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A arbitragem na solução de conflitos decorrentes de contratos nacionais e internacionais de consumo

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15/04/2005 às 00:00
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Nosso estudo visa apontar o que vem sendo feito no Brasil e na Comunidade Européia para a implementação deste meio de resolução de disputas no âmbito dos conflitos de consumo, inclusive transfronteiras, e sua plena adequação aos princípios que regem a proteção e defesa do consumidor.

SUMÁRIO: 1. Introdução - 2.Arbitragem. Histórico: 2.1. Natureza jurídica da arbitragem. Vantagens em relação a jurisdição estatal. - 3. Princípios jurídicos da Arbitragem. - 4. Arbitragem na solução de conflitos de consumo: 4.1. A arbitragem e o Código de Proteção e Defesa do Consumidor brasileiro; 4.2. A arbitragem na solução de conflitos internacionais de consumo. - 5. Considerações finais.


1. INTRODUÇÃO.

A arbitragem como alternativa de se obter a solução de conflitos é antigo instituto, utilizado por Estados e particulares há milhares de anos.

No direito privado e no direito internacional privado, que é a seara onde se conduzirá nosso estudo, a arbitragem sempre foi internacionalmente usada, especialmente em matéria comercial internacional.

Embora no Brasil a arbitragem não tenha se difundido ainda a ponto de podermos considera-la como uma alternativa à justiça estatal, internacionalmente é utilizada prioritariamente nas relações comerciais, inclusive por empresários brasileiros, [1] e diante de um acesso a jurisdição do Estado cada dia mais difícil em razão do assoberbamento dos serviços judiciários em todo o mundo, especialmente o ocidental, vem a arbitragem se impondo como uma solução alternativa, preferencialmente entre outras, para a resolução dos mais diversos conflitos, especialmente os que envolvam direitos patrimoniais disponíveis inclusive decorrentes de relações de consumo, mostrando-se como uma via mais célere para a resolução destes conflitos, normalmente de pequena monta, proporcionando um maior acesso a Justiça, e conseqüentemente maior segurança ao consumidor.

Estando o consumidor mais seguro de que poderá efetivamente socorrer-se com eficiência, rapidez, a baixo ou sem nenhum custo, de instrumentos de efetivação de seus direitos, o capacita a consumir mais e melhor, e a usufruir das vantagens do mundo moderno e do comércio internacional, estimulando-o a realizar contratos internacionais de consumo, seja por meios tradicionais como a via epistolar ou telefônica, seja através da internet, ou simplesmente viajando como turista e realizando compras, proporcionando maior circulação de riquezas, e conseqüentemente prosperidade, mormente em mercados economicamente integrados, como o Mercosul, a Comunidade Européia, e futuramente a ALCA.

Nosso estudo visa, assim, esclarecer e apontar o que vem sendo feito no Brasil e em outros países, especialmente no maior mercado economicamente integrado do mundo, a Comunidade Européia, para a implementação deste meio de resolução de disputas no âmbito dos conflitos de consumo, inclusive transfronteiras, e sua plena adequação aos princípios que regem a proteção e defesa do consumidor.


2. A ARBITRAGEM. HISTÓRICO.

A arbitragem é um dos institutos jurídicos mais antigos, apontando os estudiosos para a sua utilização no julgamento e solução de litígios entre particulares em Atenas, na Grécia, quatrocentos anos antes de Cristo, [2] em disputas envolvendo grandes somas de dinheiro, sendo posteriormente adotado em Roma, primeiro como um contrato no qual a decisão do árbitro não possuía força coativa jurisdicional, e mais tarde com cunho obrigatório sendo a execução assegurada pelo Estado e subsistindo ao largo da justiça estatal, evoluindo a ponto de tornar-se um instituto adotado por vários povos adquirindo status internacional [3] e tornando-se comum nas relações comerciais internacionais estipularem os contratantes para a solução de controvérsias oriundas do cumprimento do contrato a arbitragem, mantendo atualmente todos os países do mundo em suas legislações internas normas que disciplinam processos de arbitragem, possibilitando o reconhecimento, a homologação, e execução da sentença arbitral pela justiça estatal.

Por meio de vários tratados, especialmente surgidos após a Primeira Guerra Mundial, regulou-se a arbitragem internacional e o reconhecimento e a execução de sentenças arbitrais internacionais, ou seja, prolatadas na solução de lides em que as partes situem-se em Estados diferentes, [4] para possibilitar a execução das mesmas onde esteja situado o sucumbente, como por exemplo o Protocolo de Genebra de 1923, Geneva Protocol on Arbitration Clauses, ou a Convenção de Arbitragem de Nova York de 1958, Convention on the Recognition and Enforcement of Foreign Awards, [5]vigindo em mais de cem países e ratificada e promulgada no Brasil pelo Decreto no.4.311/2002.

A Comissão das Nações Unidas para o Desenvolvimento do Direito Comercial Internacional – UNCITRAL, desenvolveu uma Lei Modelo de Arbitragem, no intuito de harmonizar as legislações dos vários países do mundo, e que efetivamente vem sendo acolhida. Frise-se que não se trata de Convenção Internacional, mas um modelo de lei a ser adotado em todo, ou em parte, voluntariamente pelos Estados [6].

Outrossim, a existência de prestigiosos centros internacionais de arbitragem atestam o pleno desenvolvimento do instituto e sua utilização preferencial nos contratos internacionais e em vários países do mundo, v. g. a American Arbitration Association, a Corte Internacional de Arbitragem da Câmara de Comércio Internacional - CCI, com representação em cerca de 60 países, inclusive no Brasil, a London Court of International Arbitration, e o Centro Brasileiro de Mediação e Arbitragem, vinculada a Associação Comercial do Rio de Janeiro, Sistema FIRJAN e FENASEG, entre outros.

No direito brasileiro, como narra Carreira Alvim, [7] a Constituição Imperial de 1824 já previa a arbitragem nas causas cíveis. Posteriormente a Resolução de 26 de julho de 1831 admitiu a arbitragem para o julgamento das causas de seguro, e a Lei n. 108, de 11 de outubro de 1837, para as locações de serviços.

O Código Comercial brasileiro, de 1850, institui o juízo arbitral necessário para causas entre sócios de sociedades comerciais, locações, entre outras. O Regulamento n. 737, de 25 de novembro de 1850, de grande importância para o direito comercial, também cuidou de dispor sobre o processo de arbitragem, distinguindo a obrigatória da facultativa, vindo o sistema de arbitragem compulsória a ser revogado pela Lei 1.350 de 1866, mantendo apenas a arbitragem facultativa.

Posteriormente o Decreto n. 3.084/1898 dispôs sobre arbitragem, assim como algumas legislações de estados-membros, à época competentes para legislar sobre processo. Com a Constituição Federal de 1934, e concentrada a competência legiferante sobre processo civil na União, foi promulgado o Código de Processo Civil de 1939, que disciplinou o juízo arbitral, assim como o seu sucessor de 1973.

Como característica, o laudo prolatado pelo(s) árbitro(s) necessitava de homologação pela autoridade judiciária para ser investido de eficácia e executoriedade.

A Constituição Federal de 1988 consagrou a arbitragem, prevendo-a nas disposições sobre os Tribunais e Juízes do Trabalho, no art. 114, parágrafos 1º. e 2º..

Atualmente encontra-se em vigor a Lei n. 9.307/96, que disciplina a arbitragem para a solução de conflitos que envolvam direitos patrimoniais disponíveis, cuja efetiva utilização se viu constrangida até pouco tempo atrás em razão de questionamentos quanto a sua constitucionalidade, em especial do seu art. 7, [8] mas que declarada consoante a Constituição Federal pelo Supremo Tribunal Federal, está apta a realizar plenamente os fins a que se pretende, encontrando-se afinada com as tendências mundiais e dispensando as sentenças arbitrais nacionais, assim entendido as prolatadas em território nacional nos termos do art. 34, parágrafo único, homologação pelo Poder Judiciário para sua eficácia e constituição como título executivo judicial, estando as estrangeiras sujeitas a homologação do Supremo Tribunal Federal, na forma do art. 35.

A par da lei específica, subsiste na lei que criou os Juizados Especiais Cíveis, n. 9.099/95, arts. 24/26, a possibilidade de instaurar-se juízo arbitral após o ajuizamento da ação na justiça estatal. Inspirou-se a lei nas Small Claim Courts americanas, especialmente a nova-iorquina, mas que efetivamente não vem sendo utilizado no Brasil, com raras exceções. [9]

O Brasil também é parte, além do Protocolo de Genebra de 1923 e da Convenção de Nova York de 1958, da Convenção Interamericana sobre Arbitragem Comercial Internacional, OEA, Panamá, 1975; da Convenção Interamericana sobre Eficácia Extraterritorial das Sentenças e Laudos Arbitrais Estrangeiros, OEA, Montevidéu, 1979; do Protocolo de Cooperação e Assistência Jurisdicional em Matéria Civil, Comercial, Trabalhista e Administrativa, Las Leñas, 1992; do Protocolo de Buenos Aires sobre Jurisdição Internacional em Matéria Contratual, Buenos Aires, 1994 (em especial o art. 14, que refere-se a arbitragem); do Acordo sobre Arbitragem Comercial do Mercosul, Buenos Aires, 1998, (aprovado pelo Decreto Legislativo n. 265, de 29/12/00, mas ainda sem vigor).

2.1. NATUREZA JURÍDICA DA ARBITRAGEM. VANTAGENS EM RELAÇÃO A JURISDIÇÃO ESTATAL.

Carmen Tiburcio [10] leciona que existem quatro teorias sobre a natureza jurídica da arbitragem: 1) teoria jurisdicional; 2) teoria contratual; 3) teoria mista (jurisdicional/contratual); e 4) teoria autônoma.

Pela teoria jurisdicional a atuação do árbitro é comparada ao do juiz no exercício da jurisdição, declarando o direito e decidindo a lide, e embora nomeado pelas partes, seus poderes decorrem da lei, que permite o exercício privado do poder jurisdicional.

Para os adeptos da teoria contratual, a jurisdição é monopólio do Estado e manifestação da soberania, indelegável aos particulares, e a arbitragem na verdade é um contrato oriundo única e exclusivamente da vontade das partes, exercendo o árbitro seus poderes em razão do contrato.

Os adeptos da teoria mista sustentam que, efetivamente a arbitragem decorre de um contrato, mas no qual as partes constituem um julgador privado para o seu litígio que exerce poderes jurisdicionais reconhecidos pelo Estado e cuja decisão possui coercibilidade para as partes, constituindo título executivo judicial.

Por fim, a teoria autônoma sustenta que, tratando-se de arbitragem internacional, que tem fundamento e se desenvolve com base nas suas próprias regras, sem qualquer ligação a um sistema jurídico nacional, trata-se a decisão arbitral de ato autônomo não vinculado a qualquer jurisdição.

Em que pese os doutrinadores que aderem as correntes supra elencadas, é evidente o caráter contratual/jurisdicional da arbitragem, uma vez que decorre de um ato privado, a convenção arbitral, que investe terceiro em atividade tipicamente jurisdicional para dirimir um litígio afastando a jurisdição estatal. O fato do árbitro não possuir o poder coercitivo sobre bens ou pessoas, no que tange ao exercício da força por ato próprio, não descaracteriza o exercício da jurisdição, ou parcela dela, decorrente do ato de julgar definitivamente uma demanda posta pelas partes, pois o cumprimento da sua decisão é obrigatório constituindo título executivo (ex vi do art.31 da Lei 9.307/96), não havendo um controle de fundo da decisão arbitral por parte da justiça estatal, o controle será meramente formal [11], e tratando-se de sentença arbitral estrangeira estará sujeita ao mesmo controle, mormente quanto a não ofender a ordem pública nacional, que as sentenças judiciais. Por outro lado, sem jurisdição estatal a reconhecer validade a decisão arbitral, seja no Estado em que foi sede da arbitragem, seja em Estado estrangeiro, ela torna-se sem nenhuma eficácia, logo não é autônoma, pois sempre dependente da jurisdição para possuir eficácia.

Tratando-se de jurisdição privada, possui vantagens sobre a estatal. Carreira Alvim as enumera: expertise do órgão julgador e confiança das partes no mesmo; os procedimentos são mais céleres e desburocratizados, podendo as partes dele participar mais ativamente; prazo certo para prolatar a sentença; não haver duplo grau de jurisdição; poderem as partes autorizar o árbitro a julgar por equidade; e sigilo. [12]

Outrossim, embora a arbitragem não seja paliativo aos problemas de funcionamento do Poder Judiciário, este poder encontra-se sobrecarregado no mundo todo.

No Brasil, no triênio 93/94/95 os trinta e três Ministros do Superior Tribunal de Justiça julgaram 106.000 processos, media anual de 3.300 decisões por Ministro, restando pendentes 51.000 medidas judiciais a serem julgadas.

No Supremo Tribunal Federal a média foi igual.

Nas Justiças Federal e Estadual tramitavam no triênio supra citado 8 milhões de processos. [13]

Nos Juizados Especiais Cíveis do Estado do Rio de Janeiro, onde deságuam boa parte dos litígio de consumo, distribuiu-se em 2001 cerca de 212.647 ações. [14]Nos Juizados Especiais Cíveis da Comarca da Capital, Estado do Rio de Janeiro, distribuiu-se em média 800 novas ações por mês para cada órgão jurisdicional em 2002. Nos Juizados Especiais Cíveis do Grande Rio, entre 500 a 800 novas ações são distribuídas mensalmente para cada Juizado. [15] E apesar da eficiência destes órgãos judiciais, é evidente que operam no limite, comprometendo aos poucos a celeridade no processo decisório, e principalmente a execução da sentença, após o julgamento do recurso.

Mas o problema é mundial. Na década de 80, o número de litígios levados à apreciação dos Tribunais fez com que o Presidente da Suprema Corte dos Estados Unidos da América conclamasse os advogados, em reunião na American Bar Association, a utilizar os meios alternativos de solução de conflitos de modo a pacificarem as controvérsias fora da arena judiciária.

O Comitê de Ministros do Conselho da Europa, Comunidade Européia, prega a implementação da arbitragem como alternativa mais acessível e eficaz para a solução de conflitos, [16] em especial quando se trata de acesso à justiça por consumidores, e efetivamente foi criada uma rede de órgãos dedicados a solução de controvérsias pela via da arbitragem nos Estados-membros, como veremos infra, entre outras políticas de estímulo a adoção de meios alternativos para a solução de controvérsias – ADR ( Alternative Dispute Resolution), sendo inclusive objeto de "Livros Verdes" e Recomendações da Comissão Européia. [17]

Os Professores Mauro Cappelletti e Bryant Garth [18] narram experiências bem sucedidas de arbitragem para conflitos de pequeno valor tanto na Califórnia como na Filadélfica, E.U.A., onde, por exemplo, a arbitragem na Filadélfia, instituída compulsóriamente para causas até 10.000 dólares permitiu reduzir o atraso nos juízos cíveis de 48 para 21 meses. A seu turno as causas decididas por arbitragem eram julgadas em três meses. Apesar dos dados remontarem a década de 70, o sistema de arbitragem continua florescendo naquele país, e todos os estados americanos possuem legislação específica sobre a matéria.


3. PRINCÍPIOS JURÍDICOS DA ARBITRAGEM.

Princípios jurídicos são os pensamentos diretores de uma regulamentação jurídica existente ou possível, [19]mandamento nuclear de um sistema que se irradia sobre diferentes normas, compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência. [20]

Necessário, portanto, apreendermos os princípios jurídicos que informam a arbitragem, e que a tornam modo seguro e viável de exercício da jurisdição. São eles:

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1.o do contraditório, assegurando as partes pleno conhecimento da causa e oportunidade de nela manifestar-se e produzir provas em simétrica paridade;

2.o da igualdade das partes, assegurando que nenhuma seja beneficiada em detrimento da outra;

3.o da investidura e imparcialidade do árbitro. O compromisso do árbitro tem que ser válido, exarado por quem pode exercer o múnus sem impedimento de qualquer ordem, e apesar de indicado pelas partes, não está comprometido em proferir decisão a seu favor;

4.o livre convencimento do árbitro, que lhe assegura valorar a prova segundo a sua livre convicção, atendo-se aos fatos sobre que versa a controvérsia e o direito aplicável a lide, nos termos do convencionado pelas partes.

5.o princípio da motivação da sentença arbitral, devendo os árbitros fundamentarem a sua decisão.

6.o princípio da autonomia da cláusula compromissória, de modo que a nulidade do contrato entre as partes, não seja alegada como impeditivo a jurisdição arbitral;

7.o princípio da "Kompetenz – Kompetenz", no qual os árbitros têm competência para decidir sobre sua própria competência para julgamento da causa.

8.O princípio da acessibilidade ao judiciário para se obter a decretação da nulidade da sentença arbitral, quando esta violar os princípios do devido processo legal, assegurados na lei. [21]

Outros princípios são citados na doutrina, mas parece-nos que os supra arrolados são os essenciais, acolhidos pela lei brasileira e no direito internacional, fundamentos da "Teoria Garantista do Procedimento Arbitral", esposada pelo Prof. Antonio Maria Lorca Navarrete, a qual num tosco resumo pode ser definida como o dever do processo arbitral ao respeito às garantias fundamentais postas na Constituição Federal e pertinentes ao devido processo legal, acolhido no art. 21 da Lei 9.307/96, e com clareza exposta por Selma M.F. Lemes [22].

Frise-se que não arrolou-se o princípio da autonomia da vontade uma vez que, sendo nossa intenção traçar princípios gerais universais, a existência de sistemas jurídicos que impõe a arbitragem compulsoriamente a litigantes afasta a sua generalidade.

No direito brasileiro a arbitragem é voluntária, mas, deve-se esclarecer, firmando as partes cláusula compromissória em contrato a mesma é vinculativa e obrigatória, podendo a parte resistente ser obrigada a submeter-se a jurisdição arbitral na forma do art. 7º. da Lei 9.307/96. No entando, tratando-se de contrato de consumo, como veremos, a convenção arbitral só existirá validamente a critério do consumidor.


4. A ARBITRAGEM NA SOLUÇÃO DE CONFLITOS DE CONSUMO.

Antes de entrarmos no tema propriamente, é necessário delimitá-lo.

Consumidor, ou seja, alguém que seja parte de uma relação de consumo, sob aspecto sociológico é qualquer indivíduo que frui ou se utiliza de bens e serviços e pertença a determinado estrato da sociedade. Sob aspecto psicológico, é o indivíduo sobre o qual se estudam as reações a fim de se individualizarem os critérios para a produção e o que motiva o seu consumo. Não é este consumidor o protegido por legislação especial em todo o ocidente.

O contratante definido como consumidor e sujeito e proteção especial é quem contrata para consumo final, atendendo uma necessidade privada, desvinculada da atividade profissional ou comercial, em benefício próprio ou de outrem, a aquisição ou a locação de bens e serviços. A definição de consumidor é intimamente ligada a destinação econômica do que adquire, que para caracteriza-lo tem que ser final, atendendo uma necessidade particular, afastando-se assim qualquer noção maximalista que inclua na definição de consumidor todo destinatário fático do produto ou serviço que tenha por fim sua utilização na cadeia produtiva, ou seja, que o bem ou serviço adquirido seja insumo para exercício de sua atividade empresarial ou profissional. [23] Esta é a definição de consumidor para fins de especial proteção no Código de Defesa do Consumidor brasileiro, art. 2º.; para a lei sueca de proteção ao consumidor, de 1973; para a lei mexicana de 1976; a lei espanhola n. 26/84; a de Portugal, de n. 29/81; no direito comunitário, v.g. Regulamento n. 44 de 2001, Resolução 75/C092/01 do Conselho, e a Diretiva 87/102/CEE do Conselho.

Esta especial proteção se justifica em razão da natural vulnerabilidade do consumidor, que pode ser técnica, não possuindo o consumidor conhecimento específico sobre o que está adquirindo; jurídica, que é a falta de conhecimentos jurídicos específicos para contratar, e sócio-econômica onde o fornecedor, em razão do seu potencial econômico, ou da essencialidade do bem que fornece, impõe sua superioridade com quem contrata.

Esta vulnerabilidade patente no moderno mercado de consumo e de produção em massa, onde o equilíbrio contratual com o fornecedor não existe mais, via de regra limitando-se apenas a aderir ao contrato e ao consumo, e cujo acesso a justiça é dificultado tanto em razão dos meios para o exercício de seus direitos, como para a prova dos mesmos, justifica assim o intervencionismo estatal de molde a proteger o consumidor e reequilibrar sua relação com o fornecedor. [24]

Por sua vez, fornecedor de bens e serviços é toda pessoa física ou jurídica que profissionalmente coloca bens e serviços no mercado para consumo. [25]Afasta assim a legislação nacional, como a estrangeira, da definição de fornecedor, os contratos eventualmente firmados entre particulares (ver art. 3 da Lei 8.078/90).

Conclui-se, portanto, que contratos de consumo são todos os travados entre fornecedores e consumidores na aquisição ou locação de bens e serviços.

Muito se tem discutido no Brasil quanto a possibilidade e a utilidade de conflitos decorrentes de relações de consumo serem resolvidos por meio da arbitragem.

Carlos Alberto Carmona, citado por Carreira Alvim, [26] afirma ser a arbitragem imprópria para a solução de litígios que envolvam pequenos valores, ou matéria de pouca complexidade, uma vez que o Poder Judiciário teria capacidade para eficientemente absorver estas demandas, e o aparato arbitral seria desproporcionalmente oneroso para ser utilizado com vantagem.

Outros, como Claudia Lima Marques, se insurgem contra esta possibilidade que entendem violar a proteção e o direito do consumidor ao levá-lo a resolver o litígio em órgãos de arbitragem, que normalmente seriam mantidos por associações ou representantes de fornecedores, e que não assegurariam a imparcialidade necessária para a missão, ou lhes faltaria sensibilidade suficiente para compor a lide atentos a especial e vulnerável situação do consumidor diante do contrato de consumo e do conflito dele decorrente, bem como de sua hipossuficiência processual. [27].

Embora tais temores tenham fundamento, a proteção ao consumidor não altera a característica de disponibilidade do seu direito patrimonial, não havendo porque não valer-se o consumidor da arbitragem. [28] Na verdade a experiência internacional demonstra que, levando em consideração as peculiaridades do conflito de consumo, a arbitragem gerida institucionalmente efetivamente vem a ser um eficiente meio alternativo a jurisdição estatal na solução de conflitos de consumo.

Vários países no mundo vêm adotando métodos de alternative dispute resolution com sucesso para litígios de consumo, criando assim um maior e melhor acesso à justiça em prol do consumidor e, em contrapartida, desafogando os respectivos poderes judiciários dos microconflitos, permitindo que recursos e pessoal, especialmente os magistrados, dediquem-se a resolução de conflitos mais complexos e que precisam de maiores conhecimentos científicos.

Nos Estados Unidos da América, por exemplo, nas Small Claim Courts a arbitragem é uma alternativa após o ajuizamento da ação, permitindo evitar justamente, por um lado, que o procedimento arbitral corresponda a um aparato extraordinário e custoso, eis que integrado na estrutura judiciária de modo econômico e viável, e por outro, que falte ao árbitro os predicados que lhe são exigidos como juiz de fato e direito da causa, como por exemplo a imparcialidade, vez que sua atuação está diretamente supervisionada pelo juiz togado, conseqüentemente somando a estrutura judicial a expertise que caracteriza a arbitragem e aumentando a capacidade material de julgamentos do órgão jurisdicional. [29]

Os Juizados Especiais Cíveis brasileiros, inspirados na experiência americana, apesar da Lei n. 9.099/95, em seus arts. 24 a 26, prever a arbitragem aos moldes das Small Claim Courts, não implementaram a experiência norte-americana não valendo-se da previsão legislativa, e consequentemente não aproveitando com inteireza o seu potencial de resolução de conflitos. Não é necessário muito esforço, considerando que árbitros são juízes de fato e de direito da causa, para concluirmos que um juiz togado e cinco árbitros num Juizado Especial Cível teriam a capacidade de atendimento as demandas dos consumidores muito superior à estrutura atual, onde um juiz togado, às vezes auxiliado por outro, encarrega-se de julgar todas as reclamações que não lograram uma solução conciliatória na sessão de conciliação presidida por conciliadores.

A par desse modo de arbitragem, após o ajuizamento da ação, a arbitragem institucional ou ad hoc é permitida como alternativa à justiça estatal americana. Vários estados federados, que também possuem competência para legislar residualmente sobre arbitragem, prevêem a arbitragem como alternativa à jurisdição estatal na solução de pequenos conflitos, inclusive os decorrentes de relações de consumo [30], mas sem ofensa ao "Federal Arbitration Act – FAA", de 1925, que não faz restrição à solução de demandas de consumidores, embora cada legislação estadual tenha a sua peculiaridade, algumas sendo mais restritivas que outras.

No Estado da Califórnia a arbitragem é compulsória para causas até um valor de alçada pré-estabelecido, assim como na Filadélfia, como vimos supra.

Pelas terras norte-americanos encontra-se também a American Arbitration Association, entidade sem fins lucrativos que congrega os árbitros americanos, regulando o procedimento arbitral, e com especialidade em conflitos de consumo, cuja tabela de preços adequa-se a realidade da causa de pequena monta.

No Reino Unido a experiência com a arbitragem na solução de conflitos de consumo é bem sucedida. Por lá vicejam as County Courts destinadas a resolução de pequenos conflitos, inclusive de consumo, e que, apesar de órgãos judiciais, valem-se também de árbitros. Carmona noticia que cerca de 60% dos casos são resolvidos pelos árbitros em cerca de trinta minutos. [31] Existe também a arbitragem independente da estatal administrada pela "Chartered Institute of Arbitrations", além de outros órgãos de mediação e conciliação.

Portugal, onde há doze anos utiliza-se o sistema do procedimento arbitral, em razão do sucesso do Centro de Arbitragem de Lisboa, disseminou a arbitragem por todo o país existindo centros de arbitragem nas cidades de Coimbra, Porto, etc.

No sistema português, que muito se assemelha aos nossos juizados especiais cíveis, o árbitro é magistrado judicial, ou seja, juiz de direito ou desembargador, na ativa ou aposentado, indicado pelo Conselho da Magistratura. A vantagem do sistema de julgamento ser extrajudicial está na informalidade dos procedimentos, na possibilidade do julgamento por equidade a pedido das partes, na ausência de recursos, e outros aparatos burocráticos característicos dos processos judiciais.

Os centros de arbitragem podem também ser setoriais, especializados, como por exemplo existe para seguros. Todos, no entanto, estão sob a supervisão do Instituto do Consumo, órgão oficial ligado ao Ministério da Justiça português [32].

Também o Reino de Espanha adota com sucesso a arbitragem para solução de conflitos de consumo. As Juntas Arbitrais de Consumo, reguladas pelo Real Decreto n. 636/93 estão espalhados por todo o país, são compostas por representantes dos setores interessados, de organizações de consumidores e usuários e da administração pública, e são supervisionados pelo governo.

Característico na península ibérica é o fato dos comerciantes aderirem previamente ao sistema arbitral, através de uma oferta ou anúncio público de que se submeterá a arbitragem de consumo advindo lide, obtendo uma certificação que identifica seu estabelecimento e, conseqüentemente, faz com que tenha uma excelente imagem perante os consumidores.

Holanda e Bélgica também possuem experiências bem sucedidas com a arbitragem para solução de conflitos de consumo. [33] Na Holanda uma das mais importantes instituições são as "Comissões Setoriais de Litígios", compostas de órgãos de conciliação e arbitragem institucionalizados.

Na Dinamarca funcionam, assim como nos demais países escandinavos, instituições arbitrais, e outras de pacificação dos conflitos de consumo.

Além dos países supra mencionados, Mauro Cappelletti e Bryant Garth [34] apontam experiências bem sucedidas na Alemanha, França, Canadá, e Suécia.

Conforme dados da Comissão Européia, existem hoje na União Européia cerca de 400 órgãos arbitrais, que atendem os parâmetros de imparcialidade, segurança, expertise, etc. recomendados oficialmente pela Comissão Européia aos Estados-membros.

A Comunidade Européia que possui, entre os seus objetivos estimular o mercado integrado e proporcionar ao consumidor a plena fruição do mesmo, num espaço protegido e seguro, desde a década de 70 vem estudando alternativas para melhorar o acesso a justiça, e neste campo, além de medidas na área da cooperação judiciária com a edição do Regulamento n. 44/2001, estimulou a criação de órgãos arbitrais nos Estados-membros tendo cadastrado 400 (quatrocentos) organismos responsáveis pela resolução extrajudicial de litígios de consumo, [35]adequados aos princípios jurídicos que norteiam a arbitragem e a especificidade dos litígios de consumo nos termos da "Recomendação 98/257/CE da Comissão de 30 de março de 1998, relativa aos princípios aplicáveis aos organismos responsáveis pela resolução extrajudicial de litígios de consumo" [36], e que estão aptos a integrar a rede européia para a solução de conflitos de consumo, inclusive internacionais, cujo teor, em suma, recomenda: o respeito ao (1) princípio da independência, de forma a assegurar a imparcialidade da sua ação, seja através de uma representação paritária no tribunal arbitral dos consumidores e profissionais, seja uma completa independência das associações profissionais, não podendo a pessoa designada para árbitro ter trabalho, nos três anos que procedem a sua entrada em funções, para a associação profissional ou empresa mantenedora do órgão; (2) ao princípio da transparência do processo, com integral informação ao consumidor das regras procedimentais, conseqüências do seu cumprimento ou incumprimento, valor da decisão, e relatórios de atividades; (3) ao princípio do contraditório; (4) ao princípio da eficácia, assegurado através de medidas que garantam o acesso do consumidor ao processo, sem necessidade de utilizar representante legal, gratuidade ou custos moderados, prazos curtos para decisão, posição ativa do juízo arbitral permitindo que tome em consideração quaisquer elementos úteis à resolução do litígio; (5) ao princípio da legalidade, não podendo a decisão privar o consumidor da proteção que lhe asseguram as disposições imperativas da legislação do Estado no território do qual o organismo está estabelecido, ou tratando-se de litígio transfronteiriço, da proteção da legislação imperativa do domicílio do consumidor nos termos do art.5º. da Convenção de Roma de 1980, relativa a lei aplicável as obrigações contratuais; (6) ao princípio da liberdade, só tornando-se vinculativa a adesão do consumidor a convenção arbitral após o surgimento do litígio; (7) ao princípio da representação, assegurando ao consumidor o direito de ser assistido ou representado por terceiro no procedimento arbitral.

Esta recomendação foi adotada após vários estudos e consultas formuladas aos habitantes da Comunidade Européia, e a constatação que os organismos extrajudiciais para a solução de controvérsias em litígios de consumo asseguravam resultados em níveis de excelência para empresas e consumidores. [37]

No âmbito dos países do Mercosul, a Argentina criou o sistema nacional de arbitragem de consumo, pelo Decreto 276/98, inspirado na Lei Geral de Arbitragem espanhola que contempla expressamente a arbitragem de consumo, sendo a adesão à arbitragem facultativa ao consumidor. [38]

Diante da experiência internacional bem sucedida, verifica-se que a arbitragem como meio alternativo para a solução de lides decorrentes de contratos de consumo é viável e recomendável, em especial diante de um aparato judiciário estatal insuficiente e oneroso, bastando que o Estado participe efetivamente na instituição destes organismos, regulando-os e fiscalizando-os, permitindo o acesso do consumidor a mais esta opção, sempre atento as especificidades dos seus direitos, e sem priva-lo de preferir a jurisdição estatal.

No mais, o sucesso da arbitragem só se verificará se os predicados e princípios jurídicos que inspiram o instituto vicejarem plenamente, pois em caso contrário o próprio consumidor não aderirá e não buscará a solução de seu litígio através da arbitragem, e continuará a perseguir seus direitos na justiça estatal através do julgamento de seus juízes.

Para tanto, devem tais órgãos arbitrais ter uma composição de árbitros onde exista efetiva representação dos consumidores e especialistas em direito do consumidor.

Frise-se que o árbitro ao julgar litígio de consumo não poderá utilizar outra lei que não seja as que se caracterizam como de proteção e defesa do consumidor, uma vez que tais normas são, no Brasil, na América Latina, na Europa e nos E.U.A., normas imperativas, de ordem pública. [39]

4.1. A ARBITRAGEM E O CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR BRASILEIRO.

Não é pacífico na doutrina se a Lei n. 8.078/90, ao dispor sobre cláusulas abusivas, em seu art. 51, VII, vedou por completo a arbitragem ao consumidor. As opiniões se dividem entre juristas de nomeada, mormente após a chegada ao ordenamento nacional da Lei n. 9.307/96. Examinaremos assim as principais opiniões.

O citado artigo e inciso do Código de Defesa do Consumidor inserido em seção própria no Capítulo VI, DA PROTEÇÃO CONTRATUAL, possui a seguinte redação:

"Art. 51 – São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que:

[...]

VII – determinem a utilização compulsória de arbitragem; [...]"

Cláusula abusiva conforme ensina Nelson Nery Jr. [40] "é aquela que é notoriamente desfavorável à parte mais fraca na relação contratual, que, no caso de nossa análise, é o consumidor, aliás, por expressa definição do art. 4º.,n.I,do CDC." As cláusulas abusivas não limitam-se aos contratos de adesão, assim entendidos os contratos com cláusulas previamente estipulas por um dos contratantes ou por ato do poder público ao qual uma das partes simplesmente adere sem discutir as suas cláusulas, cuja previsão legal encontra-se no art. 54 da Lei 8.078/90, mas a todo e qualquer contrato, sendo a proteção contra elas nos contratos de consumo assegurado no art. 6º.,IV, do CDC.

Todos os sistemas de defesa do consumidor asseguram a sua proteção contra cláusulas abusivas, como por exemplo o Decreto-Lei n. 446/85 português, ou a Diretiva 93/13/CEE do Conselho da Comunidade Européia. A Diretiva retro citada também considera a cláusula de arbitragem compulsória abusiva em seu Anexo 1, letra "q" [41]. E no microssistema consumerista a nulidade destas cláusulas é de pleno direito por ofenderem a ordem pública de proteção ao consumidor, base normativa do Código assegurada no seu art. 1º. A nulidade de uma cláusula abusiva poder ser reconhecida por ato ex officio do juiz.

Com base nesta disposição legal, alguns doutrinadores entendem ser completamente proibida a arbitragem na solução de conflitos de consumo, pois a cláusula teria sido disposta compulsoriamente no contrato de adesão [42].

Por sua vez a Lei de Arbitragem dispõe em seus arts. 4º., parágrafo 2º. nestes termos:

"Art. 4º. A cláusula compromissória é a convenção através da qual as partes em um contrato comprometem-se a submeter à arbitragem os litígios que possam vir a surgir, relativamente a tal contrato.

[...]

$ 2º. Nos contratos de adesão, a cláusula compromissória só terá eficácia se o aderente tomar a iniciativa de instituir a arbitragem ou concordar, expressamente, com a sua instituição, desde que por escrito em documento anexo ou em negrito, com a assinatura ou visto especialmente para essa cláusula."

Cláusula compromissória é a estipulação pela qual as partes em um contrato convencionam levar a jurisdição arbitral o conhecimento de eventual litígio decorrente da execução do pacto firmado, afastando a jurisdição estatal, sendo sua observância coativa, desde que observado as disposições legais. [43]

Diante da novel lei que disciplina a arbitragem, alguns doutrinadores, em sentido totalmente diverso à corrente supra citada, entendem que o inciso VII, do art. 51, do CDC, foi derrogado, vez que trata-se de lei específica a disciplinar a arbitragem, a qual, no parágrafo 2º. contém expressa disposição aplicável aos contratos de consumo, quase sempre de adesão, sendo perfeitamente viável estipular-se a arbitragem como meio de solução de eventual controvérsia surgida do contrato, tanto préviamente, no momento em que as partes firmam o contrato por meio da cláusula compromissória, atendida as exigências do parágrafo, como posteriormente ao surgimento do litígio por meio de convenção arbitral. E caso o consumidor resista a instituição do juízo arbitral, poderia a ele ser arrastado em razão do art. 7º. da citada lei. Frisam ainda que a disposição do parágrafo em comento institui um regime formal específico para melhor acautelar os interesses da parte fraca nas relações de consumo. [44]

Outros, desposam também a opinião de que a cláusula compromissória firmada em contrato de consumo seria válida, mas ficaria suspensa até o consumidor anuir com a instalação do juízo arbitral, na hipótese de contrato de adesão, caso não houvesse o devido destaque [45]. Não anuindo com o juízo arbitral, o consumidor não poderia ser obrigado a se submeter ao mesmo.

Há também os que afirmam que o inciso VII, do art. 51, do CODECON, aplica-se somente a contratos de adesão. Quando o consumidor houver negociado livremente as cláusulas do contrato, não haverá restrição para a estipulação de cláusula compromissória. [46]

E por fim, os que, no nosso entender com maior correção hermenêutica, afirmam que o dispositivo da Lei 8.078/90, em comento, encontra-se em vigor, e em seus termos só existe impedimento à arbitragem compulsória, consequentemente não há restrição para que o consumidor, após a deflagração do litígio, de livre e espontânea vontade decida submeter o conflito a um órgão arbitral devidamente capacitado a julgar sua questão. Esta interpretação afina-se tanto a legislação pertinente, como adequa-se aos princípios de proteção ao consumidor, pois a ele caberá a decisão de escolher a jurisdição privada ou estatal, tornando-se a cláusula compromissória estipulação em seu favor a ampliar o acesso a justiça. Como bem salienta Pedro Batista Martins [47], a proteção ao consumidor tem por escopo alça-lo a uma posição onde efetivamente possa livremente negociar, e não transforma-lo em incapaz para tratar de seus negócios. Neste sentido também se coloca a quase integralidade das legislações estrangeiras regedoras da matéria.

Esta última interpretação, mais afinada científicamente, inclusive com as disposições do art. 4, V, do supra citado Codex, deve predominar, e assim, viabilizar no Brasil o surgimento de organismos de arbitragem especializados na solução de conflitos de consumo.

4.2. A ARBITRAGEM NA SOLUÇÃO DE CONFLITOS INTERNACIONAIS DE CONSUMO.

Diante do fenomêno da globalização, dos mercados internacionais economicamente integrados, das redes mundiais de computadores, da facilidade e rapidez dos meios de comunicação e transporte, o acesso ao mercado de consumo internacionalizou-se. Consequentemente o conflito de consumo também passou a ganhar contornos internacionais. E diante deste conflito transfronteiras, novos problemas surgiram, especialmente quanto ao acesso dos consumidores a meios eficientes de tornar eficaz seus direitos, ou seja, de acessar a justiça efetivamente, mediante instrumentos que proporcionassem não um teórico e dificultoso acesso a uma justiça internacional, mas que com razoável facilidade, celeridade e custo, reparasse o direito do consumidor violado.

As dificuldades são evidentes. As lides de consumo, normalmente de pequena monta, não animam o consumidor a buscar seus direitos em estados estrangeiros, diante dos custos que isto representará, tanto judiciais, como de transporte e hospedagem, das diferenças de cultura, língua, leis e direito que enfrentará, além do tempo que terá que dedicar-se em viagens internacionais. Estes obstáculos, muitas vezes intransponíveis, pragmaticamente representam denegação de justiça. Justiça inacessível é justiça negada.

Urge, portanto, um tratamento especial ao consumidor nestes conflitos, e diante desta constatação, especialmente em países que se unem em blocos regionais de livre comércio e integração econômica, que possuem imediato interesse em ver florescer o mercado integrado que compõem, tanto para a riqueza dos seus sócios, e consequentemente de suas populações, como para o bem-estar do povo, preocupam-se em estudar e viabilizar o acesso a justiça a consumidores em decorrência de litígios com fornecedores de outros Estados, seja harmonizando disposições legais de proteção e defesa do consumidor, seja facilitando o acesso à justiça estatal mediante convenções de cooperação e assistência judiciária, entre outros.

Neste aspecto, destacam-se as iniciativas e soluções adotadas na Comunidade Européia, a maior e mais avançada zona de integração econômica do mundo, com cerca de trezentos e setenta milhões de consumidores. [48]

A Comissão Européia, instituição comunitária prioritariamente dedicada à realização da integração econômica desejada pelos Estados-membros, após diversos estudos, constatou que o consumidor europeu não usufruia das vantagens do mercado integrado, simplesmente por não ter segurança quanto ao atendimento a seus reclamos em conflitos de consumo transfronteiriços.

Uma pesquisa realizada pela Eurobarômetro em 1999 revelou que, perante um conflito de consumo ocorrido no próprio país num valor superior a quinhentos euros, apenas 17% dos entrevistados recorreriam aos tribunais, enquanto 20% dos entrevistados afirmaram que não recorreriam aos tribunais para a solução de um conflito de consumo. A mesma pesquisa questionou os entrevistados quanto a um conflito de consumo ocorrido em outro país, e apenas 14% recorreriam aos tribunais por mais de mil euros, sendo que 19% declararam que nunca comprariam um produto ou serviço no estrangeiro.

Diante disso procurou-se implementar, juntamente com os Estados-membros, uma série de providências para superar esta dificuldade de acesso a justiça sentida pelo consumidor, desde adoção de um regulamento específico para a cooperação judiciária, como a criação do formulário de reclamações do consumidor europeu, além de estímulo a formação de organismos com a participação de associações de profissionais e consumidores dedicados a meios pacíficos para solução de demandas, como a mediação e a conciliação, o ombudsman, etc., destacando-se entre estas medidas o integral apoio a disseminação de organismos arbitrais dedicados aos conflitos de consumo, exarando a Recomendação 98/257/CE com os princípios informadores da justiça privada, que já examinados supra, e a criação de uma rede comunitária de instituições dedicadas a arbitragem de consumo, a EEJ-Net. [49]

Esta rede se caracteriza por permitir que um consumidor de um Estado-membro, diante de uma lide decorrente de um contrato de consumo, possa apresentar sua reclamação a um organismo de arbitragem situado em seu domicílio e devidamente credenciado a participar da rede, e esta instituição então remeterá a reclamação através das Clearing Houses situadas em cada Estado a um organismo de arbitragem situado no domicílio do fornecedor, que instalará o procedimento arbitral, mesmo sem a presença do consumidor, que poderá ser representado ou assistido por terceira pessoa, onde será julgado o conflito, e depois executado, sem burocracia ou custo.

A sede da arbitragem se dá no domicílio do fornecedor para que não haja resistência por parte destes a arbitragem, vez que trata-se de adesão voluntária ao sistema. [50]

A Noruega e a Islândia encontram-se também ligados a rede, havendo previsão de que outros Estados, europeus e de outros continentes venham a ela se juntar.

Faz parte do sistema a FIN-Net, uma rede de órgãos para resolução extrajudicial de litígios no setor dos serviços financeiros, com trinta e sete organismos associados.

O sistema, criado recentemente, está revelando ser um sucesso, estudando atualmente a Comissão a criação e regulamentação de ODRs, On Line Dispute Resolution, organismos de arbitragem virtuais, cujo processo e julgamento se dá integralmente mediante meios informáticos, junto com medidas para estímulo do comércio eletrônico. [51]

Importante precisar-se também que quanto a lei aplicável na solução do conflito mormente quando o contrato é realizado por meio eletrônico, via internet, havendo dificuldades em precisar o momento e o local de formação do contrato, aplicará o árbitro a Convenção de Roma de 1980, art. 5, que determina a aplicação do direito consumerista do domicílio do consumidor. Neste sentido a Resolução 1999/ C 23/01 do Conselho de 19.01.1999, sobre aspectos relativos ao consumidor na sociedade da informação. [52]

Nos Estados Unidos da América também estuda-se a criação de um sistema global e extrajudicial para resolução de conflitos de consumo. [53]

No Mercosul, em especial, o acesso à justiça na busca de solução à lide de consumo internacional não encontra facilidade. Além de não possuir estatuto próprio, os consumidores mercosulinos na busca de seus direitos precisam enveredar-se pela via judiciária em regra, e posteriormente promover a homologação e execução da sentença no Estado-sócio, o que sem dúvidas é desencorajador na maior parte dos casos. No Brasil, por exemplo, apesar das Convenções existentes, a homologação da sentença estrangeira, ou o exequatur, passam necessariamente pelo Supremo Tribunal Federal, e posteriormente a execução em sede de juízo federal, com todas as dificuldades daí decorrentes, mesmo se beneficiário o litigante de assistência judiciária gratuita, considerando que os orgãos de assistência judiciária oficiais na América Latina ainda são precários em sua estrutura, quando existem.

A arbitragem internacional, apesar de não impedida a conflitos de consumo uma vez que existem convenções específicas sobre arbitragem internacional em matéria cível e comercial, nas quais devemos também incluir o direito do consumidor, filho que é do direito civil e do direito comercial, bem como para reconhecimento das respectivas decisões, como o Protocolo de Lãs Leñas de 1992, e a Convenção de Montevidéu de 1979, na prática não mostrou-se ainda viável e acessível, não havendo medidas de estímulo a sua divulgação, salvo a isolada iniciativa argentina já supra referenciada e a nível nacional. No Brasil, como já vimos, além da arbitragem em seus modernos contornos ser uma novidade, existe uma franca antipatia de vários segmentos da sociedade para a sua adoção, principalmente para a resolução de lides consumeristas como já comentamos. [54]

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Sobre o autor
Eduardo Antônio Klausner

juiz de Direito do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, Professor substituto de Direito Internacional da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Professor de Direito Internacional Privado e Direito Empresarial da Universidade Estácio de Sá - UNESA, Professor de Direito Empresarial da Escola da Magistratura e da Escola Superior de Administração Judiciária do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, mestre em Direito Internacional e da Integração Econômica pela UERJ

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

KLAUSNER, Eduardo Antônio. A arbitragem na solução de conflitos decorrentes de contratos nacionais e internacionais de consumo. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 646, 15 abr. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/6564. Acesso em: 23 abr. 2024.

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