida de jogo: a cobrança de dívida pecuniária é possível; a antijuridicidade decorre de vício na origem do crédito. O conceito haveria de ser entendido como impossibilidade jurídica da demanda. Embora coerente com seus princípios e bem intencionada, a construção não explica os questionamentos por nós já formulados: quando averiguamos a ilicitude da causa de pedir, estamos inspecionando o próprio direito material; não é algo que está à sua margem. A relação jurídica a ser composta tem como elementos os sujeitos, o objeto (o pedido) e o fato propulsor; quando se analisa o fato está-se analisando, também, o direito material. Além disso, a própria expressão "impossibilidade jurídica da demanda" é equívoca, porquanto não explica que espécie de fenômeno ocorreu até o momento em que essa impossibilidade fosse declarada. Por fim, também aqui não se justifica que se extinga o processo sem julgamento do mérito. Se a demanda é impossível, continuará a ser impossível, devendo, por isso, o Legislativo emprestar a essa decisão as qualidades de imutabilidade e indiscutibilidade. Conceitualmente, não há como diferenciar a hipótese de inexistir previsão legal ou esta existir para hipóteses de fato distintas; em ambos os casos, a conseqüência é a mesma. Não há, finalmente, como separar a análise da possibilidade jurídica do pedido da análise da causa petendi. Para quem, entretanto, quiser continuar aplicando a possibilidade jurídica do pedido, a teoria terá a sua utilidade. Um passo à frente das outras, mais coerente e corajosa é a linha de pensamento adotada pelo prof. Humberto Theodoro Jr., não menos prenhe, entretanto, de certos equívocos. Em breve síntese do seu pensamento, podemos elencar as seguintes conclusões: a) o entendimento generalizado na doutrina brasileira, de que o exame da possibilidade jurídica deve ser feito sob o ângulo da adequação do pedido ao direito material, é equivocado, pois o cotejo do pedido com o direito material só pode levar a uma conclusão de mérito (funda-se, o autor mineiro, em posição de Allorio); b) a possibilidade jurídica do pedido deve ser restringida a seu aspecto processual; c) como, ao ingressar em juízo, o pedido formulado pelo autor é dúplice (imediato, contra o Estado, que se refere à prestação da tutela jurisdicional; mediato, contra o réu, que se refere à providência material que se pretenda aplicar), a análise da possibilidade jurídica do pedido deve ser localizada no pedido imediato; d) cita como exemplo de impossibilidade jurídica a ação de acidente do trabalho, sem a discussão prévia da questão na esfera administrativa; e) diz que a distinção dos pedidos foi agasalhada pelo nosso Código, no art. 295, parágrafo único, ao cuidar dos casos de indeferimento da inicial; f) quando "da narração dos fatos não decorrer logicamente a conclusão", seria impossibilidade de direito material, com extinção do processo com julgamento do mérito; g) quando o "pedido for juridicamente impossível", seria impossibilidade jurídica de ordem processual, extinção do processo sem julgamento do mérito, pois o juiz diz que o pedido de tutela jurisdicional é insuscetível de apreciação. Como já dissemos, concordamos com o fato de a discussão sobre a possibilidade jurídica do pedido estar equivocada; de que a extinção do processo, nestes casos, deveria produzir coisa julgada material, porque decisória da lide; de que a análise, à luz do direito positivo, da possibilidade jurídica deverá ser puramente processual, e que há, de fato, uma divisão didática dos pedidos. Para mantermo-nos em linha coerente, contudo, não podemos aceitar a viabilidade lógica de o chamado pedido imediato ser recusado. Que natureza possui o ato do juiz que extingue o processo, nestes casos, senão a de sentença, provimento jurisdicional, pois? Se o pedido imediato se refere à prestação da tutela jurisdicional, qualquer que seja ela, jamais o Estado poderia negar-se a prestá-la: rejeitando a inicial, ou julgando procedente ou improcedente o pedido, o magistrado estará cumprindo a sua missão de "jurisdizer", que é inescusável. O Estado, uma vez acionado, sempre haverá de manifestar-se; ou seja, sempre haverá a tutela jurisdicional, o que nos leva à conclusão de que o "pedido imediato" jamais será "insuscetível de apreciação", jamais será impossível. Sérgio Gischkow e Eduardo Ribeiro de Oliveira, com propriedade, levantam mais um obstáculo ao pensamento de Theodoro Jr., afirmando que se ter em conta apenas o pedido imediato, sem se considerar o bem da vida que se pretende assegurar, não permite conclusão alguma sobre a possibilidade jurídica; a análise deve ser feita sob o aspecto do pedido mediato. Até porque, completamos, a distinção entre os pedidos mediato e imediato é meramente didática, não se referindo a ela o Código em nenhum momento, máxime quando regula o pedido (arts. 286 e segs., CPC). Justificar a possibilidade jurídica do pedido, com este fundamento, nos parece, pois, arbitrário. Estamos, ainda, com Calmon de Passos e Furtado Fabrício, ao defenderem que quaisquer das hipóteses de impossibilidade jurídica do pedido, seja a contida no inciso II, seja a contida no inciso III do art. 295, CPC, redundam em sentença declaratória de impossibilidade jurídica, denegatória do bem da vida pretendido, cujos efeitos devem ser os da coisa julgada material. A distinção feita por Theodoro Jr., portanto, não tem pertinência. Ademais, o exemplo de impossibilidade sugerido pelo professor da Escola de Minas não se aplica ao conceito de impossibilidade, pois o que haveria, naqueles casos, é ausência de interesse processual, pois a intervenção do Estado-juiz ainda não se faz necessária, porquanto caibam as vias administrativas. Pode-se dizer, sem medo, que se trata de um exemplo clássico de ausência de interesse de agir – e ressalte-se que consideramos o interesse de agir, como hoje se entende, como pressuposto processual. Fabrício, sem identificar com o interesse processual, comunga conosco quando afirma tratar-se de um pressuposto processual extrínseco, o que nos parece corretíssimo. O Estado não analisará se o autor possui ou não razão, até que as vias administrativas estejam esgotadas – opção legislativa. Trata-se de uma análise puramente processual, que em nada diz com o pedido, tampouco podendo ser alçada à categoria de condicionadora da existência do direito de ação. A tentativa do mestre é válida, pois se predispõe a distinguir, com precisão, as esferas do mérito e do processo, defendendo, inclusive, ser a análise da possibilidade jurídica, como vem sendo feita, uma análise de direito material – o que é inegável avanço, no pudico mundo jurídico em que vivemos. Mas, de acordo com o ponto de vista que adotamos sobre os conceitos de ação e jurisdição, já amplamente demonstrados, os quais reputamos como dogmaticamente mais aceitáveis, a construção é imprestável. Para quem defende a possibilidade jurídica do pedido, porém, será útil.


15. Eduardo Ribeiro de Oliveira elaborou o mais contundente e aceitável estudo de direito positivo sobre a possibilidade jurídica do pedido a que tivemos acesso. Não alcança o ideal, entretanto, por não pugnar pela extinção das condições da ação como categoria autônoma – o que o faz incorrer no talvez único senão do seu trabalho –, conquanto insinue não concordar com o sistema vigente e não faça as concessões dogmáticas que a doutrina nacional sói fazer. Seu pensamento pode ser resumido desta forma: a) critica com razão a conceituação da possibilidade jurídica do pedido elaborada pela doutrina nacional, pois seria caso de exame de mérito, o que colidiria com o ordenamento; b) desenvolve todo o estudo no sentido de adequar tanto quanto possível a possibilidade jurídica do pedido a uma análise puramente processual, de acordo com o que o código afirma; c) que a impossibilidade jurídica do pedido, da forma como vem sendo analisada, levaria à improcedência, e não à carência de ação, devendo o art. 267, I, CPC, "ser interpretado com temperamentos"; d) só existirá impossibilidade jurídica do pedido quando ao juiz fosse vedado a pronunciar-se sobre aquela matéria; quando não possa haver processo com aquela pretensão, e não quando a pretensão for de logo repelida por manifestamente desamparada; e) cita como exemplo de impossibilidade a proibição de exame judicial dos atos administrativos praticados com fundamento nos atos institucionais e complementares (art. 3º da EC nº 1, CF/67); f) por fim, considera que, em nossa ordem constitucional, que consagra o princípio do acesso irrestrito à justiça, a casuística de exemplos que justificassem a utilização do instituto seria pobre. A tese claudica no final. Os casos elencados pelo autor como sendo de impossibilidade jurídica do pedido correspondem, é verdade, a um exame puramente processual – o que é um tremendo avanço. Contudo, continua o jurista sem explicar, já que careceria de ação o autor em tais casos, qual o fenômeno que surge da propositura da demanda: se não houve ação, que natureza tem a movimentação processual que até ali se perpetrara? Qual a natureza do provimento judicial? O que foi que aconteceu? As questões continuam sem resposta. O equívoco, a nosso ver, consiste no não-afastamento da "condição da ação", que como dissemos é incondicionada; há ação, assim como há processo e jurisdição, nestas situações. Os exemplos citados pelo ilustre autor são casos de pressupostos de desenvolvimento regular do processo – in casu, impeditivos de ingresso no exame do mérito da demanda – como também o são: a inexistência de compromisso arbitral, a coisa julgada, a litispendência etc., considerados, inclusive, equivocadamente, por alguns, como condições da ação. O processo, que se formara, está impedido de prosseguir, por razões de conveniência legislativa. Dizer, simplesmente, que não há ação é omitir a realidade, pois permanecem inexplicados os fenômenos já apontados. Se há, no universo jurídico, dois institutos equívocos em sua essência, podemos concluir, um, com certeza, é a "condição da ação" – quanto ao segundo, não vem ao caso a menção, pois, sem dúvida, deve existir algum outro... Ressalve-se que, em se tratando de estudo de direito posto, a lição de Eduardo Ribeiro de Oliveira nos parece a mais próxima do ideal e dogmaticamente aceitável. Para além da mera utilidade, àqueles que persistem na utilização do instituto em debate, é construção fundamental.


16. Enfim, sofismas e mais sofismas, equívocos e mais equívocos surgem constantemente na doutrina como forma de explicar o inexplicável. A perplexidade é geral, pois a falha do legislador é manifesta, justificando as advertências de Barbi e Davi, a que anteriormente nos referimos. A situação de alguém pedir algo que o direito repila ou não permita expressamente, em nada difere daquela em que outrem pede algo que o direito agasalha, pois as decisões que confirmarem a repugnância ou a afeição serão conseqüência de "relações processuais substancialmente idênticas, expressivas do exercício do direito de ação do sujeito e de atividade jurisdicional do órgão, em tudo semelhante". Aplica-se o direito material – a relação jurídica está sendo composta. Entra-se no mérito; injustificável que não se produza coisa julgada material. Finalmente, para o caso de não se querer bani-la do ordenamento, defendemos a reformulação do Código de Processo – apenas para evitar e dirimir as controvérsias, pois, em uma visão sistêmica, a mudança nos pareceria desnecessária –, para que se elenque, no rol das causas de improcedência prima facie – extinção do processo com julgamento do mérito –, à semelhança do que já ocorre com a prescrição e a decadência, a impossibilidade jurídica do pedido, que, como tentamos provar, não é nem pode ser condição da ação. A inicial que contiver pedido manifestamente improcedente haverá de ser extinta liminarmente – como já ocorre –, mas a sentença declaratória da impossibilidade jurídica haverá de produzir coisa julgada material. A melhor solução, todavia, é, sem dúvida, extinguir a categoria "possibilidade jurídica do pedido", pois a sua existência autônoma é injustificável: equiparando-se à nossa conhecida improcedência (prima facie ou não), não há porque erigi-la à categoria distinta. É sem medo, portanto, que defendemos que a extinção do processo por impossibilidade jurídica do pedido, de lege lata, gera coisa julgada material (estamos, pois, com Calmon de Passos, Theodoro Jr., Eduardo Oliveira, Furtado Fabrício, entre outros), à luz do art. 269, I, CPC, cotejando-o com o quanto previsto no inciso III do parágrafo único do art. 295, CPC. A referência à possibilidade jurídica do pedido como condição da ação (art. 267, VI) deverá ser, simplesmente, desconsiderada, por manifestamente equivocada. Nas II Jornadas Brasileiras de Direito Processual Civil, agosto de 1997, Brasília, o prof. Cândido Dinamarco, eminente mestre da escola paulista e um dos grandes referenciais para os novos processualistas brasileiros, ao responder uma pergunta da audiência exatamente acerca da possibilidade jurídica do pedido como condição da ação, disse que, em razão de outras preocupações, há muito não estudava o assunto, atendo-se a enunciar as correntes doutrinárias sobre a matéria, sem enfrentá-la, entretanto, de forma contundente. (Nota do autor Sobre a problemática do acesso à justiça em nível de Brasil, conferir, por todos, o excelente trabalho de Luiz Guilherme Marinoni, Novas Linhas do Processo Civil, São Paulo, Malheiros, 1996. Adroaldo Furtado Fabrício, "Extinção do Processo e Mérito da Causa", Revista de Processo, nº 58, p. 16. Criticando a posição do Código, com toda a razão, Celso Barbi: "É discutível o acerto dessa orientação, de um Código adotar uma teoria da ação, quando é sabido que nenhuma das teorias até hoje construídas está isenta de críticas irrespondíveis. A construção de Liebman, apesar de sua engenhosidade, não resiste a uma análise mais aprofundada. Basta apresentar a mesma crítica que se fez à teoria civilista e à teoria de Chiovenda, com ligeiras modificações: quando o juiz, depois de ter sido desenvolvida larga atividade jurisdicional, conclui que o autor não tem direito de ação, porque falta uma daquelas três condições, como se explica a movimentação da máquina estatal por quem não tinha o direito de ação?" (Comentários ao Código de Processo Civil, 9ª edição, Ed. Forense, Rio de Janeiro, vol. I, 1994, pp. 20-21.) Chiovenda conceituava as condições da ação como as condições de uma decisão favorável ao autor; de acordo, portanto, com a sua concepção concretista – não obstante o manifesto equívoco. Enumerava-as da seguinte forma: existência do direito; legitimidade, que seria a identidade da pessoa do autor com a pessoa favorecida pela norma; interesse processual. Tem o mérito, entretanto, de afirmar que a decisão sobre a existência ou não das condições da ação seria decisória da lide, produzindo coisa julgada material. (Nota do autor) "Per proporre una domanda o per contradire alla stessa è necessario avervi interesse." José Joaquim Calmon de Passos, A Ação no Direito Processual Civil Brasileiro, Imprensa Oficial da Bahia, 1960. O Código português, uma das nossas maiores inspirações, conquanto mencione a ilegitimidade de parte, em nenhum momento se utiliza da expressão "condição da ação", quer quando regra o direito de ação (arts. 1º ao 4º), quer quando trata da absolvição da instância, instituto semelhante à nossa extinção sem julgamento do mérito (art. 288). O Código argentino também não as menciona, sequer assistematicamente. Segundo informação do Prof. Barbosa Moreira, com sua incontestável autoridade intelectual, nas II Jornadas Brasileiras de Direito Processual Civil, agosto de 1997, Brasília, a Alemanha não adota as condições da ação como categoria autônoma: ou são pressupostos processuais (Prozessvoraussetzungen) ou são mérito. (Nota do autor) Apud José Joaquim Calmon de Passos, ob. cit., p. 51. Em brilhante estudo sobre o problema das nulidades da sentença e do processo, Teresa Wambier sugere a utilização de dois critérios para extremar as condições da ação do mérito – afirmando, no entanto, que estas "são facilmente identificáveis, porém, outras vezes, quase se confundem, ou se confundem realmente com o mérito": o momento da prolação da decisão e o grau de imediatidade de aferição do conteúdo desta. Como sugere a sempre arguta professora paulista: "Nessa constatação não vai elogio algum à sistemática processual brasileira, neste particular, pelo menos do ponto de vista científico, pois criam-se situações patentemente absurdas, em que, v.g., o exame perfunctório da existência de um direito pode levar, ou não, à possibilidade de um exame mais profundo desse mesmo direito." (Nulidades do Processo e da Sentença, 4ª edição, RT, 1998. Ob. cit., p. 38. Enrico Tullio Liebman, "O Despacho Saneador e o Julgamento do Mérito", Revista Forense, nº 104, pp. 224-225 Sem razão Waldemar Mariz de Oliveira Junior, quando coloca Liebman ao lado de Degenkolb e Ploz, como abstracionista puro. Incoerentemente, o autor manifesta-se partidário da teoria abstrata, mas não questiona a existência de condições para a ação, tampouco classifica o pensamento liebmaniano como intermediário entre a teoria tradicional e a moderna (Curso de Direito Processual Civil, Ed. Revista dos Tribunais, 1968, vol. I). Barbi, ao menos, em seus "Comentários...", conquanto diga que Liebman é um abstracionista – o que de fato é uma verdade –, trata de sublinhar os pontos do pensamento do professor italiano, para distingui-lo da linha de pensamento do abstracionismo puro Ob. cit., p. 225. Conosco, no particular: "Se o ato que inadmite exame do mérito não é jurisdicional, dificilmente poderá ser classificado como próprio de outra função do Estado. Natureza legislativa, certamente não tem; nem seria adequado considerá-lo como administrativo." (Eduardo Ribeiro de Oliveira, "Condição da Ação: a possibilidade jurídica do pedido", Revista de Processo, nº 46, p. 39.) "Caberia a explicação do que teria provocado a jurisdição e determinado a instauração do processo. Além disso, não podemos aceitar a idéia de que em caso de carência de ação não há processo, mas mero fato, não exercendo o juiz, nessa hipótese, função jurisdicional. Ainda que a jurisdição não seja provocada pela ação condicionada, mas sim pela ação incondicionada, é óbvio que o juiz, a partir da instauração do processo, passa a desenvolver atividade substitutiva para atuar a vontade do direito." (Luiz Guilherme Marinoni, Novas Linhas do Processo Civil, 2ª ed., Malheiros Editores, São Paulo, 1996, p. 120 Apud José Joaquim Calmon de Passos, ob. cit., p. 30 Com razão Alfredo Rocco, quando afirma que, além de obter um julgamento de fundo, cada um tem o direito de obter um julgamento sobre a possibilidade de o mérito ser julgado. Ugo Rocco, nesta linha de raciocínio, afirma que o direito de ação será sempre atendido, mesmo nos casos de carência de ação, pois haverá o julgamento que declarará a inexistência das supostas condições. (apud Humberto Theodoro Jr., "Pressupostos Processuais e Condições da Ação no Processo Cautelar", Revista de Processo, nº 50, p. 13.) (Nota do autor Eduardo Ribeiro de Oliveira, ob. cit., p. 39. L’azione nella teoria del processo civile, p. 32, apud José Ignácio Botelho de Mesquita, ob. cit., p. 39 "(...) para se manter coerente, teve de imaginar uma atividade prévia exercida pelo juiz que ainda não seria verdadeira jurisdição, uma espécie de atividade de filtragem...", Ovídio A. Baptista da Silva, ob. cit., p. 107 Fairën Guillén, "La accion, derecho procesal y derecho político", in Estudios de Derecho Procesal, pp. 79-80, apud José Joaquim Calmon de Passos, ob. cit., pp. 26-27. Ovídio A. Baptista da Silva, Curso de Processo Civil, Ed. RT, vol. I, 1998. Enrico Tullio Liebman, Manual de Direito Processual Civil, trad. Cândido Dinamarco, 2ª ed., Ed. Forense, 1985, vol. I, p. 154. Ob. cit., vol. I, p. 154. Osvaldo Afonso Borges, "Inépcia da Petição e Direito de Ação", Revista Forense, vol. 138, p. 31 Donald Armelin, Legitimidade para Agir no Direito Processual Civil Brasileiro, Ed. Revista dos Tribunais, 1979, pp. 46-47. Em nosso apoio: "O princípio da economia processual nada ganha com a teoria eclética...", Luiz Guilherme Marinoni, ob. cit., p. 121. Mais um problema da teoria de Liebman está exatamente no fato de que, para este autor, a carência de ação poderá ser verificada em qualquer momento processual, e não apenas em face de sua alegação pelo autor. As perplexidades que surgem deste entendimento são inúmeras, conforme se observa nos casos que elencamos. Sem razão, no particular, Ada Pellegrini e Dinamarco ao seguirem o pensamento liebmaniano. Para maiores exemplos, Ovídio Baptista e Calmon de Passos, obras amplamente citadas Kazuo Watanabe, Da Cognição no Processo Civil; Flávio Luiz Yarshell, Tutela Jurisdicional Específica nas Obrigações de Declaração de Vontade. A pretensão de direito material é a faculdade de se poder exigir a realização do direito. Quem exige, ou seja, exerce a pretensão, ainda não age para realização do direito; limita-se a esperar a satisfação por parte do destinatário. Se esse exercício da pretensão não leva à satisfação, surge ao titular a ação de direito material, que é o agir por meio do qual o titular do direito realizá-lo-á por seus próprios meios. Essa ação é veiculad José Carlos Barbosa Moreira, O Novo Processo Civil Brasileiro, 18ª ed., Ed. Forense, Rio de Janeiro, 1996. Na mesma linha, Hélio Tornaghi Ob. cit., p. 58. Lembra Mariz de Oliveira, que, para Degenkolb e Ploz, além de não precisar ter razão para vir a juízo, o autor pode, inclusive, estar de má-fé; a lide pode ser temerária. (Ob. cit., p. 67) Estamos de acordo, pois agindo de boa-fé ou temerariamente, o autor terá exercido o seu direito de ação de forma plena. Os casos de litigância temerária podem configurar, isso sim, abuso de direito de ação, que será punível na forma da legislação. O direito existe, mas foi exercido abusivamente. (Nota do autor "Pressupostos Processuais, Condições da Ação e Mérito da Causa", Revista de Processo, nº 17, p. 49 "Extinção do Processo e Mérito da Causa", Revista de Processo, nº 58, pp. 16-17 Hélio Tornaghi, acatando o ensinamento de Goldschmidt, entende haver três esferas normativas: a processual (Direito Judiciário), a material (Direito Material) e a relativa à ação (Direito Judiciário Material) – Comentários ao Código de Processo Civil, Ed. Revista dos Tribunais, 1975, vol. II, pp. 327-328) Ob. cit., p. 33. Neste sentido, ainda, questionando a validade desta categoria processual, Luiz Guilherme Marinoni, ob. cit., p. 121 José Joaquim Calmon de Passos, ob. cit., p. 42 A indecisão doutrinária e jurisprudencial que sempre cercou a conceituação da carência de ação, bem como a equivocidade da expressão, estão muito bem postas no excelente trabalho de Cândido de Oliveira Neto, "Carência de Ação", Revista Forense, nº 115, janeiro de 1948, pp. 66-75. Remetemos o leitor ao brilhante, erudito e fundamental estudo de Adroaldo Furtado Fabrício (ob. cit.), que em muitos pontos nos apóia Calmon de Passos, em sua tese tantas vezes citada, já enquadrava o interesse de agir como um dos pressupostos processuais. Egas Dirceu Moniz de Aragão, Comentários ao Código de Processo Civil, 8ª ed., Ed. Forense, Rio de Janeiro, 1995, vol. II, p. 393. José Joaquim Calmon de Passos, Mandado de Segurança Coletivo, Mandado de Injunção, Habeas Data – Constituição e Processo, Ed. Forense, São Paulo, 1991. Enrico Tullio Liebman, Manual de Direito Processual Civil, trad. Cândido Dinamarco, 2ª ed., Ed. Forense, 1985, vol. I, pp. 160-161. Fredie Souza Didier Junior, "Reflexões sobre a Possibilidade Jurídica do Pedido como Condição da Ação", in Revista Jurídica dos Formandos em Direito da UFBA, Nova Alvorada Edições, Belo Horizonte, vol. II, 1997. Buzaid lembra opinião de Alberto Reis no sentido de que se o divórcio não pode ser autorizado, o pedido não tem fundamento legal e a decisão do juiz decidirá a causa em seu fundo. Eduardo Oliveira enfrentando o problema resolve-o de forma idêntica, pois, diz o autor, apresentando o pedido, quando ainda inadmissível a medida, a sentença haveria de negá-lo e não afirmar a impossibilidade de examiná-lo. A pretensão seria rejeitada e a lide, decidida. (apud Eduardo Ribeiro de Oliveira, ob. cit., p. 45) (Nota do autor) Irrepreensível a lição de Furtado Fabrício (ob. cit., p. 23): "Ora, responder o juiz ao autor que ele não tem o direito invocado porque, mesmo em tese, sua pretensão não encontra amparo no sistema jurídico, quaisquer que sejam os fatos, é a mais radical de todas as formas possíveis de negar-lhe razão. É uma negativa mais terminante e desenganadora do que, e.g., a fundada na inexistência ou mera insuficiência de prova dos fatos alegados. E, no entanto, a crer-se na letra da lei, a res iudicata não cobriria aquele julgado, e as portas da Justiça continuariam franqueadas à reiteração indefinida do mesmo pedido." Ob. cit., pp. 303-304. Ob. cit., p. 23. Ob. cit., p. 33. Fredie Souza Didier Junior, ob. cit., p. 301. Rodolfo de Camargo Mancuso, Ação Popular, 2ª ed., Ed. Revista dos Tribunais, São Paulo, 1996, pp. 117-118. Ob. cit., p. 394. Ob. cit., p. 41. Concordamos que não se trate, o caso, de impossibilidade jurídica do pedido, como se costumou a aceitar em nossa doutrina. Há manifesta improcedência, pois o pedido, como bem afirma Dinamarco, de cobrança de dívida, é possível; a origem da dívida, o jogo, é que é ilícita, que não gera, na forma do art. 1.477, CC, uma relação de débito e crédito. É manifestamente uma questão de mérito, por isso inaplicável a idéia do professor paulista. (Nota do autor) Cândido Rangel Dinamarco, Execução Civil, São Paulo, Ed. Revista dos Tribunais. Calmon de Passos afirma não se poder abstrair, para a construção do conceito de possibilidade jurídica, da causa de pedir, citando o exemplo do pedido de nulidade de casamento por incompatibilidade de gênios. ("Em Torno das Condições da Ação – A possibilidade jurídica", Revista de Direito Processual Civil, nº 4, apud Eduardo Ribeiro de Oliveira, ob. cit., p. 42. Concordamos com o mestre, mas continuamos a afirmar que não se trata de impossibilidade jurídica do pedido como condição da ação, não nos servindo o exemplo pelos mesmos motivos já expostos. O prof. Calmon de Passos considera ambas as situações de impossibilidade distinguidas por Theodoro Jr. como caso de improcedência prima facie, que conduzem à inépcia da petição inicial com julgamento preliminar de mérito; cf. Comentários ao Código de Processo Civil, 8ª ed., Ed. Forense, Rio de Janeiro, 1998. (Nota do autor) Ob. cit., pp. 46-47. Ob. cit., p. 44. Ob. cit., pp. 215-217. Ob. cit., p.


17. O autor, muito embora elogie a intenção do mestre mineiro, enumera uma série de senões à sua teoria. Para ilustrar que há controvérsia, inclusive, quanto ao exemplo indicado pelo autor: "Nada obstante os arts. 181 e 182 da CF de 1969 mencionarem a exclusão de apreciação, pelo Poder Judiciário, de atos praticados com fundamento no AI 5 e demais atos institucionais, complementares e adicionais praticados pelo comando da revolução, estas duas normas eram inconstitucionais (Verfassungswidrige Verfassungsnormen? Otto Bachof). Isso porque ilegítimas, já que outorgadas por quem não tinha competência para modificar a Constituição, estavam em contradição com normas constitucionais de grau superior (direitos e garantias individuais), infringiam direito supralegal positivado no texto constitucional (direito de ação)." Nelson Nery Jr., Princípios do Processo Civil na Constituição Federal, 4ª ed., Ed. Revista dos Tribunais, 1997, p. 90. Ob. cit., pp. 39-47. Conferir, a propósito, Antônio Carlos Araújo Cintra, et alii; Teoria Geral do Processo, 10ª ed., Ed. Malheiros, 1994, p. 255; "Constitui tendência contemporânea, inerente aos movimentos pelo acesso à justiça, a redução dos casos de impossibilidade jurídica do pedido (tendência à universalização da jurisdição)." Galeno Lacerda defende que, quando o juiz julgar inexistente a possibilidade jurídica do pedido, proferirá sentença de mérito, porque decisória da lide. (Despacho Saneador, Porto Alegre, 1953, p. 82.


Autor

  • Fredie Didier Jr.

    Fredie Didier Jr.

    Coordenador do curso de pós-graduação em Direito Processual Civil da LFG-Anhanguera Uniderp. Livre-docente (USP), Pós-doutorado (Universidade de Lisboa), Doutor (PUC/SP) e Mestre (UFBA). Professor-associado de Direito Processual Civil da Universidade Federal da Bahia. Diretor Acadêmico da Faculdade Baiana de Direito. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual, do Instituto Ibero-americano de Direito Processual, da Associação Internacional de Direito Processual e da Associação Norte e Nordeste de Professores de Processo. Advogado e consultor jurídico.

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DIDIER JR., Fredie. Um réquiem às condições da ação. Estudo analítico sobre a existência do instituto. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 7, n. 56, 1 abr. 2002. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/2918. Acesso em: 4 maio 2024.