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Aspectos conjunturais da adoção de crianças por homossexuais

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24/03/2005 às 00:00
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Faremos um estudo da adoção frente aos modelos de família, demonstrando que esta assume novos contornos, como a não necessidade de matrimônio, as separações e os divórcios e a viuvez, que conduzem a monoparentalidade.

INTRODUÇÃO

O presente trabalho tem como objetivo analisar o tema da adoção por casais homossexuais em seus aspectos conjunturais. Para tanto, faremos um estudo dos modelos de família, demonstrando que esta assume novos contornos como a não necessidade de matrimônio, as separações e os divórcios, a viuvez que conduzem a monoparentalidade e as adoções.

Neste conceito de família pretendemos incluir a família homossexual, que advém da união afetiva entre casais do mesmo sexo, enfocando a possibilidade de estes adotarem crianças.

Assim, num primeiro momento apresentaremos o conceito de família sob a ótica de alguns autores, não somente da área do Direito, incluindo outros das Ciências Sociais.

Abordaremos o direito à diferença, que, na era dos direitos, figura dentre os de quarta geração.

Relataremos o que autores como Boaventura de Souza Santos e Alain Touraine entendem sobre o direito à diferença. E, para consecução do objetivo proposto traremos dados atualizados sobre a família brasileira, sobre a adoção no Brasil, sendo que a respeito desta enfocaremos os Estado do Paraná e de Santa Catarina.


I A FAMÍLIA EM TRANSFORMAÇÃO

A personagem principal é composta por uma série de atores a que denominaremos família. A organização familiar básica no Brasil, do século XVI ao início do século XX, se espelhava no modelo mundial, em que predominava o individual sobre o coletivo. Portanto, seguia-se a cultura patriarcal, cuja autoridade soberana era exercida pelo pai, enquanto à mãe cabia a administração doméstica.

O poder exercido pelo patriarca submetia os filhos a seguir-lhes as ordens. Aos filhos homens cabia-lhes uma educação mais completa porque herdariam os negócios do pai, saiam dos internatos para as escolas superiores para se tornarem bacharéis. Às filhas moças competia-lhes serem prendadas e castas para que lhes fosse "arranjado" um bom casamento, sendo a virgindade uma importante moeda de troca nesta época que refletia muito bem o ideário capitalista (individual sobre o coletivo).

A família patriarcal descende da família romana que tinha um caráter jurídico, econômico e religioso cuja autoridade suprema era exercida pelo pater familias.

Para esta família patriarcal o ordenamento jurídico que os abriga é o Código Civil (Lei 3071, de 1º de janeiro de 1916) que, no entendimento de FRANÇA (1977, p.393) atende a todos os princípios do individualismo:

Como dissemos, o CC apresentou-se como um diploma do seu tempo. I.e., um ordenamento para a época razoavelmente atualizado, informado que foi pelas luzes dos nossos melhores doutrinadores, cujo talento em nada desmerecia o padrão científico universal. Sucede, porém, que o seu tempo foi exatamente um tempo de transição do direito individualista para o direito de cunho social, conforme os padrões da célebre Constituição de Weimar, de 1919.

Com base neste ordenamento o papel a ser desempenhado pelo pai e marido é o de prover o sustento da mulher e dos filhos, competindo-lhe a administração dos bens, já que a mulher é considerada relativamente capaz, bem como a este homem e cabeça do casal, cabe tomar as decisões pelo grupo.

O Código Civil seguindo os mandamentos da Igreja prezava pela indissolubilidade do vínculo matrimonial, o qual uma vez contraído só se desfazia pela morte de um dos cônjuges.

O modelo de família patriarcal matrimonializado obedece a uma hierarquia de papéis a serem desempenhados, cabendo ao senhor e pai atividades públicas e à mulher a aos filhos, atividades domésticas. Dada essa rigidez é que se pode dizer que o patriarcado se estabeleceu por quase 400 anos.

Cabe ressaltar que o matrimônio serve à legitimação das relações sexuais, ou, nos dizeres de FOUCAULT (1997 p. 40): "A conjugalidade é para a atividade sexual a condição de seu exercício legítimo."

Bem como para a moral judaico-cristã que se coaduna com o capitalismo as relações sexuais só podem gerar filhos, não proporcionar o prazer. Vejamos o seguinte trecho: "Poderíamos ficar inclinados a reconhecer aqui a antecipação da idéia cristã de que o prazer sexual é nele mesmo uma mancha, que apenas a forma legítima do casamento, com a proibição eventual, poderia tornar aceitável." (FOUCAULT, 1997, p. 41).

Entretanto, a família patriarcal constituída a partir "do conúbio entre o homem e a mulher e que vai merecer a mais deliberada proteção do Estado que nela vê a célula básica de sua organização social" (RODRIGUES, 1991, p.6) começara um processo de transformação cujo início ocorreu a partir de meados do século XIX. Podemos citar como fatores que contribuíram para esta mudança: a urbanização acelerada decorrente dos processos de industrialização e do êxodo rural, as revoluções tecnológicas, as profundas modificações econômicas que possibilitaram às mulheres o ingresso no mundo do trabalho fora de casa, as transformações comportamentais, o uso de anticoncepcionais, os movimentos de emancipação, a menor influência da Igreja sobre o Estado, a possibilidade de divórcio, entre outros.

Para os doutrinadores do meio jurídico a família estruturada seria composta por pai, mãe e descendentes ligados pelo parentesco. Vejamos alguns conceitos de família. Para LIRA (1999, p. 81) é uma "instituição jurídica e social resultante das justas núpcias, contraídas por duas pessoas de sexo diferente". Já para Orlando GOMES, (1995, p.30) família "em acepção ‘lata’, compreende todas as pessoas descendentes de um ancestral comum, unidas pelo laço do parentesco, às quais se ajuntam os afins" e, em sentido estrito "limita-se aos cônjuges e descendentes". Interessa essa acepção para fins sucessórios e de pensão alimentícia.

Porém, atualmente, a nossa personagem principal ganhou nova roupagem, e a família não é somente formada por ascendentes, descendentes, não se origina exclusivamente do matrimônio, poderíamos dizer que a família atual busca a realização plena dos seus membros, envolvendo mais a afetividade que a propriedade. Nasce assim o conceito de família eudemonista, que, para OLIVEIRA e MUNIZ (1990, p. 11) transforma a família:

A família transforma-se no sentido de que se acentuam as relações de sentimentos entre os membros do grupo: valorizam-se as funções afetivas da família que se torna o refúgio privilegiado das pessoas contra as pressões econômicas e sociais. É o fenômeno social da família conjugal, ou nuclear ou de procriação, onde o que mais conta, portanto, é a intensidade das relações pessoais de seus membros. Diz-se por isso que é "a comunidade de afecto (sic) e entre-ajuda."

Entretanto, há quem conceba a família moderna por outro viés, o da desestrutura, advinda de fatores desagregantes como a baixa renda, falta de escolaridade, entre outros. E, foi assim, que PASSETTI (1994, p. 50) conceituou a família das metrópoles:

A família que encontramos hoje nas metrópoles em nada difere entre os novos miseráveis (crianças e adolescentes). Ela não corresponde à família burguesa modelar do capitalismo de livre concorrência, nem tem condições de ser ‘recuperada’, como pretende o neoliberalismo. Deve ser entendida sob o intervencionismo como forma particular de arranjo das relações amorosas (em que se compartilha a ausência na convivência diária, de um ou mais de um dos componentes da família nuclear), como família desestruturada em situação de miséria que justifica a evasão escolar de seus filhos e os espancamentos, negligências, abusos sexuais e psicológicos cometidos contra eles

Mesmo essa família sendo considerada por PASSETTI (1994) como desestruturada para os padrões da sociedade burguesa, percebemos que o que os une não são fins patrimoniais, mas a conveniência e o afeto. A família agora é dotada de um dinamismo que dispensa o Estado e a Igreja para se constituir e para sobreviver (VILLELA, 1999, p.16). O que não impede o Estado de dar soluções assistencialistas a esta família. Vejamos:

Sob o regime intervencionista não se objetiva, como no tempo da clássica família burguesa, impor-se um modelo. Agora, as várias formas de reprodução da vida e de continuidade das relações amorosas são julgadas a partir de critérios de tolerância frente à capacidade dos genitores de propiciar, dentro ou fora da família nuclear, o mínimo de formação aos seus filhos para uma sociabilidade satisfatória. Por isso mesmo, a família desestruturada será definida pela impossibilidade de que um dos genitores na família nuclear tenha rendimento suficiente para sustentar a prole. A desestruturação da família dos novos miseráveis passa a ser entendida e difundida a partir de uma concepção moral apriorista. (PESSUTTI, 1994, p.50)

A família é uma instituição da história humana e, por isso sua existência não é linear.

Como vimos, a família é o " ‘locus’ de amor, sonho, afeto, companheirismo." (MacIver, R. M. citado por VILLELA p.18)

Atualmente convivem, harmoniosamente, numa mesma sociedade os modelos de família patriarcal e a família nuclear, que surgiu a partir da década de 1960, conforme LEITE (1997, p.16) centrada sobre ela própria e sobre a criança, a qual substituiu a família numerosa por uma célula mais restrita. Há também a família monoparental, que é aquela formada pelos filhos e um dos genitores ou com outra pessoa. Cujos fatores determinantes de sua formação, segundo LEITE (1997) podem ser o celibato, a separação, o divórcio, a união livre, a viuvez, e outros de ordem sócio-econômica como a inserção da mulher no mercado de trabalho, a contracepção, a longevidade, a divisão ou não de papéis de gênero, o casamento ou a união estável. E, diante destas múltiplas possibilidades eis que surge a família homossexual. Vejamos o que entende MASCHIO (2002, p. 1):

A liberação sexual, sem dúvida, em muito contribuiu para a formação desse novo perfil de família. Não há mais necessidade do casamento para uma vida sexual plena. Algumas pessoas se encontram, se gostam, se curtem por algum tempo, mas cada qual vive em sua própria casa, em seu próprio espaço. O objetivo dessa união não é mais a geração de filhos, mas o amor, o afeto, o prazer sexual. Ora, se a base da constituição da família deixou de ser a procriação, a geração de filhos, para se concentrar na troca de afeto, de amor, é natural que mudanças ocorressem na composição dessas famílias. Se biologicamente é impossível duas pessoas do mesmo sexo gerarem filhos, agora, como o novo paradigma para a formação da família – o amor, em vez da prole – os ‘casais’ não necessariamente precisam ser formados por pessoas de sexo diferentes.

E nos filiamos a corrente que considera a união entre homossexuais como família, porque acreditamos que a família é um grupo de pessoas ligadas por interesses ou convicções comuns. Não abrange somente o fim reprodutivo porque o que seria dos casais que não podem ter filhos? E os que podendo decidem não ter? Será que não merecem proteção do Estado? Assim, optamos pela família eudemonista que considera a busca de uma vida feliz, de maneira individual ou coletiva, o princípio e o fundamento dos valores morais, julgando eticamente positivas todas as ações que conduzam o homem à felicidade, o que não depende necessariamente da diversidade de sexos e do casamento.

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II O DIREITO À DIFERENÇA

Vimos como o conceito de família se transformou, de um modelo patriarcal fechado para a possibilidade de múltiplas formas de se viver em família. Assim, OLIVEIRA e MUNIZ (1990, p. 11) nos fazem acreditar que "a família e o casamento passam a existir para o desenvolvimento da pessoa – para a realização dos seus interesses afetivos e existenciais." Portanto, a diversidade de sexo é pressuposto para a existência do casamento, não necessariamente para a união estável, principalmente se aduzirmos a idéia de realização, de afeto, de felicidade. O que nos remete a proposta de construção do direito à orientação sexual como direito fundamental, prolongamento do direito da personalidade.

Com isto, é preciso rever a posição da família como polarizadora da vida moral e sexual de seus membros e permitir o desenvolvimento de outras possibilidades. Até porque o ordenamento jurídico surge das necessidades da sociedade e de suas relações. É preciso "revitalizar a parte substantiva das relações humanas em detrimento das formalidades legais." (GÓIS, 1998, p.165)

A globalização hegemônica mantém os mitos da sexualidade como: os papéis de gênero, a divisão sexual do trabalho e o sexo com fins procriativos, insistindo em resgatar o modelo patriarcal só que com uma visão neoliberal.

Com a globalização é possível perceber o que o mundo pensa em matéria de união homossexual. A França, por exemplo, em 1999 legalizou a união entre pessoas do mesmo sexo denominando-a de pacto civil de solidariedade. A Holanda também prevê casamento entre homossexuais e o direito à adoção de crianças desde 2000. E, "as chances de outros países aprovarem leis semelhantes são grandes, principalmente pela necessidade de igualdade de direitos dentro da União Européia, e pelo processo de globalização da economia." (Farias, 2002, p.11).

Entretanto, não é possível exigir que os homossexuais se comportem como a sociedade quer, com a separação de papéis de gênero, ou com a necessidade de ser uma lésbica masculinizada ou um gay travestido. É por esta razão que se busca o direito à diferença, que inclui o respeito à identidade pessoal. Segundo SANTOS (2002, p. 75) que ".. . temos o direito de ser iguais quando a diferença nos inferioriza e a ser diferentes quando a igualdade nos descaracteriza." Pensamento corroborado por TOURAINE (1998, p. 72): "Somos iguais entre nós somente por que somos diferentes uns dos outros."

Para assegurar o direito à diferença surgiram os movimentos homossexuais. Vejamos o seguinte trecho:

A luta dos homossexuais começou de maneira mais expressiva a partir da revolta de Stonewall nos Estados Unidos, em 1969. No Brasil, o movimento homossexual começou com a abertura política e o fim do regime militar, no fim da década de 70, avançando com mais força a partir da metade da década de 80, em conseqüência da AIDS, ironicamente, o câncer guei, como era inicialmente chamada a doença serviu para estruturar definitivamente a luta pelos direitos dos homossexuais no país. (FARIAS, 2002, p.12)

Esses movimentos se caracterizam por uma ação pacífica e institucional e nem sempre estão vinculados a partidos políticos. São exemplos de conquistas: a tramitação, no Brasil, do Projeto de Lei n. 1.151/95, de iniciativa da então deputada e atual prefeita de São Paulo, Marta Suplicy, sobre parceria homossexual, o aumento da pesquisa de caráter científico sobre homossexualidade, a possibilidade de discussão em congressos e outros sobre o tema, as novas tendências dos tribunais em matéria de sexualidade, que nos últimos dois anos autorizou a adoção de crianças por homossexuais, a pensão para os companheiros. E mais, em três Estados (Mato Grosso, Sergipe, Rio de Janeiro), no Distrito Federal e em 76 municípios do País é crime discriminar gays e lésbicas.

Temos como exemplo a decisão proferida pelo Tribunal de Justiça do rio de Janeiro, em 06 de julho de 1999, que confirmou a decisão do Juiz da 1ª Vara da Infância e da Juventude, Siro Darlan, que autorizou a adoção de uma criança de nove anos por um professor homossexual assumido. Em entrevista ao Jornal do Brasil (www.cecif.org.br/trab_temas/ado_homosexual1.htm Acesso em: 20 nov. 2002), Siro Darlan assim se pronunciou: "O que interessa é que a pessoa seja idônea e que a criança esteja bem em sua companhia. O resto é preconceito." Depois dessa confirmação o Juiz Siro Darlan autorizou dez adoções. Bem como, mais recentemente o exemplo dado pelos 17 membros do Conselho de Imigração do Brasil que decidiram, após colocarem de lado os argumentos legais, prevalecendo a sensibilidade e a subjetividade, por unanimidade manter a francesa Marie e a brasileira Cláudia, já casadas na França, juntas, pois caso o visto de permanência no Brasil fosse negado elas teriam que se separar. (fonte lista de discussão Direito em Debate, em 30 ago. 2002). Ainda na Europa, a partir de fevereiro de 2003 será admitido aos casais homossexuais suecos a adoção de crianças. Segundo informações coletadas no site www.portugalgay.pt:

Esta medida foi anunciada pelo Ministério da Justiça sueco, após aprovação em Parlamento a 5 de Junho passado (2002). A Suécia terá que esperar seis meses até à entrada em vigor destas novas disposições legais, uma contagem que se inicia a partir da denúncia da Convenção do Conselho da Europa de 1967, relativa à adopção, necessária para a promulgação da lei. Sendo assim, a Suécia tornar-se o primeiro país do mundo a permitir a adopção de crianças estrangeiras por casais homossexuais. A Holanda já tinha aprovado uma lei similar em Dezembro de 2000, mas limitando a adoção a crianças neerlandesas, de modo a permitir a continuação da Convenção de 1967.

E, na América Latina, quem sai na frente é a Argentina, que aprovou no dia 13 de dezembro de 2002, em Buenos Aires, uma lei que autoriza a união civil entre homossexuais, conforme notícia veiculada pela rede mundial:

A lei foi redigida por uma juíza especializada em direito de família foi discutida durante um ano e meio por várias comissões legislativas, e foi aprovada por 29 votos a favor e 10 contra depois de uma sessão que durou mais de cinco horas e na qual ativistas gay e militantes católicos estiveram a ponto de sair no tapa. A lei reconhece os casais que estiverem juntos, em relação ‘estável e pública’, há pelo menos dois anos, na cidade de Buenos Aires. O governo da capital argentina tem 120 dias para regulamentar a lei, que deve entrar em vigor em abril de 2003.

Estamos na época das sociedades das diferenças, do multiculturalismo, o que não quer dizer que saibamos respeitar as diferenças, mas não nos impede de aprender a respeitar porque como diz o velho ditado: "só amamos aquilo que conhecemos", precisamos conhecer a diferença que nos faz singulares e aceitá-las de forma a podermos conviver em harmonia.


III BREVES CONSIDERAÇÕES ACERCA DA ADOÇÃO DE CRIANÇAS POR HOMOSSEXUAIS SEGUNDO A LEI BRASILEIRA

A legislação, que trata da adoção no Brasil é o Estatuto da Criança e do Adolescente. Entretanto, com a entrada em vigor do Novo Código Civil, os dispositivos referentes à adoção foram por este recepcionados. Em conformidade com o Novo Código Civil são requisitos para a adoção: Ser maior de 18 anos, independente do estado civil; e ser pelo menos 16 anos mais velho que o adotado.

Para a concessão da adoção, e, em conformidade com o artigo 1.625, "somente será admitida a adoção que constituir efetivo benefício para o adotando."

Em relação à possibilidade de adoção por homossexuais tem-se a mesma como possível, tendo em vista que não há vedação expressa, bem como dito acima, a adoção não depende do estado civil. Entretanto, o artigo 1.622 do Código Civil veda a adoção por duas pessoas, exceto se estas forem casadas ou viverem em união estável. Portanto, o ordenamento jurídico infraconstitucional não autoriza a adoção por casais homossexuais, isto porque para os parlamentares e intérpretes da legislação em vigor não há possibilidade, neste momento da vida em comum destes ser considerada união estável, pois esta pressupõe a diferença de sexos. Tal se apresenta porque o Novo Código Civil entende que a união estável só se dá entre homem e mulher, de acordo com a Constituição Federal, em seu artigo 226, § 3º. Mas, como pode um mesmo ordenamento jurídico excluir o que já foi incluído? Senão vejamos, a Constituição em seu artigo 1º, caput, se intitula um Estado Democrático de Direito e como fundamento, entre outros, temos a dignidade da pessoa humana. Então, quem é pessoa humana? É possível dizer que alguém deixe de ser pessoa humana por sua orientação sexual? Ou que seja mais digno ou menos digno por ser homossexual?

Contudo, como veremos nos Quadros 1 e 2 a seguir, vivemos numa sociedade excludente, que visa mais o aspecto patrimonial que o afetivo.

IV DADOS SOBRE FAMÍLIA E ADOÇÃO

Para confirmarmos os entendimentos doutrinários acima expostos, analisemos alguns dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE sobre as famílias brasileiras:

Quadro 1 – Dados de pessoas residentes em domicílios particulares

Variável

Condição na família

Sexo da pessoa responsável pela família

Pessoas residentes em domicílios particulares (pessoas)

Pessoa responsável

Homens

35.368.401

Mulheres

12.864.004

Cônjuge ou companheiro (a)

Homens

31.547.944

Mulheres

1.899.985

Filho (a) ou enteado (a)

Homens

58.414.670

Mulheres

17.302.805

Pai, mãe ou sogro (a)

Homens

1.190.127

Mulheres

455.489

Neto (a) ou bisneto (a)

Homens

2.088.509

Mulheres

2.151.320

Outro parente

Homens

2.780.956

Mulheres

1.859.522

Sem parentesco

Homens

776.510

Mulheres

454.190

Nota:

1.Os dados são dos Resultados Preliminares da Amostra

2.Os Resultados Preliminares da Amostra foram obtidos por uma pequena amostra dos domicílios e pessoas pesquisados pelo Censo 2000. Tais estimativas, portanto, têm diferentes níveis de precisão dependendo da natureza da informação.

Fonte: IBGE – Censo Demográfico 2000 Tabela 1665

Conforme o Quadro 1, percebemos que a maioria dos lares ainda é comandada pelos homens qualquer que seja sua condição como membro da família (pai, cônjuge, filho, neto, outro parentesco) ou até mesmo sem parentesco algum.

Para efeitos estatísticos, o IBGE considera como família:

Conjunto de pessoas ligadas por laços de parentesco, dependência doméstica ou normas de convivência, residentes na mesma unidade domiciliar, ou pessoa que mora só em uma unidade domiciliar. Entende-se por dependência doméstica a relação estabelecida entre a pessoa de referência e os empregados domésticos e os agregados da família, e por normas de convivência as regras estabelecidas para o convívio de pessoas que moram juntas, sem estar ligadas por laços de parentesco ou dependência doméstica. Consideram-se como famílias conviventes as constituídas de, no mínimo, duas pessoas cada uma, que residam na mesma unidade domiciliar.

Vejamos que o conceito de família para o IBGE é bem aberto, considerando conviventes duas pessoas num mesmo domicílio, não exigindo diversidade de sexo, ainda assim, não nos foi possível precisar a quantidade de lares homossexuais porque este não é um parâmetro pesquisado pelo Instituto e quanto ao Ministério da Saúde interessam saber se os homossexuais são soropositivos e, assim, os próprios homossexuais têm dificuldade de viver plenamente sua identidade.

É possível também que os homossexuais quando da visita do Censo 2000 tenham omitido a sua orientação sexual, pois ainda vivemos numa sociedade exclusora e homofóbica.

Assim, dados a respeito do número de homossexuais foram obtidos através da Organização Não-governamental Gay Lawyers, a qual estima em 16 milhões o número de homossexuais no Brasil, ou seja, quase 10% da população. (Fonte www.terra.com.br/istoe/1604/brasil/1604/luzrosa.htm). Dados estes confirmados pelo Grupo Gay da Bahia.

Mesmo com a liberação sexual ocorrida a partir da década de 1960 a 1970 não houve modificação da estrutura tradicional, o que possivelmente dificulta a contabilização do número de homossexuais no Brasil. CASTELLS (1999, p. 262) aponta alguns números:

Existem poucas estimativas confiáveis sobre lares e famílias de pessoas do mesmo sexo. Uma dessas poucas é a de Gonsioreck e Weinrich, segundo a qual cerca de 10% da população masculina dos Estados Unidos é gay, e entre 6 e 7% da população feminina é formada por lésbicas. Segundo sua estimativa, cerca de 20% da população masculina gay já foi casada e entre 20 e 50% tiveram filhos. Muitas vezes lésbicas são mães, quase sempre em conseqüência de casamentos heterossexuais anteriores. Uma avaliação bastante abrangente indica que o número de crianças que vive com mães lésbicas varia entre 1,5 e 3,3 milhões. O número de crianças que vivem com pai gay ou mãe lésbica situa-se entre 4 e 6 milhões.

O que podemos dizer é que existem, no Brasil, 32 grupos de defesa dos direitos das minorias sexuais, conforme dados extraídos do livro Diferentes Desejos: Adolescentes homo, bi e heterossexuais, de Claudio PICAZIO (1995).

É preciso ter em mente que as lutas dos homossexuais são um enfrentamento à homogeneização que a globalização busca. Eles buscam reconstruir uma identidade perdida.

Os homossexuais, assim como outras minorias excluídas, têm necessidade de se unir, formar uma organização, uma associação para se autodefender. Isso faz parte da sobrevivência num mundo individualista.

Acerca dos dados sobre a adoção temos que no ano de 1996 foram realizadas 6.207 adoções no Brasil. Segundo o Jornal Gazeta do Povo, em Curitiba, o número de crianças adotadas vem caindo nos últimos anos, em 1998 foram encaminhados para adoção 278 menores, sendo que em 2002, este número caiu para 163 menores encaminhados pela Vara de Infância e Juventude da Capital Paranaense. Este fato pode ser explicado se analisarmos o Quadro 2:

Quadro 2 – Dados sobre adoção no Brasil e no Estado de Santa Catarina

Quanto à idade

O que querem os pais

Realidade dos adotados

71% de 0 a 2 anos

65% de 0 a 2 anos

25% de 2 a 5 anos

15% de 2 a 5 anos

3% de 5 a 7 anos

8% de 5 a 7 anos

1% de 7 a 10 anos

8% de 7 a 10 anos

0,003% acima de 10 anos

4% acima de 10 anos*

Quanto à raça

O que querem os pais

Realidade dos adotados

73% brancas

79% brancas

21% pardas

19% pardas

2% negras

2% negras

3% sem restrições

0,003 % outras

Fonte: Cecif

*Correspondia a uma pessoa

Em que pese os dados serem do Estado de Santa Catarina, o perfil traçado pode ser aplicado ao Paraná também, pois de acordo com os comentários do juiz da Vara da Infância e Juventude do Paraná, Fabian Schweitzer, ao Jornal Gazeta do Povo de 6 de janeiro de 2003, p. 3: "a grande maioria deles faz muitas exigências na hora de escolher a criança. Quase todos querem uma menina, loira, e de no máximo 6 meses de vida."

Em relação ao instituto da adoção, de forma geral, ainda prevalecem mitos e muita desinformação. Vejamos o que diz Joselito Tanios HAJJAR, na coluna Espaço Aberto, do Jornal Folha de Londrina, em 09 de janeiro de 2003, p. 2: "Adoção, assim como filhos, é uma caixa de surpresa. Imagine se alguém poderia prever que aquela moça bem nascida e aparentemente feliz pudesse matar os pais às pauladas? Ou os garotos de classe média que atearam fogo no índio Pataxó? Quando um filho adotivo fica recalcado, normalmente fabrica alguns pensamentos negativistas. Se ganha um presente de aniversário mais simples daquele esperado, pensa: ‘Só porque sou adotivo’."

Portanto, seja por desinformação ou preconceito muitas crianças se vêem privadas do convívio familiar.

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Sobre o autor
Juliane Mayer Grigoleto

Advogada, Mestre em Ciências Sociais Aplicadas pela UEPG,Membro do Instituto Brasileiro de Direito de Família

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GRIGOLETO, Juliane Mayer. Aspectos conjunturais da adoção de crianças por homossexuais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 624, 24 mar. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/6502. Acesso em: 23 abr. 2024.

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