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A empregada doméstica e a garantia provisória de emprego da gestante

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09/10/2006 às 00:00
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Sumário: 1. Introdução. 2. Limitações aos direitos dos empregados domésticos. 3. Os princípios constitucionais. 4. Inconstitucionalidade da Constituição? 5. Importância da estabilidade provisória da gestante. 6. O equívoco da não aplicação do artigo 10, inciso II, alínea "b", do ADCT. 7. Possibilidade de estender à empregada doméstica a estabilidade provisória no emprego. 8. A proteção constitucional à maternidade e à infância. 9. A Lei nº 11.324, de 19.07.2006. 10. Conclusão. 11. Bibliografia.


1. Introdução

O escopo deste escrito, relativamente pequeno diante da complexidade e da dimensão da matéria, sem o propósito de esgotar o tema e assumindo posicionamento sujeito a chuvas e trovoadas, inclusive com a exclusão de outros aspectos também relevantes, é examinar a constitucionalidade das restrições aos direitos dos empregados domésticos, mais precisamente quanto à estabilidade da trabalhadora gestante, como forma de contribuir para o debate da matéria.

Os operadores jurídicos, em especial aqueles que têm a missão de interpretar e aplicar o direito, criando a norma jurídica particular aplicável ao caso concreto, devem atuar de modo a tornar possível alcançar os objetivos prometidos pela Constituição Federal, tendo em vista um ideal de justiça, que deve o quanto possível ser materialmente buscado.

Este ideal não deve permanecer apenas no discurso político-jurídico como mera figura de retórica, na medida em que palavras desacompanhadas de ação em nada contribuem para tornar realidade e dar plenitude aos princípios e garantias fundamentais contemplados pelo texto constitucional. Sem esse árduo e permanente trabalho de construção, nenhuma utilidade tem a mera enunciação de direitos e garantias pela Constituição.

Neste diapasão há que se dar efetividade ao princípio da isonomia, tendo em mira a proteção da pessoa humana, pois que este é o objetivo primordial das normas constitucionais, e consequentemente, de toda e qualquer norma infraconstitucional, como se tem visto do decantado princípio da dignidade da pessoa humana, tão prestigiado, difundido e defendido pelos doutrinadores.

Superada aquela conhecida fase do direito supostamente completo e não sujeito a interpretação, unicamente contido nos Códigos, nascido e pensado para uma sociedade liberal - cujos postulados a história mostrou serem tão nocivos ao desenvolvimento humano - faz-se necessário afirmar que hoje o centro de preocupação do Direito deve ser o homem.


2. Limitações aos direitos dos empregados domésticos

Os direitos básicos do trabalhador doméstico estão arrolados pela Lei nº 5.859, de 11 de dezembro de 1972, e em alguns incisos do artigo 7º, da Constituição Federal, por força do seu parágrafo único.

Induvidoso que há um enorme hiato entre o caput do artigo 5º, da Lei Fundamental, que consagra o princípio da igualdade, com as limitações impostas pelo parágrafo único do precitado artigo 7º. Negando aquele, este institui indesejável discriminação ao trabalhador doméstico, comparativamente aos demais trabalhadores.

É de todo relevante destacar que os princípios constitucionais têm supremacia sobre as demais disposições legais, a eles devendo subsumir todo o ordenamento jurídico, incluindo a própria Constituição, havendo de se encontrar fórmulas claras de superar as aparentes antinomias, encontrando-se o caminho da harmonização dos preceitos constitucionais, viabilizando sua convivência no sistema.

Ontologicamente não há que se reconhecer diferenciação entre o trabalhador doméstico e os demais empregados, ou em outros termos, entre o contrato de trabalho daquele e desses, sendo indiscutível que os aspectos gerais afetos à figura do trabalhador e do empregador, sejam eles domésticos ou não, são comuns e possuem, senão igual, semelhante conceituação.

Citam-se, por exemplo, os requisitos imprescindíveis à caracterização do liame empregatício, pois, todos os trabalhadores, pelo menos para serem qualificados de empregados, devem ser pessoas físicas que prestem serviços a outrem, em atividade de natureza não-eventual, mediante remuneração e subordinação.

Identifica-se, quando muito, diferença relativa à atividade do destinatário dos serviços prestados, pois que o doméstico realiza seu mister no âmbito familiar, sem finalidade lucrativa, ao passo que os demais trabalhadores, urbanos e rurais, atuam em atividade econômica que tem por escopo o lucro, gerando bens e serviços passíveis de alienação onerosa.

O artigo 1º, da Lei nº 5.859, de 11 de dezembro de 1972, define empregado doméstico como sendo aquele que presta serviços de natureza contínua e de finalidade não lucrativa à pessoa ou família, no âmbito residencial destas. Arrola como direitos irrenunciáveis do trabalhador doméstico os seguintes: férias anuais remuneradas, registro do contrato de trabalho em CTPS e filiação obrigatória ao regime geral da previdência social.

Mais recentemente, por força da Lei nº 10.208, de 23 de março de 2001, ao empregador foi facultado incluir o trabalhador doméstico no regime do FGTS, assegurando-lhe, neste caso, acesso ao benefício do seguro-desemprego, nos casos em que isso se justifica, como a dispensa sem justa causa e a despedida indireta.

Nesse ponto, embora a discussão dessas matérias não integre o tema acima proposto, cumpre assinalar que, como princípio, é inerente à norma legal, ou seja, quando o poder competente aprova regras que passam a integrar o ordenamento, instituindo situações jurídicas em benefício das pessoas em geral, ou a grupos de pessoas determinadas, evidentemente, a produção de direitos subjetivos, sendo aquelas seus titulares e, consequentemente, estabelecendo ao mesmo tempo os titulares de um dever jurídico.

Se há direito, há dever. Se alguém tem direito, alguém tem o dever. Aquilo que não se pode exigir de alguém não é direito. A norma posta nesses termos é defeituosa. Falta-lhe algo. Toda norma jurídica para assim ser denominada necessariamente deve se revestir de alguma eficácia jurídica.

Portanto, sob minha ótica, não parece razoável a norma afirmar que o destinatário do direito para ter acesso a ele depende da vontade de outrem. O trabalhador doméstico tem ou não direito a participar do regime do FGTS. Condicionar sua implementação à vontade do empregar é nada conferir ao trabalhador doméstico.

Retornando ao núcleo desse trabalho, como dito alhures, o parágrafo único, do artigo 7º, da Constituição Federal, estendeu ao trabalhador doméstico os direitos previstos aos demais empregados pelos seus incisos IV (salário mínimo), VI (irredutibilidade do salário), VIII (13º salário), XV (repouso semanal remunerado), XVII (férias anuais acrescidas de pelo menos um terço do salário), XVIII (licença de 120 dias à gestante), XIX (licença-paternidade), XXI (aviso prévio) e XXIV (aposentadoria).

O trabalhador doméstico não foi agraciado pelo constituinte, pelo menos não explicitamente, com os direitos sociais consagrados nos demais incisos do artigo antedito.

Na época dos trabalhos na Assembléia Constituinte a matéria gerou polêmica, discussões que visavam a plenitude da aplicação dos direitos conferidos aos trabalhadores em geral, outras que tinham por objetivo excluir qualquer menção ao doméstico no texto constitucional e algumas pretendendo que a previsão fosse genérica, relegando à lei infraconstitucional o papel de especificar, e quiçá, até promover total equiparação entre todos os trabalhadores (domésticos, rurais e urbanos).


3. Os princípios constitucionais

A igualdade desejada por todos, e a única que merece verdadeira defesa, não se limita ao campo meramente formal, devendo ser material, efetiva, surtindo efeitos práticos na vida das pessoas. Como inicialmente advertido, palavras podem ser ditas e escritas por qualquer um, mas relevante é a ação do ser humano para alcançar condição de vida digna e de qualidade. Impõe-se o que pode ser denominado de atitude positiva.

Os princípios constitucionais informam e fundamentam todo o ordenamento jurídico, iluminando-o, afirmando e preservando valores importantes para a vida em sociedade. Foram sendo historicamente construídos.

Nas palavras da Professora Carmem Lúcia Antunes Rocha [01]:

"Os princípios constitucionais são os conteúdos primários diretores do sistema jurídico-normativo fundamental de um Estado. Dotados de originalidade e superioridade material sobre todos os conteúdos que formam o ordenamento constitucional, os valores firmados pela sociedade são transformados pelo Direito em princípios. Adotados pelo constituinte, sedimentam-se nas normas, tornando-se, então, pilares que informam e conformam o Direito que rege as relações jurídicas do Estado. São eles, assim, as colunas mestras da grande construção do Direito, cujos fundamentos se afirmam no sistema constitucional [...]".

O princípio da igualdade é tratado pela Constituição como cláusula pétrea, enunciado em seu artigo 5º, assim: Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade [...].

Violam o princípio da igualdade, no sentido de tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na medida de suas desigualdades, quaisquer disposições discriminatórias, ainda que inseridas na própria Constituição, sem que sejam identificadas virtuais razões de ordem superior a justificar validamente a quebra do critério da paridade, em benefício da conservação de outros valores relevantes e essenciais à vida em sociedade, compatíveis com a dignidade da pessoa humana e com os fundamentos da República.

O Professor Celso Antônio Bandeira de Mello [02] leciona que:

"Rezam as constituições – e a brasileira estabelece no art. 5º, caput – que todos são iguais perante a lei. Entende-se, em concorde unanimidade, que o alcance do princípio não se restringe a nivelar os cidadãos diante da norma legal posta, mas que a própria lei não pode ser editada em desconformidade com a isonomia. O preceito magno da igualdade, como já tem sido assinalado, é norma voltada quer para o aplicador da lei quer para o próprio legislador. Deveras, não só perante a norma posta se nivelam os indivíduos, mas, a própria edição dela sujeita-se ao dever de dispensar tratamento equânime às pessoas".

A norma constitucional, ao especificar quais são os direitos reconhecidos ao trabalhador doméstico, considerada isoladamente, criou inadmissível discriminação, cometendo o pecado da particularização, para estabelecer diferenciações entre trabalhadores subordinados, levando-se em conta como critério distintivo tão-somente o fato de que os serviços prestados têm por destinatária atividade econômica não lucrativa, o que não se afigura como causa justa para a implantação de semelhante restrição, em afronta direta ao princípio da isonomia, guia do ordenamento jurídico brasileiro.


4. Inconstitucionalidade da Constituição?

Aos menos avisados talvez cause estranheza sustentar que haja inconstitucionalidade em normas da própria Carta da República, o que, em tese, geraria situação de incompatibilidade entre seus preceitos, mas tal circunstância é possível de ser caracterizada, mesmo que somente em casos excepcionais, como há muito tempo vem apontando parte da doutrina, mas certamente tratando-se de tema ainda por demais polêmico, longe de contar com a simpatia e a adesão da maioria dos estudiosos do direito constitucional. [03]

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Os princípios enunciados no início do texto constitucional devem servir de bússola para nortear a elaboração das demais regras jurídicas, constitucionais e infraconstitucionais, embasando-as e servindo como forma para sua correta interpretação e aplicação, como bem lembrado por Sérgio Pinto Martins. [04]

Contextualizada a discussão em face do princípio da igualdade, não é equivocado afirmar que a Constituição não poderia discriminar o trabalhador doméstico, para lhe assegurar menos direitos que aos demais trabalhadores, colidindo estas restrições com o escopo pretendido pela Constituição de não se estabelecer distinção legal de qualquer natureza.

Comunga de igual opinião o Professor José Cretella Junior [05]:

"O art. 7º, parágrafo único da Constituição de 5 de outubro de 1988, que estamos comentando, alterou os princípios que informam a nossa Oitava Constituição da República Federativa do Brasil, o da igualdade entre eles. Se ‘todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza’, o regime jurídico do trabalhador doméstico, advindo da relação empregatícia, é equiparado ao regime jurídico trabalhista dos demais empregados de fábricas, indústrias ou empresas[...]".

Expressiva parcela da doutrina ao propor realizar exame profundo acerca desta matéria, como se está vendo, chega à mesma conclusão, qual seja, que diante do sistema constitucional brasileiro, exsurge cristalino que o parágrafo único, do artigo 7º, da Constituição, fere o princípio da igualdade, haja vista que não se discute que, até por questão de coerência, deve se tratar a todos com paridade, não podendo prevalecer válida disposição que limita de forma discriminatória os direitos do trabalhador doméstico, o que indubitavelmente gera desarmonia no sistema jurídico.


5. Importância da estabilidade provisória da gestante

A estabilidade provisória, sob o enfoque do direito do trabalho, é instituto jurídico que visa assegurar ao trabalhador a manutenção do seu emprego durante determinado lapso de tempo, eliminando a possibilidade do exercício do direito potestativo de rescisão unilateral e imotivada do contrato de trabalho por mero ato de vontade do empregador.

O artigo 10, inciso II, alínea "b", do ADCT, protege o emprego da gestante desde a confirmação da gravidez até cinco meses depois do parto, contra dispensa sem justa causa ou arbitrária, tratando-se de uma modalidade de estabilidade provisória, ou, como preferem alguns, de período de garantia de emprego, conferindo-lhe tranqüilidade suficiente para concluir sem sobressaltos o período gestacional.

Violada esta garantia constitucional contra atos irregulares do empregador, a empregada gestante terá direito a ser reintegrada no emprego, ficando-lhe assegurados os salários e demais direitos trabalhistas e previdenciários do período de afastamento, inclusive o chamado salário-maternidade.

Não sendo possível dar cumprimento a obrigação de fazer, porque desaconselhável em virtude de fatores os mais variados possíveis, ou porque quando da decisão judicial o interregno já se esgotou, não fazendo mais sentido a reintegração, tudo se resolve em perdas e danos, fazendo jus a trabalhadora à percepção de todos os direitos relativos ao período de estabilidade provisória, como se rescisão contratual não tivesse ocorrido, a exemplo da contagem do tempo de serviço, salários, 13º salários, férias e depósitos do FGTS.

Entende-se que as regras jurídicas que regulam os direitos da trabalhadora gestante procuram alcançar duplo objetivo: 1º) garantir o trabalho da mulher, em razão de necessidade ditada pela incontestável segurança emocional e econômica que deve ser reconhecida e outorgada à trabalhadora durante a gestação; e 2º) assegurar o bem-estar do nascituro.

A trabalhadora doméstica encontra-se na mesma situação que qualquer outra trabalhadora quando se encontra grávida, não havendo motivo juridicamente aceitável para que se compreenda que não deva gozar das mesmas garantias concedidas pela Constituição às demais empregadas gestantes.

A rigor, a especialíssima proteção deve ser estendida à trabalhadora doméstica, através de correta e justa interpretação da norma jurídica e dos princípios informadores de todo o texto constitucional, causa não havendo para que se adotem restrições maléficas à maternidade e ao nascituro.


6. O equívoco da não aplicação do artigo 10, inciso II, alínea "b", do ADCT

O parágrafo único, do artigo 7º, da Constituição, expressamente, faz remissão ao inciso XVIII, estendendo à empregada doméstica o direito à licença-maternidade de 120 dias, ou seja, o afastamento remunerado do emprego, cuja obrigação pelo pagamento dos salários, em referido interregno, é da Previdência Social.

Entretanto, como referido dispositivo não inclui, de forma direta, entre os direitos da empregada doméstica o inciso I, que trata da garantia geral de emprego contra despedidas arbitrárias ou sem justa causa, tem-se entendido que a estabilidade provisória contemplada pelo artigo 10, inciso II, alínea "b", do ADCT, não se lhe aplica.

Penso que esse entendimento mostra equivocado, uma vez que esta ilação não resiste a uma interpretação sistemática e finalística das normas constitucionais, à luz de alguns princípios fundamentais, norteadores da Lei Fundamental, dentre eles o da igualdade, dignidade da pessoa humana e proteção à maternidade e à infância.

Reafirma-se que a proteção jurídica da gestante deve abranger todas as trabalhadoras que se encontrem em idêntica condição, sem exclusão de qualquer espécie de trabalho, vale dizer, devendo abarcar também a laborista doméstica.

Seria esdrúxulo conceber duas categorias de mulheres trabalhadoras, as que têm e as que não têm proteção ao emprego durante certo lapso temporal, e do mesmo modo, duas classes de mães, as que têm e as que não tem garantia jurídica que, iniludivelmente, como já abordado, vincula-se diretamente à maternidade e a proteção dos interesses da criança.

Interessante conhecer o posicionamento de Guilherme Augusto Caputo Bastos [06] e Sebastião Pinheiro Neto [07], sobre a questão em debate:

"[...] Os argumentos utilizados para negar estabilidade provisória à gestante doméstica, na interpretação isolada da norma contida no art. 7º, I, e parágrafo único, da CF, mostram-se equivocados. A boa hermenêutica jurídica nos ensina que, em primeiro lugar, deve se buscar a razão de ser do direito e de seus princípios, conjugando-os com a interpretação sistemática das normas que se mostram consentâneas com os institutos em estudo. Assim, data máxima vênia, daqueles que entendem divergentemente, pensamos que o reconhecimento da garantia no emprego da gestante doméstica, ao contrário do que possa parecer, encontra asilo dentro da própria Constituição Federal e está em consonância com os princípios protetivos do Direito do Trabalho".

Como se vê, o entendimento de que o texto constitucional em seu conjunto, adequadamente interpretado, contempla a estabilidade provisória da empregada gestante, já que não exclui expressamente esse direito, tem vários adeptos em doutrina.


7. Possibilidade de estender a empregada doméstica a estabilidade provisória no emprego

Não parece razoável entender que a condição de doméstica é causa que tenha o condão de eliminar a proteção da mãe e do nascituro, conferida pela Constituição para a empregada gestante em geral, quando o escopo da norma é dar àqueles alguma segurança material, durante algum tempo, amparando-os financeiramente deste a confirmação da gravidez até cinco meses após o parto.

O tema tem sensibilizado alguns magistrados e já é possível encontrar, embora, reconheça-se, de forma escassa, alguns julgados atribuindo igualdade de tratamento à empregada doméstica gestante, quanto à garantia provisória de emprego.

Há que se ter em mente que as garantias provisórias do artigo 10, do ADCT, foram concebidas como medidas paliativas e transitórias, até mesmo em face do local em que estão previstas, enquanto não for aprovada a lei complementar estabelecendo estabilidade geral a todos os trabalhadores, sendo esta a única razão pela qual fazem alusão ao inciso I do artigo 7º, da Constituição.

Não se vislumbra nesse dispositivo o propósito de excluir deliberadamente a gestante doméstica, ou seja, a garantia não se direciona exclusivamente às outras trabalhadoras gestantes, inadmitindo-se interpretação mais apurada e vanguardeira.

Dito em outros termos, a norma constitucional não exclui explicitamente a gestante doméstica dos raios de sua incidência, para conceder-lhe menos direitos que aqueles atribuídos as outras grávidas, notadamente porque objetivou assegurar o emprego à gestante, e ao mesmo tempo o bem-estar do nascituro, que para se realizar depende do bem-estar e da tranqüilidade da mãe.

É regra das mais conhecidas em hermenêutica que onde o legislador não distinguiu, não cabe ao intérprete fazê-lo, e com maior razão quando esta operação interpretativa pode levar à discriminação, o que feriria de morte o princípio da isonomia. Na falta de distinção expressa, não vislumbro maiores dificuldades em se aceitar a extensão da estabilidade provisória à empregada doméstica gestante.

O fato desta não ter direito à estabilidade genérica do artigo 7º, inciso I, da Constituição, o que é discutível diante das premissas eleitas nesse trabalho, não significa que não pode obter a garantia provisória concedida às demais empregadas gestantes.

Parece ser inquestionável que adotar outra interpretação seria violentar a promessa constitucional de que um dos objetivos da República Federativa do Brasil é a instituição de um estado democrático de direito, que tenha o compromisso de garantir o pleno exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar de todos, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça, dentre outros.

A afirmação de que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, possui efeitos amplíssimos, demonstrando a nítida preocupação do legislador constituinte em eliminar interpretações equivocadas, que possam excluir de sua ação parcelas da coletividade, mas, pelo contrário, evidencia o desejo de que todas as normas jurídicas, e a própria Constituição, não instituam mecanismos espúrios que almejem vulnerar o princípio elegido como fundamental à dignidade da pessoa humana e às suas relações na sociedade.

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Sobre o autor
Mauro Vasni Paroski

Juiz titular da 7a. Vara do Trabalho de Londrina - PR. Especialista e Mestre em Direito pela Universidade Estadual de Londrina - PR. Doutorando em Direitos Sociais na Universidad de Castilla-La Mancha - ESPANHA.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PAROSKI, Mauro Vasni. A empregada doméstica e a garantia provisória de emprego da gestante. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 1195, 9 out. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/9027. Acesso em: 16 abr. 2024.

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