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Nova Lei de Falências:

uma breve análise

02/03/2005 às 00:00
Leia nesta página:

Introdução

Após mais de dez anos de tramitação no Congresso Nacional, foi sancionada pelo Presidente da República a Lei nº 11.101, de 9 de fevereiro de 2005, que, nos termos da ementa, "regula a recuperação judicial, a extrajudicial e a falência do empresário e da sociedade empresária".

Trata-se, portanto, de uma nova lei de falências, cujo Projeto de Lei foi enviado pelo Poder Executivo à Câmara dos Deputados em 1993, ainda sob o governo do Presidente Itamar Franco. Dessa forma, foi revogado o sexagenário Decreto-Lei nº 7.661, de 21 de junho de 1945, que, depois de quase sessenta anos em vigor, já não mais se adequava ao moderno mundo empresarial e ao panorama da economia brasileira e mundial.

É oportuno transcrever aqui trecho do Parecer do Senador Ramez Tebet, relator da matéria no Senado, que, ao justificar as alterações propostas por aquela Casa no Substitutivo aprovado pela Câmara dos Deputados, afirmou:

"A lei de falências, para cumprir os objetivos a que se propõe, deve apresentar três características fundamentais: primeiramente, deve ser logicamente estruturada, de forma que seus dispositivos possam ser bem compreendidos no âmbito dos respectivos institutos que pretendem disciplinar; em segundo lugar, seus dispositivos devem ter coerência interna, ou seja, é indesejável que haja repetições, contradições ou omissões que dificultem a aplicação da lei; finalmente, os dispositivos devem ser claros e tecnicamente precisos, para que se reduza, tanto quanto possível, a possibilidade de que controvérsias interpretativas comprometam a segurança jurídica dos interessados."

O texto da lei possui 201 artigos divididos em oito capítulos: Disposições Preliminares (Capítulo I), Disposições Comuns à Recuperação Judicial e à Falência (Capitulo II), Da Recuperação Judicial (Capítulo III), Da Convolação da Recuperação Judicial em Falência (Capítulo IV), Da Falência (Capítulo V), Da Recuperação Judicial (Capítulo VI), Das Disposições Penais (Capítulo VII), e Disposições Finais e Transitórias (Capítulo VIII).

O presente trabalho pretende traçar, ainda que de forma perfunctória, um esboço dos principais pontos da lei, além de mostrar os vetos apostos ao projeto, podendo servir de ponto de partido para estudos mais profundos.


I - Pontos relevantes no conteúdo:

a) Redefinição do universo de incidência da lei: o empresário e a sociedade empresária.

O texto sancionado aproveita o conceito de empresário contido novo Código Civil (art. 966), considerado preciso, para restringir o âmbito de incidência da lei aos empresários e às sociedades empresárias.

b) Plano especial de recuperação judicial para microempresas e empresas de pequeno porte. (arts. 70 a 72)

Propõe-se um plano especial que, nos moldes da atual concordata, envolva somente credores quirografários, com parcelamento de seus créditos em 36 parcelas mensais e sucessivas, vencendo-se a primeira 180 dias após o pedido de recuperação. O pedido de recuperação judicial com base em plano especial não acarreta a suspensão do curso da prescrição nem das ações e execuções por créditos não abrangidos pelo plano.

c) Exclusão da sucessão tributária e trabalhista.

O texto menciona expressamente que a venda da empresa em hasta pública estará livre de qualquer ônus e não haverá sucessão do arrematante nas obrigações do devedor, inclusive as de natureza tributária, as derivadas da legislação do trabalho e as decorrentes de acidentes de trabalho. Além disso, os empregados do devedor contratados pelo arrematante serão admitidos mediante novos contratos de trabalho (art. 141, inciso II e § 2º).

Interessante registrar que, no caso da exclusão da sucessão tributária, o dispositivo se harmoniza com as modificações introduzidas no Código Tributário Nacional pela também recém-promulgada Lei Complementar nº 118, de 9 de fevereiro de 2005.

d) Limite para a preferência do crédito trabalhista

Estabeleceu-se limite à preferência do crédito trabalhista de 150 salários mínimos por trabalhador (art. 83, I). O valor que superar esse limite deverá ser inscrito no quadro geral como crédito quirografário (art. 83, VI, "c").

e) Superprioridade de créditos trabalhistas de natureza salarial

É definido um valor (5 salários-mínimos) até o qual os trabalhadores terão prioridade absoluta de recebimento, inclusive sobre as restituições em dinheiro. Esse valor deve satisfazer às necessidades. Essa superprioridade será dada às parcelas de natureza estritamente salarial vencidas nos três meses anteriores à decretação da falência ou à distribuição do pedido de recuperação judicial, no limite de cinco salários mínimos por trabalhador. (art. 151).

f) Alteração na ordem de classificação de créditos na falência

O art. 83 altera significativamente a ordem de classificação de créditos na falência. Os créditos derivados da legislação trabalhista continuam em primeiro lugar, embora limitados a 150 salários-mínimos por credor, conforme visto acima. Em segundo lugar vêm os créditos com garantia real até o limite do valor do bem gravado. Os créditos tributários ocupam a terceira posição na ordem de preferência, excetuadas as multas tributárias.

Também aqui a modificação necessitou de alteração no art. 186 do Código Tributário Nacional, conforme a citada Lei Complementar nº 118, de 9 de fevereiro de 2005.

O texto aprovado inicialmente pela Câmara colocava esses dois últimos créditos em igualdade de condições na proporção de um para um e não excetuava as multas tributárias.

g) Disposições penais – Dos crimes em espécie

O novo diploma legal, aderindo à tradição legislativa penal brasileira, nomina todas as infrações penais, como, por exemplo, "fraude a credores", "contabilidade paralela", "violação de sigilo empresarial", "divulgação de informações falsas", "indução a erro", "favorecimento de credores", entre outras.

h) Não-aplicação das novas regras às falências e concordatas em curso

A nova lei não se aplicará aos processos de falência ou concordata ajuizados anteriormente à sua vigência (art 192).

i) Possibilidade de aplicação da lei às companhias aéreas (art. 199)

De acordo com o Código Aeronáutico, estavam impedidas de impetrar concordata as empresas que, por seus atos constitutivos, tenham por objeto a exploração de serviços aéreos de qualquer natureza ou de infra-estrutura aeronáutica.

A nova lei autoriza essas empresas a requererem recuperação judicial ou extrajudicial, além de garantir, na hipótese de falência ou recuperação judicial, a continuidade dos contratos de arrendamento mercantil de aeronaves ou de suas partes.

Por meio da imprensa, o Dep. Oswaldo Biolchi (relator na Câmara dos Deputados do PL 4.376/93, que originou a lei em análise) tem se manifestado pela inconstitucionalidade do dispositivo alegando que feriria o princípio da isonomia ao criar uma situação de privilégio para as empresas aéreas. No entanto, o princípio da isonomia – igualdade de todos perante a lei – é exercido sempre conforme os limites impostos pela própria legislação. Isonomia não significa igualdade absoluta e só é exercida em sua plenitude quando se trata desigualmente os desiguais. No caso das empresas aéreas, devido a importância da atividade, o tratamento diferenciado nos parece compreensível e perfeitamente constitucional.

j) Prazo da vacatio legis

O prazo para início da vigência da lei foi estabelecido em 120 dias (art. 201).


II -Vetos presidenciais

a) O Presidente da República, acatando manifestações dos Ministérios das Justiça e da Fazenda, vetou integralmente o art. 4º:

"Art. 4o O representante do Ministério Público intervirá nos processos de recuperação judicial e de falência.

Parágrafo único. Além das disposições previstas nesta Lei, o representante do Ministério Público intervirá em toda ação proposta pela massa falida ou contra esta."

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Nas razões de veto, alega-se que "o dispositivo reproduz a atual Lei de Falências – Decreto-Lei no 7.661, de 21 de junho de 1945, que obriga a intervenção do parquet não apenas no processo falimentar, mas também em todas as ações que envolvam a massa falida, ainda que irrelevantes, e.g. execuções fiscais, ações de cobrança, mesmo as de pequeno valor, reclamatórias trabalhistas etc., sobrecarregando a instituição e reduzindo sua importância institucional."

De fato, o dispositivo pode levar a um interpretação restritiva que entenda a necessidade da intervenção do Ministério Público em todas as fases do processo, até mesmo das irrelevantes, o que causaria demora injustificada na tramitação. A participação do Ministério Público já está garantida no texto em vários momentos importantes do procedimento, sendo aquele orgão intimado dos principais atos processuais. Assim, a sua ação fiscalizadora, mesmo com o veto do dispositivo, está garantida. Com bem diz o parecer que fundamenta o veto, "o projeto de lei não afasta as disposições dos arts. 82 e 83 do Código de Processo Civil, os quais prevêem a possibilidade de o Ministério Público intervir em qualquer processo, no qual entenda haver interesse público, e, neste processo específico, requerer o que entender de direito."

b) Outros dispositivos vetados foram a alínea "c" do inciso I e alínea "a" do inciso II do art. 35:

"Art. 35.

I –...................................................................................

c) a substituição do administrador judicial e a indicação do substituto;

II –...................................................................................

a) a substituição do administrador judicial e a indicação do substituto;

..................................................................................."

De acordo com as razões do veto, ao que parece, houve um equívoco do legislador ao mencionar o ‘administrador judicial’, quando pretendia se referir ao ‘gestor judicial’, uma vez que, ao prever a convocação da assembléia-geral de credores para deliberar sobre nomes, o projeto refere-se a este último, como se atesta da leitura do art. 65, que estabelece que, quando do afastamento do devedor, devido a uma das hipóteses previstas no art. 64, o juiz convocará a assembléia-geral de credores para deliberar sobre o nome do gestor judicial que assumirá a administração das atividades do devedor.

Diz ainda o texto justificador do veto que o equívoco merece ser sanado, elidindo-se a possibilidade de a lei vir a atribuir competências idênticas à assembléia-geral de credores e ao juiz da recuperação judicial ou da falência, o que ensejaria a inaplicabilidade do dispositivo, com inequívocos prejuízos para a sociedade, que almeja a celeridade do processo.

Salvo melhor juízo, não nos parece que tenha ocorrido o equívoco apontado, já que na alínea "e" do inciso I do dispositivo vetado é feita expressa referência ao gestor judicial. Cremos que a expressão deliberar sobre a substituição do administrador judicial e a indicação do substituto (texto vetado) não pode ser confundida com a nomeação em si do administrador judicial, ato privativo do juiz, conforme dispõe o art. 52 do nova lei.

c)Por fim, o último dispositivo vetado foi o inciso II do § 6º do art. 37:

"Art. 37...................................................................................

§ 6º...................................................................................

II – comunicar aos associados por carta que pretende exercer a prerrogativa do § 5º deste artigo.

..................................................................................."

Na justificativa do veto, afirma-se que a exigência de condicionar a representação sindical à prévia comunicação a seus associados, por carta, da intenção de representá-los é burocrática e desnecessária, servindo apenas para restringir ainda mais a atuação sindical, uma vez que o § 5º do mesmo artigo determina que o sindicato representará somente os trabalhadores que não comparecerem à assembléia, garantindo, pois, a participação direta daqueles que não desejarem ser representados por sua entidade sindical.

Além disso, o dispositivo abre perigosa possibilidade de impugnação da legitimidade da representação dos sindicatos e, por conseqüência, da própria Assembléia-Geral, pois será difícil ter em mão milhares de comprovantes de recebimento ou de postagem para provar que todos os milhares de trabalhadores foram devidamente comunicados por carta de que o sindicato pretende cumprir seu dever de defender os interesses da categoria que representa.


Conclusão

Não há dúvidas que o novo diploma legal traz substanciais mudanças e inovações visando a modernizar os procedimentos de falências e, principalmente, ao introduzir a recuperação de empresas (judicial ou extrajudicial) tentar prover o Ordenamento Jurídico de um instrumental apto a evitar a morte de uma empresa, que tantos males traz para a Sociedade.

Somente o tempo dirá se os legisladores conseguiram o objetivo pretendido. É questionável, por exemplo, a limitação da preferência dos crédito trabalhista a apenas 150 salários-mínimos quando se sabe que não são raras as indenizações trabalhistas que superam esse valor.

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Sobre o autor
Nilson Matias de Santana

Analista Legislativo da Câmara dos Deputados, Bacharel em Direito pela UFPE

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SANTANA, Nilson Matias. Nova Lei de Falências:: uma breve análise. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 602, 2 mar. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/6383. Acesso em: 19 abr. 2024.

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