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Preservação de territórios sagrados para as religiões de matriz africana

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14/02/2007 às 00:00
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No presente trabalho, encontram-se pioneiras linhas acerca da preservação de bens culturais de matriz africana, para o exercício do direito constitucional à liberdade religiosa, e para a garantia da preservação do patrimônio cultural brasileiro.

Resumo: No presente trabalho, encontram-se pioneiras linhas acerca da preservação de bens culturais de matriz africana, a partir do estudo do regramento constitucional atinente ao tema, das condições materiais e simbólicas necessárias para o exercício do direito constitucional à liberdade religiosa, e para a garantia da preservação do patrimônio cultural brasileiro. As dificuldades para o enfrentamento da tarefa, a exemplo do Racismo Ambiental, e algumas possibilidades de superação dos desafios são acostadas antes da derradeira parte, uma conclusão propositiva.

Sumário: 1. Introdução, 2. Preservação de bens culturais de matriz africana, 3. Tutela constitucional da cultura e das religiões de matriz africana, 4. Condições materiais e simbólicas, a-espaços rituais públicos, b-espaços rituais privados, 5. Racismo ambiental e liberdade religiosa, 6. Possibilidades: anti property rights (apr’s), advocacy planning, tombamento, 7. Considerações finais, 8. Referências.


1. Introdução

No presente artigo pretendemos discutir possibilidades de preservação e usos sustentáveis de territórios sagrados para as religiões de matriz africana mediante a análise de institutos expressamente previstos no ordenamento jurídico brasileiro, a exemplo do Tombamento, assim como de outros institutos autorizados pela rubrica geral "outras formas de acautelamento e preservação" trazida pelo texto constitucional, tais como o Advocacy Planning e do Anti-Property Rights (APR’s). Adotamos a noção de bem cultural fundada numa das mais elementares manifestações da cultura humana, a religiosidade, e, por conseguinte, nas condições materiais e simbólicas necessárias à reprodução litúrgica material e social, destacadamente os territórios sagrados, os espaços físicos marcados pela utilização litúrgica de ancestralidade africana, sejam os mesmos públicos ou privados.

Tal iniciativa justifica-se, por um lado, pelo recrudescimento das reivindicações dos movimentos negros organizados e, por outro lado, pela escassez de trabalhos jurídicos orientados ao estudo relacionado aos aludidos pleitos, em que pese o fértil terreno de possibilidades, o qual tem sido explorada pelos setores turísticos, publicitários, partidários, em outras palavras, a introdução de novos itens em uma agenda sócio-política e econômica nacional requer investigações jurídicas que apontem seus limites e possibilidades dentro de marcos zetéticos e dogmáticos, orientando-se por uma compreensão que abarque as soluções de várias experiências jurídicas nacionais e estrangeiras.

O trabalho encontra-se estruturado do seguinte modo: primeiro, esta introdução encarregada de apresentar o objetivo e a justificativa do trabalho, segundo, a descrição de forma sucinta das demais partes do trabalho, quais sejam, colocação de desafios enfrentados pelas políticas de preservação de bens culturais de matriz africana, fundamentos constitucionais para a proteção de bens necessários para as liturgias de matriz africana, delineamento de dimensões da religiosidade africana reelaboradas no Brasil fundamentais para o entendimento do trabalho, obstáculos trazidos por formas de Racismo Ambiental ao livre exercício do direito constitucional à liberdade religiosa, e por fim, a oferta de propostas para o tratamento das questões levantadas.


2. Preservação de bens culturais de matriz africana

Preservação pode compreender toda e qualquer ação do Estado que vise conservar a memória de fatos ou valores culturais de uma Nação (Castro: 1991), materializados em seus bens de natureza material e/ou imaterial. As políticas de preservação no país, durante muito tempo, foram marcadas pela valorização de edificações históricas, os sítios de pedra e cal, o que valeu aos órgãos de patrimônio inúmeras alusões ao caráter elitista das escolhas em processos de tombamento. Podemos falar em um novo período de reconhecimento de identidades e novas possibilidades de exercício de direitos.

Entretanto, nos últimos anos, as políticas de preservação do legado cultural do povo brasileiro têm sido orientadas à valorização de manifestações que expressam imaterialmente a alma do povo brasileiro não representado historicamente pelas decisões de preservação por parte do Estado.1 Desse modo, a herança cultural legada pelos africanos em toda a diáspora negra, constituinte de um dos aspectos mais significativos nos processos de construção de identidades e referenciais, tem tido expectativas referentes a sua valorização como um indicador do deslocamento da política oficial brasileira.

A cultura, principal característica humana, foi definida em termos de uma operação pela qual temos condicionada a nossa visão de mundo, a realização de apreciações de ordem moral e valorativa, e o estabelecimento de diferentes posturas corporais e comportamentos sociais estabelecidos, tendo como ponto de referência um grupo, e não a humanidade. (Laraia: 2001)

A incipiente consolidação de uma política cultural democrática em um país multiétnico como o Brasil exigiu a ampliação do universo de atuação dos órgãos afetos a garantir a preservação do patrimônio cultural. A insuficiência das políticas de preservação outrora praticadas no Brasil, as quais vão lentamente cedendo espaço a novas atitudes, reside exatamente na impossibilidade de reconhecer e valorizar os aspectos da produção cultural das comunidades negras e de outros grupos em desvantagem.

Há uma bifurcação na relação jurídica quanto ao objeto da preservação, uma enquanto coisa apropriável, objeto do direito de propriedade, outra, como bem não econômico que, a partir do reconhecimento de seu valor cultural deve ser protegido. Conforme veremos adiante, tal reconhecimento pode ser feito pelo Poder Executivo, pelo Poder Legislativo, ou mesmo pelo Poder Judiciário, através dos meios capazes de definir se há interesse jurídico no bem, tornando-o de interesse geral.

Os terreiros2, territórios sagrados para os povos de religiões de matriz africana, por exemplo, se traduzem em um bem cultural digno de receber proteção por preencher os requisitos acima aventados, bem como pelo fato de desempenhar função primordial na transmissão de valores culturais de comunidades descendentes de africanos3. A despeito disso, em todo o território nacional, existem apenas seis terreiros de candomblé tombados pelo IPHAN. Órgãos patrimoniais estaduais também têm realizado tombamentos de terreiros de candomblé, assim como municípios por via legislativa4.

Nesses espaços encontram-se representadas partes da história da cultura negra no Brasil, e o tombamento dos mesmos revelam o alargamento da política de preservação brasileira, na qual se vê um progressivo aumento da valorização de manifestações culturais de matriz africana enquanto referências civilizatórias relevantes para todos os brasileiros. (Amaral: 2005)

Cumpre ressaltar o fato de que não estamos defendendo uma política de banalização do tombamento desses espaços, sobretudo, por sabermos dos meandros das decisões de tombamentos, nas quais valem mais a notoriedade e o poder de influenciar decisões dos interessados do que o valor do bem propriamente dito. Dito de outro modo, um terreiro que não conte com membros de notoriedade nos espaços de poder pode ter menos chances de ser notabilizado, de ver declarada sua excepcionalidade, do que um terreiro desprovido das virtudes do primeiro, mas que tenha capacidade de notabilizar-se pela presença de filhos e filhas ilustres, ou ainda porque há comunidades de terreiros que rechaçam a idéia delas mesmo serem tombadas.

O Estado brasileiro através de suas instituições responsáveis, perde a oportunidade de cumprir seu dever legal, promovendo a salvaguarda de um conjunto de manifestações, valores e símbolos da memória de todo um grupo étnico componente do povo brasileiro. Desse modo, pratica-se o Racismo Institucional, e o fato é que, até o presente momento, a possibilidade de realizar tombamentos de terreiros aptos e interessados5 não foi concretizada.

Enquanto Glass Ceiling refere-se a obstáculos não palpáveis que condicionam o acesso de negros e mulheres qualificados a espaços de prestígio e poder, o conceito de Racismo Institucional refere-se a políticas institucionais que, sem o suporte da teoria racista de intenção, produz conseqüências desiguais para os membros das diferentes categorias raciais. (Rex: 1987).

Apoiado nesse entendimento, podemos afirmar que os sistemas de crenças, os quais sugerem que uma categoria de indivíduos é, por qualquer razão determinista, incapaz de se mover de uma posição social para a outra (Racismo) e as políticas destinadas a impedir este movimento (Racialismo) são dois conceitos que nos ajudarão a compreender o tema. Até porque, o Racismo Institucional, neste sentido, se traduz numa espécie de Racialismo inconsciente.

O Racismo Institucional conta com um fator objetivo, qual seja, a consciência da prática do comportamento discriminatório não é elemento necessário para a caracterização da prática, em outras palavras, aquele que produz efeitos desiguais para grupos étnicos diferentes, sem motivação justa, está sendo racista ainda que não queira produzir o resultado deliberadamente.

Os papéis, no diálogo a ser estabelecido pra concretização de situação reversa, devem levar em consideração a imperativa ação concorrente dos entes federados e da população enquanto protagonista dessas ações, verdadeiros agentes na definição das políticas de um Estado que busca ser participativo como o Brasil. A exclusão das comunidades negras não combina, pois, com aspirações de estabelecimento de diálogos preservacionistas democráticos. Igualmente, práticas involuntárias e/ou voluntárias de eliminação física dessas comunidades6 não se harmonizam com valores positivados em nossa Carta Maior7.


3. Tutela constitucional da cultura e das religiões de matriz africana

A tutela de um bem componente do patrimônio cultural brasileiro pode ocorrer nos planos nacional, estadual e municipal. Tal estrutura respeita o sistema federativo brasileiro e sua divisão constitucional de competências sobre a matéria. Historicamente, podemos situar na constituição brasileira de 1934, o lugar em cujo foi consagrada, pela primeira vez, a preservação do patrimônio cultural nacional. A Constituição brasileira de 1937 inovou, ampliando também a competência para preservação aos municípios. Alguns avanços e retrocessos nas constituições seguintes, o termo monumento foi substituído por patrimônio, e partes das redações anteriores foram repetidas pelas constituições subseqüentes, em alguns casos, com algumas alterações supressivas. (Reisewitz: 2004)

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Na constituição vigente, o sistema de competências a que estão submetidos os bens ambientais culturais encontra-se radicado nos artigos 23 e seguintes, os quais dispõem que a competência material é comum à União, Estados, Distrito Federal e Municípios, o que respeita o critério da indivisibilidade do bem, portanto do interesse difuso que sobre ele recai. Quanto à competência legislativa, os dispositivos constitucionais informam o caráter concorrente (art. 24), suplementar (art. 25), e ainda reservam ao Distrito Federal as mesmas competências legislativas atribuídas aos Estados e Municípios, no que diz respeito a preservação de bens consoante a relevância regional e/ou nacional. Quanto à competência jurisdicional, a Justiça Estadual tem competência residual, ou seja, examinará todas as questões que não se enquadrarem no rol de competências da Justiça Federal enumerado pelo artigo 109 da Constituição.

Conforme podemos notar, a pedra de toque para a repartição das competências relativas a tutela jurídica do meio ambiente cultural na Constituição Federal de 1988 é a predominância do interesse, cabendo à União os assuntos de interesse nacional, aos Estados-membros aqueles de interesse regional, e aos Municípios os de interesse local. (Reisewitz: 2004)

O dever do Estado de proteger o patrimônio cultural gera a obrigação do exercício do poder de polícia cultural, assim como da adoção de várias formas de acautelamento e preservação do patrimônio cultural, das quais a mais celébre é o tombamento. Importante questão que se coloca são as múltiplas maneiras pelas quais o legislador constituinte se referiu ao Patrimônio Cultural8, sendo que todas têm a mesma conotação, a de patrimônio cultural enquanto valores, símbolos e manifestações de um povo.

A Constituição do Estado da Bahia em seus capítulos XXIII, Do Negro, e XV, Da Cultura traz avançadas disposições atinentes a preservação do patrimônio cultural de referência africana. Um ano depois da promulgação da Constituição Federal, portanto, o ordenamento jurídico baiano já previa normas de eficácia imediata com o condão de produzir efeitos semelhantes ao de festejadas leis posteriores.9

A tutela constitucional da cultura de matriz africana encontra-se inscrita no quadro geral de proteção de bens culturais exposto acima. O diferencial reclamado no atual momento, em que decisões orientadas a preservar tal patrimônio começam a ser adotadas, diz respeito à inovação de procedimentos e adoção de novos olhares, isto porque executar planos de salvaguarda de um modo de fazer negro, ou realizar o tombamento de um terreiro não encontra paralelo procedimental, nem deve gerar iguais efeitos ao de uma ação de salvaguarda de uma igreja, ou de uma pinacoteca.

Quanto às religiões, enquanto diferentes relações existentes entre a pessoa humana e o chamado poder sobre-humano no qual ela acredita ou do qual se sente dependente, brotam do âmago das questões existenciais surgidas em diferentes culturas e encontram-se absolutamente vinculadas aos modos de viver dos diferentes grupos civilizatórios formadores da politeísta sociedade brasileira. (Fiorillo: 2003)

Sucede que o artigo 5°, inciso VI, da Constituição Federal, resguardou a inviolabilidade da liberdade de consciência e crença, e assegurou o livre exercício dos cultos religiosos, além de garantir a proteção aos locais de culto e a suas liturgias. Ao fazer referência a proteção religiosa, o constitucionalista não excluiu, e nem poderia face ao princípio da igualdade, nenhuma das religiões praticadas no território nacional, visto que se traduzem em bens de natureza imaterial portadores de referência à identidade, à ação, à memória de grupos formadores da sociedade brasileira.

Neste trabalho, consideram-se religiões de matriz africana como sendo todas aquelas manifestações religiosas em que seus principais portadores trazidos da África, e seus descendentes lançam mão de expedientes ritualísticos orientados a reconhecer e adorar seus Ancestrais e Antepassados, bem como de ritos de preservação do estoque cultural africano reelaborado no Brasil, línguas, mitos, tradições.

As religiões de matriz africana, assim como as demais, apresentam certas peculiaridades que reclamam proteções diferenciadas das tradicionalmente oferecidas às demais religiões. Isto porque as exigências de manejo de espécies da fauna e da flora, bem como o acesso a recursos hídricos é parte fundamental da liturgia de louvor aos orixás, voduns, inquices, caboclos e encantados. O respeito à liberdade religiosa e a preservação dos bens culturais fundados na mesma requer a garantia da manutenção de seus condicionantes materiais e simbólicos.


4. Condições materiais e simbólicas

As religiões de matriz africana, como alhures mencionado, ostentam um bloco material mínimo de condições materiais e simbólicas necessárias ao livre exercício do direito constitucional à liberdade religiosa. Conforme a pesquisadora Maria de Lourdes Siqueira, existem quatro rituais básicos em religiões de tal denominação, a considerar, Oferenda, ato ritual por excelência; Bori, preparação individual; Xirê, festa pública; e Padê, ritual em homenagem a Exu. (Siqueira: 2004) Cada um deles mantêm profunda relação com a própria sobrevivência das religiões, e exigem diferenciados elementos para o seu livre desenvolvimento.

Afora os elementos de acesso exclusivo aos praticantes, podemos enumerar algumas dimensões afetas ao conhecimento do profissional do Direito como condição sine qua non para a definição do conteúdo e do alcance do direito em tela. Podemos mencionar dois conceitos jurídicos essenciais para a realização do direito à preservação desse patrimônio cultural brasileiro, a propriedade e os bens de uso comum do povo. Ambos por oportunizarem o desenvolvimento de relações de reprodução litúrgica, sejam em ambientes privados ou públicos.

O espaço mítico, ritual, místico, religioso, social, onde as comunidades praticantes se reúnem, convivem, trabalham, sob o poder central das entidades sobrenaturais, que realizam a intermediação entre o Ser Supremo e os seres humanos foram construídos a partir de processos de construção de identidades e de referenciais na dinâmica da formação da Cultura e Sociedade brasileira. (Siqueira: 2004) Tais espaços interpõem-se como verdadeiros corações de retroalimentação cultural para esses grupos.

4.1. Espaços públicos

Nas cidades de maior afluxo de adeptos de práticas da religiosidade de matriz africana, podemos observar cotidianamente o instrumental necessário às práticas nas vias públicas em que realizamos atividades cotidianas, mais ainda se nos dirigirmos a espaços tradicionalmente utilizados como santuários para os adeptos10. Ademais, a demarcação simbólica dos terreiros de candomblé nos autoriza a falar neles enquanto territórios, a partir da identificação de elementos como áreas verdes, composição específica da fauna e da flora11, significado simbólico da fauna, flora e disposição de objetos sagrados. (Dias: 2003)

Acontece que os territórios públicos, sagrados pela atribuição ritual que lhes é dada pelas comunidades religiosas, são indispensáveis para a reprodução social e material do grupo. Rituais de oferenda não podem ser realizados sem o acesso a cachoeiras, rios, mar, fontes e pontos de água doce ou salgada em geral, é igualmente impossível tal prática, sem o manejo de espécies da fauna e da flora.

A degradação ambiental, o crescimento de zonas de violência, os diversos usos irregulares de espaços públicos concorrem com a repartição concorrente de competências em matéria ambiental, e com negligência por parte do Poder Público para ameaçar bens culturais preservados pelos praticantes de religiões de matriz africana, e igualmente necessários para o livre desenvolvimento de suas relações culturais historicamente travadas. Ademais, tais relações guardam íntima relação com o processo de formação histórica nacional por meio de vários expedientes conformadores da cultura das comunidades negras brasileiras, portanto, merecedores de proteção conforme disposição constitucional.

4.2. Espaços privados

Quanto aos espaços privados despontam outros desafios para a preservação do patrimônio cultural e garantia do direito em tela, basicamente, deve-se assegurar meios de permanência dos terreiros nos seus locais em que se encontram e/ou de origem através de projetos de regularização fundiária, assim como garantir a não perturbação da ambiência do patrimônio a ser preservado. Exemplificativamente, a facilitação das condições de acesso aos títulos de propriedade e a prevenção de invasões por parte de extremistas religiosos de outras denominações podem se traduzir em excelentes meios de acautelamento.

O acesso aos títulos de propriedade contribuiria para a resolução de grande parte dos problemas com terceiros de má-fé, facilitaria o exercício do direito constitucional da imunidade tributária, além de oferecer tranqüilidade aos usuários do imóvel destinado para fim da mais elevada nobreza. Isto porque as religiões de matriz africana caracterizam-se pela reinvenção e recomposição de territórios dos negros de várias nações africanas submetidos ao processo de escravidão, na medida em que permitiu a preservação de elementos essenciais e sua identidade cultural, recriada a partir de um mosaico de etnias africanas pré-existentes, por africanos e seus descendentes, no contexto de amplos contatos interétnicos. (Dias: 2003)

A distribuição espacial dos imóveis num terreiro carrega profundo significado simbólico, ademais os elementos naturais situados ao redor do terreiro, via de regra, são considerados sagrados e dotados de grande função ritual. Tais associações faz com que muitos infiram a maior qualidade de processos de planejamento referenciados numa perspectiva negra, uma vez que, em tese, haveria uma maior presença de espaços verdes e destinados a sociabilidade do que os projetos implantados na maior parte das grandes cidades brasileiras.

Outro fator a ser apontado é o cuidado espacial que deve ser dado em iniciativas de acautelamento e preservação que aspire realizar alguma alteração física no espaço. A dicotomia estabelecida entre preservação e desaparecimento nos alerta da eventual cristalização provocada pelos processos de preservação, dentre eles o tombamento, nos quais deparamo-nos com uma exigência de imutabilidade dos edifícios votivos e demais conjunto arquitetônico e paisagístico acompanhado de uma exigência de ordem prática verificada historicamente, a saber, a adaptação e reelaboração simbólica e material das práticas da religiosidade negra africana. (Amaral: 2005)

Resta observar que na proteção do patrimônio cultural, o bem jurídico objeto da proteção embora se materialize na coisa, não é ela em si, mas sim seu significado simbólico, traduzido pelo valor cultural que ela representa, que por sua vez merece proteção em nome da presente e das futuras gerações. Devido às peculiaridades que cada bem apresenta, forçoso se faz que os órgãos do patrimônio disponham de condições de compreender os valores que determinam a derrubada ou a construção de um novo edifício votivo, não oferecendo qualquer resistência para a realização de tal empreitada, levando-se em conta o caráter dinâmico da cultura.12

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Sobre o autor
Arivaldo Santos de Souza

bacharelando em Direito pela UFBA

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SOUZA, Arivaldo Santos. Preservação de territórios sagrados para as religiões de matriz africana. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1323, 14 fev. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/9490. Acesso em: 23 abr. 2024.

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