Artigo Destaque dos editores

As medidas provisórias e o princípio da legalidade tributária

Exibindo página 1 de 3
05/08/2004 às 00:00
Leia nesta página:

SUMÁRIO: 1. INTRODUÇÃO; 2. NATUREZA JURÍDICA DAS MEDIDAS PROVISÓRIAS; 3. PRINCÍPIO DA LEGALIDADE; 4. PRINCÍPIO DA LEGALIDADE TRIBUTÁRIA; 5. O PRINCÍPIO DA LEGALIDADE TRIBUTÁRIA E AS MEDIDAS PROVISÓRIAS; 6. CONCLUSÃO; REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


1. INTRODUÇÃO

Um dos princípios basilares do Estado de Direito e o primeiro mandamento do contribuinte-cidadão está esculpido no inciso II, do art. 5º, da Constituição Federal de 1988, ao dispor que "ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei". Os juristas denominam o referido enunciado constitucional de "princípio da legalidade" e encontra-se reproduzido, também, no capítulo concernente ao Sistema Tributário Nacional, dispondo o inciso I do art. 150 da atual Carta Magna que os entes políticos (União, Estados, Distrito Federal e Municípios) não podem exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça.

Percebe-se, portanto, que a lei no Direito Tributário assume uma importância ainda maior que noutras searas jurídicas. Em linhas gerais, só a lei pode disciplinar questões que girem em torno da criação e aumento de tributos. De fato, no ordenamento jurídico brasileiro os tributos só podem ser instituídos ou majorados com base em lei. Este postulado vale não só para os impostos, como para as taxas e contribuições, que, estabelecidos coercitivamente, também invadem a esfera patrimonial privada. Só à lei é dado criar ou aumentar tributos.

Entretanto, qual o exato significado e amplitude da palavra "lei"? As medidas provisórias coadunam-se com o real sentido de lei? Tal instituto emanado do Poder Executivo pode ser utilizado na criação ou na majoração de tributo?

Todos esses questionamentos são feitos pela doutrina, não se chegando, contudo, a um consenso. Questão de relevo que tem levado a doutrina a profundas discussões, é a que diz respeito à natureza jurídica das medidas provisórias. É que o texto constitucional conferiu às medidas provisórias, malgrado ser um ato oriundo do Poder Executivo, força de lei. É cediço que, diante do princípio da separação de poderes, quem tem originariamente competência para editar leis é o Poder Legislativo. Dessa forma, incitou-se a imaginação de vários doutrinadores, que explicitaram de forma majestosa as suas opiniões sobre o tema, embora quase todas divergentes, não se chegando a uma conclusão final. Vê-se que diversas são as opiniões dos doutrinadores. Para alguns, medida provisória é fato, gestão de negócios, eventualidade disciplinada pelo Direito; para outros, é lei, projeto de lei, ato administrativo, medida cautelar, ato político, etc.

A despeito do consignado, corrente majoritária da doutrina é unânime em dizer que a medida provisória não pode ser veículo normativo para instituir ou majorar tributo, diante do princípio da estrita legalidade tributária, visto que tal instituto não se conforma com o sentido restrito de lei. Noutros termos, a medida provisória não é ao mesmo tempo lei formal e material, não respeitando, por conseguinte, o princípio da legalidade em matéria tributária. Pode ser lei material, como entende o Excelso Pretório, mas nunca lei formal.

A presente explanação tem como principal objetivo, não obstante grande parte da doutrina afirmar o contrário, tentar demonstrar que as medidas provisórias podem ser consideradas a um só tempo lei formal e material, respeitando, em conseqüência, o princípio da estrita legalidade tributária. Portanto, o citado instituto poderia criar ou aumentar tributo.

Diante disso, para que fique claro o objeto específico do estudo em tela, serão abordados alguns temas importantes, como a influência da evolução do Estado de Direito e do princípio da separação dos poderes no surgimento de institutos utilizados como veículo normativo do Poder Executivo, a servir de exemplo a medida provisória. Tratar-se-á, também, do controvertido tema da natureza jurídica das medidas provisórias, adotando-se, todavia, uma posição particular e crítica. O termo "lei" será definido e classificado, para que, posteriormente, se conceitue o princípio da legalidade e um outro dele derivado, o princípio da reserva de lei formal. Será determinado, enfim, o significado do princípio da legalidade tributária.

Todos esses assuntos serão abordados para que fique perfeitamente claro e delineado que as medidas provisórias podem ser sim definidas como lei formal e material simultaneamente, respeitando, portanto, o princípio da estrita legalidade tributária e, em conseqüência, podendo instituir e majorar tributos.


2. NATUREZA JURÍDICA DAS MEDIDAS PROVISÓRIAS

A despeito da Teoria de MONTESQUIEU ter sido inicialmente interpretada de modo a estabelecer uma separação rígida das funções estatais, o princípio da separação dos poderes tem por escopo fazer com que os órgãos do Estado, conquanto independentes, trabalhem conjuntamente de maneira coordenada e harmônica, sempre para um único e mesmo fim, qual seja, os fins do próprio Estado de quem são simples instrumentos.

Os fins do Estado, contudo, não ficaram restritos às concepções originariamente formuladas pela doutrina liberal. Vale dizer: o Estado foi incorporando e assumindo novas tarefas, de tal modo que se agigantou.

O Estado de Direito, oriundo das revoluções burguesas de cunho liberal do final do século XVIII, nasceu com a precípua finalidade de garantir ao cidadão uma certa proteção contra os arbítrios do detentor do poder político. Assim, foram reconhecidos direitos individuais, que limitaram a esfera de atuação do Estado, porquanto ampliavam e garantiam a liberdade ou autonomia do particular, resguardando prerrogativas consideradas indispensáveis a cada pessoa humana.

Para tanto, ocorreu um fenômeno denominado pelos doutrinadores como Estado mínimo. É que, como bem acentua CLÈMERSON MERLIN CLÈVE, a doutrina liberal conduziu à concretização de uma idéia limitada e juridicamente controlada de Estado. Um Estado, pois, responsável, em última análise, unicamente pela segurança das relações sociais e que para desempenhar tal finalidade, se limitava a produzir a lei, a executá-la, bem como a censurar a sua violação. [1]

De forma semelhante, CARLOS ARI SUNDFELD declara que o liberalismo, gerador do Estado de Direito, tinha seu modelo econômico calcado no absenteísmo estatal: era preciso que o Estado não interferisse nos negócios dos indivíduos, restringindo sua ação à garantia da ordem, da paz, da segurança. Em suma, queria-se um Estado mínimo, com reduzidas funções, sem interferência na vida econômica. [2]

À vista disso, percebe-se que as idéias liberais que deram origem ao Estado de Direito conduziram o aparato estatal a funções restritas, visto que pretendia-se ampliar a esfera de autonomia ou liberdade do indivíduo. Dessa forma, surgiu um Estado mínimo, ou seja, um Estado que apenas dava ao cidadão a segurança necessária para desempenhar suas atividades com liberdade.

De início, acreditou-se que esse modelo de atuação do Estado pudesse trazer desenvolvimento econômico e social. Entretanto, a história acabou por mostrar o contrário: a fragilidade da doutrina liberal. Deveras, se o mecanismo das relações sociais sempre permanecesse constante, traduzido no justo conceito de livre concorrência e de livre mercado, poder-se-ia acreditar com otimismo que esse sistema teria êxito.

No entanto, não demorou muito para que essas regras básicas de mercado fossem quebradas e, diante da radicalização do processo de acumulação de capital e do nascimento do poder econômico, o capitalismo concorrencial entrasse em crise, levando consigo toda a economia.

Em conseqüência, não restando alternativa ante a situação premente, fez-se necessária a ingerência do Estado não só na economia, como também em setores antes reservados aos particulares, tudo em prol do desenvolvimento da sociedade e da valorização dos indivíduos socialmente inferiorizados pela desleal e acirrada disputa liberal-capitalista.

Ensina CLÈMERSON MERLIN CLÈVE que o Estado mínimo, com reduzidas competências, vai assumindo mais e mais funções. O "Estado-árbitro" cede espaço para o "Estado de prestações". A própria idéia dos direitos fundamentais sofreu sensível deslocamento: em face do Poder Público, os cidadãos não dispõem, agora, apenas de direitos que possuam como contrapartida um dever de abstenção (prestações negativas do Estado). Eles adquiriram direitos que, para sua satisfação, exigem do Estado um dever de agir (obrigação de dar ou de fazer: prestações positivas do Estado). Aos direitos clássicos, individuais (liberdade de locomoção, propriedade, liberdade de expressão, ou de informação etc.) acrescentou-se uma segunda geração de direitos como os relativos à (proteção da) saúde, educação, ao trabalho, a uma existência digna, etc. [3]

Destarte, o Estado que antes adotava uma postura liberal não intervencionista, passou a exercer o novo papel de agente do desenvolvimento e da justiça social. A essa nova forma de se conceber o Estado, dá-se o nome de Estado social, que, ao invés de substituir, não só incorpora o Estado de Direito, como também dele depende para a consecução de seus objetivos.

Neste Estado, porém, enfatiza CLÈMERSON MERLIN CLÈVE, uma coisa é certa. Quer aceite este ou aquele regime de governo (falamos especialmente do parlamentarismo ou do presidencialismo), a verdade é que cabe ao Executivo desempenhar a liderança política, bem assim como a ele, incontestavelmente, será atribuída boa parte das novas e recentes funções conquistadas pelo Estado. Daí o seu relativo predomínio, especialmente sobre o Legislativo. O autor acrescenta, ainda, que nesse sentido, cumpre aparelhar o Executivo, sim, para que ele possa, afinal, responder às crescentes e exigentes demandas sociais. [4]

Ademais, consoante os preceitos de LEON FREJDA SZKLAROWSKY, o Estado moderno não pode prescindir de certos instrumentos que lhe dêem agilidade bastante para a realização de atividades que não possam aguardar o desenlace moroso da via normal. As Constituições modernas dispõem de certos mecanismos que permitem ultrapassar as barreiras impostas pela rígida divisão de Poderes, que hoje não mais comporta a severa intangibilidade desses mesmos Poderes. [5]

Infere-se do exposto, portanto, que no Estado social contemporâneo, ante a enorme atribuição estatal e a rapidez com que precisam ser algumas atividades desempenhadas, dos três poderes, dada a sua importância governamental, o Executivo foi o que mais teve ampliada a sua atuação. E, diante disso, para prover com destreza todas as demandas ditas prementes, o Poder Executivo foi munido de instrumentos que, inicialmente, não fariam parte de seu campo funcional, ou, noutros termos, que ultrapassam as barreiras impostas pela separação dos Poderes.

Fique sempre informado com o Jus! Receba gratuitamente as atualizações jurídicas em sua caixa de entrada. Inscreva-se agora e não perca as novidades diárias essenciais!
Os boletins são gratuitos. Não enviamos spam. Privacidade Publique seus artigos

No Brasil, seguindo a tendência das Constituições modernas de postura social, a Carta Magna de 1988 também estabeleceu um instituto para ser utilizado pelo Poder Executivo em momentos excepcionais, mais especificamente nos casos de relevância e urgência, quando a decisão, mais afim ao Governo, deve ser tomada de imediato, antecipando-se o ato normativo e deixando que as assembléias façam o posterior controle político, visto que são órgãos de tramitação legislativa mais morosa.

Dispõe, assim, o art. 62 da atual Constituição Federal brasileira, com nova redação dada pela Emenda Constitucional nº. 32, de 11 de setembro de 2001, sobre as medidas provisórias, que poderão ser adotadas pelo Presidente da República, em caso de relevância e urgência, devendo submetê-las de imediato ao Congresso Nacional.

Questão de relevo que tem levado a doutrina a profundas discussões, é a que diz respeito à natureza jurídica de tal instituto. É que o texto constitucional conferiu à medida provisória, malgrado ser um ato oriundo do Poder Executivo, força de lei. É cediço que, diante do princípio da separação dos poderes, quem tem originariamente competência para editar leis é o Poder Legislativo. Dessa forma, incitou-se a imaginação de vários doutrinadores, que explicitaram de forma majestosa as suas idéias sobre o tema, embora quase todas divergentes, não se chegando a uma real conclusão.

Poder-se-ia, aqui, discorrer sobre as mais variadas opiniões. Contudo, não obstante existirem diversas manifestações doutrinárias, cada uma afirmando num sentido e com muita propriedade qual seja a natureza jurídica das medidas provisórias, adotar-se-á a posição de que elas são leis. E para sustentar tal assertiva, algumas fortes justificativas serão expostas, a começar pelo entendimento que o Supremo Tribunal Federal dá à matéria.

Com efeito, o Excelso Pretório, ao considerar a medida provisória uma lei em sentido material, admitiu contra ela a ação de inconstitucionalidade. Em outras palavras, nos termos consignados pelo STF, a medida provisória é um ato materialmente legislativo e, diante disso, está sujeita ao controle de constitucionalidade. [6]

Quem perfeitamente explica o porquê deste entendimento é BRASILINO PEREIRA DOS SANTOS, ao declarar que, recentemente, o Supremo Tribunal Federal não conheceu de ação direta de inconstitucionalidade dirigida contra os arts. 7º e 9º da Lei nº. 8029, de 1990, considerando serem eles leis meramente formais, porque tem forma de lei, mas seu conteúdo não encerra normas que disciplinem relações jurídicas em abstrato. Têm por objeto atos administrativos concretos. Não se presta a ação de inconstitucionalidade ao controle de constitucionalidade de atos administrativos que têm objeto determinado e destinatários certos, ainda que esses atos sejam editados sob a forma de lei. Na oportunidade, ficou decidido que a defesa de direito subjetivo, mesmo que o ato ofensor seja uma lei em sentido formal, não pode ser objeto de ação direta de inconstitucionalidade. Esta ação é o meio pelo qual se procede, por intermédio do Poder Judiciário, ao controle de constitucionalidade das normas jurídicas in abstracto. Não se presta ela ao controle da constitucionalidade de atos administrativos que têm objeto determinado e destinatários certos, ainda que esses atos sejam editados sob a forma de lei – as leis meramente formais, porque têm forma de lei, mas seu conteúdo não encerra normas que disciplinem relações jurídicas em abstrato. O autor finaliza concluindo que se o Supremo Tribunal Federal admitiu a ação de inconstitucionalidade contra medida provisória, é porque a considerou uma lei em sentido material ou ato normativo geral, abstrato e impessoal. [7]

Destarte, a posição do STF é no sentido de que a medida provisória tem natureza de lei material. No entanto, procurar-se-á demonstrar que a medida provisória é lei tanto em sentido material como formal.

O sempre citado professor CLÈMERSON MERLIN CLÈVE também acredita que as medidas provisórias têm natureza de lei material e formal, usando a justificativa de que elas integram o processo legislativo em face de disposição expressa da Constituição Federal. Consoante o jurista, as medidas provisórias sãouma das espécies normativas primárias elencadas no art. 59 da Constituição Federal e todas as espécies ali elencadas são lei. Em nota de rodapé, ele acrescenta que, pelo que se depreende da leitura do art. 59 da Constituição Federal, o Constituinte se valeu do critério formal para definir o que é a lei. Levou em conta, então, não a origem do ato, nem a sua qualidade (impessoalidade, abstração), mas sim a sua força para inovar o ordenamento jurídico, criando direitos e obrigações. Lei, para o Constituinte, então, são todos os atos normativos primários. [8]

Para o professor de direito constitucional da Universidade Federal do Paraná, há a emenda, que consiste em lei constitucional; uma vez promulgada integra a Constituição como norma superprimária. Quanto às demais espécies normativas, todas são lei sob o ponto de vista formal. Algumas são lei material, orgânica e formalmente. Outras assumem apenas uma ou duas dessas características. Mas todas são lei em face do critério formal que orientou a opção do Constituinte. Não é verdade, pois, que a medida provisória, no sistema brasileiro, não seja lei no sentido técnico, como sustenta MARCO AURÉLIO GRECO. Não é lei no sentido orgânico ou subjetivo, mas é lei no sentido técnico-formal, sim, como igualmente o são as leis delegadas, as resoluções e os decretos-legislativos. O fato de as medidas provisórias serem publicadas como "Atos do Executivo" no Diário Oficial; o fato de elas submeterem-se a termo (salvo conversão); o fato de produzirem eficácia imediata, sem a intervenção do Legislativo; isso tudo não descaracteriza a natureza legislativa do instituto nem ofende o princípio da separação dos poderes. É que o conceito de lei, no mundo contemporâneo, vem sofrendo profundas alterações, daí porque é perfeitamente possível, juridicamente, aceitar-se um ato legislativo com período de eficácia e vigência programadas. Os atos legislativos, igualmente, no mundo contemporâneo mais e mais vão sendo produzidos pelo Executivo. Os países ocidentais aceitam perfeitamente esse fato. Por fim, não se pode justificar a natureza de um ato pelo lugar onde foi publicado (se na seção dos atos do Poder Executivo ou do Poder Legislativo do Diário Oficial). Porque no direito constitucional brasileiro as medidas provisórias possuem a natureza de lei, não podem ser atos administrativos (embora com força de lei) ou projetos de lei dotados de força de lei. [9]

Dois assuntos são de extrema importância para esclarecer e definir a natureza de lei material e formal das medidas provisórias. O primeiro deles é o concernente ao princípio da separação dos poderes, o outro diz respeito à formação do Estado Social de Direito. Com efeito, cabe deixar claro que não será redundante a repetição de alguns trechos até agora descritos, mas sim um modo de melhor explicar o tema a ser abordado.

Dessa forma, repetindo o que foi anteriormente dito, o princípio da separação dos poderes, a despeito da Teoria de Montesquieu ter sido inicialmente interpretada de modo a estabelecer uma separação rígida das funções estatais, tem por escopo fazer com que os órgãos do Estado, conquanto independentes, trabalhem conjuntamente de maneira coordenada e harmônica, sempre para um único e mesmo fim, qual seja, os fins do próprio Estado de quem são simples instrumentos.

Ressalta-se, outrossim, que, além dessa interdependência dos poderes, tal princípio sofreu uma evolução no sentido de permitir que o Executivo também tivesse atribuições que não seriam inicialmente suas, ou seja, o Executivo passou a legislar em determinadas situações, em virtude da transferência de atribuições que seriam inerentes ao Legislativo e que passaram a ser exercidas a qualquer título por Ele.

E foi com o advento do Estado Social que a evolução do princípio da separação dos poderes se intensificou. Ou seja, o Estado Social é o grande responsável pelo fato de um poder estatal transferir a outro a realização de sua tarefa específica, tudo isso em virtude da passagem de um Estado mínimo para um Estado que se agigantou.

Com o Estado Social, o Estado incorporou e assumiu novas tarefas, de maneira que coube ao Executivo desempenhar a liderança política, bem como a Ele foi atribuída boa parte das novas e recentes funções.

Destarte, ante a enorme atribuição estatal e a rapidez com que precisam ser algumas atividades desempenhadas, dos três poderes, dada a sua importância governamental, o Executivo foi o que mais teve ampliada a sua atuação. E, diante disso, para prover com destreza todas as demandas ditas prementes, o Poder Executivo foi munido de instrumentos que, inicialmente, não fariam parte de seu campo funcional, ou, noutros termos, que ultrapassam as barreiras impostas pela separação dos Poderes.

E, no Brasil, um dos instrumentos que o Executivo utiliza e que não pertence à sua função específica é a afamada medida provisória. Esta, consoante os ensinamentos de CLÈMERSON MERLIN CLÈVE, é decorrente de uma atribuição constitucional sem delegação, que é o poder conferido, pelo Constituinte, ao Executivo para, diretamente, produzir ato normativo com ou sem força de lei. Acrescenta, ainda, que o mundo contemporâneo, além da delegação legislativa, passou a exigir que o Executivo pudesse, em certas circunstâncias, legislar diretamente sobre determinadas matérias. [10] Assim, atribui-se ao Executivo, em face de competência própria, a função de legislar, ou seja, produzir ato normativo com força de lei, denominado de Medida Provisória.

Por sua vez, CARLOS ROBERTO RAMOS preceitua que tal ato normativo decorre de um poder originário de legislar em situações excepcionais, legislação de urgência e necessidade, ao relatar que, no caso das medidas provisórias, o poder excepcional de legislar é posto pelo Poder Originário, aquele que é o poder fonte dos demais poderes. É poder próprio. É poder condicionado tão-somente às condições e limites impostos pela Constituição. Não é um poder geral como o tem o Parlamento, mas um poder que a própria Constituição condiciona aos casos extraordinários de urgência e necessidade, porém, dentro dessas circunstâncias, é um poder permanente e institucionalizado do qual o Governo pode fazer uso em qualquer momento, sem mais limites jurídicos que os derivados da Constituição. Ao instituir a Medida Provisória, o Poder Constituinte repartiu a competência, dotando o Governo de um poder próprio, mas excepcional, porque só é exercitável em casos de urgência. Ao contrário da delegação legislativa, é um poder contínuo, potencial, independe de pronunciamento legislativo para operar-se, atendo-se tão somente aos pressupostos constitucionais e aos princípios gerais do Direito. [11]

À vista disso, percebe-se que a medida provisória é um instrumento decorrente de um poder próprio de legislar, conferido pelo Constituinte ao Executivo, exercitável em qualquer momento, porquanto permanente e institucionalizado, embora condicionado aos limites impostos pela Constituição (relevância e urgência).

CARLOS ROBERTO RAMOS menciona que não é um poder geral como o tem o parlamento, mas é igualmente um poder próprio, ou seja, ao Executivo o Constituinte também estabeleceu competência própria para legislar, porém menos ampla, pois restrita somente aos casos de relevância e urgência.

Por conseguinte, diante da competência ou função própria que o Executivo possui de legislar, visto que ao instituir a medida provisória o Poder Constituinte repartiu a competência entre Ele e o Legislativo, fica claro que tal instrumento normativo é Lei Formal.

Para HUGO DE BRITO MACHADO, em sentido formal, lei é o ato jurídico produzido pelo Poder competente para o exercício da função legislativa, nos termos estabelecidos pela Constituição. Diz-se que o ato tem a forma de lei. Foi feito por quem tem competência para fazê-lo, e na forma estabelecida para tanto, pela Constituição. [12]

Não se deixa dúvida, portanto, que a medida provisória pode ser considerada Lei, tanto em sentido material como em sentido formal. E é também Lei Formal, pois emanada de um poder competente para o exercício da função legislativa, nos termos estabelecidos pela Constituição.

Assuntos relacionados
Sobre o autor
Rodrigo Spessato

Advogado em Curitiba/PR, Especialização Lato Sensu pela Fundação Escola do Ministério Público do Estado do Paraná– FEMPAR

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SPESSATO, Rodrigo. As medidas provisórias e o princípio da legalidade tributária. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 394, 5 ago. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/5542. Acesso em: 19 abr. 2024.

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Publique seus artigos