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Reflexões sobre os crimes de perigo abstrato

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19/09/2004 às 00:00
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O trabalho examinará a utilização dos crimes de perigo abstrato como forma encontrada pelo legislador para tentar barrar a criminalidade oriunda da sociedade posta na atualidade.

Sumário: 1. Reflexões Iniciais. 2. Considerações sobre a sociedade contemporânea e a expansão do Direito Penal. 3. Considerações sobre os crimes de lesão e crimes de perigo. 3.1 Distinção entre crimes de dano e crimes de perigo. 3.1.1 Subsidiariedade dos crimes de perigo em relação aos crimes de dano. 4. Características dos crimes de perigo concreto. 5. Apontamentos sobre os crimes de perigo abstrato. 6. Reflexões finais. 7. Referências bibliográficas.


1 – Reflexões iniciais

Hodiernamente, é incontestável que a sociedade mundial ou a aldeia global - sincronizando o termo com nosso tempo - tem passado por inúmeras e profundas transformações.

O sociólogo português Boaventura de Souza SANTOS (1), sobre o nosso tempo, escreveu que:

Vivemos num tempo atônito que ao debruçar-se sobre si próprio descobre que os seus pés são um cruzamento de sombras, sombras que vêm do passado que ora pensamos já não sermos, ora pensamos não termos ainda deixado de ser, sombras que vêm do futuro que ora pensamos já sermos, ora pensamos nunca virmos a ser.

Estamos submersos numa época aturdida, de transição, na qual a ambigüidade e a complexidade provocam o descompasso dos que vivem e interagem na sociedade planetária. Nesta época, como afirma Antônio Carlos WOLKMER (2)

os grandes discursos e as narrativas norteadoras que deram fundamentação às formas de saber, ao modo de organização da vida, à regulação dos procedimentos comportamentais, às práticas uniformes de representação social e às configurações centralizadas da estrutura de poder passaram por questionamentos radicais, por processo de descentralização, por múltiplas redefinições e por realidades emergenciais

Nesta perspectiva, vivemos, então, num tempo de transição entre uma sociedade industrial e uma sociedade digital, entre uma sociedade nacional e uma sociedade global, entre a lógica-formal cartesiana e a cultura dos espaços virtuais, plurais e fragmentados.

Estamos envoltos em uma sociedade de risco (3), na qual o homem e o planeta vivem cercados pelo perigo, decorrente do exacerbado avanço tecnológico desprovido da consciência da finitude dos recursos naturais. Riscos oriundos da crença de uma tecnologia perfeita capaz de resolver todos os problemas do homem e do lugar onde ele habita. Riscos vindos do pensamento forjado na crença representada pela esperança na capacidade humana, pois, carregamos conosco o dogma: o que é errado hoje será corrigido amanhã ou depois pela nossa capacidade criativa e inventiva.

O certo é que vivemos numa sociedade em que a percepção e a reflexão do risco aumentaram, e a conseqüência óbvia desta constatação é a tentativa desenfreada de redução destes riscos que, por sua vez, debruça sua confiança no conhecimento técnico.

Ocorre que a percepção e a reflexão do risco aumentaram no mesmo grau em que a confiança na ciência diminui. Fato que trouxe medo ao corpo social, haja vista a dificuldade, a complexidade e impossibilidade de se lidar com determinadas ocorrências.

Este sentimento de insegurança real, emergente da própria sociedade do risco é potencializado pelos meios de comunicação, tendo em vista ser esta sociedade a da informação.

E notório que "entre rupturas e continuidades, entre novos riscos e velhas seguranças, entre mal-estares conhecidos e mal-estares desconhecidos, entre emergências e inércias" (4), a sociedade queixa-se da falta de mecanismos de travagem, sistemas de direção, de previsão, de um ponto de ancoragem, a fim de se libertar das ameaças conhecidas de catástrofes, já que se percebe a impossibilidade de reduzir suas probabilidades, mesmo sabendo de onde elas vêem, quais são os problemas a enfrentar e quem são os perpetradores.

A concepção de risco na seara jurídica passou a ser de suma importância devido à influência direta que alguns operadores do Direito sofreram de uma série de argumentos alarmistas que favoreceram a proliferação de movimentos dedicados a uma ampliação do Direito Penal com o nítido escopo de tentar barrar a denominada criminalidade moderna.

Nesta senda, a ciência jurídica é convocada a dar respostas sobre os novos temas da sociedade pós-moderna: danos imprevisíveis e não subsumíveis às coordenadas do tempo e espaço, exigências da globalização e da integração supranacional, reforçadas pela quebra de barreiras jurídicas na circulação de pessoas e bens e efetiva punição dos infratores (pessoas/agentes/grupos).

Da análise destes pontos, vê-se que o direito tradicional-liberal-antropocêntrico (paradigma das sociedades democráticas industriais do fim do século XX) não pode fazer frente a esta nova ordem, pois o fenômeno global está a modificar a realidade local de forma instantânea.

De tudo isso se conclui que existe uma nova demanda de modelos de operar na ciência jurídica. O catálogo conceitual clássico desta ciência não consegue mais responder aos anseios desta sociedade de risco, devendo, pois, o direito sofrer um processo de adaptação e mutação para se enquadrar nesta nova realidade.

Contudo, a resposta do Estado tem sido a da concepção de um Direito Penal cada vez mais punitivo, preventivo e hipertrofiado. Um destes efeitos traduz-se na abundante utilização de tipos penais de perigo abstrato, em contraposição aos de lesão e perigo concreto, paradigmas do Direito Penal Clássico.

Essa técnica legislativa e político-criminal das últimas décadas, mormente das duas últimas, quando a sociedade global tomou consciência dos riscos e ameaças que caracterizam o processo de evolução da tecnologia, suscita não só conflitos com princípios fundamentais da ciência penal, senão também sérios e graves problemas de legitimação do ius puniendi, de sua fundamentação e de seus limites, já que a criminalização com uso do modelo dos tipos de perigo abstrato trata-se de flagrante antecipação da punição criminal.

HASSEMER (5), com muita propriedade, relata que o instrumento do Direito Penal da sociedade contemporânea, o qual serve claramente a uma ampliação de sua capacidade, é a forma delitiva dos crimes de perigo abstrato. Este crime é a forma delitiva da modernidade para o legislador. Os crimes de perigo concreto ou os crimes de dano parecem estar ultrapassados.

Vislumbra-se, então, que tentando dar uma solução para esta crise da sociedade, o Direito Criminal é chamado "em primeira mão", e levado a trabalhar cada vez mais com os crimes de perigo abstrato, que abrangem no muito das vezes situações prévias ao crime (punem o pré-delito). No entanto, este alargamento do uso de tipos preventivos constitui-se em notória contradição aos princípios do Direito Penal Liberal que primam sempre pela punição do resultado efetivamente lesivo ao bem jurídico tutelado.

O presente trabalho buscará, pois, examinar a utilização dos crimes de perigo abstrato como forma encontrada pelo legislador para tentar barrar a criminalidade oriunda da sociedade posta na atualidade.

Assim, analisar-se-á a forma pela qual a sociedade contemporânea vem se caracterizando, as justificativas utilizadas pelo legislador para criminalizar condutas de perigo. Após, ver-se-á as diferenças entre os crimes de perigo e os crimes de dano, os conceitos de crimes de perigo concreto e abstrato e a fundamentação da existência e abundância deste último nas legislações penais da sociedade contemporânea, bem como as violações que o mesmo acarreta no Direito Penal Clássico, tendo em vista a existência de notória antecipação da tutela penal.


2 – Considerações sobre a sociedade contemporânea e a expansão do Direito Penal

"As coisas andam rápido! Tudo está integrado e funcionando em tempo real!" (6)

Fundamental, haja vista a rápida expansão e mutação da realidade social em que vivemos, traçar breves linhas sobre a nova sociedade que se impõe perante a humanidade nos dias de hoje, para, ao final, demonstrar a transformação que a mesma incute no direito penal.

Verifica-se, sem sombra de dúvidas, que o extraordinário desenvolvimento da sociedade da era industrial, não obstante ter sido responsável pelo incremento da qualidade de vida e pela satisfação de inúmeras necessidades humanas trouxe consigo uma aceleração, nem sempre positiva, "causando ao homem a sensação de que hoje viva em um só ano, o que o homem do século XIX teria de viver em cem", conforme a lição de Paulo Silva FERNANDES (7). Os avanços da humanidade acabaram por criar novos riscos, e dada sua gravidade, estes assumem proporções capazes de colocar em xeque a vida no nosso planeta.

São características desta sociedade pós-industrial em que estamos inseridos: globalização, integração supranacional, predomínio do poder econômico sobre o político, imprevisibilidade, risco ou aparecimento de novos riscos, insegurança, identificação da maioria social com a vítima, descrédito nas instâncias de proteção, reforço da criminalidade organizada e o conseqüente surgimento de um direito penal hipertrofiado e essencialmente preventivo.

Sobre a globalização, importante frisar que este movimento constitui-se em um fenômeno cujas dimensões ultrapassam as fronteiras econômicas chegando as esferas social, política, jurídica, cultural e religiosa que se interconectam de maneira complexa. Desta forma, qualquer explicação simplista, que busque reduzir o fenômeno em algo estagnado numa área apenas, tende a não traduzir a realidade.

Sobre o caráter econômico da globalização, Otávio IANNI (8) assinala que a globalização expressa um novo ciclo de expansão do capitalismo, como modo de produção e processo civilizatório de alcance mundial. Uma realidade ainda desconhecida, ou pouco compreendida, que desafia as práticas e ideais, as situações consolidadas e interpretações sedimentadas.

Boaventura de Souza SANTOS (9), por sua vez, relata que a globalização é um

processo complexo que atravessa as mais diversas áreas da vida social, da globalização dos sistemas produtivos e financeiros à revolução nas tecnologias e práticas de informação e de comunicação, da erosão do Estado nacional e redescoberta da sociedade civil ao aumento exponencial das desigualdades sociais, das grandes movimentações transfronteiriças de pessoas como emigrantes, turistas ou refugiados, ao protagonismo das empresas multinacionais e das instituições financeiras multilaterais, das novas práticas culturais e identitárias aos estilos do consumo globalizado.

Tópico muito importante a ser focalizado nesta enumeração é a substituição do Estado – dono do poder político - pelas empresas – detentoras do poder econômico, sendo estas as protagonistas do mercado. Nota-se que há décadas as decisões tomadas em alguns Estados ou em algumas organizações internacionais refletem-se extrafronteiras, dada a capacidade destas decisões afetarem a Terra.

A surpreendente amplitude e profundidade destas interações transnacionais, atravessadas por movimentos simultâneos de integração e fragmentação, levaram a interação de alguns fatores, como, por exemplo, a eliminação das fronteiras nacionais com a criação de Comunidades de Países combinada com o aumento da diversidade local dentro do território destes próprios países, como pode ser visto, mais claramente, na atualidade, no continente Europeu.

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Conforme posto por Stuart HALL (10), o processo de mudança constante, rápido e permanente causado pela globalização, bem como o impacto deste fenômeno diante da identidade do indivíduo, acentuou o contraste das sociedades "modernas", nas quais as práticas sociais são reexaminadas (refletidas) e reformadas à luz de informações recebidas sobre estas próprias práticas, o que altera continuamente seu caráter, em relação as sociedades "tradicionais", as quais, baseadas na tradição e na valorização de símbolos que perpetuam a experiência de gerações tentaram paralisar o tempo, ao inserirem qualquer atividade ou experiência particular numa linha de práticas do passado.

As sociedades contemporâneas "são caracterizadas pela diferença; são atravessadas por diferentes divisões e antagonismos sociais que produzem uma variedade de diferentes ‘posições de sujeito’ – isto é, identidades – para os indivíduos". (11)

Não existe centro, ou princípio organizador único, na contemporaneidade. A sociedade não se apresenta como um todo unificado, e nem por isso deixa de existir, já que seus diferentes elementos e identidades, em certas circunstâncias, articulam-se entre si, deteriorando identidades estáveis do passado e abrindo a possibilidade da produção de novas identidades, novos sujeitos. A pós-modernidade é vista como um processo de rupturas e fragmentações sem-fim, de descontinuidades, de deslocamento, não de substituição.

A questão da velocidade na sociedade atual é outro ponto a ser relatado, pois aumenta a dificuldade de previsão dos acontecimentos e, por conseguinte, torna impossível a controlabilidade dos mesmos.

Sobre esta questão, Ruth GAUER (12) destaca na sociedade atual "a onipresença do fator ‘velocidade’, a qual constitui, para Paul Virilio, ‘a alavanca do mundo’. Na atual velocidade, o mundo está chegando a um ponto de instantaneidade nos nossos deslocamentos" .

Atualmente, vive-se num mundo no qual grande parte dos acontecimentos dá-se quase ou de forma instantânea. Um bom exemplo é a transmissão da informação pelos meios computadorizados. Neste ponto, se destaca não só a velocidade da transmissão, como também a quantidade e a simultaneidade da transmissão.

Outro ponto a ressaltar é a "instantaneidade nos nossos deslocamentos" (13). Hoje, por intermédio da Internet, as pessoas podem relacionar-se com outras que estão do outro lado do mundo apenas fazendo clicks com o mouse. Enviam-se fotos, fala-se com imagem simultânea e em tempo real, etc. Podemos estar, virtualmente, em vários lugares ao mesmo tempo, o que para o modelo de conhecimento da modernidade, baseado no paradigma galilaico-newtoniano, era impossível.

Veja-se que se desfaz "num simples click" o modelo da modernidade de previsibilidade e de determinação dando lugar a uma sociedade de diferença e de imprevisão. Cumpre, neste ponto, mostrar o pensamento de BAUMANN (14): "O mundo pós-moderno está se preparando para a vida sob uma condição de incerteza que é permanente e irredutível". Desta forma, vê-se que é difícil - ou impossível - legislar para prevenir ou conter riscos.

Sobre os "riscos" cumpre salientar que estes são provocados por decisões humanas, que põe em perigo a própria sobrevivência do homem. Ressalte-se o fato de que não há mais fronteiras para a ação humana, pois os riscos são globais, podendo ser produzidos em qualquer local do globo e se prolongarem no tempo. Ademais, os riscos são locais e globais ao mesmo tempo, transcendem as gerações e as noções de espaço e tempo, visto o fosso temporal entre a prática de uma ação e sua conseqüência, vide, neste sentido, o acidente nuclear de Chernobyl que até hoje continua provocando danos à humanidade.

Na sua obra, La sociedad del riesgo global, Ulrich BECK, apresenta conceitos como "risco", "perigo" e "sociedade de risco", doutrinando, ao final, que risco e perigo acabam sendo sinônimos. BECK (15) afirma que "Riesgo es el enfoque moderno de la previsión y control de las consecuencias futuras de la acción humana, las diversas consecuencias no deseadas de la modernización radicalizada. Es um intento (institucionalizado) de colonizar el futuro, un mapa cognitivo".

Paulo de Souza MENDES (16) define o risco como uma avaliação moderna do conteúdo informacional, consistente na expressão de algum grau de incerteza sobre a ocorrência de certos efeitos secundários, geralmente indesejáveis, associados ao desempenho de determinada atividade ou ato, normalmente dirigido para a obtenção de um fim útil qualquer.

Os conceitos de risco e sua evolução são apresentados por David GOLDBLATT (17) e se dividem em três etapas, a saber: na primeira fase, a da sociedade liberal do século XIX, o risco assume a forma de acidente, isto é, de um acontecimento exterior e imprevisto, de um acaso, e é simultaneamente individual, repentino e irremediável. Nesta época, os perigos eram perceptíveis mediante os sentidos e o direito penal não podia dar conta dos riscos; na segunda fase, surge a emergência da noção de prevenção e segurança, entendendo-se como tal a atitude coletiva, racional que se destina a reduzir a probabilidade de ocorrência e a gravidade de um risco, que, por óbvio, era, na esteira da modernidade, objetivo e mensurável. A utopia da ciência perfeita e da técnica infalível de uma sociedade capaz de resolver racionalmente seus problemas faz o risco ser controlado pela estatística, pelo cálculo de probabilidades e o torna socialmente suportável pela divisão das responsabilidades pelos danos; na terceira fase da história do risco, ou na atualidade, o risco é encarado como algo invisível, imensurável, catastrófico, irreversível, pouco ou nada previsível, que destrói as nossas esperanças de prevenção e de domínio, sendo um efeito perverso ou secundário das próprias decisões humanas. A sociedade da atualidade, "do risco" é, pois, uma sociedade que se põe por seus próprios atos em perigo.

Assim, a auto-reflexão, a consciência do risco, torna-se caráter fundamental e diferenciador da sociedade pós-moderna. Neste sentido, cabe mencionar que: "A modernidade torna-se, assim, reflexiva o que vale por dizer que, a par da constatação da presença ubiquitária de novos riscos – anteriormente ausentes -, causados pela expansão cega da sociedade industrial, e como elemento subjectivo dessa percepção, surge a reflexão sobre os próprios fundamentos desse desenvolvimento desmesurado...".(18)

Percebe-se, nestas linhas, que grande parte das ameaças a que os cidadãos estão expostos provém de decisões que outras pessoas adotam, as quais surtirão efeito apenas no futuro e que são derivadas de aplicações técnicas de desenvolvimentos industriais. A partir daí, ocorre uma mobilização para que o Direito abarque tais situações em suas disposições com a finalidade de proteger os cidadãos destas ameaças que não são visíveis e que ultrapassam fronteiras de espaço e categorias de tempo.

Os sujeitos do Iluminismo, plenos de consciência, racionais, objetivos, que esperaram tudo que fora prometido durante anos pelos modelos do Estado Liberal e Social, passaram a perceber que perderam o controle e, por conseguinte, identificaram-se como vítimas de algo que não conseguiram enxergar e explicar racional e objetivamente, requisitando, haja vista o medo generalizado, a ação urgente de algo que proporcionasse uma ancoragem drástica na sociedade. No caso, o Direito Penal.

Na sociedade caracterizada acima, inicia-se a formação de um direito penal hipertrofiado, prevencionista e expansivo, sendo que este caráter de expansão explica-se pela acolhida de novos bens jurídicos (tais como meio ambiente, saúde pública, mercado de capitais, tributos, relações de consumo), pelo adiantamento das barreiras entre o comportamento impune e o punível e pela redução das exigências para a reprovabilidade da ação humana, o que se expressa na mudança de paradigma que vai da lesão do bem jurídico para a perigosidade da ação em si mesma, já que, muitas vezes, o núcleo do dano causado talvez não possa ser atribuído a alguém, todavia, acaba-se adotando a postura de considerar tais casos como resultantes de falta de cuidado, havendo um incremento na tipificação dos crimes de perigo, crimes comissivos por omissão, não-distinção ente autoria e participação, inversão da carga de prova, além da substituição do modelo clássico de justiça pela justiça negociada (ver o casos dos juizados especiais criminais e da delação premiada na lei de tóxicos).

Veja-se, então, que para responder a esta sociedade insegura, o Direito Penal é adaptado à ótica da sociedade do risco, recebendo uma função de "eminente instrumento de prevenção".

Assim, o Direito Penal oriundo da sociedade do risco pretende a minimização do risco e a produção de segurança. Trata-se da idéia de prevenção, de proteção dos bens jurídicos através de uma orientação pelo risco. Ou seja, nada mais do que a reedição, com outro enfoque, do projeto falido que fora construído pela modernidade nos últimos três séculos.

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Sobre o autor
Diego Romero

advogado em Porto Alegre (RS), especialista em Direito Penal Empresarial e mestrando em Ciências Criminais pela PUC/RS

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROMERO, Diego. Reflexões sobre os crimes de perigo abstrato. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 439, 19 set. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/5722. Acesso em: 25 abr. 2024.

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