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O amicus curiae no Direito Processual brasileiro

12/05/2005 às 00:00
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            Oriundo do direito norte-americano, o "Amicus Curiae" (amigo da corte) é um instituto de matriz democrática, uma vez que permite que terceiros passem a integrar a demanda, para discutir objetivamente teses jurídicas que vão afetar a sociedade como um todo, incluindo-se, dessa forma, quando admitidos, nos limites subjetivos da coisa julgada.

            Referido instituto está previsto na legislação brasileira desde 1976, mais precisamente no art. 31, da Lei 6.385/76, que trata da Comissão de Valores Mobiliários. O art. 31 da citada Lei dispõe:

            "Nos processos judiciais que tenham por objetivo matéria incluída na competência da Comissão de Valores Mobiliários, será esta sempre intimada para, querendo, oferecer ou prestar esclarecimentos, no prazo de 15 (quinze) dias a contar da intimação".

            §1º - A intimação far-se-á, logo após a contestação, por mandado ou por carta com aviso de recebimento, conforme a Comissão tenha, ou não, sede ou representação na comarca em que tenha sido proposta a ação.

            §2º - Se a Comissão oferecer parecer ou prestar esclarecimentos, será intimada de todos os atos processuais subseqüentes pelo jornal oficial que publica expediente forense ou por carta com aviso de recebimento, nos termos do parágrafo anterior.

            §3º - À Comissão é atribuída legitimidade para interpor recursos, quando as partes não o fizerem.

            §4º - O prazo para os efeitos do parágrafo anterior começará a correr, independentemente de nova intimação, no dia imediato àquele em que findar o das partes."".

            Conforme se extrai do texto legal, cabe à Comissão de Valores Mobiliários (CVM) em processos judiciais de caráter individual, nos quais devessem ser apreciadas questões envolvendo direito empresarial sujeitas, no âmbito administrativo, à sua competência fiscalizadora, intervir como "Amicus Curiae".

            A Lei 8.884/94, que transformou o CADE (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) em Autarquia Federal, em seu art. 89, também prevê a atuação do "Amicus Curiae", senão vejamos:

            "Art. 89 – Nos processos judiciais em que se discuta a aplicação desta Lei, o CADE deverá ser intimado para, querendo, intervir no feito na qualidade de assistente".

            Encontramos, com mais visibilidade, a atuação do amigo da corte nas ações de controle abstrato de inconstitucionalidade (ADIN) e de constitucionalidade (ADECON), com embasamento constitucional e regulamentadas pela Lei 9.868/99, pois, esta Lei, em seu art. 7º "caput", expressamente veda a intervenção de terceiros no processo que regulamenta, porém, no §2º do mesmo, admite que, o Relator, considerando a relevância da matéria e a representatividade dos postulantes, poderá, por despacho irrecorrível, admitir, a manifestação de outros órgãos ou entidades.

            A Lei 9.882/99, que regulamente o procedimento para Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF), em seu art. 6º, § 1º, também prevê a participação do amigo da corte, pois assim reza:

            "§1º - Se entender necessário, poderá o relator ouvir as partes nos processos que ensejaram a argüição, requisitar informações adicionais, designar perito ou comissão de peritos para que emita parecer sobre a questão, ou, ainda, fixar data para declarações, em audiência pública, de pessoas com experiência e autoridade na matéria".(grifo nosso).

            A admissão do "Amicus Curiae" no processo que visa o controle de concentrado de constitucionalidade por via de ação qualifica-se, de certa forma, como fator de legitimação social extraordinária, viabilizando, em prol dos preceitos democráticos, a participação de entidades e instituições que representem de forma efetiva os interesses difusos e coletivos da sociedade e que expressem os valores essenciais e relevantes de classes e grupos.

            Feitas estas considerações, podemos concluir que, a natureza jurídica do "Amicus Curiae" não se enquadra em uma típica intervenção de terceiros, pois, em certa dose, atua como um sujeito desinteressado na decisão final do processo.

            O Professor Fredie Souza Didier Júnior entende que a figura do "Amicus Curiae" nada mais é do que um perito em matéria de direito, ou seja, um auxiliar do juízo.

            Para o Professor Guilherme Penha de Morais, o "Amicus Curiae", mais particularmente na ADIN (Ação Direita de Inconstitucionalidade) e na ADECON (Ação Declaratória de Constitucionalidade), não é modalidade de intervenção de terceiros, pelo disposto no "caput" do art. 7º da Lei que regulamenta tais ações. Para ele, seria uma forma de PARTICIPAÇÃO DA SOCIEDADE NA JURISDIÇÃO CONSTITUCIONAL.

            O Supremo Tribunal Federal considera o "Amicus Curiae" como apto a democratizar a discussão sobre relevante matéria constitucional, pois visa ampliar o debate das questões suscitadas.

            A maioria da doutrina diz ser uma nova modalidade de intervenção de terceiros, sustentando isso os autores (o Ministro Milton Luis Pereira do Superior Tribunal de Justiça e o professor Lênio Luís Streck).

            O Código de Processo Civil, no art. 482. §3º, quando trata do incidente de inconstitucionalidade, prevê a intervenção do "Amicus Curiae", para defender interesse institucional.

            Na Lei 10.259/01, que dispõe sobre os Juizados Especiais no âmbito da Justiça comum Federal, admite o "Amicus Curiae" na seguinte hipótese: quando há recurso dirigido para a Turma Recursal e, no transcorrer do trâmite recursal houver PEDIDO DE UNIFORMIZAÇÃO no caso de haver divergência entre as turmas, o pedido, que se assemelha aos embargos de divergência, é dirigido à Reunião Conjunta das Turmas em Conflito que dirimirá tal questão. Se o conflito cingir-se entre turmas de diferentes regiões da Justiça comum Federal, o pedido será decidido por membros de turmas diversas das quais há divergência e será presidida pelo Organizador da Justiça Federal (Turma de Uniformização Nacional). Neste incidente, poderá o Presidente solicitar a participação do "amigo da corte".

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            Ressalte-se que, para o ex-Ministro do Superior Tribunal de Justiça e professor Athos Gusmão Carneiro, a natureza jurídica do "Amicus Curiae" é de assistência.

            Concluindo, o "Amicus Curiae" trata-se de um instituto que exerce uma tarefa elementar no direito processual, tenha ou não o caráter de assistência, pois visa auxiliar a Corte Suprema e nos casos acima descritos, proporcionando à sociedade representatividade nas principais questões onde há eminente interesse difuso e coletivo.


Bibliografia:

            Direito Constitucional, Alexandre de Moraes, décima terceira edição, Editora Atlas;

            O Controle de Constitucionalidade no Direito Brasileiro, Luís Roberto Barroso, Editora Saraiva;

            Lições de Direito Processual Civil, Vol. I, Alexandre Freitas Câmara, 11ª Edição, Editora Lúmen Jures;

            Instituições de Direito Processual Civil, Vol. II, Cândido Rangel Dinamarco, Editora Malheiros Editores;

            Intervenção de Terceiros, Athos Gusmão Carneiro, 15ª Edição, Editora Saraiva;

            Intervenção de Terceiros, Cândido Rangel Dinamarco, 3ª Edição, Editora Malheiros Editores;

            A intervenção de terceiros no Processo Civil Brasileiro, Daniel Ustárros, Editora Livraria do Advogado.

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Sobre o autor
Rodrigo Murad do Prado

advogado, pós-graduando em Direito Privado

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PRADO, Rodrigo Murad. O amicus curiae no Direito Processual brasileiro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 676, 12 mai. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/6717. Acesso em: 19 mar. 2024.

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