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A teoria do furto de bagagem e a Convenção Internacional de Varsóvia

01/01/2000 às 01:00
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O ano de 1.929 tinha na França o grande modelo, a língua, a moeda, os costumes e a revolução como exemplos inspiradores. Poderemos constatar esta influência até no nosso símbolo mais sagrado – a Bandeira Nacional – quando contemplamos o mote "Ordem e Progresso", advindos dos princípios da igualdade, liberdade e fraternidade.

A avião já se incorporara definitivamente entre os transportes utilizados. Os passageiros, em suas bagagens, levavam apenas roupas e sapatos em pesadas malas, algumas malas-baús eram fabricadas em madeira, aumentando consideravelmente o peso.

O Brasil, dentro deste espírito de inovação, assinou a Convenção Internacional de Varsóvia (CIV), protegiam-se os passageiros, bagagens e a empresa transportadora através de seguros, ou valores prefixados em franco francês cuja indicação para bagagem extraviada corresponderia a duzentos e cinqüenta francos por quilograma, correspondente a 65 ½ miligramas de ouro por franco francês, salvo se houvera declaração de peso e valor de bagagem efetuados pelo contratante.

Assim, os constantes acidentes ou incidentes aeronáuticos daquela época, quando os bimotores ou quadrimotores falhavam e necessitava-se "aliviar o peso" do avião em vôo com o alijamento da bagagem surgiu, então, a indenização prefixada que providencialmente salvava, também, a economia da transportadora. Continua sendo, hoje, apontada pelas empresas aéreas a prefixação da indenização que fogem à responsabilidade de suas obrigações contratuais e extra-contratuais.

Hodiernamente, os acidentes e incidentes aeronáuticos são raros, mas os desaparecimentos de bagagens são muito comuns. A necessidade de competição exige uma diminuição de custos e a terceirização surge como forma de diminuir o custo "mão-de-obra". Outro fator é o empobrecimento global dos Países e a abertura das fronteiras que fizeram retornar os famosos personagens do passado – os piratas – que atacam as "naves" em seus portos.

Sob o pálio da CIV, vinham as transportadoras buscar abrigo seguro para limitar a indenização (danos materiais) aos valores das bagagens transportadas e roubadas aos seus olhos. Ressaltando que hoje as bagagens não comportam somente roupas e sapatos mas também pequenos e caríssimos equipamentos.

Promulgada a Charta Magna, em 1988, e, dela, nascendo o Código de Defesa do Consumidor, ambos institutos protegendo o viajante, colocando na mesma categoria de consumidor, faz aplicar, concomitantemente, a CIV com as Normas supervenientes, ou em sentido muito estrito afastar a CIV para que não seja necessário emendar a CR/88.

Diante deste histórico nasceram várias teses que sempre deságuam numa triste realidade: a vergonhosa aplicação da tabela da CIV ou do CBA.

Timidamente, a Corte Maior começou entender que uma bagagem não voa sozinha, mãos são necessárias para levá-las, apesar das esteiras que as transportam, ao desaparecimento.

O velho chavão do enriquecimento sem causa imposto pelos poderosos aos fracos foi a maneira odiosa de afastar o cálculo do art. 1.547 CC, uma vez que configurado para a calúnia e a injúria, consiste na previsão legal para o dano latu sensu, salvo melhor juízo.

Alguns Tribunais resolveram sugerir por tabelas o valor da indenização, com base na média das condenações, ao argumento de que faltaria uma previsão legal para orientar o dano. E para que existe dentro da norma substantiva um dispositivo para calcular o reparo, se não é considerado? Dele poderia nascer a determinação da mudança da multa penal máxima (5 vezes) para menos, ser calculada sem aplicação do dobro, ao critério do julgador e segundo as possibilidades do apenado, conforme as condições peculiares da ação.

Outra demonstração da força das empresas de Transporte Aéreo está na exigência de ser apresentada declaração de valores a serem transportados. O passageiro ao declarar o valor de sua bagagem será obrigado a pagar um seguro para desonerar a empresa transportadora. Ora! isto ofende a Constituição e o CDC. É a cláusula típica de imposição pela parte forte à parte fraca (o passageiro) do pagamento de um seguro que desobriga a transportadora (parte forte) cujo preço da passagem já pressupõe este custo.

Desde a Constituição de 1946 está informado sob à repressão do abuso do poder econômico, que sucumbe ao poder empresarial este importante preceito. A Constituição e o Código de Defesa do Consumidor proíbem quaisquer cláusulas abusivas em relação ao consumidor e invertem a ordem da prova, nesta relação.

Mesmo que haja declarado o valor é necessário provar–se que os valores e os equipamentos guardam relação de veracidade. A obtenção de tal relação se faz pela apresentação da nota fiscal. Logo, conclui-se que a nota fiscal é um dos mais eficazes meios de prova para demonstrar o valor das mercadorias transportadas no caso de extravio de bagagem para itens novos, devendo aos valores apurados ser agregada uma parcela para as roupas e sapatos usados. Aí sim, se e tão-somente se houver um desaparecimento haveria uma relação de conteúdo tarifada para evitar o abuso.

Vejamos, também, que o próprio pagamento de tributos já declara um valor que excede o valor de isenção alfandegária e vai muito além das tarifas preconizadas na CIV e no CBA. Consignando, até por coerência, um limite, este limite prender-se-ia como batente mínimo no mesmo valor da isenção de tributos ou dos pagamentos realizados. Ninguém paga tributos por que deseja realizá-los, o pagamento é imposto. Donde concluímos que aquele valor preconizado na CIV ou no CBA ferem à Norma Maior, o CDC e ao princípio informador da ordem econômica, social, individual e coletiva.

A limitação de que trata o CBA, fixando em 150 (cento e cinqüenta) BTN’s por passageiro deve ser considerada como não recepcionada pela Norma Maior pois ferem mortalmente a CR/88, art. 5º, XXXII, art. 170, V, e o CDC.

Apesar da prova documental dos gastos realizados tanto no exterior quanto nos "duty free", estas notas fiscais não servem para condená-las a repor o material adquirido. Albergam-se no argumento da obediência à CIV ou CBA, que em última análise poderiam ser aplicadas em comunhão com a Norma Constitucional e Infraconstitucional.

O desaparecimento de bagagem para estar sob o pálio dos Diploma Internacional e do CBA deveriam demonstrar claramente um acidente ou incidente aeronáutico, mas, em 99% dos casos de sumiço de bagagem nenhum acidente aconteceu. Vamos mais longe, sequer apresentam um processo administrativo que pelo menos demonstrasse que o "sumiço de bagagem" foi pesquisado.

Nenhuma prova as transportadoras trazem à luz dos autos de um processo de indenização por sumiço de bagagem a não ser o velho refrão: - oferecemos o valor da bagagem coberta pelo seguro obrigatório, conforme determina a CIV ou o CBA.

Ilumina-se que tal valor é tão irrisório que sequer bastará para comprar uma mala de viagem igual à desaparecida quanto mais repor-lhe o recheio. E, para preservar o direito do viajante é que a CR/88, o CDC, os princípios e a Jurisprudência Pátria vem reformulando, ainda que timidamente, um pouco da tendência protecionista que se dá às grandes empresas.

A Constituição da República, em seu art. 21, XII, "c", determina que compete à União explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão, a navegação aérea, aeroespacial e a infra-estrutura aeroportuária. Logo a transportadora presta serviço público. Portanto a exploração dos transportes em geral traduz atribuição privativa do Poder Público da União, posto que este serviço público exclusivo, pode ser autorizado ao particular através de autorização, concessão ou permissão.

Por sua vez o art. 37, § 6º, da Charta Magna estabelece que "as pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa", isto ressaltado pela terceirização de mão-de-obra que grassa no transporte aéreo.

Por força desta determinação da Constituição da República a responsabilidade das pessoas jurídicas de direito privado, prestadoras de serviço público – no caso as empresas de transporte aéreo – a responsabilidade delas é objetiva.

          Pela teoria da responsabilidade objetiva, quem lucra com o exercício de uma atividade, deve indenizar o dano oriundo dessa atividade, a menos que comprove ter ocorrido caso fortuito ou força maior.

Sobre isso não há qualquer disceptação, de modo que tanto a Convenção de Varsóvia, em seu art. 20 e o Código Brasileiro de Aeronáutica estão derrogados, ou seja estão parcialmente derrogados pela Constituição Federal que se sobrepõe a eles caso se entenda que abraçaram a Teoria da Responsabilidade Subjetiva (com culpa). E a tanto induz o art. 20 da Convenção de Varsóvia e o art. 248 do Código Brasileiro de Aeronáutica, este interpretado contrário senso.

Ocorreu, pois o fenômeno da não recepção, considerando que ambos os instrumentos legais são anteriores à Magna Charta.(1)

A CR/88 estabeleceu como princípio e direito fundamental a proteção do consumidor, determinando a elaboração do CDC, conforme art. 48, dos ADCT.

Aqui está a demonstração da vontade e a necessidade de renovar o Sistema. Como se sabe, os princípios são ordenações que irradiam e imantam os sistemas de normas que são núcleos de condensações nos quais confluem valores e bens constitucionais (Canotilho).

          Antes da edição da Lei 8.078/90, a norma definidora do direito e garantia fundamental do consumidor era programática e limitada, todavia com a sua edição passou a ser norma reguladora do direito do consumidor e integrante do ordenamento jurídico.

Com a inserção entre os direitos fundamentais da defesa do consumidor à categoria de titulares de direitos constitucionais fundamentais, a consideração do art. 170, V, CR/88, que eleva a defesa do consumidor à condição de princípio da ordem econômica, tudo somado, tem-se o relevante efeito de legitimar todas as medidas de intervenção estatal necessárias a assegurar a proteção prevista.

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Quando no seu art. 5º, § 2o, CF, preceitua não excluir outros direitos e garantias decorrentes do regime e princípios por ela adotados, ou tratados internacionais em que o Brasil seja parte, quer dizer que não excluirá os direitos da aplicação destes Tratados, mas, também, não quis dizer que restringirá direitos consagrados na Constituição.

Quando um tratado em que o Brasil pactuou confrontar a nossa Constituição Federal, a solução é não se recepcionar o tratado na ordem jurídica interna ou mudar-se a Norma Constitucional. Para nós, é inconcebível um Tratado Internacional sobrepor-se à Charta Mãe, à soberania do País, aos seus costumes e às gentes, enfim, sobrepor-se aos Direitos e Garantias Individuais dos Nacionais.

          As leis recepcionadas pela Constituição da República, dizem respeito somente aquilo que não firam a própria Norma Mãe. Quanto ao artigo 178, dispõe que a lei estabelecerá as condições em que o transporte de mercadorias … atendidos os princípios de reciprocidade.

Ao acatar que o CIV e CBA afastam os danos material e moral, a força dessas normas contraria o aresto do nosso c. STF, salvo melhor juízo:

          Atraso e extravio de Bagagem. Dano Material e Moral. Não ofende a CF 178 a decisão judicial que condena companhia aérea ao pagamento de dano material e moral por atraso e extravio de bagagem (STF, 2ª T. AgRgAg 198380-9-RJ, rel. Min. Marco Aurélio, v.u., j. 27.4.1998, BolAASP 2071/246-e).

Depois, para justificar a perda material, fartamente comprovada pelas notas fiscais, débitos em conta de cartão de crédito, pagamentos de táxis, de impostos, pagamentos de excesso de bagagem, taxas de uso de aeroporto etc., fundamentam as empresas com o art. 248 c/c o 262. O primeiro para limitar o valor da indenização e o outro para se fazer aplicar a Convenção de Varsóvia e o CBA, se não vejamos, o que diz o Mestre Ricardo Alvarenga, da UFMG, e Diretor Jurídico da Líder Táxi Aéreo:

          Mais recentemente, no entanto, a jurisprudência emanada de alguns pretórios estaduais vem se inclinando a fazer vistas grossas de normas contempladas em diplomas de direito internacional privado, quando em detrimento de legislação interna, especialmente quanto a: overbooking; desaparecimento de bagagem(2); e atraso ou o cancelamento de vôos.…
É evidente que o Código de Defesa do Consumidor é, também, aplicável à matéria, em harmonia com o Código Brasileiro de Aeronáutica (CBA), naquilo que não contraria a Norma Maior, pois o serviço de transporte aéreo não pode ser contemplado como exceção aos demais. O usuário é equiparado ao consumidor e a companhia aérea deverá responder por abusos praticados, como qualquer outro fornecedor de serviços(3).

A responsabilidade prevista no art. 159 CC, depois de considerada amparada pelo seu reconhecimento Constitucional e no CDC, vem fortalecer a alegação da culpa das transportadoras que se escusam em reparar e indenizar aos seus passageiros (consumidores) da forma preconizada na ordem jurídica, vejamos:

          A Responsabilidade Civil.
Agindo com dolo ou culpa, o causador de um dano fica obrigado à sua reparação, é responsável civilmente. A responsabilidade civil é independente da responsabilidade criminal. O ilícito pode não chegar a ser um crime, sem deixar, todavia, de ser um delito civil. Três teorias disputam o fundamento dessa reparação: a subjetiva, a objetiva e a do risco. A teoria subjetiva impõe a reparação sempre que se possa provar a culpa lato sensu do agente. Pela teoria da responsabilidade objetiva, quem lucra com o exercício de uma atividade, deve indenizar o dano oriundo dessa atividade, a menos que comprove ter ocorrido caso fortuito ou força maior. Pela teoria do risco nem mesmo essa prova se faz necessária, porque ela sustenta que todos assumem os riscos das atividades que exercem, quem lucra paga o risco necessário à produção desse lucro. (4)

O furto existe, pois não poderá um volume desaparecer sozinho. Existem grandes redes de piratas que atacam os armazéns, depósitos e até mesmo a pista dos aeroportos para subtraírem os volumes desacompanhados. Na inspeção federal, no exame de Raios X, nas filas dos bancos poderá existir um informante para apontar o volume objeto da cobiça.

Não interessa às transportadoras mudar esta configuração, mesmo porque até pouco tempo, obtinham o reconhecimento da aplicabilidade da CIV ou do CBA. Hoje, com advento Código de Defesa do Consumidor, temos a formação dos primeiros passos que farão mudar o costume.

          CDC – Lei 8.078, de 11.9.1990
          Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente, da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.

Já se afastam a CIV e o CBA para que haja uma condenação baseada no extravio da bagagem pela transportadora. O fato tipificado do furto permite esta condenação, pelo extravio de bagagem, não se levando em consideração outros argumentos. Vejamos as jurisprudências já formadas a esse respeito:

Atraso e extravio de Bagagem. Dano Material e Moral. Não ofende a CF 178 a decisão judicial que condena companhia aérea ao pagamento de dano material e moral por atraso e extravio de bagagem (STF, 2ª T. AgRgAg 198380-9-RJ, rel. Min. Marco Aurélio, v. u., j. 27.4.1998, BolAASP 2071/246-e).

          BAASP 1834/Sup/04.- Transporte aéreo e extravio de bagagem. Indícios de extravio em terra, além de não estar relacionada com acidente. Responde a transportadora pela indenização integral regulada no Código Civil, afastando a indenização tarifada da lei nº 7.565/86, prevista para acidente aéreo. Interpretação que também se harmoniza com o direito do consumidor. Ação procedente. Ap. nº 548.098-4, Bol. 58, I/TACSP. (5)

          "Responsabilidade Civil – Transporte Aéreo Internacional – Extravio de Bagagem – Aplicação do Código de Defesa do Consumidor.
Na atualidade tem-se firmado o correto entendimento no sentido da inaplicabilidade do CIV para a solução das questões relativas ao extravio de bagagens, prevalecendo as regras do Direito Comum, aí incluídas as do Código Civil e as do Código de Defesa do Consumidor. Correto o entendimento jurisprudencial de se deferir de forma integral, a indenização, em não havendo acidente, vale dizer, quando a empresa de transporte aéreo não sofreu qualquer prejuízo. A razão disto é, justamente, evitar o enriquecimento ilícito pela mera alegação de que a mercadoria transportada não chegou ao destino, com pagamento de indenização inferior ao prejuízo efetivamente suportado por aquele que contratou o transporte a responsabilidade limitada, segundo as disposições do CBA, fica, assim, restrita às hipóteses de ocorrência do risco do transporte aéreo, quando a transportadora também arca com prejuízos, com o que se dá interpretação não vedada pela liberalidade das disposições contidas nesse Diploma Legal (JTACSP 146/112) (1º Colégio Recursal de São Paulo –JECSP – Rec. 1.796 – rel. Torres Garcia – j. 7.3.96 – RJEsp – Fiuza Editores/SP – vol. I, jul-set/96, p.45)".

As transportadoras trombeteiam aos quatro cantos que devem ser aplicadas a CIV ou o CBA, devendo o passageiro declarar o valor da bagagem para via indireta exonerar a transportadora de dispor do pagamento de reparo e indenização, pois, assim procedendo ele, consumidor, suportará o pagamento do seguro que onerará, ainda mais, o custo de seu transporte. Coloca em letras garrafais que o extravio da bagagem se regulará pela CIV ou pelo CBA, mas não esclarece com letras do mesmo tamanho que o seguro pela declaração de bagagem correrá por conta do passageiro. Que será necessário apresentar notas fiscais e relação detalhada do conteúdo da bagagem, inclusive com o preço de cada artigo.

A norma contratual que ofende os preceitos legais são tidas como não escritas, esta é uma delas.

Se o furto acontece é porque se privilegiou uma empresa a despeito dos princípios da ordem econômica já declarados desde a Constituição de 1946. O extravio em solo, sinônimo de furto, acontece porque não se aplicaram efetivamente a norma substantiva que determina o reparo e a indenização. Quanto mais agressiva for a condenação maior será o cuidado para que não se exponha o passageiro (consumidor) ao desespero de perder toda suas economias, todos os seus sonhos ao abrigo de uma indenização material que, em dias atuais, já está enxotada pela Constituição e Código de Defesa do Consumidor e cujo valor não lhe repõe, sequer a possibilidade de adquirir uma nova valise.

A tipificação criminal do extravio da bagagem em solo consigna o reconhecimento do fato criminoso. A via de reparo e indenização pelo ato delituoso é o art. 159 CC, que não admite isenções ou divagações sobre a sua aplicabilidade. Não se afasta o CDC, também, ao argumento de que deveria haver sido feita uma relação detalhada dos bens transportados, principalmente quando se demonstra o conteúdo de um ou mais volumes através de notas fiscais, pagamentos de impostos, taxas etc.

Diante da evidência destas provas documentais não poderão subsistir argumentos que lhe afastem o reconhecimento do dano material e moral. Aliás o brocardo latino "furtum sine dolo malo non committitur", (não se comete furto sem dolo mau), socorre aqueles que tiveram as bagagens extraviadas, desaparecidas, furtadas, sumidas etc., pois, o dolo está presente quando não se pretende vigiar adequadamente o bem depositado à vigilância da transportadora.

Concluímos que diante desta teoria que considera o extravio de bagagem como furto, quando não demonstrado que houve um acidente ou incidente aeronáutico, fica afastada a CIV ou CBA para serem aplicados os CDC e o CC.

Já em relação ao dano material, este poderá ser aplicado concomitantemente com a CIV ou CBA, uma vez que já disse o c. STF, em recente jurisprudência que o reconhecimento do dano material e moral não ofende aqueles diplomas.

Faltando definir somente, então, via fatos informadores da questão se aplicada a Convenção Internacional de Varsóvia, em caso de acidente aeronáutico ou incidente aeronáutico, se há de subsistir os valores determinados naquele velho e ultrapassado diploma, protegendo a empresa transportadora pela própria norma que exige um seguro que lhe ampara, e independentemente das outras normas, ou, se os modernos sistemas protetores do consumidor deverão ser ouvidos.

A diversidade de valores internacionais não dão uma base para estipular-se segundo à média, vista que o dano moral na Alemanha é extremamente baixo enquanto nos EUA são extremamente elevados. Porém, em sede nacional ainda estamos muito longe de adquirir uma cultura que protege o consumidor, ele é visto como inimigo mortal da ordem econômica, pois, gerará, quando consome, inflação e quando exige qualidade um apologista das coisas estrangeiras em detrimento da industria nacional que parou no tempo devido a proteção desmedida dada a sua natureza colonial.

O entendimento que buscamos conclusão deste tema está calcado no evento acidente ou incidente, existindo o acidente ou incidente é plausível o reconhecimento dos diplomas Internacional e Nacional, porque a transportadora sofre, também, pesados prejuízos.

Não existindo acidente é imperioso reconhecer a aplicabilidade da Norma Constitucional e do CDC afastando-se a CIV ou o CBA, até porque irá interferir na soberania, na dignidade e na supremacia de nossa gente e justiça. A inaplicabilidade do CDC dará ensejo ao enriquecimento sem causa, ao desrespeito da consideração da norma que estabeleceu preceito de ordem econômica e social.

Em última análise, poderão coexistir aplicados concomitantemente a CIV/CBA com o CDC, se se conferir validade aos princípios que informam este último, para afastarem os limites impostos na CIV/CBA no caso de falta de acidente/incidente aeronáutico e reconhecerem legítima a dor de quem enfrenta o extravio de bagagem, nas asas dos transportadores.

Quanto vale além do objeto material, o desconforto de não poder gozar do bem adquirido? De não ver o sorriso de mãe, da mulher ou marido, dos filhos de não poderem abrir um presente comprado, às vezes, até em detrimento de sua alimentação? Quanto vale um sonho de montar um negócio próprio por terem subtraído o volume que continha o equipamento comprado à duras penas?

Não poderemos pactuar com a isenção de reparo material ao argumento de que o passageiro não preencheu a declaração de bagagem, vista que irá onerar o custo de sua viagem com mais um seguro que só beneficia o transportador. O Código de Defesa do Consumidor exige que este apenas apresente prova de que o material existia, a declaração, apenas ratifica o documento fiscal do material transportado. É, a nosso ver, a prova da prova, a imoralidade do ato permissionário da transportadora com o agente que praticou o crime, acobertado por uma isenção protecionista em detrimento da parte fraca. Assim a condenação pelo dano material se faz necessária e urgente, com vistas a melhorar os serviços e dar garantia palpável ao consumidor, tanto quanto o reconhecimento do dano moral pelo constrangimento, ansiedade, pelos momentos difíceis, pela imprevisão, pela dor e tristeza que abate qualquer ser humano defronte do fato denominado perda.


Jurisprudência Atual do Dano Moral

Apelação Cível n.º 287.048-6 - VARIG S/A x Rogério Silva Gama - Belo Horizonte - TAMG - 4a T., j. em 22.9.99:

EMENTA: INDENIZAÇÃO - TRANSPORTE AÉREO - BAGAGEM - EXTRAVIO - CONVENÇÃO INTERNACIONAL.

O extravio de bagagem gera o dever indenizatório ao transportador aéreo, sendo a indenização limitada ao valor estabelecido no Código Brasileiro do Ar, em consonância com a Convenção de Varsóvia da qual o Brasil é signatário, prevalecendo a norma especial sobre as normas ordinárias.

Tal tarifação, entretanto, não exclui a indenização dos danos morais, garantida de forma autônoma pelo texto constitucional . Apelo do autor provido em parte.

Em recente decisão do STJ, Resp 235.678, para o ministro Ruy Rosado de Aguiar, relator do processo, entendeu que a limitação no valor da indenização estipulada em convenções internacionais sobre o transporte aéreo está em desacordo com o Decreto 2.681 de 1912 que definiu os princípios da responsabilidade civil do transportador. "Mudaram as condições técnicas de segurança de vôo e também se modificaram as normas que protegem o usuário dos serviços prestados pelo transportador". (in Notícias do Superior do Tribunal de Justiça - em 13.12.1999).

Agora além do dano moral aceito, ainda timidamente, temos finalmente o reconhecimento do dano material. Repetindo: "bagagens não desaparecem sozinhas … são necessários mãos."


NOTAS

  1. In Stoco, Rui, Responsabilidade Civil e Sua interpretação jurisprudencial, Doutrina e Jurisprudência, 4ª ed.; SP – RT – 1999; pág. 208.
  2. Grifo e negritos nosso!
  3. In Del Rey, Revista Jurídica, abril/1999, ano II, número 5, pág. 12.
  4. Enciclopédia Eletrônica Jurídica Leib Soibelman, RJ, SARAIVA, 1998.
  5. Negritos nosso.
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Sobre o autor
Alberto Monteiro Alves

advogado em Minas Gerais

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ALVES, Alberto Monteiro. A teoria do furto de bagagem e a Convenção Internacional de Varsóvia. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 5, n. 38, 1 jan. 2000. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/652. Acesso em: 3 mai. 2024.

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