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Comentários à Lei nº 11.441/2007

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A melhoria da prestação jurisdicional é meta buscada com persistência pelo judiciário brasileiro. É tema presente em qualquer entrevista ou discussão que envolva a justiça ou algum de seus integrantes. Após a emenda constitucional n.º 45, batizada como a Reforma do Judiciário, lançou-se um pacote de medidas sob o título de Reforma da Legislação Infraconstitucional. Desde de então diversas leis foram criadas e alterações substanciais foram feitas em alguns Códigos, principalmente no Código de Processo Civil. A alteração mais recente no CPC deu-se pela lei 11.441, publicada em 04 de janeiro do corrente ano, que "altera dispositivos da Lei no 5.869, de 11 de janeiro de 1973 – Código de Processo Civil, possibilitando a realização de inventário, partilha, separação consensual e divórcio consensual por via administrativa". Neste simplório texto, buscar-se-á fazer alguns comentários sobre esta nova norma, detendo-se à possibilidade de separação e divórcios consensuais serem realizados em cartório extrajudicial.

Desde o dia 04 de janeiro, aqueles que desejarem se separar ou divorciar amigavelmente, sem que haja incapazes provenientes da relação, poderão fazê-los diretamente em qualquer cartório, sem a necessidade de propositura de ação judicial. Basta estar acompanhados de advogado, comum ou não, e expor suas intenções perante um tabelião e ex-casal já sairá do cartório separados ou divorciados. Tudo muito simples, sem burocracia e sem segurança jurídica também.

A lei 11.441 foi recebida com entusiasmo pela maioria da comunidade jurídica e dos jurisdicionados. Afinal, seu objetivo é desafogar o judiciário, fazendo com que ações onde supostamente não haja litígio não ocupem o tempo dos juízes e servidores. Com a nova medida certamente os cartórios de família ficarão menos assoberbados. Entretanto, a nova norma deve ser vista com muito cuidado, pois trata de questões de interesse relevante, questões delicadas, que envolvem sentimento, desapontamento, orgulho, esperança e por vezes muita dor.

Ora, o fato de um casal optar pela separação consensual não significa que entre eles não exista conflito. Por isso é muito comum que ações que começam de forma consensual se transformem em litigiosas no decorrer da ação. Às vezes, a escolha pelo procedimento consensual é uma forma de abreviar o caminho mais longo na justiça. Também é algo corriqueiro na hora da discussão o varão sair de casa dizendo que não deseja nenhum dos bens adquiridos em comum e que vai deixar tudo para a mulher. Esta, por sua vez, afirma que não precisa de nada que é dele pois pode se virar sozinha. Porém, quando os ânimos se acalmam, a situação muda de figura e cada um faz questão de cada direito e a divisão de todos os bens possíveis.

Devido às peculiaridades que envolvem as relações pessoais o Direito de Família sofre grande ingerência do Estado, que procura o regular em pormenores. Para se casar, por exemplo, os nubentes precisam seguir uma série de atos e cumprir diversos requisitos, do contrário a realização de um casamento válido fica prejudicada. É comum ouvir que "para casar é muito fácil, difícil é separar". Porem não é bem assim. Para que se realize um casamento civil é preciso seguir vários procedimentos. Já para que haja uma separação judicial, desde que seja consensual, basta contratar um advogado, pôr as intenções numa petição, protocolizar e esperar o dia da audiência. O problema está justamente na demora na realização desta audiência, pois enquanto em alguns estados demoram 3 meses, noutros um ano.

Essa norma não é o remédio mais adequado à mazela que se tornou a morosidade da prestação jurisdicional. Ao invés de tornar inexigível a intervenção do judiciário e do Ministério Público em ações de separação e divórcio consensuais, seria mais produtivo investir no judiciário contratando juízes, servidores e em novas tecnologias que agilizem os tramites processuais. Dessa maneira, não só as ligadas à área de família teriam soluções mais rápidas, as outras searas do direito também seriam beneficiadas.

Sem dúvida a intervenção judicial obrigatória, assim como do MP, mesmo nas ações consensuais, dão mais credibilidade ao ato. Por exemplo, se durante uma audiência de homologação de acordo o juiz ou o parquet verificar que alguma das partes está sob coação, poderá interferir no ato em busca da verdade e lisura do procedimento. Agora essa "proteção" já não será garantida, deixando sempre dúvida sobre a transparência do procedimento.

A possibilidade de separação e divórcio em cartório traz certa insegurança jurídica. A presença obrigatória do advogado não é sinônimo de transparência. O advogado vende um serviço, assim como o tabelião. Não se pode olvidar que a corrupção é inerente ao homem e que existem maus profissionais em todas as áreas.

A separação dos poderes, que visa principalmente a fiscalização de um poder por outro, também está implicitamente presente em um processo e numa audiência. A possibilidade de realização de atos importantes extrajudicialmente favorece a ocorrência de fraudes diversas. Quem fiscalizará quem? Se com a obrigatoriedade de apreciação judicial ocorrem ilegalidades, presume-se que estas sejam potencializadas na sua ausência.

O parágrafo 3º do artigo 1.124-A, introduzido no CPC pela lei 11.441, dispõe que para os hipossuficientes os trâmites serão realizados gratuitamente. Porém, como existe a exigência de advogado, de qualquer forma as partes terão algum gasto, pois certamente os Defensores Públicos não se deslocarão com as partes aos cartórios para realização do ato. Logo, na prática, para os hipossuficientes o caminho será o judiciário, onde poderão encontrar o auxílio da Defensoria Pública.

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Diante do judiciário, de acordo com a lei federal 1.060/50, basta a parte declarar que não dispõe de condições de arcar com as custas do processo sem prejuízo financeiro – entendimento ratificado pelo STJ em novembro último – que, em regra, lhe será deferida a gratuidade da justiça. Será que os cartórios aceitarão apenas uma simples declaração? Dificilmente, afinal, o artigo 1512 do Código Civil prevê a gratuidade da celebração e do processo de casamento para quem se intitula como pobre, entretanto é raríssimo algum casal desfrutar dessa prerrogativa em função das dificuldades impostas.

A Corregedoria de Justiça de cada Estado terá papel fundamental para o sucesso dessa lei. Será fundamental a fiscalização dos trabalhos dos cartórios para que as normas sejam plenamente respeitadas e a lei 11.441 não seja levada ao fracasso.

Pela importância do tema e de sua repercussão social, a lei 11.441 deveria ter sido objeto de maiores discussões, debates e reflexões por parte da sociedade, dos cartórios e dos operadores do direito. Seria prudente ao menos o uso do prazo de 45 dias de vacatio legis. Nem mesmo os cartórios estavam preparados para realizar separação ou divórcio consensuais no dia da publicação e entrada em vigor da lei, e muitas dúvidas ainda pairam sobre a norma. É preciso cuidado na elaboração ou modificação de alguma lei; afinal, existem receitas que são trabalhosas, mas que se não forem seguidas à risca, o resultado não será perfeito.

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Sobre o autor
Flávio Romero Ferreira Soares

bacharel em Direito pela UNIP

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SOARES, Flávio Romero Ferreira. Comentários à Lei nº 11.441/2007. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1292, 14 jan. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/9386. Acesso em: 29 mar. 2024.

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