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Medida de segurança e o exame psiquiátrico.

Considerações sobre a averiguação da periculosidade

Medida de segurança e o exame psiquiátrico. Considerações sobre a averiguação da periculosidade

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RESUMO:

O artigo trata de alguns pontos fundamentais acerca da aplicação da medida de segurança no ordenamento jurídico brasileiro, destacando a importância do exame psiquiátrico na averiguação da periculosidade do agente. Para tanto, faz uma breve abordagem conceitual sobre a periculosidade, buscando fundamentação no entendimento de alguns doutrinadores das ciências criminais.

Palavras-chave: Direito Penal. Exame psiquiátrico. Medida de segurança. Periculosidade.

MEDIDA DE SEGURANÇA E O EXAME PSIQUIÁTRICO: considerações sobre a averiguação da periculosidade


1.CONSIDERAÇÕES INICIAIS

Aristóteles já dizia que o homem é um animal social, ou seja, vive inserido numa sociedade, na qual mantém inúmeras relações. O próprio movimento dialético fez com que ao longo da história o homem criasse uma organização social complexa com suas próprias leis e poderes.

Mas, apesar de toda evolução social alcançada, a sociedade sempre sofreu com o fenômeno do crime. De acordo com Durkheim (1974, p. 60)

[...] o crime é um fato verificável em todas as sociedades, pois, não há uma sequer onde não exista a criminalidade. Assim então, uma vez que não pode existir sociedade que os indivíduos não divirjam mais ou menos do tipo coletivo, é inevitável também que, entre estas divergências, existam algumas que apresentem caráter criminoso.

Atualmente, sabe-se que o crime é influenciado por diversos fatores ligados à situação econômica (profissão, emprego, subemprego, desemprego), à condição de pobreza e miserabilidade (fome, desnutrição), à mal-vivência (vagabundagem, vadiagem), à civilização (cultura, educação, analfabetismo), bem como a fatores de origem biológica. Assim é que, no sentido de manter a coesão social, o Direito Penal brasileiro pune os agentes que praticam atos criminosos de duas formas: pela aplicação de pena que se fundamenta no critério da culpabilidade e, através da medida de segurança que é justificada pela periculosidade aliada à incapacidade mental do agente.

No dizer de Barros (2006, p. 491-492), "sanção penal é a reação do Estado à transgressão de uma norma incriminadora. Pena e medida de segurança são as duas espécies que integram os meios de luta contra a criminalidade". Por sua vez, destaca Hobbes (2006, p. 227) que: "uma pena é um castigo imposto pela autoridade pública, a quem praticou ou omitiu o que essa autoridade considera transgressão da lei, para que assim a vontade dos homens fique orientada à obediência".

O presente artigo tem como objetivo oferecer uma visão geral sobre a medida de segurança, suas espécies e meios de aplicação no Brasil, focalizando a discussão na relação sine qua non do exame psiquiátrico (ou perícia psiquiátrica) na averiguação da periculosidade do agente. Para tanto, faz uma breve abordagem conceitual sobre a periculosidade, buscando fundamentação no entendimento de alguns doutrinadores do Direito Penal, da Medicina Legal e da Criminologia moderna, relatando, ainda, a complexidade que envolve o exame psiquiátrico.


2.MEDIDA DE SEGURANÇA: ESPÉCIES E MODOS DE EXECUÇÃO

As medidas de segurança, segundo Queiroz (2006, p. 417), "[...] são sanções penais destinadas aos autores de um injusto penal punível, embora não culpável em razão da inimputabilidade do seu agente". E segue afirmando que "[...] tais medidas, para serem aplicadas, exigem o concurso simultâneo de todos os requisitos e pressupostos do crime, como exceção, unicamente, da imputabilidade do seu autor".

Nesse diapasão, entende Nucci (2007, p. 479) que medida de segurança é "[...] uma forma de sanção penal, com caráter preventivo e curativo, visando a evitar que o autor de um fato havido como infração penal, inimputável ou semi-imputável, mostrando periculosidade, torne a cometer outro injusto e receba tratamento adequado".

Suas duas as espécies de medidas de segurança:

Internação (CP, art. 96, I): Também chamada detentiva, consiste na internação em hospital de custódia e tratamento psiquiátrico ou, à falta dele, em outro estabelecimento adequado. Os hospitais de custódia e tratamento psiquiátrico não passam de "novo nome" dado aos tão tristemente famosos e desacreditados manicômios judiciários brasileiros (LEP, arts. 99 a 101). Assim, embora alguns julgados aludam à diferença que existiria, na Lei nº. 7.209/84, entre os novos e os velhos estabelecimentos, na prática tudo continua igual a antes. Tratamento (CP, art. 96, II): Também denominada restritiva, consiste na sujeição a tratamento ambulatorial, pelo qual são dados cuidados médicos à pessoa submetida a tratamento, mas sem internação, salvo a hipótese desta tornar-se necessária, nos termos do § 4º do art. 97 do CP, para fins curativos. (DELMANTO, 2007, p. 273)

Importante esclarecer que a medida de segurança somente será executada após o trânsito em julgado da sentença que a aplicou, e finalmente, após a expedição da guia de execução, sem a qual não se poderá promover a internação ou a submissão a tratamento ambulatorial, ex vi do disposto nos arts. 171 a 173 da Lei 7.210/84 (Lei de Execução Penal). Após ter concluído o prazo mínimo de duração da medida de segurança, que variará de um a três anos, conforme o disposto no art. 97, §1º do Código Penal, o agente é obrigatoriamente submetido à perícia psiquiátrica para que seja realizada a averiguação da periculosidade.

De forma geral, podem-se estabelecer algumas diferenças entre a pena e a medida de segurança: esta é aplicada aos inimputáveis e semi-imputáveis, tem natureza preventiva, liga-se ao agente pelo juízo de periculosidade e é aplicada por tempo indeterminado; aquela é aplicada aos imputáveis, tem natureza retributiva-preventiva, liga-se ao agente pelo juízo de culpabilidade e é fixa, possui limitação temporal. Ex positis, infere-se que inexiste diferença ontológica entre a pena e a medida de segurança já que ambas visam essencialmente os mesmos fins e exigem o concurso de idênticos pressupostos de punibilidade, quais sejam: fato atípico, ilícito, culpável e punível.

Em suma, a aplicação das medidas de segurança no ordenamento jurídico brasileiro, "[...] tem, à semelhança das penas, uma finalidade exclusivamente preventiva e, sobretudo, preventiva especial, visto que, por meio delas, pretende-se evitar que o inimputável que tenha cometido um injusto penal volte a repeti-lo" (QUEIROZ, 2006, p. 418).


3.INIMPUTABILIDADE E SEMI-IMPUTABILIDADE: DEFINIÇÕES LEGAIS E DOUTRINÁRIAS

Atualmente, o agente imputável que praticar uma conduta punível sujeitar-se-á somente à pena correspondente; o inimputável, à medida de segurança, e o semi-imputável, o chamado de "fronteiriço", sofrerá pena ou medida de segurança, isto é, ou uma ou outra, nunca as duas, como ocorre no sistema duplo binário. O sistema vigente, adotado pela Reforma Penal de 1984, é o vicariante, o qual não permite a aplicação conjunta de pena e medida de segurança, situação que lesaria o princípio do ne bis in idem. (BITENCOURT, 2007).

Sobre a inimputabilidade, prevê o art. 26, caput, Código Penal: "É isento de pena o agente que, por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento".

A expressão doença mental (lato sensu) compreende todos os casos de enfermidade mentais que afetam as funções intelectuais ou volitivas. No entender de Capez (2007, p. 309):

[...] doença mental é a perturbação mental ou psíquica de qualquer ordem, capaz de eliminar ou afetar a capacidade de entender o caráter criminoso do fato ou a de comandar a vontade de acordo com esse entendimento. Compreende a infindável gama de moléstias mentais, tais como epilepsia condutopática, psicose, neurose, esquizofrenia, paranóias, psicopatia, epilepsias em geral etc.

Nessa linha de intelecção, diz Hungria (1953, p. 334) que:

[...] doença mental abrange as psicoses, que poderão ser constitutivas (esquizofrenia, psicose maníaco-depressiva, epilepsia genuína, paranóia, parafrenias e estados paranóicos) ou adquiridas (traumáticas, exóticas, endotóxicas, infecciosas e demências por senilidade, arteriosclerose, sífilis cerebral, paralisia geral, atrofia cerebral e alcoolismo). E o desenvolvimento mental retardado será encontrado nas várias formas de oligofrenia (idiota, imbecilidade, debilidade mental).

De forma conclusiva, acerca da configuração da inimputabilidade, estabelece Delmanto (2007, p. 101) que:

São três os (requisitos) necessários para que se afirme a inimputabilidade prevista no caput deste art. 26: 1. Causas. Doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado. Cumpre observar que o nosso Diploma Penal não indica quais seriam "essas doenças mentais", cabendo à psiquiatria forense defini-las [...] 2. Conseqüências. Incapacidade completa de entender a ilicitude do fato ou de determinar-se de acordo com essa compreensão. 3. Tempo. Os dois requisitos anteriores devem coexistir ao tempo da conduta. Assim, não basta a presença de um só dos requisitos, isolado. Necessário se faz que, em razão de uma das duas causas (requisito 1), houvesse uma das duas conseqüências (requisito 2), à época do comportamento do agente (requisito 3).

Semi-imputável, segundo o art. 26, parágrafo único do Código Penal, é "o agente que, em virtude de perturbação de saúde mental ou por desenvolvimento mental incompleto ou retardado, não era inteiramente capaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento".

De acordo com o entendimento da Psiquiatria moderna, entre a plena capacidade mental e a total insanidade psíquica, existe uma zona cinzenta, onde se localizam os chamados "fronteiriços" ou semi-imputáveis. Estão inclusos nessa faixa intermediária "os estados atenuados incipientes e residuais de psicoses, certos graus de oligofrenias e em maior número as chamadas personalidades psicopáticas e os transtornos mentais transitórios quando afetam, sem excluir, a capacidade de entender e de querer" (COSTA JR., 2007, p. 110).

Esclarece a Exposição de Motivos nº 22 da parte geral do Código Penal que:

[...] Nos casos fronteiriços em que predominar o quadro mórbido, optará o juiz pela medida de segurança. Em casos opostos, pela pena reduzida. Adotada, porém, a medida de segurança, dela se extrairão todas as conseqüências, passando o agente à condição de inimputável e, portanto, submetido às regras do Título VI, onde se situa o art. 98, objeto da remissão contida no mencionado parágrafo único do art. 26.

Nesse diapasão, Mirabete (2007, p. 211) afirma que "os psicopatas, por exemplo, são enfermos mentais, com capacidade de entender o caráter ilícito do fato". Por isso, "[...] a personalidade psicopática não se inclui na categoria das moléstias mentais, mas no elenco das perturbações da saúde mental pelas perturbações da conduta, anomalia psíquica que se manifesta em procedimento violento [...]".

Por outro lado, entende Hercules (2005, p. 666) que: "[...] as personalidades psicopáticas não formam uma entidade nosológica. Mas podem ser agrupadas pelas características comuns que apresentam. Resultam de imaturidade ou anomalia dos instintos e não são capazes de assimilar, pela experiência, as regras da convivência social".

Por fim, numa perspectiva sociológica, destaca Giddens (2005, p. 175) que:

[...] os psicopatas são pessoas retraídas, que não demonstram emoções e que agem impulsivamente, e raramente experimentam sensações de culpa. Alguns psicopatas têm grande prazer com a violência gratuita. Indivíduos que possuem traços psicopáticos, de fato, às vezes, cometem crimes violentos, porém há grandes problemas no conceito de psicopata. Não está nenhum pouco clara a noção de que os traços psicopáticos sejam inevitavelmente criminosos.


4.PERICULOSIDADE: CONCEITO E TIPOS

Periculosidade é um vocábulo oriundo do latim periculosos que, no sentido amplo, significa perigoso, arriscado, cheio de perigos. Na terminologia jurídica, especificamente no âmbito do direito penal

[...] por periculosidade, relativamente às pessoas, entende-se a propensão delas para o mal, a tendência para o mal, revelada por seus atos anteriores ou pelas circunstâncias em que praticam o delito [...] Os criminalistas distinguem a periculosidade em social e criminal, ou seja, a periculosidade sem delito e a após o delito (post delictum). A periculosidade social, assim, é a que se evidencia ou existe antes do crime, em virtude da condição de perigosa revelada pela pessoa. É a periculosidade sem delito, a que alude FERRI, fundada no perigo do delito. A periculosidade criminal é a que se evidencia ou resulta da prática do crime, e se funda no perigo de reincidência [...] (SILVA, 2007, p. 1030).

O conceito de periculosidade foi introduzido no século XIX e incluiu certos criminosos num estado patológico que, certamente, englobaria a loucura ou a alienação mental. Dessa forma, pode-se dizer que certos indivíduos, efetiva ou potencialmente delinqüentes, estariam possuídos por algo mais forte do que a malignidade e menos restritivo do que a loucura, em síntese: o estado de perigo.

Estado perigoso, na conceituação do legista Bonnet (1980, apud ALCÂNTARA, 2006, p. 236) "é o estado jurídico-biológico surgido da essência psicossocial do próprio indivíduo e que lhe concede singulares dotes para infringir, de maneira sistemática, a lei penal ao longo de sua vida".

De acordo com Damásio (2005, p. 547), "fala-se em periculosidade real quando ela deve ser verificada pelo juiz. Cuida-se de periculosidade presumida nos casos em que a lei a presume, independentemente da periculosidade real do sujeito".

No entender de Mirabete (2007, p. 377), no tocante à aplicação da medida de segurança,

[...] a lei presume a periculosidade dos inimputáveis, determinando a aplicação da medida de segurança àquele que cometeu o ilícito e se apresenta nas condições do art. 26 (art. 97). Nesse caso, a aplicação da medida de segurança é obrigatória, não podendo ser dispensada apenas porque o agente já está sendo voluntária e particularmente submetido a tratamento. No que diz respeito ao semi-imputável, a periculosidade pode ser reconhecida pelo juiz, que, em vez de aplicar a pena, a substitui pela medida de segurança.

Muitos estudos comprovam que o diagnóstico da periculosidade, analisado por um prisma criminológico,

[...] advém da análise de seus dois momentos, isto é, da capacidade criminal e da inadaptação social. No diagnóstico da capacidade criminal são examinadas as fases da dinâmica da infração; o assentimento ineficaz, o assentimento formulado e o período de crise. Na auscultação da inadaptação social, os elementos da adaptabilidade são deduzidos do exame criminológico e pode esclarecer a motivação, o grau de êxito e a diretriz do comportamento delinquencial (FERNANDES, 2002, p. 355).

Vale destacar a importante advertência feita por Costa Jr. (2007, p. 295) ao pontuar que "o juízo de periculosidade, que Garofalo chamava de temibilidade, lançando-se sobre o futuro e assentando-se em hipóteses, não pode conduzir a um grau de certeza jurídica. O julgador se assenta sobre as areias movediças dos indícios e das presunções".

Em suma, pode-se considerar que o termo periculosidade é a probabilidade, e não a mera possibilidade de que uma pessoa venha a reincidir no crime. Por isso, é necessário um prognóstico concreto de que o agente voltará a delinqüir.


5.CONSIDERAÇÕES SOBRE O EXAME PSIQUIÁTRICO OU PERÍCIA PSIQUIÁTRICA

A psiquiatria jurídica (ou psiquiatria forense) é, para a psiquiatria, o que a medicina legal é para a medicina geral. Em conseqüência disso, seus melhores resultados são recolhidos pela lei penal, na elaboração de fórmulas legais de irresponsabilidade criminal. No tocante à ação criminal, pode-se considerar que a psiquiatria jurídica e a medicina legal são como a voz atual e passiva dum mesmo verbo, duma mesma língua. A psiquiatria jurídica nos oferece os dados médicos sobre o autor de um crime; a medicina legal, os dados médicos sobre o feito realizado e sobre a vítima do crime, ambas com o intento de estabelecer a responsabilidade jurídica no caso concreto (SALDAÑA, 2006, p. 120).

O exame psiquiátrico (ou perícia psiquiátrica) é gênero do qual se originam três espécies: exame somático, que analisa o biótipo, a pele, os aparelhos e sistemas do periciando; exame neurológico, que avalia a estrutura craniana e suas deformações, os movimentos involuntários e automáticos, a força muscular, o coordenação estática e dinâmica, os reflexos e a sensibilidade e exame mental, o qual avalia o aspecto geral e comportamento espontâneo, bem como os estados de cognição, afetividade, motricidade, consciência, memória e orientação do periciando.

Como visto, a perícia psiquiátrica penal, de forma geral, é um procedimento de grande complexidade, posto que exige profundo conhecimento da matéria psiquiátrica, assim como de noções de Direito Penal. Em suma, é preciso ter muita habilidade na elaboração de laudos que são considerados provas e podem influir de forma decisiva no destino de uma pessoa (RAMOS, 2002, p. 10).

Nesse diapasão, Newton e Valter Fernandes (2002, p. 255) esclarecem que:

[...] o exame psiquiátrico leva em consideração as doenças mentais que possam existir ou terem aflorado no criminoso após a prática delituosa. O exame psiquiátrico é, por assim dizer, o centro, o âmago da observação criminológica, mesmo porque é ele que interferirá na inflição, ou não, de pena (face a imputabilidade ou não do acusado), na possível redução do apenamento (nos casos de semi-imputabilidade), na aplicação da medida de segurança (pela periculosidade do delinqüente), ou no tratamento, do condenado, visando ao seu retorno ao convívio social, após o cumprimento da pena.

Nota-se que alguns tipos de psicose podem também configurar doença mental. Porém, às vezes, apenas diminuem a capacidade de entender e querer, ocasionado a semi-imputabilidade prevista no art. 26, parágrafo único do Código Penal. Daí a importância da perícia psiquiátrica, que prestará valioso auxílio ao juiz no enquadramento correto do tipo de enfermidade mental (BARROS, 2006, p. 368).

Podemos distinguir dois tipos de perícias: a de sanidade mental e a de cessação de periculosidade, a qual será analisada em tópico específico. O exame de sanidade mental tem de ser realizado sempre que se suspeitar que o acusado seja portador de algum transtorno mental. O perito incumbido de fazer o exame terá de determinar, com relação ao réu: a) a existência de algum transtorno mental; b) o tipo de transtorno; c) o nexo de causalidade entre o transtorno e o fato incriminado; d) a capacidade de entendimento; e) a capacidade de autodeterminação. Após, deverá fundamentar o laudo e encaminhá-lo para o juiz requerente.

Em suma, o juiz penal espera do exame psiquiátrico subsídios indispensáveis para que suas decisões sejam fundamentadas em informações tecnicamente precisas, a permitir-lhe que, de forma racionalmente científica e humanamente valorizada, aplique e distribua a justiça, sempre com o escopo de defender os lídimos interesses da sociedade e de proteger o valor humano do autor do anti-social. Bem destaca Barros (2006, p. 495) que: "na prática, porém, a perícia psiquiátrica funciona como braço direito do magistrado, auxiliando-o no juízo de prognose da periculosidade real".


6.CESSAÇÃO DA PERICULOSIDADE

Constatando que o agente delinqüiu em função do transtorno mental, será declarado inimputável e submetido à medida de segurança adequada. Mas, tal medida tem duração mínima de um a três anos (§ 1º, art. 97, CP). Dessa forma:

[...] findo o prazo decretado pelo juiz, é obrigatório que seja feito novo exame do paciente a fim de que se saiba se perduram as mesmas condições mentais que impuseram a adoção da medida de segurança. Em outras palavras, se o agente continua a ser um perigo para a sociedade (HERCULES, 2005, p. 673).

Após a realização da perícia, se as condições persistirem, o agente continuará internado no manicômio judiciário, ou em tratamento ambulatorial, voltando a ser examinado a cada ano, ex vi do disposto no art. 97, § 2º, Código Penal. Caso tenha havido melhora significativa ou mesmo a cura, real ou aparente do quadro clínico, o psiquiatra informará ao juiz que cessou a periculosidade e juiz suspenderá a medida de segurança, e o indivíduo é posto em liberdade.

É importante ainda observar que há uma incompatibilidade na aplicação da medida de segurança com o presídio comum. Nesse sentido, lembra Nucci (2007, p. 488) que "se o agente for colocado em estabelecimento prisional comum, sem qualquer tratamento, cabe habeas corpus para fazer cessar o constrangimento, salvo quando for reconhecidamente perigoso, situação que o levará a aguardar a vaga detido em presídio comum, se for preciso".

Por fim, cabe destacar que em virtude da complexidade em se determinar a cessação da periculosidade, a Lei 7.210/84 assegura o direito de contratar médico particular, de confiança do paciente ou de familiares, para orientar e acompanhar todo o tratamento. Por isso que:

[...] Havendo divergências entre o médico oficial e particular, serão resolvidas pelo juiz da execução (art. 43 e parágrafo único da LEP). Acreditamos, embora a LEP seja omissa, que o médico particular pode participar também da realização do exame de verificação de cessação da periculosidade, como assistente técnico, com base no princípio da ampla defesa (art. 5º, IV, da CF) (BITENCOURT, 2007, p. 697).


7.CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os delinqüentes portadores de moléstias mentais são aqueles que foram acometidos por alguma psicose, ou seja, por loucura ou insanidade mental. Sendo assim, estão inclusos na categoria das doenças mentais caracterizada por desordens cognitivas tão graves que o ajustamento social se torna impossível e o paciente precisa ficar sob vigilância médica, a fim de não causar danos em si próprio ou em terceiros.

O artigo mostrou ser difícil estudar cientificamente a relação entre a Psiquiatria Forense e o Direito Penal, pois ainda não há uma padronização na formulação diagnóstica para a verificação da periculosidade do agente; ela é mais uma característica de cada caso concreto, embora certas modalidades da nosologia psiquiátrica propiciem maior grau de indivíduos perigosos. O artigo mostrou também que não há consenso na definição dos tipos de personalidades psicopáticas, posto que a maioria dos casos clínicos apresenta aspectos descritos em mais de um dos tipos adotados pela psiquiatria.

Cabe ressaltar que é tarefa das mais complexas trabalhar com a perícia psiquiátrica forense, visto que seus resultados são considerados como provas e podem influir no destino do interno. Ademais, existem pouquíssimas literaturas acerca da Psiquiatria Forense no Brasil, necessitando, na maioria das vezes, recorrência às literaturas estrangeiras sobre o assunto, o que tem dificultado o estudo da periculosidade.

É preciso, portanto, que o juiz penal sempre leve em consideração o real grau de periculosidade do agente, valorizando a perícia psiquiátrica, ou em caso de dúvida, solicitando seja realizada uma nova perícia, evitando-se que seja posto em liberdade um interno que ainda não reúne as condições necessárias para ser reintroduzido no convívio social, bem como não seja privada a liberdade daquele que já preencha os requisitos.

De resto, cabem as seguintes indagações: diante dos problemas existentes no sistema penitenciário comum, será que o Estado brasileiro está aparelhado para aplicar eficazmente a medida de segurança? De acordo com a atual condição precária dos hospitais de custódia e tratamento psiquiátrico (antigos manicômios judiciários), será que a medida de segurança consegue realmente tratar o interno? Ou será que ela na verdade só aumenta a sua periculosidade? Para tais questionamentos é muito mais importante a ação do Poder Público, estudo e reflexão profunda sobre o problema do que simples respostas imediatas.


REFERÊNCIAS:

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BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal, volume 1. 11. ed. atual. São Paulo: Saraiva, 2007.

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COSTA JR., Paulo José de. Código penal comentado. 9. ed. rev. amp. e atual. São Paulo: DPJ Editora, 2007.

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SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico. 27. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2007.


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

JESUS, Fernando Miranda de. Medida de segurança e o exame psiquiátrico. Considerações sobre a averiguação da periculosidade. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2194, 4 jul. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/13098. Acesso em: 2 maio 2024.