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Tutela específica das obrigações de fazer e não fazer

Tutela específica das obrigações de fazer e não fazer

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SUMÁRIO:1. Tutelas diferenciadas. 2. Reaproximação do direito processual ao direito material. 3. Tutela de urgência e tutela específica das obrigações de fazer e não fazer. 4. Execução específica e execução substitutiva. 5. Evolução da tutela às obrigações de fazer e não fazer. 6. Cotejo entre o sistema do art. 273 e o do art. 461. 7. O modelo interdital da antecipação de tutela. 8. Modalidades de execução. 9. A execução específica assegurada pelo art. 461. 10. Medidas sub-rogatórias para reforçar a exeqüibilidade in natura. 11. O emprego de meios sub-rogatórios em relação a obrigações fungíveis. 12. Outros meios sub-rogatórios ou de apoio. 13. Síntese. 14. Conclusões.


1. Tutelas diferenciadas

A longa histórica da civilização, que veio desaguar nas idéias liberais que fomentaram a Revolução Francesa, acabou, no Século XIX, por dar ao Estado uma figura mínima e à vontade individual a dimensão maior no plano dos regramentos jurídicos. Para romper com o velho regime aristocrático, não havia valor a prestigiar que fosse maior do que a liberdade cujo caráter quase absoluto passou a dominar a teoria dos negócios jurídicos.

Porque todos eram livres para enunciar suas vontades e, assim, dispor de seus bens e contrair obrigações, o regime contratual encontrou seu apogeu na consagração do pacta sunt servanda. O contrato, oriundo da vontade livre do contratante, era lei a ser respeitada e cumprida, sem resistência.

Como, todavia, o indivíduo era o centro de toda a normatização jurídica, mesmo quando descumprisse o contrato, não poderia, de forma alguma, ser pessoalmente compelido a executar a prestação prometida ao credor. Toda a sanção legal destinada a garantir o cumprimento da obrigação teria de recair sobre seu patrimônio, porque, tal como proclamava o art. 2.092 do Código Napoleão, o princípio dominante era no sentido de que todo aquele que se obriga pessoalmente fica sujeito a sofrer as conseqüências de sua obrigação sobre todos os seus bens presentes e futuros.

Quando as obrigações eram de dar, a execução forçada proporcionada pela tutela estatal cumpria-se in natura, porque fácil era alcançar o bem devido sem necessitar de coagir o devedor pessoalmente. Bastava que os agentes do poder apreendessem ditos bens e os entregassem ao credor. Mas, quando a prestação estivesse intimamente ligada a uma ação pessoal do devedor - a um facere ou um non facere - esbarrava a concepção liberalista numa barreira intransponível. Ninguém poderia, na ótica de então, ser compelido, contra a sua vontade, a adotar qualquer tipo de comportamento pessoal. Logo, ninguém poderia ser levado pela execução forçada a praticar prestações típicas das obrigações de fazer e não fazer. Da antiga regra romana - nemo ad factum potest cogi - o direito francês do Século IX exportou para todo o mundo ocidental o preceito de que "toute obligation de faire ou de ne pas faire se résout en dommages et intérêts en cas d’inexécution de la part du débiteur".

Na plenitude do liberalismo, então, não havia lugar, em princípio, para a execução específica das prestações de fazer e não fazer. Por ser intocável o devedor em sua liberdade pessoal, uma vez recalcitrasse em não cumprir esse tipo de obrigação, outro caminho não restava ao credor senão conformar-se com as perdas e danos. Teria de apelar para a execução substitutiva ou indireta.

O direito processual, praticamente inexistente como técnica ou ciência autônoma, apresentava-se como mero apêndice do direito material. Nada acrescentava em termos de medidas criativas para dar maior eficácia aos preceitos da ordem substancial. Era, aliás, o próprio direito material que predeterminava os expedientes instrumentais que correspondiam aos direitos subjetivos de fundo quando descumpridos ou violados. Não cabia, assim, ao Poder Judiciário maior flexibilidade no uso dos remédios do processo.

Havia um processo ordinário ou comum a ser observado no julgamento das lides e que teria de servir, às causas em geral, e as ações especiais eram rigorosamente destinados a casos típicos que não poderiam ser dirimidos na sistemática do procedimento comum. Não havia maleabilidade alguma no terreno do processo.

Foi com o desvio do foco do indivíduo para a sociedade que se conseguiu divisar na passagem para o Século XX, a existência de interesses sociais que estavam a reclamar a atenção do ordenamento jurídico, forçando, assim, a ampliar seus domínios além do milenar binômio direito público - direito privado.

O Século XX pôde impor esse modo de ver na medida em que o Estado Liberal foi suplantado, politicamente, pelo Estado social. Nessa concepção do Estado Democrático, a organização da máquina estatal deixou de ser mera declaradora de direitos fundamentais para transformar-se em agente realizador desses mesmos direitos.

Em nome de tais concepções, o Estado assumiu a intervenção na vida econômica e social para proclamar e fazer respeitar os direitos coletivos e difusos e, para tanto, não podia continuar a se valer apenas dos procedimentos judiciais forjados no Século XIX, sob o predomínio das idéias liberais puras.

Aos poucos foram surgindo ações de feitio coletivo para instrumentalizar direitos até então nem sequer conhecidos da ordem jurídica tradicional, como os direitos indivisíveis da comunidade, isto é, da sociedade como um todo, ou de grandes parcelas da sociedade. Ao mesmo tempo ampliava-se a ordem jurídica material para agasalhar os direitos transindividuais ou coletivos, e concebiam-se novos procedimentos judiciais que pudessem lhes dar cobertura quando necessário fosse discuti-los em juízo.

Essa abertura para o social não só fomentou a preocupação com os problemas gerados pela convicção da necessidade de tutelar adequadamente os novos direitos sociais, como também impôs aos operadores do direito processual a conscientização de que o processo, em si mesmo, ainda que não cogitando de ações coletivas, era sempre um instrumento tutelar da cidadania. O direito de ação não mais se via como simples meio de o indivíduo reagir contra a violação de algum direito subjetivo. Era, isto sim, o direito cívico de acesso à Justiça, como uma das garantias fundamentais do moderno Estado Democrático de Direito. Era ele mesmo a expressão de uma das maiores garantias da paz social e da realização política dos ideais da nação agasalhados em sua ordem constitucional.

Passou-se a divisar no processo, desde então, metas que iam além da simples composição dos litígios e que se comprometiam com as aspirações do devido processo legal, tanto no plano formal como no material. A missão do judiciário a ser cumprida por meio do processo, a partir de então, vinculou-se à preocupação de efetividade, ou seja, à perseguição de resultados que correspondessem à melhor e mais justa composição dos litígios.

Foi, à luz dessa nova constatação, desse novo posicionamento institucional que se insinuou e se fez prevalecer a teoria das tutelas diferenciadas.

Não era mais aceitável sujeitar os litigantes a poucos e inflexíveis procedimentos, um apenas para cada tipo de ação ou pretensão, que muitas vezes se apresentavam inconvenientes e incômodos como verdadeiras camisas-de-força para partes e juízes [1].

A principal preocupação dessa nova visão da tutela jurisdicional era não só a de criar novos procedimentos como abrir, sempre que possível, um leque de opções que permitisse, conforme as conveniências da parte e de seu caso, contar com mais de uma via processual à sua disposição; e dentro de um mesmo procedimento, fosse possível inserir-lhe expedientes de aceleração e reforço de eficácia, tendentes a proporcionar ao direito material da parte a mais plena tutela conforme particularidades de cada caso [2].

Nesse sentido, as tutelas diferenciadas se prestam a valorizar o moderno processo de resultados, onde o compromisso maior da jurisdição é com a efetividade da prestação posta à disposição do litigante.

A essência do pensamento de CHIOVENDA, que se apresenta como o grande idealizador da efetividade processual, consiste justamente na afirmativa de que o processo, para ser efetivo, deverá apoiar-se num sistema que assegure a quem tem razão uma situação jurídica igual à que deveria ter se derivado do cumprimento normal e tempestivo da obrigação. "E, na medida em que se evidencie a possibilidade de dano ou perigo de perecimento do direito, essa situação deve ser, desde logo e especificamente, protegida, o que é, precisamente, a hipótese do art. 461 (do CPC brasileiro), no que diz respeito às obrigações de fazer e não fazer" [3].

No dizer de ARRUDA ALVIM, não prevalece a autonomia do processo e do direito material em sua plenitude quando se trata das chamadas tutelas diferenciadas, pois o que se dá é a adaptação ou a submissão da disciplina processual a uma ou várias situações materiais. "Vale dizer, a tutela diferenciada deve ser compreendida a partir de uma reaproximação entre direito e processo. Ou ainda, configura-se o instituto processual especificamente em função de dada situação de direito material" [4].


2. Reaproximação do direito processual ao direito material

Para firmar-se a autonomia científica do direito processual, os estudos fundamentais desse novo ramo da ciência do direito preocuparam-se, de início, com delinear sua mais completa separação do direito material. O objeto do direito processual eram os grandes conceitos e as grandes categorias que o informavam e que eram analisados sem qualquer vínculo de subordinação às instituições clássicas do direito civil e demais segmentos do direito material.

Esse comportamento, todavia, se produziu grandes resultados acadêmicos, nenhum efeito concreto significativo conseguiu lograr no campo da melhoria prática da tutela jurisdicional posta à disposição da sociedade. Por isso, na segunda metade do Século XX, a ótica da ciência processual se deslocou justamente para a conexão que não pode deixar de existir entre direito material e processo. Embora cada um se submeta a princípios e objetivos próprios, não pode nenhum deles ser visualizado como compartimento estanque do saber jurídico, mas ambos só se podem entender como órgãos indissociáveis de um só organismo. Por isso, o processo passou a ser estudado como meio de valorizar o direito como um todo e de assegurar efetividade às garantias e mandamentos de todo o direito de fundo, de maneira que nenhum dos dois segmentos possa ser visualizado isoladamente, senão como aspectos indissociáveis de uma única realidade normativa.

O direito processual desfruta de autonomia científica, para efeitos pedagógicos, mas sua compreensão só se torna útil quando se volta para determinar de que modo o processo pode concorrer para a realização das metas do direito material, dentro do convívio social.

Essa grande revolução operada nas últimas décadas do século há pouco findo, deu lugar à valorização prática da ordem jurídica processual, graças ao reconhecimento de suas metas não só jurídicas, mas também políticas e sociais.

Aquilo que no auge da emancipação do direito processual parecia sepultado para sempre - qual seja a declaração do art. 75 do Código Civil de que a todo direito corresponde uma ação que o protege e assegura - voltou a ser encarado como realidade inconteste. Não é que o direito de ação tenha de sujeitar-se à condição de simples aspecto do próprio direito material subjetivo. O certo, no entanto, é que entre as garantias fundamentais figura a de que nenhuma lesão ou ameaça a direito poderá ser subtraída à tutela jurisdicional (CF, art. 5º XXXV); e o modo de buscar essa tutela não é outro senão o processo.

Há, destarte, duas realidades no relacionamento entre as partes e a Justiça estatal: há o direito subjetivo de contar com a intervenção do judiciário para solucionar os conflitos jurídicos, que é abstrato em face do direito material da parte que provoca o processo; e há o direito do litigante, quanto tem razão, de contar com o provimento jurisdicional necessário à proteção e restauração da situação jurídica violada ou ameaçada. Nem sempre o litigante terá o direito à tutela jurisdicional, mas sempre contará com a prestação jurisdicional para solucionar seu conflito jurídico.

É por isso que PONTES DE MIRANDA, GOLDSCHIMIDT e outros pensadores apontam para dois "direitos de ação": a ação material, que cabe ao titular do direito violado ou ameaçado; e a ação processual, que cabe indistintamente a todas as pessoas que se envolvam em conflitos jurídicos. A ação material se endereça a obter do Judiciário a garantia fundamental de tutela jurídica e a ação processual, ou simplesmente, ação, é apenas o caminho de acesso ao Judiciário, sem prévia subordinação à existência ou não do direito material que se arroga aquele que postula a prestação jurisdicional.

Tudo isto é muito importante para ter-se uma visão moderna do entrelaçamento profundo e indissociável que há entre direito e processo, e para compreender como é decisivo o enfoque do direito processual moderno sobre instrumentalidade e efetividade da prestação jurisdicional. Foi nesse ambiente que se desenvolveu a política legislativa das tutelas diferenciadas, com o nítido propósito de adequar os procedimentos às necessidades de situações particulares do direito material e propiciar meios mais eficientes de tutela processual.


3. Tutela de urgência e tutela específica das obrigações de fazer e não fazer

Esse ideal da tutela diferenciada começou a ser implantado, de maneira tímida, com a adoção do poder geral de cautela (art. 798 do CPC), com o julgamento antecipado da lide (art. 330 do CPC), com o procedimento sumário (arts. 275-281, CPC), com a ampliação do rol de títulos executivos e outros expedientes originariamente manejados pelo Código de 1973.

Foi, porém, nas reformas da década de 1990, que o Código sofreu as mais significativas remodelações na linha das tutelas diferenciadas, dentre elas a criação em caráter geral da tutela antecipada (art. 273), a consagração das garantias da tutela específica para as obrigações de fazer e não fazer (art. 461) e a ação monitória (arts. 1.102-a a 1.102-c) [5].

No caso das obrigações de fazer e não fazer, várias e importantes inovações no âmbito do direito processual foram introduzidas, tanto para reforçar a teoria do cabimento da execução específica, sempre que possível, como para protegê-la por variados mecanismos de antecipação de tutela, de coerção e de sub-rogação [6].

Assim, o caput do art. 461, ao contrário do que pretendia o direito francês do Século XIX, coloca em último plano a conversão em perdas e danos, e dá garantia ostensiva ao direito do credor de exigir, em juízo, o cumprimento in natura da prestação devida, ou de algo que praticamente a ela eqüivalha.


4. Execução específica e execução substitutiva

Entende-se por execução específica aquele processo de execução forçada que afeta a esfera patrimonial do devedor em busca de proporcionar ao credor exatamente o mesmo bem que, segundo o vínculo obrigacional, deveria ter sido entregue ou restituído por meio do voluntário cumprimento da prestação devida. É o que também se denomina execução in natura.

Por substitutiva, entende-se a execução forçada que se baseia na responsabilidade patrimonial genérica do devedor e que, para satisfazer o direito do credor, expropria bens do inadimplente, transformando-os em dinheiro para com este indenizar a parte pelo equivalente à prestação devida.

Muito antes da evolução do processo para sua atual missão política e social, voltada para a instrumentalidade e a efetividade, CHIOVENDA já preconizava que o ideal do processo deveria ser dar a quem tem direito, quanto possível, e de forma prática, tudo aquilo e exatamente aquilo que tivesse direito, segundo a obrigação do devedor [7].

Coerente com essa orientação doutrinária, antes mesmo que o direito positivo viesse a disciplinar o poder geral de cautela, CHIOVENDA já o considerava implícito na função necessária do processo, porque sem ele a jurisdição nos casos do periculum in mora não acobertados pelas medidas preventivas típicas, não lograria dar a cada um o que é seu [8].

O sonho de CHIOVENDA, tão contestado a seu tempo, acabou por se transformar em regra expressa dos Códigos de Processo Civil do Século XX, no primeiro grande impulso dado na direção de consagrar a função instrumental do processo e de valorizar a efetividade da prestação jurisdicional. Os primeiros ensaios, porém, do uso do poder cautelar genérico foram caracterizados pela sua limitação às providências conservativas. A idéia dominante continuava a ser a de que a esfera patrimonial do autor somente poderia ser beneficiada com medidas satisfativas depois que a obrigação do réu fosse acertada, definitivamente, por sentença transitada em julgado. As medidas cautelares, nesse modo de ver, preservariam os bens necessários ao futuro cumprimento da provável sentença de mérito que provavelmente a parte alcançaria, mas não poderiam submeter o réu desde logo a satisfazer, nem mesmo provisoriamente, o direito material subjetivo do demandante ainda sob o crivo da litigiosidade. O poder geral de cautela deveria voltar-se apenas para providências neutras em face do direito material controvertido e aptas para proteger tão somente o processo, resguardando-lhe a eficácia prática quando afinal viesse a desaguar no provimento definitivo de mérito.

Logo, porém, se sentiu, na evolução do processo comprometido com sua função social que, em muitos casos, a efetividade da tutela jurisdicional perdia substância se não se assegurasse a pronta satisfação do direito material da parte. Em tais situações não haveria como aguardar-se a coisa julgada e, assim, começaram a surgir vários procedimentos especiais em que as medidas liminares satisfativas eram franqueadas ao demandante.

Por outro lado, para as ações comuns, onde a lei não previa a possibilidade de liminares, apareceu um movimento jurisprudencial, não sem grandes opositores, que ampliava o poder geral de cautela, permitindo seu uso não só para fins conservativos, mas também para, em casos graves, alcançar provimentos cautelares satisfativos.

Na Europa, com ou sem reforma legislativa, a orientação foi se firmando no sentido de que no poder geral de cautela se compreendiam tanto as medidas conservativas como as satisfativas. Entre nós, a reforma do Código de Processo Civil, da última década do Século XX finalmente fez inserir no direito positivo, fora do processo cautelar, o poder geral de antecipação de tutela, conferido ao juiz para ser exercido em qualquer processo de conhecimento, antes da definitiva composição da lide, desde que presentes os requisitos enunciados no art. 273, na redação que lhe emprestou a Lei nº 8.952, de 13.12.94.

Com isto, e por caminho diverso do seguido pelo direito europeu, nosso Código de Processo Civil tornava pleno o direito da parte à tutela de urgência, graças à previsão tanto do poder geral de cautela (art. 798), como do poder geral de antecipação de tutela (art. 273).

Pela mesma Lei nº 8.952/94 outra importantíssima reforma se procedeu no texto do art. 461 do CPC, para assegurar ao credor de obrigação de fazer e não fazer uma tutela específica, reforçada por explícita previsão de medidas antecipatórias e cautelares adequadas a propiciar sua almejada efetividade.


5. Evolução da tutela às obrigações de fazer e não fazer

Nos tempos modernos, nunca esteve o credor de obrigação de fazer e não fazer totalmente afastado da execução específica. Nosso Código de Processo Civil, mesmo antes da Lei nº 8.952/94, remontando a antiga sistemática da praxe luso-brasileira, disciplinava, no âmbito do processo executivo, um procedimento próprio para assegurar ao credor de tal tipo de obrigação, a realização compulsória do fato devido, desde que possível de implementação por terceiro, sem necessidade, pois, de coagir pessoalmente o devedor. Distinguiam-se, assim, as obrigações fungíveis e as infungíveis. Para aquelas havia como promover a execução forçada específica ou in natura. Para as últimas, diante da obstinação do inadimplente, só restava ao credor contentar-se com as perdas e danos a serem exigidas por meio de execução indireta.

É bom recordar que essa dicotomia executiva prevista para as obrigações de fazer e de não fazer não era estranha ao Código Napoleão, pois além da regra geral de que tais obrigações, quando inadimplidas, se resolviam em perdas e danos (art. 1.142), encontravam-se nele também previsões de casos de execução in natura das que fossem exeqüíveis sem a coação física sobre a pessoa ou a vontade do devedor.

Com efeito, o art. 1.144 do Código Francês dispunha, a propósito da matéria pertinente à obrigação de fazer, que o credor, no caso de inexecução, poderia ser autorizado a, ele mesmo, fazê-la executar a expensas do devedor. E, no caso de obrigação de não fazer, o art. 1.143 assegurava ao credor o direito de demandar a destruição de tudo aquilo que fosse realizado pelo devedor em desrespeito à convenção; e permitia ao credor obter autorização para, ele mesmo, proceder à destruição, a expensas do devedor.

O Código Civil brasileiro contém iguais previsões nos artigos 881 e 883, ou seja, em se tratando de obrigação positiva, "se o fato puder ser executado por terceiro, será livre ao credor mandá-lo executar à custa do devedor, havendo recusa ou mora"; e, em se tratando de obrigação negativa, "praticado pelo devedor o ato, a cuja abstenção se obrigara, o credor pode exigir dele que o desfaça, sob pena de se desfazer à sua custa, ressarcindo o culpado perdas e danos".

O que havia, antes da reforma do art. 461 era a dificuldade de obter a execução, in natura, que somente poderia dar-se, em juízo, após o trânsito em julgado da sentença condenatória e dentro de um complicado procedimento executivo (arts. 634, 637 e 642-643). No mais das vezes, o que prevalecia, pela inoperância e complexidade do procedimento legal, era o recurso à execução indireta, contentando-se o credor em reclamar problemáticas e insatisfatórias perdas e danos.

As inovações do art. 461 do CPC não vieram modificar as regras materiais das obrigações de fazer e não fazer, pois estas já consagravam o cabimento da execução específica, desde que se tratasse de obrigação fungível (isto é, realizável "por terceiro", no lugar do devedor). O grande marco da reforma está em facilitar e tornar mais efetivo o uso da execução específica de tais obrigações.

Até mesmo as obrigações infungíveis, antes do Código de 1973 e ainda no regime do Código de 1939, já contavam com a execução indireta, ou seja, com um processo que usava a cominação de multas para coagir ao credor a realizar a prestação devida in natura. Era a antiga ação cominatória, em que a multa poderia ser cominada na própria citação do réu (CPC, de 1934, arts. 302, XII, e 303, caput ). Não é novidade, destarte, a preocupação do ordenamento jurídico pátrio com a execução específica das obrigações de fazer e não fazer.


6. Cotejo entre o sistema do art. 273 e do art. 461

Aparentemente, o CPC teria adotado dois regimes distintos de antecipação de tutela nos arts. 273 e 461, De fato, no art. 273 exige-se que a parte apresente prova inequívoca conducente à verossimilança do alegado, comprove perigo de dano de difícil reparação e que os efeitos da providência a ser antecipada não sejam irreversíveis.

Já no art. 461 a lei reclama, como condição da tutela antecipada, a relevância do fundamento da demanda e o justificado receio de ineficácia do provimento final, caso não se adiante a prestação jurisdicional provisoriamente. Ora, falar-se em relevância do fundamento não é outra coisa que exigir-se a verossimilhança de tudo o que arrola o autor para pretender a tutela jurisdicional. Não há, portanto, diferença profunda, no aspecto do fumus boni iuris, entre o art. 273 e o art. 461.

Quanto à situação de perigo é exatamente a mesma nas duas hipóteses: o risco de dano grave e de difícil reparação, de que fala o art. 273 é justamente o fundado temor de que o provimento final se torne ineficaz, caso a medida do art. 461 não seja antecipada.

Correta, portanto, a observação de KAZUO WATANABE no sentido de que os requisitos legais exigidos pelo art. 461 "estão mais para a tutela antecipatória do art. 273 do que para o processo cautelar. É que estamos diante de tutela antecipatória e não de tutela cautelar [9].

A irreversibilidade é de exigir-se, como regra, porque a antecipação de tutela é forma de execução provisória e toda execução da espécie tem de ser praticada de forma a prever a eventualidade do retorno ao status quo ante.

Mas, embora a lei arrole a irreversibilidade como obstáculo à antecipação de tutela, a regra, tanto para o art. 273 como para o art. 461, deve ser interpretada como linha de princípio e não como vedação irremovível. Em regra, não quer a lei que os efeitos da medida antecipatória sejam irreversíveis. Mas, se o risco de lesão corrido pelo direito do autor, também apontar para dano irreparável, se consumado, o juiz terá de fazer um balanço entre as duas situações de perigo para decidir qual delas tutelar. Não poderá simplesmente cruzar os braços em face da probabilidade de a prestação jurisdicional, pela falta de prevenção, tornar-se uma completa inutilidade para a parte vencedora da causa.


7. O modelo interdital da antecipação de tutela

Salvo alguns procedimentos especiais, como o possessório, o do despejo, o da ação de depósito etc., em que numa só ação e numa única relação processual se acerta o direito subjetivo da parte e se procede à sua realização forçada, o sistema comum do CPC brasileiro, fiel às heranças européias, separava totalmente a prestação jurisdicional cognitiva da prestação executiva. A cada uma delas correspondia uma ação a ser exercitada em relações processuais diferentes. Primeiro, se condenava o devedor, por sentença, que encerrava o processo de conhecimento. O provimento que fechava o processo de conhecimento era, por sua vez, o que servia ao credor para abrir o processo de execução. Assim era também nas raízes romanas do processo civil, onde se forçava o credor a usar duas ações sucessivas para alcançar a execução forçada de seu direito: a actio e a actio iudicati.

Mas mesmo em Roma já se admitiam os interditos, em que o Pretor, pela natureza e relevância do direito em litígio, podia decretar providências satisfativas imediatas, restaurando a situação ofendida pelo ato censurado do réu. Foi desses precedentes romanos que herdamos as ações possessórias de força nova.

Quando o legislador brasileiro se voltou para a tutela antecipada, nos moldes autorizados pelo atual texto do art. 273, nada mais fez do que restaurar o antigo poder interdital do pretor romano, aprimorando-o para colocar em consonância com a funcionalidade da moderna efetividade esperada da tutela jurisdicional.

As providências de antecipação de tutela compreendem medidas executivas lato sensu, realizáveis, portanto, no mesmo processo de conhecimento já instaurado [10]. Não se sujeitam a processo de execução separado.

Na dicção do art. 273, o CPC autoriza a tutela antecipada se há prova inequívoca do que alega o autor e seu direito pode ser havido com verossímil diante de tal prova, sendo certo que se não for antecipada a satisfação do direito subjetivo haverá o perigo de sua inutilização e, conseqüentemente, da frustração do próprio provimento judicial definitivo. Quando esse afinal fosse pronunciado já encontraria uma situação de prejuízo irremediável para o respectivo titular. Já não mais existiria condição de exercitar o direito cuja proteção fora objeto da ação e da sentença.

Essa antecipação de tutela, portanto, é de se fazer como imperativo da eficácia da própria função jurisdicional e se justifica, tal como a tutela cautelar, pela necessidade de afastar o periculum in mora (risco de dano irreparável ou de difícil reparação) a que se acha exposto o direito verossímil e inequivocamente comprovado (fumus boni iuris) (art. 273, I).

Outra hipótese em que se torna viável a antecipação de tutela de mérito, é a do perigo de sujeitar-se longamente o titular do direito à privação de seu exercício por resistência do demandado que abusa do direito de defesa ou age com propósito manifestamente protelatório (art. 273, II). Aqui, não há risco de dano de difícil reparação, no sentido de inviabilizar-se o exercício do direito subjetivo quando se der o provimento definitivo. O que ocorre é a evidência da conduta ilícita do réu, e a submissão do autor a uma situação flagrantemente injusta. Diante disso, não deve a justiça resignar-se a aguardar que o processo corra sua longa marcha servindo apenas a prolongar a duração da injustiça manifesta. O exercício do direito de defesa se torna abusivo e ao juiz compete coibir todos os expedientes temerários e maliciosos que possam acobertar as diversas manifestações do abuso de direito no curso do processo. Enquanto, no inciso I do art. 273 se realiza a tutela contra o perigo de dano ao bem jurídico litigioso, no inciso II pratica-se a tutela da evidência, afastando-se a intolerável injustiça imposta ao autor pela malícia do réu, que se aproveita da demora natural do processo para abusivamente continuar prejudicando o direito subjetivo do primeiro.

Em todos os casos, seja de perigo de dano de difícil reparação, seja de evidência do direito abusivamente resistido, a antecipação de tutela exige do juiz a cautela de só implementá-la com garantia de reversibilidade. É que a Constituição garante o contraditório a todos os litigantes, de modo que ninguém pode ser privado de bens ou direitos senão depois de cumprido o devido processo legal (CF, art. 5º, LIV e LV). Quer isto dizer que se a parte, por antecipação de tutela vem a ser privada de determinada situação jurídica, isto se justifica por situação anômala em que risco grave de frustração afeta a efetividade do processo. Não pode, todavia, o afastamento do risco redundar na privação do réu de todo o direito de defesa e muito menos, se deve tolerar que, com a antecipação se elimine o contraditório.

Daí a exigência de que a medida antecipada seja sempre reversível (art. 273, 2º). Pode-se permitir ao autor a satisfação imediata do direito litigioso, mas sempre de modo a resguardar ao réu a possibilidade de restaurar sua situação jurídica, caso após o debate exauriente da causa, venha a ser ele, e não o autor, o vitorioso no pleito judicial.

Há, dessa maneira, no esquema do art. 273 e seus § §, a observância do princípio da razoabilidade e da proporcionalidade. Quebra-se momentaneamente o contraditório, mas sem eliminá-lo de todo. Cumprida a medida antecipatória, restabelece-se o contraditório e a ampla defesa. E afinal qualquer que seja o vitorioso, o juiz terá condição de proporcionar-lhe o adequado bem da vida, ou seja, aquele a que efetivamente corresponde sua comprovada situação jurídica em face do litígio acertado em juízo.

Duas garantias estarão confrontadas: a de efetividade da tutela jurisdicional, devida ao autor e acobertada pela medida antecipatória, e a de intangibilidade da situação do réu, antes do julgamento definitivo, resguardada pela vedação ao autor de obter provimento provisório de efeito irreversível.

Mesmo quando o risco de irreversibilidade estiver presente, mas afetar o perigo corrido por ambas as partes, caberá ao juiz determinar qual o perigo mais relevante, segundo os interesses contrapostos e, à luz dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade dispensar a tutela àquele que se revelar mais carente dela. Se a posição que, diante da prova inequívoca disponível, se apresenta como a que deva sair vitoriosa no provimento final, é a do autor, e se esta solução só protegerá seu direito se a medida de efeitos irreversíveis lhe for de imediato proporcionada e, parece claro que o princípio da razoabilidade se aplica para determinar seja deferida a antecipação, ainda que isto implique sujeitar o réu ao risco da irreversibilidade.

Em suma: como princípio, não se antecipam provimentos de efeitos irreversíveis; mas se o único meio de assegurar a efetividade da tutela de que o autor se apresenta predominantemente merecedor (em relação ao réu) exige medida faticamente irreversível, não poderá esta ser-lhe vedada, sob pena de subtrair-lhe a garantia fundamental de pleno acesso à justiça.

São preciosas, a respeito as lições de MARINONI e CARREIRA ALVIM, apoiadas na autoridade de FAZZALLARI e TOMMASEO:

"Admitir que o juiz não pode antecipar a tutela, quando a antecipação é imprescindível para evitar um prejuízo irreversível ao direito do autor, é o mesmo que afirmar que o legislador obrigou o juiz a correr o risco de provocar um dano irreversível ao direito que justamente lhe parece mais provável. Tutela sumária funda-se no princípio da probabilidade. Não só a lógica, mas também o direito à adequada tutela jurisdicional exigem a possibilidade de sacrifício, ainda que de forma irreversível, de um direito que pareça improvável em benefício de outro que pareça provável. Caso contrário, o direito que tem a maior probabilidade de ser definitivamente reconhecido poderá ser irreversivelmente lesado. Como corretamente conclui TOMMASEO, ‘sacrificare l’improbabile al probabile, in questo consiste l’etica della giurisdizione d’urgenza’" (‘sacrificar o improvável ao provável, nisto consiste a ética da jurisdição de urgência’). [11]


8. Modalidades de execução

O processo de execução é programado para proporcionar ao credor a satisfação efetiva de seu direito subjetivo, mediante resultados práticos que correspondam à prestação descumprida pelo devedor, ou que a compensem por equivalentes econômicos. Os atos de satisfação específica, porém, nem sempre são praticáveis pelos agentes do judiciário. Por isso, às vezes, os atos da execução forçada se limitam a realizar a prestação. Nesse sentido, pode-se falar em:

a)execução própria, que visa resultados materiais satisfativos diretamente por obra dos agentes executivos estatais; e

b)execução imprópria, cujos atos não compreendem a realização direta da satisfação do direito subjetivo do credor, mas apenas exercem coação para levar o devedor a adimplir.

Na execução própria, outrossim, pode acontecer: a) a execução específica, mediante entrega do bem devido, in natura; e b) a execução sub-rogatória, quando se proporciona algo diverso ao credor, mas que equivalha, em sentido prático, à prestação devida, ou que, pelo menos, indenize a falta da prestação específica.

A reforma do art. 461 do CPC se fez com o evidente e confessado propósito de imprimir "novo ritmo e nova eficiência ao processo de execução", no caso das problemáticas obrigações de fazer e não fazer [12].

Nesse campo, o procedimento inovado da execução se caracteriza pela preocupação de proporcionar, sempre que possível, a execução específica, e, para tanto, são previstos:

a)medidas sub-rogatórias, as mais variadas, cuja prática imediata, pode até dispensar a actio iudicati, proporcionando, ainda dentro do processo de conhecimento, a imediata satisfação do direito do credor;

b)a "astreinte" - multa diária aplicável, de ordinário, após a sentença, ou antecipadamente, nos casos de relevância da pretensão e do risco de frustração da sentença, caso se tenha de aguardar o trânsito em julgado da condenação. Aqui, o procedimento executivo para exigir a multa, será o das execuções por quantia certa;

c)quando as medidas sub-rogatórias não puderem substituir totalmente a actio iudicati, o juiz poderá servir-se delas para simplificar ou amoldar o complexo procedimento normal das execuções de fazer às peculiaridades do caso concreto;

d)além da multa, vários meios de apoio podem ser empregados no reforço da tutela específica, utilizáveis tanto na antecipação de tutela como na execução normal após a coisa julgada; meios estes aplicáveis de forma mandamental, de modo a dispensar, a seu respeito, o rito da actio iudicati.


9. A execução específica assegurada pelo art. 461

O art. 461 não teria maior significação se tivesse sido concebido apenas como meio de garantir o acesso à complicada execução forçada dos arts. 634 e seguintes do CPC, dado que é notória sua complexidade bem como sua escassa aptidão prática para levar rapidamente o credor à satisfação in natura de seu direito.

O que, em primeiro lugar, visou o legislador, no novo texto do art. 461, foi assegurar para o credor um julgamento que lhe propiciasse, na medida do possível, a prestação in natura [13], e ainda no âmbito do processo de conhecimento, obter medidas de tutela diferenciada, que, diante de particularidade do caso concreto pudessem reforçar a exeqüibilidade da prestação específica e, se necessário, abreviar o acesso à satisfação de seu direito material.

Não se pode pretender que a execução forçada dos arts. 634 e seguintes do CPC tenha sido suprimida pela adoção da nova sistemática do art. 461. Nem sempre o juiz usará a tutela antecipada, que mesmo para as obrigações de fazer e não fazer continua subordinada às regras gerais do art. 273. Outras vezes, o uso de faculdades criadas pelo art. 461 servirá para determinar apenas o que será o objeto da execução do art. 634 e como ele será aplicado a seu tempo, ou seja, após a coisa julgada [14].

Muitas vezes, porém, acolhida a antecipação de tutela em moldes de maior amplitude, pelas características do caso concreto - como, por exemplo, no caso de demolição autorizada antecipadamente, ou de conclusão de obra, em igual conjuntura - totalmente afastada ficará a observância posterior da execução forçada tradicional. Aliás, a feição interdital do processo de conhecimento autorizada genericamente pelo art. 273, e não apenas especificamente pelo art. 461, traz como conseqüência a possibilidade de as duas funções jurisdicionais - conhecimento e execução - fundirem-se num mesmo processo [15]. Numa só relação processual o juiz acerta o direito da parte e o realiza, de sorte que a sentença, diante da tutela executiva antecipada, em sendo procedente a demanda, se limitará a tornar definitiva a providência satisfativa já tomada em favor do autor. Desaparecerá a actio iudicati, por falta de objeto.

Correta, nessa ordem de idéias, a observação de ADA PELLEGRINI GRINOVER, para quem "a execução em que o credor pedir o cumprimento da obrigação de fazer ou não fazer, determinada em título judicial, será instaurada quando a tutela específica da obrigação ou o resultado prático equivalente ao adimplemento não tiverem sido obtidos nos termos do art. 461" [16].

Pode-se concluir que o art. 461, posto que incluído entre as normas do processo de conhecimento, não se limita a propiciar apenas atividade cognitiva ou de acertamento. Em princípio, sim, o processo apoiado no art. 461 continuará sendo de acertamento e o juiz cuidará de definir o direito da parte e de assegurar-lhe convenientemente a execução específica para depois da sentença. Casos, porém, ocorrerão em que os provimentos antecipatórios e as medidas de apoio se concretizarão ainda na pendência do processo de conhecimento, eliminando-se, praticamente, a separação, em processos autônomos e distintos, entre cognição e execução [17].


10. Medidas sub-rogatórias para reforçar a exeqüibilidade in natura

Comprometido o processo moderno com a execução específica das obrigações de fazer e não fazer, a lei haverá de propiciar à parte meios imperativos para buscar o resultado prático a que corresponde o direito subjetivo do credor. Variados poderão ser esses expedientes, se a obrigação for fungível, isto é, realizável por ato de terceiro; ficarão, todavia, restritos à cominação de multa (astreinte) se, por ser infungível, apenas o devedor puder realizar, pessoalmente, a prestação a que se obrigou [18].

Na verdade, a nova postura legislativa é de valorização da execução específica, ainda quando a obrigação de fazer seja infungível. Por meio da cominação de multa diária por atraso no cumprimento da prestação devida, tenta-se compelir o devedor a realizá-la, antes de convertê-la em perdas e danos. A multa, porém, não chega, por si só, a realizar a prestação a que tem direito o credor. Em muitos casos, porém, essa prestação pode, perfeitamente, ser alcançada por obra do credor ou de terceiro, cabendo ao devedor suportar o respectivo custo. Outras vezes, não se alcança exatamente a prestação devida, mas chega-se a resultado prático a ela equivalente. Fala-se, então em meios sub-rogatórios, que vêm a ser todo e qualquer expediente adotado pelo juiz para alcançar, como ou sem a cooperação do devedor, o resultado correspondente à prestação devida.

A mais enérgica medida para agir sobre o ânimo do devedor, é sem dúvida, a sanção pecuniária, a multa. Esta pode ser cominada tanto no caso das obrigações infungíveis como das obrigações fungíveis, com uma diferença, porém: a) se se tratar de obrigação infungível, não substituirá a prestação devida, porque a astreinte não tem caráter indenizatório. Não cumprida a obrigação personalíssima, mesmo com a imposição de multa diária, o devedor afinal ficará sujeito ao pagamento tanto da multa como das perdas e danos; b) se o caso for de obrigação fungível, a multa continuará mantendo seu caráter de medida coertiva, isto é, meio de forçar a realização da prestação pelo próprio devedor, mas não excluirá a aplicação dos atos executivos que, afinal, proporcionarão ao credor a exata prestação a que tem direito, com ou sem a colaboração pessoal do inadimplente.


11. O emprego de meios sub-rogatórios em relação a obrigações fungíveis

Como meios sub-rogatórios entendem-se as medidas que, sem depender da colaboração do devedor, podem levar ao resultado prático desejado [19].

O primeiro expediente que se manifestou como meio sub-rogatório utilizável nas execuções de obrigações de fazer foi a substituição da declaração de vontade nos compromissos de contratar pela sentença judicial. Entendia-se a princípio que a promessa de declaração de vontade compreendia obrigação de fazer infungível, já que somente o devedor tinha condições para manifestar sua própria vontade. O direito evoluiu, no entanto para a fungibilidade, pois sem nenhum constrangimento direto e pessoal ao devedor, bastaria a lei conferir a outrem a função de declarar vontade em lugar do devedor. E foi o que se fez ao criar-se a ação de adjudicação compulsória em que o juiz, diante da recusa do promitente a outorgar o contrato definitivo, profere sentença que o substitui e produz em favor do promissário todos os efeitos jurídicos que deveriam ser gerados pela declaração sonegada pelo devedor inadimplente.

Com a sentença do procedimento previsto nos arts. 639 a 641 do CPC, o credor obtém, portanto, execução específica da obrigação de fazer contida na promessa de contratar. Por expediente diverso do contrato prometido chega-se a efeito jurídico e prático a ele equivalente.

O segundo meio de buscar o efeito visado pela obrigação de fazer,, já antigo em nosso direito processual, é a multa diária (a astreinte) a que já nos referimos. Essa cominação, porém, não produz uma sub-rogação plena, porque sua força é apenas intimidativa: pela coação econômica procura-se demover o devedor de sua postura de resistência ao cumprimento da prestação devida [20]. Não se chega, só por meio dela, à satisfação do direito do credor. Quando muito amedronta-se o devedor, fragilizando sua vontade de não cumprir a obrigação e criando clima de favorecimento prático ao adimplemento pelo próprio devedor. É meio indireto de execução, portanto [21].

Há, na nova sistemática do art. 461 algumas inovações importantes no emprego da multa na tutela judicial às obrigações de fazer e não fazer:

a)a aplicação da multa não se liga a poder discricionário do juiz; sempre que esta for "suficiente e compatível com a obrigação" (art. 461, § 4º), terá o juiz de aplicá-la". Só ficará descartado o emprego da multa quando esta revelar-se absolutamente inócua ou descabida, em virtude das circunstâncias" [22]. Imagine-se a situação em que após o inadimplemento a prestação se tornou impossível. Não teria sentido, obviamente, impor multa coercitiva a um devedor que não mais tem como cumprir a prestação. Só restaria ao credor, em semelhante situação, reclamar a compensação das perdas e danos, se a impossibilidade se dever à culpa do devedor. Pode-se pensar também na inadequação da multa quando o devedor estiver comprovadamente insolvente;

b)uma vez cabível a multa, o juiz não dependerá de requerimento da parte para aplicá-la; deverá fazê-lo de ofício, como prevê o art. 461, § 4º [23];

c)o juiz não pode simplesmente multar o devedor; deve, sempre que usar a astreinte, fixar "prazo razoável para cumprimento da obrigação" (art. 461, § 4º); somente depois de seu escoamento é que, persistindo o inadimplemento, o devedor estará sujeito à pena cominada [24];

d)não apresenta a lei parâmetros obrigatórios para a fixação da multa; cabe ao juiz agir com prudência a fim de arbitrar multa que seja, segundo o mandamento legal, "suficiente ou compatível" com a obrigação. Cabe-lhe procurar a "adequação", que vem a ser o juízo de possibilidade de a multa realmente servir para provocar o cumprimento da obrigação, segundo a visão que o juiz tenha da causa [25]; não se multa só com o propósito de penalizar o inadimplente e muito menos com o direto e único intento de arruiná-lo economicamente; é necessário que a medida sancionatória seja de fato útil e adequada ao fim proposto [26]. É de acolher-se a ponderação de CARREIRA ALVIM, segundo a qual embora o valor da multa possa, em tese, ultrapassar o valor da obrigação, a sua fixação, deve, na prática, guardar certa proporção com o dano experimentado pelo autor, em função da obrigação inadimplida. Em outros termos, deve conter-se num valor razoável, consoante as condições econômico-financeiras do devedor, sob pena de tornar-se tão ineficaz quanto a condenação principal;

e)a multa tanto pode ser aplicada pela sentença final de mérito, como por medida de antecipação de tutela (art. 461, § 4º). Naturalmente, para fazê-la incidir antes do julgamento definitivo da causa, o juiz haverá de apoiar-se em dados que justifiquem, in concreto, a tutela antecipada;

f)a multa uma vez fixada não se torna imutável, pois ao juiz da execução atribui-se poder de ampliá-la ou reduzi-la, para mantê-la dentro dos parâmetros variáveis, mas sempre necessários, da "suficiência" e da "compatibilidade" [27]; mesmo quando a multa seja estabelecida na sentença final, o trânsito em julgado não impede ocorra sua revisão durante o processo de execução; ela não integra o mérito da sentença e como simples medida executiva indireta não se recobre do manto da res iudicata [28];

g)a multa vigora a partir do momento fixado pela decisão, o qual se dará quando expirar o prazo razoável assinado pelo juiz para o cumprimento voluntário da obrigação. Vigorá, outrossim, crescendo dia a dia, enquanto durar a inadimplência e enquanto for idônea para pressionar o devedor a realizar a prestação devida. Uma vez evidenciado que não há mais como exigir-se a prestação in natura, não terá como se prosseguir na imposição da pena diária. Não tem sentido, por exemplo, insistir na sua aplicação enquanto não forem pagas as perdas e danos. Se a obrigação se converter em perdas e danos, já não há mais razão para praticar um expediente sub-rogatório cuja existência pressupõe a exigibilidade in natura da obrigação de fazer. In casu, o devedor permanecerá responsável pelas astreintes vencidas até quando se constatou a inviabilidade do prosseguimento da execução específica [29].

Por outro lado, enquanto for viável obter-se a prestação in natura, continuará cabível a multa, ainda que ultrapasse o valor da dívida, porque a astreinte não é meio de satisfação da obrigação, mas simples meio de pressão. Há, porém, quem não admita uma perpetuação da multa, principalmente depois que seu montante acumulado já tenha ultrapassado o valor total da obrigação. O STJ já chegou a declarar que, na espécie, poderia ocorrer um enriquecimento sem causa [30]. Na doutrina, também, há vozes abalizadas recomendando, depois de passado algum tempo sem que a multa tenha produzido o esperado efeito, que o juiz faça cessar a incidência das astreintes. Para essa doutrina, a situação evidenciaria a impossibilidade de a multa conduzir ao resultado específico, ou pelo menos a inadequação da multa para tanto [31].

A meu ver, não se deve adotar nenhuma posição rígida a respeito do tema. O fato de prolongar-se muito a inadimplência, mesmo depois de cominada a multa diária, representará, sem dúvida, motivo para melhor avaliação da pena como medida executiva indireta e funcionará como indício de sua inadequação à espécie do processo. Mas daí a dizer, só por isso que, ela deverá cessar de incidir, vai uma distância muito grande e o argumento envolve um raciocínio nem sempre convincente. O devedor pode justamente estar se prevalecendo de seu poderio econômico para prejudicar o credor, que depende substancialmente da prestação in natura para seus negócios. Parece-me correta a ponderação de EDUARDO TALAMINI de que o juiz não pode singularmente "premiar a recalcitrância do réu". Em vez de se preocupar com o possível "enriquecimento sem causa" gerado pela indefinida protelação do cumprimento da sentença, deverá o juiz indagar se houve algum outro motivo para concluir que a multa se tornou inadequada ao seu objetivo institucional [32].

h)exigibilidade da multa: se a imposição se der na sentença, naturalmente sua exigência se dará na execução do referido julgado. Dependerá, todavia, de prévia liqüidação, em que se comprove o inadimplemento e a respectiva duração, para aperfeiçoamento do título executivo judicial.

O problema torna-se mais complexo e suscita a formação de divergências doutrinárias, quando se trata de cobrar a multa aplicada em antecipação de tutela (art. 461, § 4º). Para CÂNDIDO DINAMARCO, tal multa somente se tornaria exigível depois do trânsito em julgado da sentença definitiva [33]. Assim pensa, também, ADA PELLEGRINI GRINOVER [34].

Para TALAMINI, todavia, o que se tem de indagar é a finalidade da multa. Se ela foi estipulada em antecipação de tutela, para assegurar desde logo o provimento antecipado, deve ser exigível de pronto. Muito embora, deva se atentar para o caráter provisório de tal execução (CPC, art. 588, c/c art. 273, § 3º) [35]. Parece-me que se o juiz usou a multa como expediente para forçar o cumprimento imediato da prestação de fazer, não se deve recusar sua exigibilidade também imediata. O mesmo, porém, não acontecerá se a fixação liminar da multa não se vinculou aos pressupostos do art. 273 e 461, § 1º, necessários a exigir do réu a submissão antecipada os efeitos da tutela de mérito. Limitando-se o juiz a estipular a astreinte antes da sentença, sua exigibilidade, então, dependerá do ulterior trânsito em julgado, muito embora o dies a quo de seu cálculo possa retroagir ao momento fixado pela decisão primitiva.

i)Forma de execução de multa: a multa, em qualquer situação deverá ser exigida sob o rito da execução por quantia certa [36].

Mesmo quando o devedor só esteja incurso na multa estipulada em antecipação de tutela, não há na cobrança urgência para o credor capaz de justificar o afastamento do rito normal da execução por quantia certa.

Não é possível executar-se multa judicial, qualquer que seja ela, sem previamente submetê-la ao procedimento liqüidatório. Só após tal procedimento é que se terá o título executivo judicial líqüido, certo e exigível [37]. Essa liquidação compreenderá não só a comprovação de que a prestação não se cumpriu no prazo assinado, como também de quanto durou o retardamento. Se esses dados já estiverem certificados nos autos, a liqüidação se resumirá num simples cálculo aritmético; havendo necessidade de apuração de dados novos, o procedimento terá de ser o da liqüidação por artigos.


12. Outros meios sub-rogatórios ou de apoio

Dispõe o § 5º do art. 461 do CPC, com evidente propósito de perseguir a efetividade da tutela jurisdicional, que, nas ações relativas às obrigações de fazer e não fazer, o juiz pode determinar medidas de sub-rogação e coerção como "busca e apreensão, remoção de pessoas e coisas, desfazimento de obras, impedimento de atividade nociva, além da requisição de força policial".

A enumeração legal é reconhecidamente exemplificativa, de sorte que a autorização contida no § 5º do art. 461 compreende qualquer outra medida que se torne necessária e compatível com o propósito de proporcionar ao credor a "tutela específica" ou o "resultado prático equivalente" [38].

As medidas em questão são determinadas pelo próprio juiz do processo de conhecimento e podem referir-se tanto ao cumprimento da antecipação de tutela como à execução da sentença definitiva [39].

Com elas procura-se a satisfação do direito do credor, e não apenas a conservação de elementos úteis ao processo. O texto legal é de meridiana clareza ao dispor que as providências autorizadas são "para efetivação da tutela específica ou para obtenção do resultado prático equivalente".

Embora o rol das medidas sub-rogatórias ou de apoio contido no § 5º do art. 461 seja meramente exemplificativo, o juiz não tem um poder ilimitado na adoção de outras providências para atingir a execução específica. Expedientes condenados pela ordem jurídica, como a prisão civil por dívida, obviamente não se incluem nos meios de coerção utilizáveis na espécie [40].

Na escolha de providência extravagantes, preconiza-se a observância dos princípios da proporcionalidade e razoabilidade, de sorte a guardar a relação de adequação com o fim perseguido, não podendo acarretar para o réu "sacrifício maior do que o necessário [41].

A busca e apreensão, in casu, é providência que pode se referir, no todo ou em parte, ao objeto criado pela execução da obrigação de fazer, bem como a alguma coisa necessária ou útil a tal execução (exemplos: materiais, projetos, ferramentas). As ordens desse tipo são tomadas incidentalmente, dentro do processo em curso, sem instauração de verdadeira execução para entrega de coisa.

A entrega de coisa para satisfazer o direito a "resultado prático equivalente" à prestação devida não é de ser descartado. As medidas sub-rogatórias do § 5º tanto são utilizáveis como preparação do julgamento do processo de conhecimento, como podem ser providências que a sentença utilize para determinar o conteúdo da condenação. Nessa última hipótese, a busca e apreensão dar-se-ia, na fase de execução da sentença onde ficaria assegurado ao credor uma coisa determinada, cuja entrega lhe proporcionaria o "resultado prático equivalente". Imagine-se o fornecedor de um automóvel que não consegue realizar a contento a garantia de pleno funcionamento da máquina. O juiz pode transformar a obrigação de fazer (reparar o veículo) em obrigação de entregar outro automóvel em condições adequadas de operação.

A "remoção de pessoas e coisas", prevista no art. 461, § 5º, difere da busca e apreensão porque não se destina a proporcionar a entrega do objeto apreendido ao credor. Satisfaz a obrigação de deslocamento daquilo que obsta ao credor o exercício de seu direito (ex.: remoção de placa que viola marca ou nome comercial). Em relação a pessoas, pode-se pensar na remoção de grevistas que se recusam a deixar o recinto de trabalho, por exemplo, ou no empreiteiro que não retira seu pessoal da obra cuja continuidade foi adjudicada a outrem [42].

O "desfazimento de obras", também previsto no § 5º, do art. 461, não se restringe ao cumprimento da sentença que o tenha imposto como decorrência de obrigação de não fazer. O que se visa é permitir o expediente mesmo incidentalmente, até mesmo como antecipação de tutela, quando presentes os seus pressupostos legais. Em tais casos a demolição se dará em caráter de urgência, como cumprimento de simples mandado, sem se sujeitar ao processo de execução, como, aliás, ocorre com as medidas cautelares e demais provimentos de urgência.

O "impedimento de atividade nociva", igualmente autorizado pelo § 5º, do art. 461, pode ocorrer em caráter preventivo ou repressivo e segue o procedimento mandamental, para pronta efetivação. Pode ser coordenado com imposição de multa e outras medidas coercitivas como a remoção de bens e pessoas.

Para qualquer medida enquadrável nas diligências relacionadas a tutela específica ou seu equivalente prático, o juiz estará sempre autorizado a requisitar a força policial, na hipótese de ocorrer resistência injustificável à diligência. Trata-se de faculdade inerente à autoridade do órgão judicial


13. Síntese

O regime atual da tutela das obrigações de fazer e não fazer, no direito processual brasileiro, apresenta-se com as seguintes características:

a) a execução específica é a prioridade do sistema; o credor somente será remetido para o equivalente econômico (perdas e danos) se for impossível chegar-se à prestação devida, ou se for opção sua;

b)a sistemática inovadora instituída pelas medidas coercitivas e sub-rogatórias do art. 461 se insere no plano das tutelas diferenciadas, e como tal, convive com a execução tradicional das obrigações de fazer e não fazer. Às vezes a elimina, outras vezes a complementa e reforça;

c)a possibilidade de usar medidas satisfativas em caráter de antecipação de tutela pode dar ao processo feitio interdital; conhecimento e execução podem ocorrer numa única relação processual, eliminando a actio iudicati (execução de sentença por outra ação) [43];

d)as astreintes podem ser impostas para reforço da sentença, caso em que incidirão após a coisa julgada e já no bojo da execução forçada; podem, também, ser aplicadas como parte do expediente de antecipação de tutela, tornando-se exigíveis de imediato, antes mesmo da sentença definitiva [44];

e)a antecipação de tutela figura como mecanismo importante para alcançar a tutela específica das obrigações de fazer e não fazer, mas não assume a categoria de liminar manejável discricionariamente pela parte e pelo juiz [45]. Como medidas satisfativas, estão sujeitas aos requisitos gerais do art. 273 do CPC que devem ser conjugados com os do art. 461; ou seja, como reforço da execução de sentença são adicionáveis, sem maiores exigências ao procedimento executivo comum; mas como antecipação de tutela, somente as condições especiais arroladas no art. 273, especialmente o perigo de dano grave e de difícil reparação e a necessidade de preservar-se a reversibilidade, podem autorizar a quebra do contraditório e a agressão patrimonial antes da exaustão da ampla defesa, e da formação da coisa julgada. Há, na verdade, uma teoria geral a ser observada em todos as tutelas de urgência, sejam cautelares, sejam antecipatórias, e principalmente nestas últimas. Não se altera o devido processo legal, sem que razões sérias e excepcionais o exijam e justifiquem;

f)a tutela específica é proporcionável à parte não só pela realização exata da prestação a que se obrigou o devedor, como também por meio de outras providências que, no efeito prático, produzam resultado equivalente; quer isto dizer que, antes de submeter o credor a aceitar o equivalente econômico, deve-se tentar obter resultados práticos que, mesmo não sendo exatamente a prestação devida, a ela se equiparem;

g)a aplicação das medidas de cunho sub-rogatório e coercitivo autorizados pelo § 5º do art. 461 do CPC se dá por meio de procedimento mandamental, isto é, por ordem do juiz exequível de plano, inclusive com apoio de força policial, se necessário; não se sujeitam tais providências, ao procedimento normal das execuções forçadas [46];

h)o caráter mandamental, poarém, aplica-se às medidas de apoio e não à sentença final condenatória; esta será executada normalmente, após a coisa julgada, segundo o procedimento adequado à prestação imposta pela condenação; não poderá, então a sentença ser imediatamente posta em execução, se a apelação for interposta com o duplo efeito legal; em outros termos: o art. 461 autorizou medidas cautelares e antecipatórias, a serem exigidas do réu sob forma mandamental, mas não tornou a sentença final provimento de ação mandamental fora do alcance normal dos efeitos da apelação e capaz de autorizar sempre a execução provisória antes do julgamento do referido recurso;

i)as medidas do art. 461, § 5º, são enunciadas em caráter exemplificativo, de sorte que o juiz pode lançar mão de outros expedientes não previstos expressamente em lei, desde que necessários e compatíveis com a execução a ser implementada; a escolha e delimitação do alcance da medida coercitiva ou sub-rogatória deverão dar-se dentro dos padrões ditados pelos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade; só se deferirão, nessa ordem de idéias, medidas necessárias e que não submetam o devedor a constrangimentos injustificáveis, diante do objetivo da tutela específica;

j)a aplicação da multa diária, pode ocorrer de ofício, ou a requerimento da parte; mas as medidas do § 5º do art. 461 só se deferem a requerimento da parte. Em se tratando de medidas excepcionais, de caráter satisfativo, somente quando a lei as tenha autorizado expressamente, como se fez em relação às astreintes (§ 4º), é que se terá o juiz como autorizado a tomá-las ex officio.


14. Conclusão

O drama da justiça estatal é o de atuar de maneira a corresponder à confiança que nela deposita aquele que se considera vítima de lesão jurídica. A prestação jurisdicional, para ele, é quase sempre a última esperança.

A tutela específica e as medidas antecipatórias e sub-rogatórias que a completam não podem falhar, seja por omissão do órgão judicial, seja por uso injustificado e, portanto, abusivo. Em qualquer caso o que se desmerecerá, perante o jurisdicionado e ainda no consenso social, será a própria justiça a quem a ordem constitucional confiou a manutenção da ordem jurídica e a realização da tutela a todos os direitos subjetivos violados ou ameaçados. Perder-se a confiança na justiça é o último e pior mal que pode assolar o Estado Democrático de Direito.


Notas

1..."O processo deve buscar respostas diversificadas, de acordo com as situações jurídicas de vantagens asseguradas pelo direito material, de modo a proporcionar o mais fielmente possível a mesma situação que existiria se a lei não fosse descumprida" (GRINOVER, Ada Pellegrini. Tutela jurisdicional nas obrigações de fazer e não fazer. Ajuris, v. 65, p. 14)

2..."O processo é normalmente, instrumento da realização do direito material e, repetindo a lição de BARBOSA A. MOREIRA, ‘o resultado de seu funcionamento deve situar-se a uma distância mínima daquele resultado que produziria a atuação espontânea das normas substantivas’, fazendo com que, ao máximo, coincidam um e outro (TEMAS, 3ª série, 1984, p. 3). Nessas condições pela simples circunstância de seu instrumento, deve o processo ser disciplinado a fim de que possa ensejar total acesso à justiça, moldar-se ou adotar meios que lhe propiciem maior efetividade, maior celeridade, enfim, deve o processo obedecer às normas emanadas de princípios que norteiam sua finalidade" (ALVIM, Thereza. A tutela específica do art. 461, do Código de Processo Civil. Revista de Processo, v. 80, p. 103)

3...ALVIM, Arruda. Obrigações de fazer e de não fazer - Direito Material e Processo. In: TEIXEIRA, Sálvio de Figueiredo (coord.). Estudos em homenagem ao Ministro AdhemarFerreira Maciel. São Paulo: Saraiva, 2001, p. 70.

4...Ob. cit., p. 66

5...As medidas de urgência, autorizadas pelos arts. 273 e 461 correspondem a "novos tipos de provimentos jurisdicionais do juiz" (...) que se acham em conjugação com "o real alcance do princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional, que assegura tutela adequada, efetiva e tempestiva" (WATANABE, Kazuo. Tutela antecipatória e tutela específica das obrigações de fazer e não fazer (arts. 273 e 461 do CPC). In: TEIXEIRA, Sálvio de Figueiredo (coord.). Reforma do Código de Processo Civil. São Paulo: Saraiva, 1996, p. 21.

6...No propósito de proporcionar ao demandante precisamente o que lhe adviria do cumprimento normal de obrigação "está inserido o suprimir da dimensão temporal de duração do processo, no sentido e com a função de que, se houver o risco de ineficácia da medida, se somente afinal vier a ser concedida, essa deverá ser concedida imediatamente" (ALVIM, Arruda. Obrigações de fazer cit., p. 72).

7...CHIOVENDA. Dell’azione nascente dal contrato preliminare. Rivista di Diritto Comercialle, 1911; e "Saggi di diritto processuale civile", Roma, 1930, v. I, p. 110; apud ALVIM, Arruda. Obrigações de fazer cit., p. 68.

8...CHIOVENDA. Istituzioni di diritto processuale civile. Napoli: E. Jovene, 1935, v. I., p. 242.

9...Tutela antecipatória e tutela específica. In: TEIXEIRA, Sálvio de Figueiredo (coord.). A reforma do Código de Processo Civil. São Paulo: Saraiva, 1996, p. 47.

10...GRINOVER, Ada Pellegrini. ob. cit., p. 22.

11...MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela inibitória: individual e coletiva. São Paulo: RT, 1998, p. 79-80.

12...GRINOVER, Ada Pellegrini. ob. cit., p. 29.

13..."Si l’exécution en nature est possible, elle est beaucup préférable. Le créancier est en droit de réclamer l’exécution en nature chaque fois qu’il y a posibilité de l’imposer" (JEAN VINCENT-JACQUES PRÉVAULT, ob. cit., n. 26, p. 22).

14...Na grande maioria das vezes, a função das medidas preconizadas pelo art. 461 do CPC será justamente a de afastar o procedimento anacrônico dos artigos 632 a 635, 642 e 643, embora a destinação da nova sistemática não tenha sido a de revogar a execução tradicional. O que, em verdade, se criou no art. 461 foi um "sistema paralelo" que convive com o já existente e quando adequadamente manejado pode até mesmo dispensar o sistema antigo, ou apenas preencher lacunas deste" (ALVIM, Arruda. ob. cit., p. 74).

15...Para cumprir o programa de tutela específica das obrigações de fazer e não fazer, "o ordenamento processual há de buscar meios imperativos para chegar ao resultado desejado, seja motivando o obrigado a optar pelo adimplemento (meios de pressão psicológica ou ‘astreintes’), seja prescindindo de sua vontade (execução específica por meios sub-rogatórios que levam ao atingimento do resultado prático equivalente)" (GRINOVER, Ada Pellegrini cit., por T. ALVIM, Revista de Processo, v. 80, p. 107)

16...GRINOVER, Ada Pellegrini. ob. cit., p. 30.

17..."A ação prevista no CPC, art. 461 é cominatória e, portanto, de conhecimento. Nada obstante, tem eficácia executivo-mandamental, pois abre ensejo à antecipação da tutela (art. 461, §3º), vale dizer, autoriza a emissão de mandado para execução específica e provisória da tutela de mérito ou de seus efeitos" (NERY JÚNIOR, Nelson, NERY, Rosa Maria Andrade. Código de processo civil comentado. 5. ed., São Paulo: RT, 2001, p. 897-898).

18..."Sempre que possível, o juiz procederá de imediato à tomada das providências sub-rogatórias exemplificadas no § 5º do art. 461, para atingir o resultado equivalente ao adimplemento sem necessidade de processo de execução" (GRINOVER, Ada Pellegrini. ob. cit., p. 23).

19...GRINOVER, Ada Pellegrini. ob. cit., p. 18.

20..."L’astreinte est une mesure destinée à vaincre la résistance apposée à l’ exécution d’une condamnation"... cela signifie que l’astreinte ne pent être que l’accessoire d’une condamnation principale dont elle est chargée d’assurer l’exécution (MARC DONNTER et JEAN-BAPTISTA DONNIER, Voies d’exécution et procédures de distribution. 6. ed., Paris: Litec, 2.001, n. 301-302, p. 106).

21..."A multa é medida de coerção indireta imposta com o objetivo de convencer o demandado a cumprir espontaneamente a obrigação. Não tem finalidade compensatória, de sorte que, ao descumprimento da obrigação, é ela devida independemente da existência, ou não, de algum dano. E o valor desta não é compensado com o valor da multa, que é devido pelo só fato do descumprimento da medida coercitiva. Nesse sentido deve ser i nterpretado o § 2º do art. 461" (WATANABE, Kazuo. ob. cit., p. 47).

22....TALAMINI, Eduardo. Tutela relativas aos deveres de fazer e de não fazer. São Paulo: RT, 2001, p. 236.

23...Também, no direito francês é autorizada a aplicação ex officio da astreinte, pelo juiz (DONNIER et DONNIER, ob. cit., n. 316, p. 111).

24...No direito francês, também ao juiz cabe fixar o momento de incidência da multa e sua exeqüibilidade deverá ocorrer posteriormente, ou seja, quando a decisão que a cominou tornar-se executável (DONNIER et DONNIER, ob. cit., n. 328, p. 116).

25...ALVIM, Thereza. A tutela específica do art. 461 do CPC. Revista de Processo, v. 80, p. 100.

26.."Le montant de l’astreinte est fixé librement par le juge en fonction de la capacité de résistence du débiteur. D’une façon generale, il est toujours assez élevé de manière à faire impression sur la partie condamnée" (DONNIER et DONNIER, ob. cit., n. 330, p. 116).

27...TALAMINI, Eduardo. ob. cit., p. 244.

28...TALAMINI, Eduardo. ob. cit., p. 245; THEODORO JÚNIOR, Humberto. Processo de execução. 20. ed., São Paulo: Leud, 2000, p. 260.

29...TALAMINI, ob. cit., p. 249.

30...STJ, 4ªT., REsp. 13.416-0/RJ, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, ac. 17.03.92, RSTJ, 37/428.

31...GRECO FILHO, Vicente. Direito processual civil brasileiro. 10. ed., São Paulo: Saraiva, 1995, v. III, n. 11.5, p. 69; GUERRA, Marcelo Lima. Execução indireta. São Paulo: RT, 1998, n. 4.2.2, p. 190.

32..TALAMINI, Eduardo. ob. cit., p. 252.

33...A reforma do CPC. 2. ed., São Paulo: Malheiros, 1995, n. 115, p. 158.

34...Tutela jurisdicional nas obrigações de fazer e não fazer. Revista de Processo, v. 79, p. 71.

35...ob. cit., p. 254.

36...TALAMINI, Eduardo. ob. cit., p. 256.

37...TALAMINI, Eduardo. ob. cit., p. 256.

38...GRINOVER, Ada Pellegrini. Tutela jurisdicional, cit., p. 71; SANTOS, Ernane Fidélis dos. Novos perfis do processo civil brasileiro. Belo Horizonte: Del Rey, 1996, p. 75; TALAMINI, Eduardo. ob. cit., p. 263; MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela inibitória: individual e coletiva. São Paulo: RT, 1998, p. 71-73.

39...DINAMARCO, Cândido. A reforma do CPC. 2. ed., São Paulo: Malheiros, 1995, n. 116, p. 159. As medidas sub-rogatórias, tendentes a assegurar o resultado prático equivalente ao adimplemento, não podem ser entendidos como somente após a sentença de mérito. Se hoje o CPC permite antecipar qualquer efeito do tutela definitiva, claro é que, em liminar de ação de prestação de fazer e não fazer, ditas medidas tanto podem ser utilizadas na execução da sentença final como em liminares de antecipação de tutela (ALVIM, Thereza. A tutela específica do art. 461 do CPC. Revista de Processo, v. 80, p. 108.

40....TALAMINI, Eduardo. ob. cit., n. 12.1, p. 296-298. A vedação da prisão civil não impede que o infrator da ordem judicial cometa crime de desobediência e, assim, eventualmente, venha a ser preso segundo as regras do direito penal. O que não se admite é o juiz cível usar a prisão diretamente como expediente de execução civil.

41...TALAMINI, Eduardo. ob. cit., n. 10.2, p. 265.

42...O emprego da força policial pode ser utilizado para a execução de certas decisões judiciais, "tais como as que determinam uma expulsão (de locatários, de ocupantes sem título de um local, ou de grevistas)" (JEAN VINCENT et JACQUES PRÉVAULT. Voies d’exécution et procédures de distribution. 19. ed., Paris: Dalloz, 1999, n. 24, p. 21).

43..."Todas as medidas de apoio previstas no § 5º, do artigo examinado, podem e devem ser tomadas no processo de conhecimento, visando forçar o cumprimento da tutela específica pelo réu. Exemplificativamente, se é movida ação para que uma fábrica não polua o ambiente, pode o magistrado mandar cessar essas atividades, até mesmo usando da força policial. Se for necessário o desfazimento de uma obra, o juiz pode, no processo de conhecimento, mandar demoli-la" (ALVIM, Thereza. ob. cit., p. 109).

44...A multa pode ser aplicada em tutela antecipatória; "contudo, imposta a multa e não sendo cumprida a obrigação, esta só poderá vir a ser cobrada em execução por quantia certa" (ALVIM, Thereza. ob. cit., p. 109).

45...A inovação mais importante instituída pela Lei n. 8.952 foi a consubstanciada no art. 273 que permite ao juiz adiantar, a requerimento da parte, os efeitos da tutela pretendida em qualquer processo de conhecimento desde que preenchidos os requisitos legais, elencados no mesmo artigo" (ALVIM, Thereza. ob. cit., p. 106).

46...Atos de sub-rogação e medidas de apoio, em casos de urgência, permitem eliminar a actio iudicati, pois o resultado prático pode ser obtido, de pronto, dentro do processo de conhecimento ainda em curso (WATANABE, Kazuo. Tutela antecipatória e tutela específica das obrigações de fazer e não fazer. In: TEIXEIRA, Sálvio de Figueiredo (coord.). Reforma do Código de Processo Civil. São Paulo: Saraiva, 1996, p. 44).


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

THEODORO JÚNIOR, Humberto. Tutela específica das obrigações de fazer e não fazer. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 7, n. 56, 1 abr. 2002. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/2904. Acesso em: 29 abr. 2024.