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A Lei da anistia nº 8.878/94 e seu título executivo.

Entendendo-o e enquadrando-o no Código de Processo Civil

A Lei da anistia nº 8.878/94 e seu título executivo. Entendendo-o e enquadrando-o no Código de Processo Civil

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Resumo: Aborda-se o rito processual explicitado na Lei da Anistia, para concluir que as decisões intermediárias ou finais previstas, são enquadráveis como títulos executivos extrajudiciais à luz do Código de Processo Civil.


Introdução

A Lei da Anistia nº. 8.878/94, de 11.05.1994, não chega a inovar com relação ao instituto da anistia.

Num país cuja vida política tem conhecido súbitas mudanças entre períodos democráticos, ora com a plena vigência do estado de direito, ora com períodos ditatoriais ou estados de exceção, os fundamentos da anistia trazidos à Lei em comento não se diferenciam daqueles incluídos nas Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição Federal de 1988. Antes os copiam como adiante se verá.

As Cartas Magnas da República, fundada em 1889, desde a primeira de 1891, têm tratado do tema e concedido anistias, exceto a de 1967 que não as concedeu.

A par da competência da União, no conceder (CF, art. 21, XVII), e a do Congresso no legislar (idem, artigo 48, VIII), o artigo 8º das Disposições Transitórias da CF atual concede anistia, fundamenta-a e identifica destinatários (§ 5º), texto que serviu de referência à redação da Lei da Anistia, cujos artigos 1º e 2º replicam, parcialmente, o 8º e respectivo § 5º das Disposições Transitórias, como mostra o quadro comparativo:

CF – Ato das Disposições Constitucionais Transitórias

Lei da Anistia nº. 8.878/94

Art. 8º. É concedida anistia aos que, no período de 18 de setembro de 1946 até a data da promulgação da Constituição, foram atingidos, em decorrência de motivação exclusivamente política, por atos de exceção, institucionais ou complementares, aos que foram abrangidos pelo Decreto Legislativo nº 18, de 15 de dezembro de 1961, e aos atingidos pelo Decreto-Lei nº 864, de 12 de setembro de 1969, asseguradas as promoções, na inatividade, ao cargo, emprego, posto ou graduação a que teriam direito se estivessem em serviço ativo, obedecidos os prazos de permanência em atividade previstos nas leis e regulamentos vigentes, respeitadas as características e peculiaridades das carreiras dos servidores públicos civis e militares e observados os respectivos regimes jurídicos.

§ 5º - A anistia concedida nos termos deste artigo aplica-se aos servidores públicos civis e aos empregados em todos os níveis de governo ou em suas fundações, empresas públicas ou empresas mistas sob controle estatal, exceto nos Ministérios militares, que tenham sido punidos ou demitidos por atividades profissionais interrompidas em virtude de decisão de seus trabalhadores, bem como em decorrência do Decreto-Lei nº 1.632, de 4 de agosto de 1978, ou por motivos exclusivamente políticos, assegurada a readmissão dos que foram atingidos a partir de 1979, observado o disposto no § 1º.

Art. 1° É concedida anistia aos servidores públicos civis e empregados da Administração Pública Federal direta, autárquica e fundacional, bem como aos empregados de empresas públicas e sociedades de economia mista sob controle da União que, no período compreendido entre 16 de março de 1990 e 30 de setembro de 1992, tenham sido:

I - exonerados ou demitidos com violação de dispositivo constitucional ou legal;

II - despedidos ou dispensados dos seus empregos com violação de dispositivo constitucional, legal, regulamentar ou de cláusula constante de acordo, convenção ou sentença normativa;

III - exonerados, demitidos ou dispensados por motivação política, devidamente caracterizado, ou por interrupção de atividade profissional em decorrência de movimentação grevista.

Art. 2° O retorno ao serviço dar-se-á, exclusivamente, no cargo ou emprego anteriormente ocupado ou, quando for o caso, naquele resultante da respectiva transformação e restringe-se aos que formulem requerimento fundamentado e acompanhado da documentação pertinente no prazo improrrogável de sessenta dias, contado da instalação da comissão a que se refere o art. 5°, assegurando-se prioridade de análise aos que já tenham encaminhado documentação à Comissão Especial constituída pelo Decreto de 23 de junho de 1993.(Vide decreto nº 3.363, de 2000)

Portanto, a Lei da Anistia em comento segue a Constituição e a freqüente prática política de tentar, por esta via, remediar rupturas impostas à vida profissional de cidadãos e trabalhadores que, em virtude de hiatos ocorridos em estados de direito, são desempregados sumariamente, sem que se cogite sequer de perdas e danos, que teria outro custo.

A Exposição de Motivos 1 que encaminhou a Lei da Anistia ao Congresso Nacional, a par de invocar a Constituição como seu espelho referencial, menciona a inviabilidade de quaisquer medidas reparadoras, pela via administrativa, à ruptura provocada pela reforma administrativa de 1990/92, apresentando projeto de lei – com estrutura processual específica julgadora - para saná-la, como diz:

"Para tanto, buscamos nos artigos 8º e 9º do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, da Constituição de 1988, os parâmetros inspiradores da proposição que ora submetemos à consideração de Vossa Excelência.

5. O vigente Texto Magno ao conceder anistia como especificado naqueles dispositivos transitórios foi, sobretudo, inovador. Hoje, o conceito da anistia não mais se restringe a eventuais crimes cometidos por quem o Estado decida beneficiar com o perdão. Mais que isso, modernamente, anistia é, também, o ato político formal pelo qual se considera a motivação dos atos cometidos em nome do Estado, apagando-se-lhes os efeitos .

6. Esse é o nosso entendimento com relação à considerável parte dos milhares de casos analisados pela mencionada Comissão Especial: foram prejudicados por uma decisão que lhes suprimiu cargos e empregos.

Por ser inviável qualquer medida reparadora pela via administrativa, resta ao Poder Executivo, por decisão de Vossa Excelência, encaminhar ao Legislativo a proposição objeto do presente projeto de lei, na forma prevista pela Carta Magna."

Ao explicitar na Exposição de Motivos que "... modernamente, anistia é, também, o ato político formal pelo qual se considera a motivação dos atos cometidos em nome do Estado, apagando-se-lhes os efeitos .", aproxima-se da lição de CARLOS MAXIMILIANO, recolhida pelo Ministro DEMÓCRITO REINALDO em acórdão 2 de 09.12.1997 de mandado de segurança sobre Anistia-Lei nº. 8.878/94: (grifei)

"No pertinente ao alcance da anistia, que só atinge aos que foram demitidos por motivação política, renovo aqui os argumentos que expendi no julgamento do MS nº. 4.028:

"Decretos de anistia, ensina CARLOS MAXIMILIANO, os de indulto, o perdão do ofendido e outros atos benéficos, embora envolvam concessão ou favores, se enquadram na figura jurídica dos privilégios, não suportam exegese estrita. Sobretudo se não interpretam de modo que venham a causar prejuízo. Assim se entende, por incumbir ao hermeneuta atribuir à regra positiva o sentido que dá eficácia maior à mesma relativamente ao motivo que a ditou, e ao fim colimado, bem como aos princípios seus e da legislação em geral" (Hermenêutica e Aplicação do Direito, pág. 238) (grifei)

Alinhado com a Exposição de Motivos referindo-se a "... motivação dos atos cometidos em nome do Estado...", o insigne Ministro DEMÓCRITO REINALDO, em seu recitado voto, expressa, à plenitude, sua robustez interpretativa:

"Nessa linha de pensar, entendo que a expressão ‘motivação política inscrita na lei’ (inciso III, do art. 1º da Lei 8.878/94) deve ser compreendida no seu sentido amplo e dilargante, alcançando tanto o sentido ideológico, como deixou claro a comissão de anistia, em sua decisão, como o de simples oposição ao Governo e seu programa administrativo. Em outras palavras, a expressão motivação política pode ser interpretada tanto no sentido estrito da ideologia, como no sentido mais amplo, abrangendo, a política de governo e a política administrativa." (grifei)


1. Processualística da Anistia aplicável ao artigo 8º das Disposições Transitórias da Constituição Federal e à Lei 8.878/94

Enquadrados os anistiáveis, de acordo com definição e quesitos dos diplomas legais supramencionados, restaria legalizá-los através do devido processo legal. Não poderia o pleito (dos anistiáveis) escapar a acurada análise processual para seu reconhecimento - titularidade do anistiável para posterior execução -, sem a qual, exercícios de anistia não passariam de ato acadêmico e retórico, sem força no campo jurídico. O término de cada processo é que desemboca na efetivação da anistia, como adiante se verá.

Portanto, a processualística da anistia exigiu a cada diploma legal, estrutura que viabilizasse seu "iter": análise da legitimidade dos pleitos de anistia, julgamento, concessão ou denegação do pedido, admissibilidade de recurso em instância própria, e por fim a instauração da anistia.

O artigo 9º 3 das Disposições Transitórias remetia determinado conjunto de anistiáveis diretamente ao Supremo Tribunal Federal, para análise e julgamento dos respectivos pedidos, e prolação de sua "decisão" , em prazo exíguo, dotando-os de um título executivo judicial.

O redator constitucional elegeu o termo "decisão" , ao invés de sentença para a conclusão do referido julgamento, termo que está presente em outros artigos da Constituição Federal como o artigo 34, VI quando dispõe: "A União não intervirá nos Estados nem no Distrito Federal, exceto para:... VI – prover a execução de lei federal, ordem ou decisão judicial;" ou então no artigo 217 – 2º: "A justiça desportiva terá o prazo máximo de sessenta dias, contados da instauração do processo, para proferir decisão final.", além de muitos outros.

Ver-se-á que, por tal influência direta da CF, como atesta a Exposição de Motivos acima transcrita, o redator da Lei da Anistia privilegiou igual termo - "decisão" - em detrimento de outros, sentença, por exemplo.

Já o artigo 8º das Disposições Transitórias da CF só veio a ser regulamentado 14 anos depois, em 2002, através da Lei nº. 10.569. de 13.11.2002, criando, através de seu artigo 12, análoga Comissão de Anistia ao abrigo do Ministério da Justiça.

A Lei da Anistia 8.878 de 11.05.1994 recebeu sua estrutura processual um mês após a sua edição, em 08.06.1994, objetivada no Decreto 1153/94, de 08.06.1994, dispondo sobre a constituição da Comissão Especial de Anistia, como órgão recursal, e das respectivas Subcomissões Setoriais de Anistia, cumprindo, por esta via, o disposto no § 1º do artigo 5º 4 da Lei da Anistia, que remetia ao Decreto sua plena operacionalidade.

Parecem entender os legisladores que Comissões de Anistia, inda que inseridas no Executivo, possuem aptidão necessária para processualizar pleitos desta natureza, resgatando, inda que tardiamente, as perdas profissionais dos anistiáveis, já que prejuízos pessoais, familiares, drama e adversidade vividos, nem anistia nem dinheiro repõem.

Anteriormente à edição da Lei 8.878/94, já havia o Executivo, através do Decreto de 23 de junho de 1993, criado Comissão Especial de Anistia, na Secretária de Administração Federal – SAF – da Presidência da República, para examinar dispensas de servidores públicos e de empregados de cargos e empregos efetivos de órgãos e entidades da Administração Pública Federal, direta e indireta, ocorridas entre 16.03.90 e 30.09.92. As análises daí resultantes engendraram a segunda versão da Lei da Anistia e respectivo Decreto, elaborados pela Secretaria, encaminhados ao Congresso Nacional pela Exposição de Motivos acima transcrita.


2. A dependência da Lei da Anistia 8.874/94 de uma processualística para viger, ser aplicada e produzir os efeitos pretendidos.

O artigo 5º da Lei de Anistia 5 é taxativo quando estatui que para os "fins previstos nesta Lei", a concessão da anistia do artigo 1º, constituir-se-ão comissões: "a Especial" – instância recursal - e "as setoriais" – cujas decisões são recorríveis à Especial – ambas com "estrutura e competência definidas em regulamento". Sem estas Comissões a Lei da Anistia fica manca, tornando-se inaplicável para novas anistias, situação atual.

E as razões do duplo grau das comissões afloram na Exposição de Motivos supra transcrita, ao encaminhar o 2º projeto desta lei ao Congresso Nacional na versão final de novembro de 1993. Frustrado o Executivo com os resultados dos trabalhos da primeira Comissão de Anistia, criada pelo Decreto de 23 de junho de 1993, a qual não logrou alcançar resultados à ampla anistia então pretendida - item 6 da Exposição: "... milhares de casos analisados pela mencionada Comissão Especial: foram prejudicados por uma decisão que lhes suprimiu cargos e empregos." - e entendendo "inviável qualquer medida reparadora pela via administrativa...", restou ao Poder Executivo, propor novo projeto de lei, posterior Lei da Anistia nº. 8.878/94.

A criação da primeira Comissão Especial de Anistia (Decreto de 23.06.1993), não fora ato isolado do Executivo; integrava seu primeiro Projeto de Lei sobre o tema, nº. 4233-A e à mesma data remetido ao Congresso Nacional - Mensagem nº. 688. -, cujo artigo 4º propunha: "O exame dos atos de demissão restringir-se-á aos requerimentos apresentados à Comissão Especial criada pelo Decreto de 23 de junho de 1993."

Todavia, como o Congresso não chegou a apreciar a primeira versão da Lei de Anistia, o Executivo que, por Decreto, instalara Comissão para viabilizá-la, deixou-a desprovida de parâmetros legais para julgar milhares de processos, segundo a Exposição de Motivos.

Experiência inusitada que exibiu a impossibilidade de apenas uma Comissão Especial conduzir extenso trabalho processual, demonstrando que somente ampla estrutura com diversas subcomissões especializadas, e uma Especial, de 2ª instância, dariam conta da extensa anistia proposta, o que resultou na 2ª versão do Projeto, Lei atual resultante.

Mas em ambos os projetos de Anistia, sua viabilidade dependia da estrutura das comissões, sem as quais, a Especial do primeiro projeto de lei, ou as Setoriais e a Especial do segundo, a Lei da Anistia seria inaplicável, mera retórica.

Ademais, como o § 2º do artigo 5º da Lei da Anistia nº. 8.878/94 fixava prazo para "a conclusão dos trabalhos", acrescentava-se-lhe a variável condicional do prazo, além de dependência das comissões, cujos trabalhos, uma vez encerrados, impediam que novas anistias fossem requeridas.

Eis portanto lei plenamente dependente de estrutura processual para se efetivar. Mas qual o seu rito?


3. O rito processual na Lei da Anistia 8.878/94

A Constituição Federal em suas Disposições Transitórias estabeleceu dois diferentes ritos para o tratamento dos anistiáveis de até então: 1º: através de seu artigo 9º, aos que "foram cassados ou tiveram seus direitos políticos suspensos no período de 15 de julho a 31 de dezembro de 1969, por ato do então Presidente da República", a interposição de requerimento "ao Supremo Tribunal Federal", que deveria apreciar os pleitos no prazo de 120 dias, e 2º, aos demais casos, incluídos em seu artigo 8º, regulamentação, somente ocorrida em 2002, - Lei nº. 10.569. de 13.11.2002, - que criava igualmente, através de seu artigo 12, Comissão de Anistia ao abrigo do Ministério da Justiça, comprovando sua necessidade. Mas as decisões prolatadas por estes órgãos mereceriam ter tratamento diferenciado? Tentar-se-á responder ao final deste estudo.

O rito processual da anistia aos funcionários e empregados atingidos (pela reforma administrativa do Governo Collor), não se mostrou adequado ao se ancorar em apenas uma Comissão (a Especial de Anistia), versão do primeiro, remetido ao Congresso em junho de 1993.

Tornou-se essencial ampliar aquela estrutura inicial, o que fez o Decreto 1.153 de 08.06.1994, criando "Comissão Especial e Subcomissões Setoriais de Anistia", já citadas no "art. 5º da Lei 8.878/94".

O Decreto 6 estipula composição da Comissão Especial (artigo 1º), composição e localização das Subcomissões Setoriais, (artigo 2º) 7, nas entidades atingidas pela reforma administrativa do Governo Collor, e, por fim, seu formalismo processual (artigos 5º e 6º).

Conforme artigo 5º os "requerimentos", - a serem apresentados ás Subcomissões Setoriais – deverão estar "devidamente fundamentados e instruídos com documentação que comprove a situação alegada", e serem preenchidos conforme modelo anexo 8 ao Decreto, peça processual que o instaura, disposição do artigo 6º do Decreto 9 1.153/94, resumido a seguir e núcleo processual da Lei da Anistia:

1º - requerimento inicial e peças anexas interposto à Subcomissão Setorial da entidade junto à qual o requerente postula sua anistia (art. 5º);

2º - análise do requerimento inicial e suas peças pela Subcomissão Setorial, julgamento, "decisão" e posterior remessa, se aprovado, ao órgão de Recursos Humanos da entidade – órgão ou empresa (art. 6º);

A Lei e o Decreto regulamentador da Anistia adotaram a expressão "decisão" , para o ‘decisum ’ de cada caso, ao invés da expressão ‘sentença’, sinonimizando-os exegeticamente, à luz de sua raiz latina. Assim o artigo 5º da Lei 8.878/94 a menciona em seu § 1º: "Das decisões das Subcomissões Setoriais caberá recurso...", e o artigo 6º do Decreto 1.153/94, em seu § 4º a menciona por duas vezes: Os processos cujos pedidos forem indeferidos por decisão das subcomissões da qual não tenha havido recurso ou, por decisão da Comissão Especial serão encaminhados às Subcomissões Setoriais para ciência do interessado e posterior arquivamento.".

3º - comunicação ao requerente, pelo órgão de Recursos Humanos da entidade (artigo 6º) do pedido aprovado pela Subcomissão Setorial, demonstrando e comprovando ter a entidade – órgão ou empresa - pleno conhecimento da "decisão" , transformando-se em ré de obrigação de fazer;

4º - possibilidade da interposição de recurso à Comissão Especial, em "decisão" setorial que indefira requerimento (artigo 6º, § 1º);

5º - julgamento e acolhimento do recurso pela Comissão Especial, que comunicará sua "decisão" à área de Recursos Humanos da entidade, para que esta, por seu turno, informe-a ao requerente (artigo 6º, § 3º) ou

6º - não acolhimento do recurso pela Comissão Especial, dando ciência à Subcomissão Setorial para que esta informe ao requerente (artigo 6º, § 4º).

A entidade, órgão ou empresa, ré da obrigação de fazer, - cumprimento da anistia e readmissão do ex-empregado ou ex-funcionário anistiado - é informada diretamente pelas Comissões, Setoriais ou Especial, de suas respectivas "decisões", quer para acatá-las quer para delas recorrer à justiça, na instância que julgar conveniente e dentro do prazo legal.

A Lei informa o fluxo de comunicação das "decisões" : entre Comissões e o órgão de Recursos Humanos da entidade requerida e, por sua vez, destes órgãos aos requerentes, "decisões" ou sentenças exaradas – que se constituem no título executivo da Lei da Anistia.


4. Mas, o "decisum" das Comissões de Anistia, seria que espécie de título à luz do Código de Processo Civil?

Eis o enigma que alguns magistrados e tribunais, buscando enquadramento aos direitos por fim restabelecidos pelas Comissões de Anistia, não têm logrado enfrentar, criando dificuldades processuais ao arrepio de uma adequada interpretação do CPC.

O Código de Processo Civil, lamentavelmente, não menciona anistia. Deveria: ocorrência contumaz na vida político-jurídico brasileira, brindar-se-iam operadores e teóricos do direito, com explícita menção a leis de anistia, aplicabilidade e prévia classificação teórica de seus títulos executivos, esclarecendo formalistas, exceção a um CARLOS MAXIMILIANO Mereceriam os revisores do CPC considerar que, desde a Constituição de 1891, positivadora da República, a anistia é presença contínua em suas Cartas Magnas mas injustificada ausência no CPC, exigindo, assim, interpretação.

Dois pontos são fundamentais ao enquadramento: o processo de conhecimento, em cada Comissão – Setorial ou Especial – e o de "decisão".

Por outro turno, Lei da Anistia, não pré-definiu seu título executivo nos termos estabelecidos no Capitulo III, Seção II – Do Título Executivo, do Código de Processo Civil. Como prosseguir?

A anistia constitucional, - artigos 8º e 9º das Disposições Transitórias da Magna Carta -, as remete, ao 9º à apreciação do Supremo Tribunal Federal, e ao 8º à Comissão Especial de Anistia, estabelecida por lei apenas em 2002, originando assim, o 9º, título executivo judicial, e, dando pleno curso ao cumprimento das obrigações de fazer e de pagar decorrentes dele decorrentes. Mas como enquadrar o título executivo exarado pela Comissão Especial do artigo 9º das Disposições Transitórias da CF?

Teria a Magna Carta tratado desigualmente os anistiáveis em suas Disposições Transitórias, beneficiando o grupo do artigo 9º, em detrimento do grupo do artigo 8º?

Ao remeter restrito grupo dos anistiáveis 10 do artigo 9º à apreciação do STF, privilegiou-os comparativamente aos demais, os do artigo 8º, um grupo muito maior de anistiáveis 11, desatenta quanto à qualidade e classificação dos títulos executivos, em cada caso.

Então por que deveriam os títulos executivos de anistia enquadrar-se diferentemente: alguns nitidamente judiciais, e os demais sequer extrajudiciais, à época, 2002, quando a reforma do CPC ainda não ocorrera, impossibilitando tal enquadramento? Qual a lacuna para o enquadramento? Motivação e direitos de anistia são sempre iguais, descabendo a abissal distinção classificatória: alguns anistiáveis seriam mais anistiáveis do que outros, nas Disposições Transitórias da CF, desigualdade derivada de interpretação excessivamente restrita aos títulos executivos do CPC, e que merece ser ultrapassada.


5. O título executivo da Lei da Anistia nº. 8.878/94

A Comissão Especial de Anistia fazia publicar no Diário Oficial da União 12 suas "decisões " 13, através de Portarias contendo "Relação de processos deferidos (anistiados)", assim redigidas:

"O Presidente da Comissão Especial de Anistia, criada pela Lei 8.878/94, e art. 1º do Decreto nº. 1.153. de 8 de junho de 1994, 14... resolve:

I – Tornar público, nos termos do anexo a presente Portaria, relação nominal dos postulantes, ex-empregados da empresa [nome] que, em grau de recurso,foram anistiados na forma da Lei 8..878/94."

A aprovação, em grau de recurso, das anistias requeridas, exigia além de ampla documentação acompanhando-o, julgamento e "decisão" final, esta sinteticamente publicada no Diário Oficial da União.

As "decisões " da Comissão Especial integravam as atas das reuniões de julgamento, com este teor:

"A reunião (do dia tal) foi aberta pelo Sr. Presidente José Anibas de Moraes, com o assunto objeto do encontro, ou seja, a apreciação do recurso interposto pelo ex-empregado da [nome da empresa], o Sr. [nome do empregado] protocolo nº..... , que teve seu requerimento indeferido pela Subcomissão Setorial de Anistia daquela empresa. Com base na Lei nº. 8.878/94, a Comissão Especial de Anistia, por maioria de votos, resolveu dar provimento ao recurso, para deferir o pedido de Anistia, conforme notas constantes da ata, nos termos da fundamentação aprovada que fica fazendo parte desta. Dando cumprimento ao Art. 6º, parágrafo 3º 15 do Decreto nº. 1.153/94, ficou determinado que o processo seja encaminhado ao órgão de Recursos Humanos da [nome da empresa] para dar conhecimento ao interessado e adoção das providências cabíveis. Nada mais havendo a tratar, o Sr. Presidente da Comissão declarou encerrada a reunião. Brasília, data." 16(grifei)

E anexava-se à Ata, o Recurso, contendo data da Reunião de Julgamento, nomes do Recorrente e da Recorrida, e fundamentação justificadora do pedido.

À Conclusão, ao prover o Recurso, assim assentava a decisão:

"Face ao exposto, esta Comissão houve por bem concluir que a demissão do empregado [nome] foi perpretada com infrigência do art. 37. da CF, caput, e com forte conteúdo e indícios veementes de motivação política. Com efeito, a Lei 8.878/94, regulamentada pelo Decreto 1.153/94, conferiu a esta Comissão Especial de Anistia poder para, em grau de recurso, julgar pedidos de anistia indeferidos pelas Subcomissões Setoriais de Anistia. Assim, resolveu a comissão por [maioria ou unanimidade] de votos dos membros presentes, interpretando a excepcionalidade do dispositivo mencionado , conhecer o recurso interposto, e dar-lhe provimento, para deferir o pedido de Anistia do interessado nos termos dos incisos II e III do art. 1º da Lei 8.878/94. Encaminha-se o presente processo ao Recursos Humanos da [nome da entidade – órgão ou empresa] para as providências cabíveis." 17 Assinada pelo Presidente da Comissão e mais dois membros.(grifei)

As datas no processo, no recurso e no encaminhamento da decisão ao órgão de Recursos Humanos da entidade – órgão ou empresa – identificam o momento inicial para o adimplemento das obrigações de fazer anistia; se inadimplida, inicia contagem de tempo de sua dívida da obrigação de fazer – readmitir o anistiado - traduzível em obrigação de pagar, o fazer inadimplido.

As Subcomissões Setoriais de Anistia funcionaram nas entidades 18 – órgãos e empresas – atingidas pela reforma administrativa de 1990/2, integradas por representantes legal e oficialmente designados 19 pelas entidades, os quais, não só as mantinham informadas dos processos e "decisões" em curso, como também, manifestavam a opinião e o interesse destas entidades, a partir de dus dependência profissional, assim encaminhando seus votos - aprovação ou não-aprovação dos pedidos de anistia – exerciam um contraditório em primeira instância, fundamental face à argüição das entidades que alegam a inexistência deste contraditório. Muitas Subcomissões Setoriais, funcionando no prédio das entidades requeridas e com funcionários por estas destacadas, denegaram pedidos, - por razões não aduzidas claramente – provocando a interposição do recurso.

A "decisão " (vide menção no § 6º, a seguir) recursal é o próprio título executivo da anistia, real e palpável, posterior e sinteticamente publicado em Diário Oficial da União, já anteriormente enviado ao conhecimento da entidade – órgão ou empresa - como estatuiu o artigo 6º do Decreto 1.153/94:

"Art. 6º As Subcomissões Setoriais, após a análise de cada processo, se deferido, o encaminhará, imediatamente, ao órgão de Recursos Humanos respectivo para dar conhecimento ao interessado e adotar as providências necessárias, quanto ao retorno do servidor,...".

§ 1º No caso de indeferimento, será dado conhecimento ao interessado e este,... poderá oferecer recurso... à Comissão Especial de Anistia.

§ 2º A Comissão Especial de Anistia apreciará o recurso no prazo de até trinta dias...

§ 3º Se admitido o recurso, o processo será encaminhado, imediatamente, ao órgão de Recursos Humanos respectivo, que fará adotar as providências previstas no caput deste artigo.

§ 4º Os processos cujos pedidos forem indeferidos por decisão das subcomissões da qual não tenha havido recurso ou, por decisão da Comissão Especial, serão encaminhados às Subcomissões Setoriais para ciência do interessado e posterior arquivamento.

§ 5º As Subcomissões Setoriais deverão enviar à Comissão Especial, no término dos trabalhos, relatório contendo relação nominal dos requerentes, especificando os pedidos deferidos e indeferidos. (Incluído pelo Decreto nº. 1.296, de 1994)" (grifei)

A Subcomissão Setorial de Anistia ao indeferir o pedido, assim comunicava a "decisão" ao requerente, por correspondência e em seu endereço pessoal:

"Em caso de interposição de recurso a Comissão Especial de Anistia, o mesmo deverá ser encaminhado ao Coordenador desta Subcomissão, no seguinte endereço [seguia o endereço da entidade – órgão ou empresa, e sala] podendo ser entregue em qualquer protocolo das unidades da [nome da entidade – órgão ou empresa]." (grifei)

A Subcomissão Setorial de Anistia comprovava que a entidade requerida – órgão ou empresa – tinha plena ciência do processo de anistia em curso, e de seu contraditório, agora alcançando Comissão Especial em grau de recurso interposto pelo requerente.

A Lei 8.878/94 ou o Decreto 1.153/94 não explicitam - exigência de alguns formalistas - que "processos" – termo citado cinco vezes – ou ainda "recursos" – citado quatro vezes -, ou por fim "decisões" - termo citado três vezes - sejam títulos executivos. Deveria?

O caput do artigo 6º, ao dizer: "a anistia a que se refere esta Lei...", subentende que sua concessão depende dos trabalhos processuais de análise, julgamento e "decisão" , fixados na processualística do artigo 5º anterior 20. "Esta Lei" só a concede através de "processos" e "recursos" que se ultimam com "decisões" finais e conclusivas, que compõem um título executivo.

Mas a Lei da Anistia, ao exigir "processos, recursos e decisões" para concedê-la, estaria obrigada a mencionar também o termo "sentença, sinônimo de "decisão" , ou mesmo a expressão ‘título executivo" para que fosse enquadrada nesta rubrica do ponto de vista do CPC?

Por outro lado, se o CPC em seu artigo 162 21 distingue entre sentença e decisão interlocutória, já no parágrafo único 22 do Artigo 14, ao mencionar "trânsito em julgado da decisão final da causa", usa a expressão "decisão" como sinônimo de sentença; igualmente no artigo 55 ("Transitada em julgado a sentença, na causa em que interveio o assistente, este não poderá, em processo posterior, discutir a justiça da decisão,..."), ou ainda no artigo 495 ("O direito de propor ação rescisória se extingue em 2 (dois) anos, contados do trânsito em julgado da decisão.)", ou por fim, sem esgotar o assunto, na apelação de sentença (artigo 513) pedindo nova "decisão" (artigo 514, III – "A apelação, interposta por petição dirigida ao juiz, conterá:... III - o pedido de nova decisão.")

O artigo 543-A menciona a hipótese de decisão irrecorrível do Supremo Tribunal Federal, em questão constitucional, dispondo que sua Súmula deverá constar em ata, a ser publicada no D.O. e valer como acórdão.

Já o artigo 701 do CPC diz em seu § 2º: "Se o pretendente à arrematação se arrepender, o juiz Ihe imporá a multa... valendo a decisão como título executivo ". Eis uma decisão que vale como título executivo.

O CPC menciona o termo "decisão" , mais de setenta vezes, muitas delas adjetivadas como finais, equivalendo, portanto a sentenças.

Mas não trata o Código do instituto da anistia, lacuna inexplicável face à existência da República desde 1889, cujas Constituições, desde a de 1891 incluem a anistia em seus textos. Por que insiste o CPC em não tratar da anistia, forçando-nos à interpretação?

Então, por analogia ao artigo 701 retrocitado: não valeriam as "decisões" das Comissões de Anistia como títulos executivos?

A ‘contrario sensu’, se o Código de Processo Civil, - que já não trata do centenário tema da anistia, - e ainda não recepciona títulos de anistia como executivos, com sua força invasora à entidade destinatária, anistia amparada constitucionalmente nos artigos 21, XVII e 48, VIII da CF – estaria o CPC se sobrepondo à Magna Carta, impedindo-a de anistiar à plenitude, deslegitimando-a por restritivo formalismo processual de interpretação, e impondo-se com mais força legiferante do que a própria Carta, nas anistias.

Mas se não é assim, cumpre enquadrar as sentenças de anistia entre os títulos executivos do Código de Processo Civil.


6. O título executivo extrajudicial da Lei da Anistia, enquadrável no CPC

Tentação inicial seria enquadrar a "decisão " da Comissão de Anistia, legitimadora, após processo, da obrigação de fazer anistia e portanto título executivo legal, como título executivo judicial, ao abrigo do artigo 475-N, item I: "São títulos executivos judiciais: a sentença proferida no processo civil que reconheça a existência de obrigação de fazer, não fazer,... ou pagar quantia". Tal exegese, contudo, suscitaria dúvidas interpretativas quanto ao "processo civil" e derivada "sentença" das Comissões de Anistia, como órgãos do Executivo e não no Judiciário, em que pese a existência, no primeiro, de tribunais de justiça, como os militares, entre outros. Mas o Poder Judiciário insistiria em suas prerrogativas judicantes, expulsando qualquer atuação do Executivo nesta área, inda que mediante Comissões de Anistia com poderes equivalentes e legais.

Restaria a alternativa de enquadrar as "decisões" das Comissões de Anistia como título executivo extrajudicial, a menos que se pretenda que leis de anistia não possam conceder título a seus anistiados. O enquadramento nos remeteria ao item VIII do artigo 585 do CPC, que estatui:

"Art. 585. São títulos executivos extrajudiciais:

...

VIII – todos os demais títulos a que, por disposição expressa, a lei atribuir força executiva (Redação dada pela Lei 11.382 de 2006)"

LUIZ FUX 23, ao comentar o artigo 585 do CPC ("títulos executivos extrajudiciais"), ensina:

"A ampla exegese da redação do dispositivo legal fez incluir no rol dos títulos executivos extrajudiciais uma série de documentos outrora contestados quanto a esta eficácia, como por exemplo, o ‘contrato de abertura de crédito’ etc.".

"Destaque-se que qualquer obrigação de fazer, não fazer, entrega de soma etc., podem figurar como objeto dos referidos documentos e habilitar o portador a promover o processo de execução porquanto na prática judiciária assumem a forma de ‘verdadeiras confissões de dívida". (grifei)

Por esta via, forçoso admitir que "decisões" exaradas por Comissões de Anistia, velho instituto (constitucional) da República brasileira desde sua fundação, enquadram-se plenamente na exegese do douto LUIZ FUX, especialista em Processo Civil, com ampla obra publicada, e atual Ministro do Superior Tribunal de Justiça, onde tem participado da análise e do julgamento de processos de anistia, emprestando sua luz processual.

À página 70 da obra citada, LUIZ FUX coloca pedra angular em sua exegese:

"O Código de Processo Civil, atento à moderna tendência da criação de novos títulos, inseriu ‘norma de encerramento’ no último inciso do artigo 585 ( o inciso VIII acima transcrito), dispondo serem dotados de eficácia executiva: ‘todos os demais títulos, a que, por disposição expressa, a lei atribuir força executiva’."

"A regra reafirma o princípio de que ‘ somente a lei é fonte de título executivo ’, posto que o processo que o tem como causa hábil caracteriza-se pela prática de atos de soberania." (grifei)

A Lei da Anistia 8.878/94 e respectivo Decreto regulamentador 1.153/94 buscam identificar o anistiável, qualificar seu pleito através de um requerimento inicial apoiado em amplo conjunto de dados, instaurar um processo, julgá-lo e deferi-lo ou indeferi-lo, dando ciência desta "decisão" aos requerentes e às entidades requeridas – órgãos ou empresas.

Combinando-se o artigo 5º da Lei da Anistia:

"Art. 5° Para os fins previstos nesta Lei, o Poder Executivo, no prazo de até trinta dias, constituirá Comissão Especial de Anistia e Subcomissões Setoriais, com estrutura e competência definidas em regulamento.",

com o artigo 6º do Decreto 1.153/94 que a regulamentou:

Art. 6º As Subcomissões Setoriais, após a análise de cada processo, se deferido, o encaminhará, imediatamente, ao órgão de Recursos Humanos respectivo para dar conhecimento ao interessado e adotar as providências necessárias, quanto ao retorno do servidor...

§ 1º No caso de indeferimento, será dado conhecimento ao interessado e este... poderá oferecer recurso... à Comissão Especial de Anistia.

§ 2º A Comissão Especial de Anistia apreciará o recurso no prazo de até trinta dias...

§ 3º Se admitido o recurso, o processo será encaminhado, imediatamente, ao órgão de Recursos Humanos respectivo, que fará adotar as providências previstas no caput deste artigo.

§ 4º Os processos cujos pedidos forem indeferidos por decisão das subcomissões da qual não tenha havido recurso ou, por decisão da Comissão Especial, serão encaminhados às Subcomissões Setoriais para ciência do interessado e posterior arquivamento.

§ 5º As Subcomissões Setoriais deverão enviar à Comissão Especial, no término dos trabalhos, relatório contendo relação nominal dos requerentes, especificando os pedidos deferidos e indeferidos. (Incluído pelo Decreto nº. 1.296 , de 1994),

exsurge o título executivo, fruto do processo instaurado e julgado, transbordando em sentença tradutora da final "decisão " processual.


7. Conclusão

Pretender que a Lei mencionasse explicitamente que aquelas "decisões" deveriam ser entendidas quer como sentença quer como título executivo, é castrá-la, retirando-lhe força ao cumprimento do objetivo primacial, insculpido em seu artigo 1º:

"Art. 1° É concedida anistia aos servidores públicos..., bem como aos empregados de empresas públicas e sociedades de economia mista... no período compreendido entre 16 de março de 1990 e 30 de setembro de 1992, tenham sido:".

Objetivo legal que se materializa nas "decisões" das Comissões – Setorial ou Especial – comunicadas diretamente às áreas de Recursos Humanos das entidades – empresas ou órgãos – para determinar que adotassem "providências cabíveis" para cursar o pedido de anistia", como se lê na Conclusão final de seus julgamentos, já transcrita em nosso item 5.:

"Com efeito, a Lei 8.878/94, regulamentada pelo Decreto 1.153/94, conferiu a esta Comissão Especial de Anistia poder para, em grau de recurso, julgar pedidos de anistia indeferidos pelas Subcomissões Setoriais de Anistia. Assim, resolveu a comissão por [maioria ou unanimidade] de votos dos membros presentes, interpretando a excepcionalidade do dispositivo mencionado , conhecer o recurso interposto, e dar-lhe provimento, para deferir o pedido de Anistia do interessado nos termos dos incisos II e III do art. 1º da Lei 8.878/94. Encaminha-se o presente processo ao Recursos Humanos da [nome da entidade – órgão ou empresa] para as providências cabíveis." 24 Assinada pelo Presidente da Comissão e mais dois membros.(grifei)"

Ora, se a Lei conferiu tais poderes às Comissões, o de, em seu nome, invadirem entidades – órgãos ou empresas - obrigando-as a fazer readmissão de funcionário ou empregado anistiado – suas "decisões" de execução se constituem em títulos executivos.

E como não são originárias do Poder Judiciário, já que as Comissões integraram o Poder Executivo, enquadram-se plenamente como extrajudiciais, conforme artigo 585, VIII do Código de Processo Civil:

"Art. 585. São títulos executivos extrajudiciais:

...

VIII – todos os demais títulos a que, por disposição expressa, a lei atribuir força executiva (Redação dada pela Lei 11.382 de 2006)",

"força executiva" expressamente atribuída pela Lei da Anistia às "decisões" de suas Comissões.

Lei e Decreto não podiam ser mais claros: além de configurarem condições genéricas que possibilitavam a interposição do pedido de anistia por milhares de empregados e funcionários atingidos pela reforma administrativo-política de 1990-92, construíram o rito processual condutor da análise e julgamento dos processos, culminando em "decisão" , termo de uso freqüente na linguagem processual, quer na Constituição Federal, como identificado em nosso item 1., quer no Código de Processo Civil, com mais de setenta referências ao mesmo, como mencionado em nosso item 5..

Os intérpretes maiores supracitados, CARLOS MAXIMILIANO e LUIZ FUX, conhecedores da dinâmica da anistia, de suas leis e respectiva aplicabilidade, entendem plenamente que "decisões" das Comissões criadas pela Lei da Anistia nº. 8.878/94 se constituem em títulos executivos extrajudiciais.

Como ensinaram ambos, LUIZ FUX em recente obra 25 : "A regra reafirma o princípio de que ‘ somente a lei é fonte de título executivo .", ou ainda CARLOS MAXIMILIANO, na citação recolhida pelo Ministro DEMÓCRITO REINALDO, transcrita em nossa Introdução:

"Decretos de anistia, ensina CARLOS MAXIMILIANO, os de indulto, o perdão do ofendido e outros atos benéficos, embora envolvam concessão ou favores, se enquadram na figura jurídica dos privilégios, não suportam exegese estrita. Sobretudo se não interpretam de modo que venham a causar prejuízo. Assim se entende, por incumbir ao hermeneuta atribuir à regra positiva o sentido que dá eficácia maior à mesma relativamente ao motivo que a ditou, e ao fim colimado, bem como aos princípios seus e da legislação em geral" (Hermenêutica e Aplicação do Direito, pág. 238).

Há de se lamentar que, ao longo deste mais de um século de existência da República, sempre às voltas com anistias, não as tenha o Código de Processo Civil incorporado entre seus cânones, suscitando exegeses desta natureza.

A anistia envolve não somente a simples remuneração do anistiado: a depender do tempo com que venha a ser concedida, terá o anistiado, por força do ato que o atingiu, destruído parte do patrimônio acumulado, enfraquecido suas obrigações familiares, - educação, saúde e alimentação – e mesmo debilitado sua própria saúde, itens que não são apenas pessoais, mas institutos que a luz da própria Constituição Federal se ocupa em identificar e resguardar, e que os legisladores do Código de Processo Civil, de alguma forma, precisam recolher, refletir e espelhar, dando à anistia o destaque que a República brasileira tem-lhe dado.


Notas

  1. EXPOSÍÇÁO DE MOTIVOS N’ 238/SAF-PR – 19.10.1993, DO MINISTRO DE ESTADO CHEFE DA SECRETARIA DA ADM!NISTRAÇÃO – Diário do Congresso Nacional, 24.11.1993, pág. 25411

  2. Citação recolhida na inicial do Advogado Marcello Lavenère Machado, posterior Presidente da Comissão de Anistia ao abrigo do Ministério da Justiça, no MS 7200/DF: "Com efeito, esse Egrégio Superior Tribunal, ao conhecer do MS 4.085/DF, fez constar da ementa do acórdão de 09.12.97, da lavra do M. Ministro Demócrito Reinaldo, o seguinte:"

  3. Art. 9º. Os que, por motivos exclusivamente políticos, foram cassados ou tiveram seus direitos políticos suspensos no período de 15 de julho a 31 de dezembro de 1969, por ato do então Presidente da República, poderão requerer ao Supremo Tribunal Federal o reconhecimento dos direitos e vantagens interrompidos pelos atos punitivos, desde que comprovem terem sido estes eivados de vício grave.Parágrafo único. O Supremo Tribunal Federal proferirá a decisão no prazo de cento e vinte dias, a contar do pedido do interessado.

  4. Lei 8.878: Art. 5° Para os fins previstos nesta Lei, o Poder Executivo, no prazo de até trinta dias, constituirá Comissão Especial de Anistia e Subcomissões Setoriais, com estrutura e competência definidas em regulamento. ( Vide Decretos nºs 1.153, de 1994,1.498, de 1994, 1.499, de 1995e5.115, de 2004). § 1° Das decisões das Subcomissões Setoriais caberá recurso para a Comissão Especial de Anistia, que poderá avocar processos em casos de indeferimento, omissão ou retardamento injustificado.§ 2° O prazo para conclusão dos trabalhos dessas comissões será fixado no ato que as instituir.(Vide Decreto nº 1.344, de 1994)

  5. Art. 5° Para os fins previstos nesta Lei, o Poder Executivo, no prazo de até trinta dias, constituirá Comissão Especial de Anistia e Subcomissões Setoriais, com estrutura e competência definidas em regulamento. ( Vide Decretos nºs 1.153, de 1994,1.498, de 1994, 1.499, de 1995e5.115, de 2004): § 1° Das decisões das Subcomissões Setoriais caberá recurso para a Comissão Especial de Anistia, que poderá avocar processos em casos de indeferimento, omissão ou retardamento injustificado.§ 2° O prazo para conclusão dos trabalhos dessas comissões será fixado no ato que as instituir.(Vide Decreto nº 1.344, de 1994)

  6. Vide Anexo 2.

  7. Art. 2º As Subcomissões Setoriais serão instituídas nos órgãos e entidades da Administração Pública Federal direta, autárquica e fundacional, bem como nas empresas públicas e sociedades de economia mista que tenham servidores ou empregados exonerados, demitidos ou dispensados no período a que se refere o art. 1º da Lei nº. 8.878, de 11 de maio de 1994.

  8. Art. 5º § 2º Os requerimentos deverão ser preenchidos na forma do modelo anexo e dirigidos às Subcomissões Setoriais.

  9. "Art. 6º As Subcomissões Setoriais, após a análise de cada processo, se deferido, o encaminhará, imediatamente, ao órgão de Recursos Humanos respectivo para dar conhecimento ao interessado e adotar as providências necessárias, quanto ao retorno do servidor, observado o disposto no art. 2º da Lei nº. 8.878, de 1994; § 1º No caso de indeferimento, será dado conhecimento ao interessado e este, nos dez dias subseqüentes à ciência, poderá oferecer recurso a ser submetido à Comissão Especial de Anistia; § 2º A Comissão Especial de Anistia apreciará o recurso no prazo de até trinta dias, contados do seu recebimento; § 3º Se admitido o recurso, o processo será encaminhado, imediatamente, ao órgão de Recursos Humanos respectivo, que fará adotar as providências previstas no caput deste artigo; § 4º ): § 1° Das decisões das Subcomissões Setoriais caberá recurso serão encaminhados às Subcomissões Setoriais para ciência do interessado e posterior arquivamento."

  10. CF, Disposições Transitórias, artigo 9º: "Os que, por motivos exclusivamente políticos, foram cassados ou tiveram seus direitos políticos suspensos no período de 15 de julho a 31 de dezembro de 1969...",

  11. "Art. 8º. É concedida anistia aos que, no período de 18 de setembro de 1946 até a data da promulgação da Constituição, foram atingidos, em decorrência de motivação exclusivamente política, por atos de exceção, institucionais ou complementares, aos que foram abrangidos pelo Decreto Legislativo nº. 18, de 15 de dezembro de 1961, e aos atingidos pelo Decreto-Lei nº. 864, de 12 de setembro de 1969..."

  12. Como exemplo: os de nº. 248, 6ª feira, 30.12.1994, Seção 2, pág. 8927; ou 13.01.1995, pág. 337.

  13. Dec. 1.153/94 – Art. 6º - § 4º Os processos cujos pedidos forem indeferidos por decisão das subcomissões da qual não tenha havido recurso ou, por decisão da Comissão Especial, serão encaminhados às Subcomissões Setoriais para ciência do interessado e posterior arquivamento.

  14. O Presidente da Comissão Especial de Anistia, criada pela Lei 8.878/94, e art. 1º do Decreto nº. 1.153. de 8 de junho de 1994, e constituída pela Portaria SAF nº. 2.140, de 29 de junho de 1994, publicada na Seção 2, pág. 4046. do Diário Oficial da União do dia 30 de junho de 1994, alterada pela Portaria SAF nº. 2.678. de 24 de agosto de 1994 e pela Portaria SAF nº. 2.927, de 20 de setembro de 1994, cumprindo determinações do Excelentíssimo Ministro Chefe da Secretaria da Administração Federal e Presidência da República – SAF/PR, resolve:

  15. § 3º Se admitido o recurso, o processo será encaminhado, imediatamente, ao órgão de Recursos Humanos respectivo, que fará adotar as providências previstas no caput deste artigo.

  16. Documento na posse do Autor para eventual produção de prova.

  17. Idem à nota de rodapé de nº. 12.

  18. Dec. 1153/94 – Art. 2º, § 1º Serão ainda instituídas Subcomissões Setoriais nos órgãos ou entidades que tenham absorvido, ou estejam executando as atividades dos que foram extintos, liqüidados ou privatizados e, ainda, nos que se encontrem com as respectivas atividades em processo de transferência ou de absorção, por outro órgão ou entidade da Administração Pública Federal.

  19. Idem, Art. 4º Cabe ao Ministro de Estado Chefe da Secretaria da Administração Federal da Presidência da República designar os membros da Comissão Especial, e, aos demais Ministros de Estado, os das Subcomissões Setoriais, sendo que, no caso das entidades vinculadas, tais componentes serão indicados pelos respectivos titulares. (grifei)

  20. Art. 5° Para os fins previstos nesta Lei, o Poder Executivo, no prazo de até trinta dias, constituirá Comissão Especial de Anistia e Subcomissões Setoriais, com estrutura e competência definidas em regulamento. (Vide Decretos nºs 1.153, de 1994,1.498, de 1994, 1.499, de 1995e5.115, de 2004). § 1° Das decisões das Subcomissões Setoriais caberá recurso para a Comissão Especial de Anistia, que poderá avocar processos em casos de indeferimento, omissão ou retardamento injustificado.

  21. CPC - Art. 162. - Os atos do juiz consistirão em sentenças, decisões interlocutórias e despachos.

  22. § 1º Sentença é o ato do juiz que implica alguma das situações previstas nos arts. 267. e 269 desta Lei.60

    § 2º - Decisão interlocutória é o ato pelo qual o juiz, no curso do processo, resolve questão incidente.

  23. CPC – art. 14. - Parágrafo Único. Ressalvados os advogados que se sujeitam exclusivamente aos estatutos da OAB, a violação do disposto no inciso V deste artigo constitui ato atentatório ao exercício da jurisdição, podendo ao juiz, sem prejuízo das sanções criminais, civis e processuais cabíveis, aplicar ao responsável multa em montante a ser fixado de acordo com a gravidade da conduta e não superior a vinte por cento do valor da causa; não sendo pago no prazo estabelecido, contado do trânsito em julgado da decisão final da causa, a multa será inscrita sempre como dívida ativa da União ou do Estado. 11

  24. Luiz Fux, em "O Novo Processo de Execução – O Cumprimento da Sentença e a Execução Extrajudicial", Editora Forense, 2008, pág. 66

  25. Idem à nota de rodapé de nº. 12.

  26. Luiz Fux, em "O Novo Processo de Execução – O Cumprimento da Sentença e a Execução Extrajudicial", Editora Forense, 2008, pág. 70


Autor

  • Paulo Guilherme Hostin Sämy

    Experiência anterior em bancos, RH, mercado financeiro, comércio exterior e marketing. Eleito Analista do Ano 2004 da Abamec/Apimec - Associação dos Analistas do Mercado de Capitais. Articulista do Monitor Mercantil desde 1998, com temas correlacionados à área financeira, economia e política. Publicação anterior de artigos na revista da ABAMEC,- sobre mercado financeiro - em 'Tendências do Trabalho', então da Editora Suma Econômica - sobre administração - e na revista "Engenho e Arte", sobre alguns aspectos iniciáticos. Vídeos de treinamento publicados através da Editora Suma Econômica: "Criatividade em Equipe" e "O Príncipe: Estratégias de Ataque e Defesa nas Disputas de Poder".

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Informações sobre o texto

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SÄMY, Paulo Guilherme Hostin. A Lei da anistia nº 8.878/94 e seu título executivo. Entendendo-o e enquadrando-o no Código de Processo Civil. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2232, 11 ago. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/13306. Acesso em: 12 maio 2024.