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Decretação ex-officio da prescrição intercorrente:

prevalência da segurança jurídica

18/08/2006 às 00:00
Leia nesta página:

            Na dicção do art. 40 da Lei nº 6.830, "O juiz suspenderá o curso da execução, enquanto não for localizado o devedor ou encontrados bens sobre os quais possa recair a penhora, e, nesses casos, não correrá o prazo prescricional." Já o seu § 4º, na redação que lhe conferiu a Lei nº 11.051/04, dispõe que "Se da decisão que ordenar o arquivamento tiver decorrido o prazo prescricional, o juiz, depois de ouvida a Fazenda Pública, poderá, de ofício, reconhecer a prescrição intercorrente e decretá-la de imediato".

            Do cotejo de tais normas infere-se que, decorrido prazo superior a cinco anos (art. 174, do CTN) sem impulsionamento da execução pelo credor, impõe-se a decretação da prescrição intercorrente, independentemente de requerimento da parte interessada, "com a única condição de ser previamente ouvida a Fazenda Pública, permitindo-lhe argüir eventuais causas suspensivas ou interruptivas do prazo prescricional" (STJ, 1ª Turma, REsp 810.863/RS, rel. Min. Teori A. Zavascki, DJ 20.03.2006, p. 220).

            Conquanto a execução exista em proveito do credor para a satisfação de seu crédito, não lhe é dado onerar excessivamente o devedor nem o próprio Judiciário com sua inércia, incumbindo-lhe a prática de atos propulsores da marcha processual.

            A manutenção de uma execução ativa por prazo indeterminado, sem perspectiva de ultimação produtiva, implica não só o prolongamento infinitivo da responsabilidade patrimonial do devedor (art. 591 do CPC) como também um custo administrativo elevado, que não pode ser suportado pela máquina judiciária, sob pena de grave violação ao princípio da razoabilidade.

            O processo executivo não está vocacionado a operar no vácuo imposto por motivos alheios à atividade jurisdicional.

            Paralisada a execução por mais de cinco anos, sem promoção da parte interessada, é impositivo o reconhecimento da prescrição , ante a necessidade de estabilizar-se o conflito por imperativo de segurança jurídica. "A prescrição , tornando o crédito inexigível, faz exsurgir, por força de sua intercorrência no processo, a falta de interesse processual superveniente, matéria conhecível pelo Juiz, a qualquer tempo, à luz do § 3º do art. 267 do CPC." (STJ, 1ª Turma, AgRg no REsp nº 677.000/RS, rel. Min. Luiz Fux, j. 14.06.2005, DJ 27.06.2005, p. 254).

            A prescrição intercorrente só não se consumará se o credor não der causa à paralisação do feito.

            Nesse sentido, aliás, o enunciado da súmula nº 314 do Superior Tribunal de Justiça: "Em execução fiscal, não localizados bens penhoráveis, suspende-se o processo por um ano, findo o qual se inicia o prazo da prescrição qüinqüenal intercorrente."

            Quanto a esse aspecto, é relevante notar que a novel legislação não traz em si disciplina inovadora em termos de prazo ou hipótese de incidência de prescrição - questões que, por certo, exigiriam a edição de lei complementar (art. 146, inciso III, b, da Constituição Federal) -; apenas estabelece a possibilidade de ser decretada de ofício (norma de índole processual), daí decorrendo sua incidência imediata nos processos em curso.

            Não há, portanto, vício de inconstitucionalidade a inquinar a validade da norma.

            Ademais, o interesse processual, como condição da ação, deve estar presente não só no momento de seu ajuizamento como também ao longo de todo processo, a fim de justificar a prestação jurisdicional (necessidade, utilidade e adequação).

            A execução move-se no interesse do credor; assim, verificada sua inércia por mais de cinco anos - prazo prescricional em que a lei determina a extinção do crédito tributário -, é de ser reconhecida a prescrição como causa ensejadora da extinção do feito, por imperativo de segurança jurídica.

            O argumento de que a faculdade de reconhecer de ofício a prescrição intercorrente outorgada ao juiz fere os princípios da proporcionalidade/razoabilidade e da isonomia não se sustenta, porque é clara a opção do legislador no sentido de abreviar a solução dos litígios em homenagem ao princípio da segurança jurídica, sendo, ademais, atentatória à proporcionalidade/razoabilidade a oneração da máquina judiciária com a manutenção de demandas que não têm a potencialidade de alcançar sua finalidade precípua.

            Se a ação executiva é mantida suspensa/arquivada por mais de cinco anos em razão da não localização do devedor ou de bem passível de penhora, é, no mínimo, questionável a assertiva de que há desproporcionalidade entre o fim que se busca atingir e o meio empregado, vez que, com tal medida, os créditos tributários constituídos e em fase de execução que poderiam gerar receita serão simplesmente arquivados ou melhor, extintos.

            Importa notar que a execução fiscal já é em si um procedimento diferenciado, regrado por normas especiais em favor do Fisco.

            Logo, não aproveita a defesa fazendária a alegação de que a norma prevista no art. 40, § 4º, viola o princípio da isonomia, tendo sido assegurada ao credor a oportunidade de manifestar-se previamente à decisão judicial.

            Em se tratando de crédito da Fazenda Pública, não se aplica a norma do art. 194 do Código Civil, devendo ser observada a legislação específica.

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            A par disto, recente modificação legislativa introduzida no Código de Processo Civil concedeu ao juiz a prerrogativa de pronunciar, de ofício, a prescrição , seja qual for a natureza do direito envolvido na lide (art. 219, § 5º, na redação dada pela Lei nº 11.290).

            Esse dispositivo traz em seu bojo os contornos da segurança jurídica, tendo em vista que nosso Ordenamento Jurídico não alberga nenhuma ação judicial perpétua.

            Em sendo assim, à possibilidade do reconhecimento ex officio da prescrição, em se tratando de direitos patrimoniais, cumpre assinalar que a sua finalidade primeira é a paz social, ou seja, existindo conflito, este não pode durar por tempo indeterminado, devendo ser estabelecido prazo para que o titular do pólo ativo da relação jurídica possa ajuizar ação para exigir do devedor o cumprimento da obrigação, com vistas à estabilidade do conflito.

            Logo, não pode o devedor ficar, por prazo infinito, sujeito à cobrança do débito pelo Fisco, ainda mais quando este não praticar atos no sentido de localizá-lo, bem como não se mostra razoável que o processo continue arquivado, por vários anos, aguardando que o devedor, que sequer foi citado, venha aos autos alegar a ocorrência da prescrição intercorrente.

            Portanto, entendemos que nesses casos, onde a tendência é o processo ficar arquivado por anos e anos, aguardando o devedor pleitear a prescrição intercorrente, a mesma pode e deve ser declarada de ofício.

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Sobre o autor
Pedro Melchior de Melo Barros

advogado em Recife (PE), membro do escritório Ivo Barboza Advogados Associados

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BARROS, Pedro Melchior Melo. Decretação ex-officio da prescrição intercorrente:: prevalência da segurança jurídica. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 1143, 18 ago. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/8807. Acesso em: 29 mar. 2024.

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