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Ocupação irregular do solo urbano:

o papel da legislação federal

24/08/2006 às 00:00
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I – Introdução

            O parcelamento do solo constitui o instituto jurídico pelo qual se realiza a primeira e mais importante etapa de construção do tecido urbano, que é a da urbanização. Nessa etapa, define-se o desenho urbano, constituído pela localização das áreas públicas destinadas a praças, equipamentos urbanos e comunitários, traçado do sistema viário e configuração dos lotes. Os lotes definem a localização precisa das edificações que serão sobre eles construídas, nos termos fixados pelo plano diretor. Assim sendo, uma boa gestão do parcelamento do solo é condição indispensável para que a cidade tenha um crescimento harmônico, que respeite o meio ambiente e propicie qualidade de vida para os moradores.

            Entretanto, a maior parte do território urbano do País tem sido constituído mediante parcelamento irregular do solo. São os chamados "loteamentos clandestinos", empreendimentos realizados à margem da legislação urbanística, ambiental, civil, penal e registrária, em que se abrem ruas e demarcam lotes sem qualquer controle do Poder Público. Estes são em seguida alienados a terceiros, que rapidamente iniciam a construção de suas casas. Os assentamentos assim constituídos não obedecem a qualquer planejamento urbanístico e são totalmente carentes de infra-estrutura.

            Os loteamentos clandestinos podem ser promovidos tanto pelos proprietários do terreno quanto por terceiros. No primeiro caso, busca-se escapar dos procedimentos e ônus contidos nas leis federais, estaduais e municipais, tais como destinação de áreas públicas e realização de obras de infra-estrutura. No segundo, trata-se da chamada "grilagem" de terras, em que pessoas inescrupulosas vendem terrenos alheios como se lhes pertencessem.

            Nem sempre é imediata a identificação da grilagem de terras. Em virtude da fragilidade do sistema de registros de imóveis, muitas vezes apresentam-se mais de uma pessoa com títulos de propriedade sobre o mesmo terreno. É comum também a existência de títulos com descrições vagas do imóvel, que não permitem sua precisa delimitação.

            Independentemente desses aspectos civis, os moradores de loteamentos clandestinos não são proprietários de seus terrenos, mesmo quando o loteador é o proprietário da gleba original. Isso ocorre porque a regularidade urbanística do empreendimento é sempre uma condição para seu registro em cartório, momento em que são individualizados os lotes, mediante abertura das respectivas matrículas. Antes do registro, os lotes ainda não existem juridicamente e portanto não constituem objeto suscetível de ser alienado.

            Ao lado dos loteamentos clandestinos, também constituem parcelamento irregular do solo os assentamentos informais criados diretamente pelos moradores. Estes podem ter origem em ocupações individuais, que se agregam ao longo do tempo, ou coletivas, organizadas por movimentos sociais. Nesses casos, comumente denominados "favelas", não há um empreendedor que venda os terrenos, nem prestações a serem pagas.

            Dentre outros transtornos causados pela ocupação irregular do solo urbano, destacam-se os seguintes: desarticulação do sistema viário, dificultando o acesso de ônibus, ambulâncias, viaturas policiais e caminhões de coleta de lixo; formação de bairros sujeitos a erosão e alagamentos, assoreamento dos rios, lagos e mares; ausência de espaços públicos para implantação de equipamentos de saúde, educação, lazer e segurança; comprometimento dos mananciais de abastecimento de água e do lençol freático; ligações clandestinas de energia elétrica, resultando em riscos de acidentes e incêndios; expansão horizontal excessiva da malha urbana, ocasionando elevados ônus para o orçamento público.

            A ocupação irregular do solo está na origem, portanto, dos principais problemas urbanos, em áreas tão variadas quanto segurança, saúde, transportes, meio ambiente, defesa civil e provisão de serviços públicos. Esses problemas não afetam apenas a população neles residente, mas estendem-se para toda a população, seja pela ampliação desnecessária dos custos de urbanização, seja pelas externalidades negativas decorrentes de fenômenos como a contaminação e o assoreamento dos recursos hídricos e a disseminação de doenças contagiosas.

            A ocupação ilegal do solo urbano é uma forma de obtenção de renda utilizada por pessoas de todas as classes sociais. Ao lado dos ocupantes que efetivamente "sem teto", estão pessoas que pagavam aluguel, que moravam com parentes ou mesmo que já tinham uma moradia, mas querem simplesmente ampliar seu patrimônio. Muitos lotes são ocupados, desde a origem, apenas por prepostos de grileiros, que os pagam para exercer a posse em seu nome. Outros são ocupados originalmente por alguém que logo os aluga a terceiros. De fato, também nas favelas grande parte dos moradores paga aluguel.

            Mesmo quando compram terrenos de um empreendedor, a maioria dos moradores de assentamentos informais tem consciência de sua ilegalidade e das carências de infra-estrutura. Essa condição é aceita em função dos preços mais baixos. Ocorre que os terrenos sofrem uma valorização extraordinária durante a urbanização e regularização do assentamento. À medida que os terrenos se valorizam, grande parte dos moradores originais os vendem para pessoas de renda mais alta e buscam novos assentamentos informais em que possam reiniciar o processo.

            Não se trata apenas de um passivo a ser coberto por investimentos em urbanização e regularização fundiária. Tampouco se pode atribuir a irregularidade urbana exclusivamente à pobreza da população e à falta de uma política habitacional. Nenhuma política voltada para os atuais assentamentos atingirá seus objetivos enquanto não for implementado um conjunto de medidas voltadas para impedir o surgimento de novos assentamentos clandestinos.


II – Propostas Legislativas para o Controle do Parcelamento Irregular do Solo Urbano

            1 Introdução da pena de perda do bem irregularmente loteado

            O parcelamento do solo realizado clandestinamente é tipificado pela Lei n° 6.766, de 1979, como crime contra a Administração Pública:

            Art. 50 - Constitui crime contra a Administração Pública:

            I - dar início, de qualquer modo, ou efetuar loteamento ou desmembramento do solo para fins urbanos sem autorização do órgão público competente, ou em desacordo com as disposições desta Lei ou das normas pertinentes do Distrito Federal, Estados e Municípios;

            II - dar início, de qualquer modo, ou efetuar loteamento ou desmembramento do solo para fins urbanos sem observância das determinações constantes do ato administrativo de licença;

            III - fazer, ou veicular em proposta, contrato, prospecto ou comunicação ao público ou a interessados, afirmação falsa sobre a legalidade de loteamento ou desmembramento do solo para fins urbanos, ou ocultar fraudulentamente fato a ele relativo.

            Pena: Reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa de 5 (cinco) a 50 (cinqüenta) vezes o maior salário mínimo vigente no País.

            Parágrafo único. O crime definido neste artigo é qualificado, se cometido:

            I - por meio de venda, promessa de venda, reserva de lote ou quaisquer outros instrumentos que manifestem a intenção de vender lote em loteamento ou desmembramento não registrado no Registro de Imóveis competente;

            II - com inexistência de título legítimo de propriedade do imóvel loteado ou desmembrado, ressalvado o disposto no art. 18, §§ 4º e 5º, desta Lei, ou com omissão fraudulenta de fato a ele relativo, se o fato não constituir crime mais grave. (NR) (Redação dada pela Lei nº 9.785, 29/01/99)

            Pena: Reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos, e multa de 10 (dez) a 100 (cem) vezes o maior salário mínimo vigente no País.

            Art. 51 - Quem, de qualquer modo, concorra para a prática dos crimes previstos no artigo anterior desta Lei incide nas penas a estes cominadas, considerados em especial os atos praticados na qualidade de mandatário de loteador, diretor ou gerente de sociedade.

            Parágrafo único. (VETADO) (Incluído pela Lei nº 9.785, 29/01/99)

            Art. 52 - Registrar loteamento ou desmembramento não aprovado pelos órgãos competentes, registrar o compromisso de compra e venda, a cessão ou promessa de cessão de direitos, ou efetuar registro de contrato de venda de loteamento ou desmembramento não registrado.

            Pena: Detenção, de 1 (um) a 2 (dois) anos, e multa de 5 (cinco) a 50 (cinqüenta) vezes o maior salário mínimo vigente no País, sem prejuízo das sanções administrativas cabíveis.

            Entretanto, a Lei n° 9.099, de 1995, que instituiu os juizados especiais cíveis e criminais, previu a suspensão do processo nos crimes cominados com pena mínima de até um ano de prisão (art. 89). A suspensão dura de dois a quatro anos, após os quais é extinta a punibilidade do acusado. Durante esse período, ele deverá apresentar bom comportamento e reparar o dano causado, salvo motivo justificado.

            Além disso, a Lei n° 9.714, de 1998, determinou a substituição das penas privativas de liberdade pelas restritivas de direitos – mais conhecidas como "penas alternativas" – nos crimes apenados com prisão não superior a quatro anos.

            Em decorrência dessas mudanças no direito penal, adotou-se como prática, nos crimes de loteamento clandestino, a substituição da pena privativa de liberdade por uma pena alternativa. Ocorre que, ante o desaparelhamento do poder público para a fiscalização do cumprimento dessas penas, generalizou-se entre os juízes a condenação do infrator a distribuir cestas básicas à população carente. Como resultado, o que se tem verificado é que a capacidade dissuasória da criminalização do loteamento clandestino foi bastante reduzida.

            Uma providência importante para restabelecer o poder dissuasório da sanção penal seria a introdução da pena de perdimento do bem ilegalmente loteado como alternativa à prisão do empreendedor. Tal pena tem fundamento constitucional no art. 5º, XLVI, da Constituição:

            Art. 5º, XLVI – a lei regulará a individualização da pena e adotará, entre outras, as seguintes:

            a) privação ou restrição da liberdade;

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            b) perda de bens;

            c) multa;

            d) prestação social alternativa;

            e) suspensão ou interdição de direitos.

            A perda do bem certamente teria um forte poder dissuasório, uma vez que incidiria diretamente sobre os incentivos econômicos da atividade criminosa. Além disso, contribuiria para viabilizar a própria regularização do assentamento, dispensando o Poder Público da necessidade de desapropriar a gleba.

            Naturalmente, a perda do bem só seria aplicada na hipótese de empreendimento feito pelo proprietário do terreno, não se aplicando aos casos de grilagem. Esta está atualmente enquadrada na modalidade qualificada do crime, prevista no parágrafo único, II, do art. 50, apenada com um a cinco anos de reclusão. Sendo a pena máxima superior a quatro anos, não há possibilidade de substituição por penas alternativas, mas sendo a pena mínima de um ano, pode haver a suspensão condicional do processo. A fim de que também esta alternativa seja excluída, sugere-se a elevação da pena mínima do crime qualificado para dois anos de reclusão.


2 Vedação do Acesso às Redes de Infra-Estrutura

            Um assentamento em área urbana não se consolida se não conseguir acesso a água e energia elétrica. Assim sendo, as primeiras providências de seu promotores são perfurar poços e fazer ligações clandestinas às redes de energia elétrica. Muitas vezes, os poços contaminam ou esgotam as águas subterrâneas, prejudicando o abastecimento futuro do assentamento e das áreas próximas. Já as ligações não apenas causam graves prejuízos para as empresas concessionárias, mas oneram a toda a população, uma vez que acarretam aumento das tarifas e apresentam riscos de acidentes.

            Não são raros os casos de pessoas eletrocutadas e de incêndios provocados por ligações elétricas clandestinas.

            Muitas vezes, as empresas concessionárias preferem oficializar a combater as ligações clandestinas. No caso do saneamento, é comum que se faça a ligação de água, mas não a de esgotamento, o que cria o chamado "esgoto a céu aberto", uma das principais fontes de transmissão de doenças. Ocorre que o fornecimento oficial de água e energia elétrica consolida irreversivelmente o assentamento e até contribui para sua expansão, uma vez que viabiliza a implantação de novas ligações clandestinas a partir das oficiais. As ligações oficiais em assentamentos ilegais representam, em última instância, o próprio Poder Público contribuindo para o desenvolvimento urbano desordenado.

            O mais grave é que muitos desses assentamentos localizam-se em áreas de risco ou de preservação ambiental e não podem ser regularizados. São comuns, em todo o país, os assentamentos em áreas de proteção de mananciais, encostas sujeitas a desmoronamentos e várzeas alagáveis realizados clandestinamente, mas totalmente eletrificados.

            Não há uma regra clara quanto à possibilidade ou não de ligação dos assentamentos ilegais às redes de energia elétrica, água, esgoto e telecomunicações. Na verdade, o Poder Público têm até estimulado a consolidação de loteamentos clandestinos, ao estabelecer para as concessionárias obrigações de atendimento a qualquer usuário e de universalização do acesso aos serviços. Tais ligações, no entanto, são atualmente o principal fator de estímulo à expansão irregular do tecido urbano.

            Não se pode admitir, portanto, que as redes de infra-estrutura urbana sejam implantadas à margem da legislação urbanística. A rigor, o objetivo maior do loteamento é exatamente o controle pelo Poder Público do desenho urbano. Implantar a infra-estrutura antes de aprovar o projeto urbanístico do assentamento é subverter completamente o direito urbanístico, tornando inócua qualquer política de planejamento urbano. Não seria exagero dizer que as empresas distribuidoras de energia elétrica são as principais loteadoras clandestinas do país.

            As ligações oficiais dos assentamentos às redes públicas de infra-estrutura só deverão ser realizadas em assentamentos regulares ou em vias de regularização. Somente após a decisão do Poder Público de regularizar o assentamento, fundamentada em estudo técnico urbanístico realizado por profissional habilitado, poderá uma concessionária de serviço público realizar ligações oficiais para abastecimento de água e energia elétrica.

            O controle do acesso à energia elétrica é a maneira mais eficaz de contenção dos loteamentos clandestinos. Abrir ruas e vender lotes é fácil, mas pouquíssimas pessoas estariam dispostas a comprar esses lotes e neles residir se não fosse pela expectativa de que eles estivessem logo dotados de água e energia elétrica.

            Controlar a distribuição de energia elétrica é muito mais simples que controlar o acesso à água ou fiscalizar o uso do solo. Enquanto as redes de energia são monitoradas à distância, por métodos automatizados, o controle do uso do solo demanda a presença de fiscais e de equipamentos nem sempre disponíveis aos Municípios. Já a água pode ser captada diretamente por poços ou distribuída por carros-pipa. Além disso, as distribuidoras de energia são poucas e podem ser facilmente fiscalizadas pela Agência reguladora. Destaque-se, ainda, que, por ser uma concessão federal, a distribuição de energia elétrica está protegida contra as pressões políticas locais. O próprio ato físico de eliminar os "gatos" da rede de energia é muito menos custoso politicamente que a derrubada de barracos ou casas de alvenaria.

            É importante que a legislação que trata da ANEEL (Agência Nacional de Energia Elétrica) seja alterada, para que vedar às concessionárias de distribuição a ligação oficial de assentamentos ilegais e a tolerância às ligações clandestinas. As fórmulas de cálculo das tarifas também deverão ser analisadas, a fim de impedir que os prejuízos decorrentes das ligações clandestinas sejam repartidos com o conjunto da população.


3 Caracterização como Improbidade Administrativa da Omissão das Autoridades Municipais na Fiscalização do Uso do Solo

            Como desrespeito à legislação urbanística que é, o loteamento clandestino constitui, evidentemente, ilícito administrativo, sujeito às sanções previstas na legislação de cada Município. Dentre estas, destacam-se as de multa, embargo e demolição, tradicionais em nosso direito administrativo.

            Raros são os Municípios, no entanto, que fiscalizam adequadamente o uso do solo. Quando ocorre a fiscalização, há grande dificuldade em fazer valer o poder de polícia. As notificações de infração são solenemente desconsideradas pelos infratores.

            Uma das principais causas da fragilidade do poder de polícia municipal é a omissão das autoridades, que muitas vezes são pressionadas por políticos locais, articulados com os empreendedores ou apenas desejosos de constituir um eleitorado junto aos ocupantes dos terrenos.

            A omissão das autoridades na fiscalização do uso do solo deve ser caracterizada explicitamente como uma hipótese de improbidade administrativa, o que permitiria a punição dos administradores coniventes com os loteamentos clandestinos, cuja conduta é tão ou mais grave que a dos próprios empreendedores.


4 Atribuição às Guardas Municipais de Competência para Exercer o Poder de Polícia no Campo Urbanístico

            Há uma lacuna institucional no que diz respeito ao exercício do poder de polícia urbanística. O Município é o ente da federação responsável pelo controle do uso do solo (art. 30, VIII da Constituição), mas não é clara a competência da guarda municipal para a repressão às infrações urbanísticas.

            As medidas administrativas de embargo e demolição de obras, que são aquelas mais eficazes e imediatas, têm sido executadas com apoio das Polícias Militares. Essas, entretanto, são estaduais e não consideram tais ações prioritárias, preocupadas que estão com a criminalidade em geral.

            Segundo a Constituição Federal, "os Municípios poderão constituir guardas municipais destinadas à proteção dos seus bens, serviços e instalações, conforme dispuser a lei" (art. 144, § 8º). Esta redação não impede a atribuição às guardas municipais, de competência para atuarem no exercício do poder de polícia municipal, o que deve ser feito pela edição de uma lei federal, caracterizando a fiscalização do uso do solo como um serviço municipal, para cuja proteção pode ser utilizada a guarda municipal.

            Vale citar as palavras de Raphael Augusto Sofiati de Queiroz, assessor jurídico da Guarda Municipal do Rio de Janeiro: "o poder de polícia urbanística é o exercício indispensável à consecução das normas imperativas do Plano Diretor. E não há dúvidas de que é a Guarda Municipal quem exerce o Poder de Polícia Urbanística" (Direito Público e Segurança Pública. Editora Lumen Juris, 2001, Rio de Janeiro, p. 27).

            Tal medida não apenas desoneraria as Polícias Militares, que já estão sobrecarregadas com suas atribuições ordinárias, mas sobretudo permitiria aos Municípios terem maior agilidade na sua atuação fiscalizadora.


5 Positivação do Princípio da Auto-executoriedade dos Atos Administrativos

            Outro grave obstáculo ao controle do uso do solo consiste na não aplicação pelos tribunais do princípio da auto-executoriedade dos atos administrativos, segundo o qual estes independem de autorização judicial para serem executados.

            Nas palavras de Hely Lopes Meirelles, "nenhuma procedência tem a objeção de que a ação sumária da Administração Pública pode lesar o indivíduo, na sua liberdade ou no seu patrimônio. Exigir-se prévia autorização do Poder Judiciário equivale a negar-se o próprio poder de polícia administrativa, cujo ato tem de ser direto e imediato, sem as delongas e complicações de um processo judiciário prévio" (Direito Municipal Brasileiro, 6ª edição, Malheiros, 1993).

            Embora universalmente aceito pela doutrina, tal princípio é freqüentemente ignorado pelo Poder Judiciário, o que resulta na concessão de liminares contra o Poder Público, quando este age diretamente na repressão dos ilícitos urbanísticos. Além disso, as Polícias Militares recusam-se a obedecer diretamente ao Município, exigindo ordem judicial para a realização dos atos de embargo e demolição.

            Na prática, raros são os Municípios que dispõem de uma Procuradoria própria para o acionamento do Poder Judiciário. A maioria meramente comunica a existência do ilícito ao Ministério Público, para que este promova a Ação Civil Pública. Com isso, sobrecarrega-se a Justiça e perde-se um tempo precioso, durante o qual o assentamento se consolida.

            Sugere-se a positivação em lei federal do princípio da auto-executoriedade dos atos administrativos, pelo menos na esfera urbanística, medida que reduziria a demanda sobre o Poder Judiciário e o Ministério Público e permitiria uma atuação imediata das Prefeituras desde os primeiros atos de ocupação irregular do solo.


III – Conclusão

            O parcelamento irregular do solo está na raiz dos principais problemas urbanos brasileiros. Embora a responsabilidade direta pela fiscalização do uso do solo seja dos Municípios, o Congresso Nacional tem um amplo espectro de ações à sua disposição para aperfeiçoar as instituições existentes. As medidas ora propostas visam contribuir para esse objetivo, corrigindo ambigüidades, preenchendo lacunas e racionalizando a atuação dos órgãos públicos.

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Sobre o autor
Victor Carvalho Pinto

consultor legislativo do Senado Federal

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PINTO, Victor Carvalho. Ocupação irregular do solo urbano:: o papel da legislação federal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 1149, 24 ago. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/8781. Acesso em: 16 abr. 2024.

Mais informações

Texto originalmente publicado no site da Consultoria Jurídica do Senado (<a href="http://www.senado.gov.br/conleg/">http://www.senado.gov.br/conleg/</a>).

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