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Violência real e ficta nos crimes contra os costumes

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Introdução

O presente trabalho tem o escopo de discutir – sem a pretensão de esgotar – as questões referentes aos crimes contra os costumes, em especial a violência empregada pelo agente (sujeito ativo) contra sua vítima (sujeito passivo).

"A disciplina jurídica da satisfação da libido ou apetite sexual reclama, como condição precípua, a faculdade de livre escolha ou livre consentimento nas relações sexuais. É a liberdade de disposição do próprio corpo no tocante aos fins sexuais". [1]

Todavia, a exemplo dos demais bens tutelados em nosso Ordenamento Penal, a liberdade sexual, quando tolhida por violência, reclama do Estado a perfeita aplicação da norma jurídica, valendo-se para tanto do que contempla o Código Penal no Título VI sob a rubrica "Dos crimes contra os Costumes".

Discutir-se-á a violência como meio necessário à obtenção do prazer sexual, ocasião em que o algoz rende e subjuga sua vítima fazendo desfalecer seu necessário dissenso e resistência – que devem estar presentes (violência real) – conquanto inexistindo, impõe (a Lei) em determinados casos, a caracterização da presunção de violência (violência ficta), móvel desta pesquisa, regrada pelos conceitos de absolutismo e relativismo.

Cuida-se de tema controvertido, não havendo, s.m.j., quer na doutrina quer na jurisprudência, vertente majoritária, sendo certo que a conclusão desta pesquisa não se reveste de caráter absoluto, refletindo sim a evolução dos conceitos de sociedade, cultura e respeito que norteiam nosso Ordenamento Jurídico – sempre vivo.


Capítulo I: Dos Crimes contra os Costumes

1.Introdução; 2. Breve histórico; 3. Ordenamento Penal vigente.

"No mundo primitivo, os delictos não são outra cousa senão rasgos de energia, manifestações de poder" [2].

1. Introdução

A fim de limitar o tema em discussão, faz-se necessário tecer algumas considerações em face dos "Crimes contra os Costumes" – assim definidos pelo Código Penal vigente – delimitando-os consoante a necessidade, ou exigência da lei, da violência como condição típica.

2. Breve Histórico

No Brasil, os crimes sexuais sempre foram combatidos com extremo rigor. Nas Ordenações e Leis do Reino de Portugal ou Código Philippino, não obstante os delitos estarem dispostos de modo diverso do atual (sem a distribuição em Capítulos e Títulos), a violência com o desígnio de satisfazer os prazeres sexuais estava inserida no Quinto Livro, sob a rubrica do Título XVIII: "Do que dorme per força (a) com qualquer mulher, ou trava della (b), ou a leva per sua vontade" [3].

O Código de 1830 – Código Criminal do Império do Brasil - cuidava dos crimes sexuais em seu Capítulo II, que sob a rubrica "Dos crimes contra a segurança da onra", tutelava a liberdade do corpo em função das relações sexuais, dividindo-os em Secção, a saber: Secção I: Estupro; Secção II: Rapto; Secção III: Calúnia e Injuria.

Adiante, o Código de 1890 repreendia a violência com o fim da satisfação sexual, sob a rubrica do Título VII, Capítulo I, a saber: "Da violência carnal".

Nesta história, novos preceitos a defender a liberdade sexual foram criados, conseqüência da "evolução" do homem e do Ordenamento Jurídico, que cada vez mais delimita suas condutas, refletindo-se, igualmente, nas sansões cominadas. Ad argumentandum, em referências às Cartas Penais supra citadas, o crime de estupro era punido inicialmente com a pena capital; posteriormente, sansionou-se com pena de prisão de 3 a 12 anos acrescido do pagamento de dote, seguido da prisão de 1 a 6 anos, e, atualmente, por reclusão de 6 a 10 anos.

3. Ordenamento Penal vigente

Hodiernamente, nesta esteira, vige o Código Penal de 1940. De modo diverso dos anteriores, o legislador criou o Título VI "Dos crimes contra os Costumes", dividindo-o em 6 (seis) Capítulos, explicitados a seguir:

Capítulo I – Dos crimes contra a Liberdade Sexual: abarca os crimes do artigo 213 ao 216-A, quais sejam, Estupro, Atentado Violento ao Pudor, Posse Sexual mediante Fraude, Atentado ao Pudor mediante Fraude e Assédio Sexual, respectivamente;

Capítulo II – Da Sedução e da Corrupção de Menores: detêm os crimes do artigo 217 e 218, quais sejam, a Sedução e a Corrupção de Menores, respectivamente;

Capítulo III – Do Rapto: reúne os delitos do artigo 219 ao 222, quais sejam, o Rapto Violento mediante Fraude e o Rapto Consensual, ademais dos casos de Diminuição de Pena, e do Concurso de Rapto e outro Crime, respectivamente;

Capítulo IV – Disposições Gerais: neste Capítulo estão consignados as Formas Qualificadas, a Presunção de Violência, a Ação Penal e os casos de Aumento de Pena;

Capítulo V – Do Lenocínio e do Tráfico de Mulheres: abarca os crimes do artigo 227 ao 232, descritos respectivamente como Mediação para servir a Lascívia de Outrem, Favorecimento da Prostituição, Casa de Prostituição, Rufianismo, Tráfico de Mulheres e a aplicação dos artigos 223 e 224;

Capítulo VI – Do Ultraje Público ao Pudor – detêm os crimes do artigo 233 e 234, quais sejam, o Ato Obsceno e o Escrito ou Objeto Obsceno.

Interessa-nos sobremodo, os crimes do artigo 213 (Estupro), 214 (Atentado Violento ao Pudor), 219 (Rapto violento ou mediante Fraude), 227 (Mediação para Servir a Lascívia de Outrem), 228 (Favorecimento da Prostituição), 229 (Casa de Prostituição), 230 (Rufianismo) e 231 (Tráfico de Mulheres). Tal restrição encontra respaldo no imperativo legal do artigo 224 e do artigo 232, ademais que, da leitura de referidos tipos, ver-se-ão sempre a violência como meio de obtenção, em geral, da satisfação e da restrição da liberdade sexual de outrem.


Capítulo II: Da Violência

1.Introdução; 2. A violência e o Direito Penal,2.1 Eficácia do meio executivo.

1. Introdução

O homem vive em sociedade ao lado de seus iguais quer na matéria quer na forma, eis que a Carta Maior assim os considera, não obstante - destarte a evolução diária de seus conceitos, costumes e regramentos - permaneçam desiguais na matéria porquanto insistem em subjugar uns e enaltecer outros em virtude daqueles, e na forma, da mesma feita, conquanto o axioma jurídico mostra-se cada vez mais distante da – agora não tão certa – evolução humana.

Antes mesmo da existência de regramentos formais, o homem, per si, cuidou de limitar "a liberdade" de seus entes (no sentido do que é possível ou não fazer enquanto sociedade "lato sensu"). No entanto as relações de toda natureza revestiram-se de uma grandeza insustentável, fazendo com que – em tempos mais contemporâneos que aqueles – nem mesmo a existência de regras formais impossibilitasse os exageros e as extremadas volições em obter, ainda que a contrario sensu, a vantagem e a vitória almejada.

Consoante as abjetas maneiras de obter seu intento em detrimento de seu par, a violência reveste-se, s.m.j., do modo mais vil que a "evolução" humana pode chegar.

Cuidamos desta feita, da violência, e em especial, quando empregada na satisfação da libido e do apetite sexual.

2. A violência e o Direito Penal

Nesse diapasão, Plácido e Silva [4] conceitua violência como "o ato de força, a impetuosidade, a brutalidade, a veemência. Em regra, a violência resulta da ação ou da força irresistível, praticadas na intenção de um objetivo que não se teria sem ela", qual seja, a satisfação sexual.

Em face dos delitos mencionados, em que a violência se reveste de caráter necessário à tipicidade, esta se insurge como elemento do crime "usada para neutralisar a resistência eventual ou real da victima" [5] de modo real ou efetivo, vis absoluta, ou de maneira ficta ou presumida, vis compulsiva. "A primeira se caracteriza pela actuação imediata e real da força, em seus estrictos aspectos" [6], e a segunda, "é a decorrência do conjunto de princípios e motivos sociais, jurídicos, propriamente, e psicológicos que levam o legislador a erigir e integralizar, como tal, não só os casos em que se trata de vítima de pouca idade, como os em que a vítima se acha impossibilitada de resistir" [7].

Nessa seara de idéias, a violência real ou efetiva distingue-se em violência física ou moral, sendo certo que a primeira "é o meio físico aplicado sobre a pessoa da vítima para cercear sua liberdade externa ou sua faculdade de agir (ou não agir) segundo sua vontade" [8], e a segunda, compreende a ameaça grave capaz de neutralizar o dissenso e a resistência da ofendida; "consiste na inevitabilidade e natureza gravosa do mal prometido (...), tão grave que, por si só, determine a absoluta ineficácia de qualquer reação da vitima" [9].

Diante da violência física, a vítima vê-se rendida diante da impossibilidade de resistir, rendendo-se – sem consentir - aos prazeres de seu algoz, vale dizer, não possui outra escolha. Contudo, consoante a violência moral, a vítima "escolhe" entre dois "resultados indesejáveis", um menor que é a rendição ao seu violentador, ou o "maior", que é a violência moral a que está sendo submetida, e, de certo, às conseqüências provenientes dela. Assim, v.g., nada tem a fazer a vítima quando tomada por uma arma de fogo que, sem controvérsia, dirime toda sua resistência (violência física), enquanto, tolhida pela ameaça de um mal a seu filho (violência moral), escolhe pela consumação desta, ou o mal menor, sua liberdade sexual.

2.1. Eficácia do meio executivo.

Vimos que a violência – em face dos crimes em estudo – é conditio sine qua non à sua consumação, sendo certo afirmar que, na sua ausência, a conduta torna-se atípica. Mister ressaltar, que em verdade não é a resistência que, per si, falta ao tipo, mas é a resistência que, ausente, torna desnecessária a violência.

Do exposto, assim, podemos acentuar que a violência surge de encontro à resistência e ao dissenso. Este é o mesmo que oposição; necessário que permaneça presente durante todo o ato violento, ao contrário daquela, que é o dissenso no seu aspecto dinâmico, "é a contraprova da violência como elemento integrante" do crime, que não necessita estar presente quando da violência. Assim, ad argumentandum, a lei não exige que a vítima resista a ponto de reagir com "todas as suas forças" a uma arma de fogo que lhe aponto seu pretenso algoz; todavia, exige-se que seu dissenso permaneça, vale dizer, pode não resistir a ponto de sofreu mal maior, mas deve continuar "não querendo" aquela abjeta relação [10].

Como visto, a vítima exerce papel fundamental diante dos crimes contra os costumes, ocasião em que seu dissenso ou consentimento determina qual seja a conduta realizada pelo seu algoz violentador ou "mutuo gozador".

Não encontramos, desta feita, objeção quanto à classificação dos crimes quando da presente resistência e dissenso, que importa a violência (violência real ou efetiva); no entanto, problemas há quando esta não se impõe, tornando – como citado – a conduta atípica. Questão fundamental à aplicabilidade da lei, nosso legislador caminhou no sentido de determinar em quais condições a vítima não possui capacidade de resistir ou de consentir, ou ainda que venha a fazê-lo, este não possui o valor necessário à inexigibilidade da tutela penal (violência ficta ou presumida): "uma coisa é empregar violência ou grave ameaça para aniquilar a resistência da vítima, outra bem diferente é abusar da impossibilidade de resistência. Um fenômeno é a agressão sexual, outro bem diferente á o abuso sexual" [11].

- Questiona-se assim, como tutelar os crimes em que a violência torna-se desnecessária porquanto a vítima não pode sequer resistir?. Criou o legislador, diante de tal lacuna, a chamada presunção de violência, assegurando a tutela penal às vítimas de "abuso sexual".


Capítulo III: Presunção de Violência

1.Introdução; 2. Breve histórico, 2.1. Ordenações Philippinas,2.2. Código Criminal do Império do Brasil – 1830, 2.3. Código Penal do Brasil – 1890, 2.4. Código Penal de 1940;3. Hipóteses legais de violência ficta, 3.1. Alínea "b", 3.2. Alínea "c", 3.3. Alínea "a" – 3.3.1. Críticas ao critério etário.

1. Introdução

Ad referendum, antes de tomarmos de estudo a presunção como se encontra hodiernamente, mister tecer, ainda que em epítome, rápidas considerações acerca do surgimento de tais presunções.

2. Breve histórico

Veremos que a presunção da violência tomou seu lugar no Direito Penal – ao menos em relação à alínea "a" do atual artigo 224, no final século XIX.

2.1. Ordenações Philippinas

Retrocedendo os passos da Norma Penal, deparamo-nos com o Código Philippino ou Ordenações e Leis do Reino de Portugal promulgada em 1603 que, não obstante permaneceu silente quanto à presunção, prevê casos em que a violência não é necessária à caracterização do tipo: - "E tudo isto que dito he em este titulo, haverá lugar em qualquer homem que dormir com mulher viúva, que honestamente viver; que não passar de vinte e cinco annos, stando em poder de seu pai, ou avô da parte do pai" [12].

Aqui, havia lugar a pena de açoite, o degredo para a África, o pagamento de caução de ouro, prata ou dinheiro em Juízo, ou, "se ella quizer, e se fôr convinhável, e de condição", devia ele casar-se com a dita mulher. Atente-se que, nos citados casos, ainda que a mulher manifeste sua vontade - sendo virgem, viúva ou menor de 25 anos – as penas persistiam.

Não se reveste, de certo, da explícita presunção atual o citado título; contudo, indica-nos o caminho seguido pelos legisladores no juízo de resguardar a integridade daquelas pessoas que – mesmo por vontade – mantinham união de carne com o outro sexo.

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2.2. Código Criminal do Império do Brasil - 1830

Após a Proclamação da Independência do Brasil em 1822, tomou lugar em dezembro de 1830 o chamado Código Criminal do Império do Brasil. Nele, os crimes sexuais vinham sob a rubrica do Título II – "Dos crimes contra a segurança individual", e no capítulo II, secção I, especialmente, cuidava do estupro; nesta ordem, o artigo 219 apontava que "deflorar mulher virgem, menor de 17 annos: pena – de desterro para fora da comarca em que rezidir a deflorada, por 1 a 3 annos, e de dotar a esta". Igualmente, ainda que a mulher não fosse virgem, mais possuísse idade inferior a 17 anos, o artigo 224 impunha a mesma pena àquele que seduzi-la. Casos assim bastava possuir a mulher ser menor de 17 anos que, independente da violência, o crime estava caracterizado [13].

2.3. Código Penal do Brasil - 1890

Adiante, por força do Decreto nº. 847, de 11 de outubro de 1890, passou a viger o Código Penal Brasileiro. Aqui, a exemplo do que hodiernamente reza nossa Carta repressiva, a presunção da violência se faz presente no artigo 272, assim redigido: "Presume-se commettido com violencia qualquer dos crimes especificados neste e no capitulo precedente, sempre que a pessoa offendida for menor de dezesseis annos" [14].

Vê-se que o legislador diminuiu o critério etário para a caracterização da violência ficta que, dantes era de 17 anos para 16.

Assim, diante do acima apontado, verifica-se que a presunção, ainda que não explícita, enraíza-se nas primeiras linhas repressivas postas em vigência no Brasil, consoante, sobretudo, o critério etário da vítima.

2.4. Código Penal de 1940

Reza a Carta Penal vigente em seu artigo 224: Presume-se a violência, se a vítima:

a)não é maior de catorze anos;

b)é alienada ou débil mental, e o agente conhecia esta circunstancia;

c)não pode, por qualquer outra causa, oferecer resistência

Aqui a violência empregada reveste-se de caráter ficto ou presumido, eis que inexistente a violência (real), por falta, inclusive, de resistência a combatê-la.

Insurge-se o legislador com tal ficção legal da violência, consoante o item 70 da exposição de motivos da parte especial do Código Penal, fundada na "innocentia consilii" do sujeito passivo, ou seja, a sua completa insciência em relação aos fatos sexuais, de modo que não se pode dar valor algum ao seu consentimento". Justifica-se o legislador, conquanto "seria abstrair hipocritamente a realidade o negar-se que uma pessoa de 14(quatorze) anos completos já tem uma noção teórica, bastante exata, dos segredos da vida sexual e do risco que corre se se presta à lasciva de outrem". Aduz, igualmente, que há ausência de consentimento válido quando o sujeito passivo é alienado ou débil mental, e, "se a incapacidade de consentimento faz presumir a violência, com maioria de razão deve ter o mesmo efeito o estado de inconsciência da vítima ou sua incapacidade de resistência, sendo esta resultantes de causas mórbidas ou de especiais condições físicas".

Verifica-se que o critério etário permaneceu como condição da presunção de violência, mas o legislador, sabiamente, adicionou dois outros critérios, impondo o juízo de que, em casos tais, a falta de presunção acarretaria desproporcionalidade.

Vê-se, desta feita, que diante da alínea "a" e "b" do artigo 224, dar-se-á a falta de consentimento válido (ainda que existente), e, acerca da alínea "c", deparamo-nos com a incapacidade de resistência.

3. Hipóteses legais de violência ficta.

O Código vigente tratou, como dito, de adicionar ao critério etário existente nas pretéritas Cartas Penais, outros dois critérios, consubstanciados nas alíneas "b" e "c".

Fomentou-se desde então a discussão quanto à natureza de tais presunções, havendo quase que igualitária divisão entre duas correntes, quais sejam, uns defendem a natureza absoluta, outros, enquanto, o caráter relativo das presunções, impondo-nos o juízo de que, àqueles que corroboram com a primeira assertiva (iuris et de iure) - não obstante a vítima possua características pessoais, v.g., quanto à aparência, meio social em que vive, sua profissão, seus conhecimentos sexuais e até mesmo seu consentimento – estes não possuem o condão de afastar a violência, ocasião em que a presunção sempre se impõe.Contudo, àqueles que se unem a segunda corrente (iuris tantum), acentuam que, destarte o imperativo legal, as características pessoais da ofendida, sobretudo sua aparência e, com mais razão, seu consentimento, são critérios bastantes a excluir a presunção de violência.

Com permissa vênia, com o desígnio de dirimir – sem esgotar – a discussão acerca da natureza da presunção, e com o fito de tornar o entendimento o mais claro possível, sirvo-me em especial do delito de estupro, assim como reza o artigo 213 da Carta Penal repressiva, sem olvidar, no entanto, que a presunção se aplica a todos os crimes contra os costumes que necessitam da violência para sua caracterização, mencionados no início desta pesquisa.

Outrossim, com o mesmo intento, far-se-á um estudo de cada caso legal – separadamente – ficando ao final o critério etário (alínea "a"), por ratar-se de fator o mais controvertido.

3.1.Alínea "b"

Cuida a alínea "b" do artigo 224 do Código Penal, como visto, de casos em que, sendo a vítima alienada ou débil mental, os crimes perpetrados contra elas será sempre violento, necessário, contudo, que o agressor tenha conhecimento desta característica.

Não se discute a necessidade de se presumir a violência nestes casos, porquanto indiscutível o fato de uma pessoa que possui debilidade mental ou é alienada não poder discernir o quantum de sua conduta lhe é ou não prejudicial, carecendo seu consentimento – ainda que existente - de validade jurídica. Casos tais, não é a impossibilidade de consentir ou dissentir que se questiona, eis que, não obstante a vítima possua a citada característica, pode, sem restrição, decidir e discernir o que lhe é conveniente ou não (sem validade); discute-se o quão débil ou alienada deve ser a vítima para se caracterizar a violência ficta.

Diante disto, pode-se afirmar que a presunção é relativa (iuris tantum), eis que admite, no mais, prova contrária ao conhecimento da debilidade por parte do agressor, que deve conhecer a debilidade.

Assim, questão controvertida é se basta para a caracterização que esteja presente a debilidade ou a alienação, ou deve manifestar-se, ademais de possuir o algoz a consciência, de tal monta a cercear "todos" os critérios de discernimento da vítima.

Há muito insurgem os doutrinadores acerca de tal discussão, eis que há débeis e alienados que podem consentir, criando um impasse na jurisprudência que permanece dividida, senão vejamos:

a) não basta a deficiência, necessário aferir sua quantidade e sua capacidade de limitar o consentimento da vítima:

-- A DEFICIÊNCIA MENTAL, SE NÃO FOR PERICIALMENTE DETERMINADO SEU GRAU, NÃO BASTA PARA QUE SE PRESUMA A VOLÊNCIA (TJMG, RT 611/404; TJSC 72/602; TJSP, 170/295);

-- A PRESUNÇÃO COMPREENDE, APENAS, AS VÍTIMAS IRRESPONSÁVEIS; A SURDO-MUDEZ, POR SI SÓ, NÃO FAZ PRESUMIR A VIOLÊNCIA (TJSP, RT 632/288);

-- É NECESSÁRIO QUE A VÍTIMA SEJA ALIENADA OU DÉBIL, A PONTO DE TER INTEIRAMENTE ABOLIDA SUA CAPACIDADE DE ENETENDIMENTO OU DE GOVERNAR-SE DE ACORDO COM ESSA COMPREENSÃO (TJPR, PJ 46/195).

b) o quantum alienada ou débil a vítima não influi à caracterização da presunção, basta tão somente que ela esteja presente:

-- INCIDE A PRESUNÇÃO, AINDA QUE A ALIENAÇÃO OU DEBILIDADE SEJA MODERADA, MAS SABIDA, POIS É DESNECESSÁRIO QUE A VÍTIMA SEJA TOTALMENTE IRRESPONSÁVEL (TJSP,RJTJSP 93/373);

-- É IMPERIOSA A COMPROVAÇÃO DE QUE O ACUSADO, INDUBITAVELMENTE, TINHA CONHECIMENTO DO FATO DA VÍTIMA SER DOENTE MENTAL (TJSP, RJTJSP 177/299, RT 780/576);

-- TRATA-SE DE PRESUNÇÃO RELATIVA, SÓ EXIXITINDO QUANDO O SUJEITO ATIVO CONHECE A CIRCUNSTÂNCIA (RT 482/320);

-- MESMO QUE ALGUMA DÚVIDA PAIRE QUANTO AO PARECER MORAL DA VÍTIMA, SENDO ELA DÉBIL MENTAL, OCORRE A PRESUNÇÃO (RT 500/307)

Como dito, a presunção é relativa porquanto requer prova de que o agressor sabia da especial condição da ofendida. Em face todavia, da quantidade de debilidade, discussão se funda eis que o legislador crê que não obstante a debilidade permita que a vítima consinta, este consentimento não é valido – como dito. Creio descabida tal fundamentação, acreditando, outrossim, que a debilidade deve mostrar-se uma barreira ao discernimento da ofendida que pode querer, e mais, deve merecer, manter relação sexual, sendo certo que, corroborando com a tese contrária, s.m.j., estaria impossibilitada – sempre – de fazê-lo.

3.2.Alínea "c"

Por imperativo legal da alínea "c" do artigo 224 do Código Penal vigente, presume-se a violência quando a vítima de crimes contra os costumes não pode, por qualquer outra causa, oferecer resistência. Refere-se o legislador "a incapacidade de resistência que pode resultar de variadíssimas causas (transitórias ou permanentes): enfermidade, paralisia dos membros, idade avançada, excepcional esgotamento, certos defeitos teratológicos, sono mórbido, síncopes, desmaios, estado de embriaguez alcoólica, delírios, estado de ebriedade ou inconsciência decorrente da ingestão ou ministração de entorpecentes, soporíferos ou anestésicos, hipnose, tolhimento ocasional de movimentos etc" [15].

Nos casos sobreditos, ocorre a incapacidade de resistir, ou seja, a vítima, tolhida de qualquer das causas não possui capacidade para impedir que seu algoz mantenha a conjunção carnal, v.g., presa à vítima em cadeiras de roda, não consegue reagir ao estuprador que, ademais possuir perfeitas condições físicas, mostra-se indubitavelmente superior frente à condição pessoal da vítima. Não se trata da impossibilidade de consentir ou de consentimento válido; possui a vítima condições psíquicas e mentais de consciência do ato que esta por sofrer; não pode, pois, resistir fisicamente a ele.

Assim, a vítima nestes casos possui plena capacidade de entender o caráter sexual – e, em casos específicos, o caráter criminoso – da relação que esta se submetendo (mútuo gozo), ou sem consentimento; podemos impor, desta feita, que se trata de presunção relativa – a exemplo da alínea "b", conquanto mesmo possuindo limitações físicas, sua capacidade de entendimento permanece imaculada e, por conseqüência, sua capacidade de consentir ao ato sexual.

Fundam-se discussões, tão somente, no critério qualitativo e/ou quantitativo da debilidade, explica-se: - a vítima pode encontrar-se, como citado, em cadeiras de roda, que, sem discussão, a impossibilita de resistir fisicamente (caso queira), à violência, não estando, por outro lado, impossibilitada de consentir, se assim desejar. Todavia, pode vir esta vítima a ingerir certa quantidade de substância alcoólica suficiente a impossibilitar sua resistência, ocasião em que a presunção se impõe.

Ad argumentandum tantum, dos citados exemplos de "qualquer outra causa", vê-se que o quantum de bebida o sujeito passivo da relação ingeriu, assim igualmente, à quantidade de entorpecentes, ou a síncopes e desmaios que eventualmente seja vítima, a quantidade de sono e se esta foi à causa da impossibilidade de impor resistência é que importa; necessário que, havendo tais restrições físicas, sejam elas capazes de impedir a resistência, ocasião em que o dissenso deve estar presente, como bem exemplificam nossos Tribunais:

-- OCORRE A PRESUNSÃO QUANDO A VÍTIMA ESTAVA SOB EFEITOS DE ENTORPECENTES OU BEBIDA ALCOÓLICA QUE LHE FORA MINISTRADA PELO AGENTE (RT 391/210);

-- IMPOSÍVEL O DEFLORAMENTO DE MULHER VIRGEM DURANTE O SONO, SEM QUE ELA PERCEBA (RT 443/448);

-- TRATA-SE, TAMBÉM, DE PRESUNÇÃO RELATIVA A EXIGIR PROVA DA SITUAÇÃO QUE CAUSOU A IMPOSSIBILIDADE DE DEFESA; QUANDO A VÍTIMA ESTIVER DURANTE O ATO EM UMA DAS STUAÇÕES MENCONADAS, MAS SE COMPROVA QUE NÃO SE OPUNHA AO ATO, DESAPARECE, EVIDENTEMENTE, A PRESUNSÃO (RT, 683/308)

3.3. Alínea "a"

A alínea "a" do artigo 224 impõe a caracterização da violência ficta sempre que for perpetrado qualquer dos crimes mencionados no capítulo II (vide item 3.) em detrimento de vítimas não maiores de 14 anos. A despeito da alínea "c" cuidar das hipóteses em que a vítima não pode resistir fisicamente, aqui, assim como nos casos da alínea "b", o que falta é a capacidade de consentir, ou seja, de entender o "sentido ético da atividade sexual" e o "caráter ilícito do fato" [16].

Contudo, anterior à discussão quanto à natureza da presunção (se iuris tantum ou iure et de iure), mister tecer, ainda que brevemente, relevantes críticas ao critério etário definido pelo legislador; é imperioso afirmar, s.m.j., que a aferição de critérios quaisquer, quanto mais subjetivos (v.g., capacidade de consentir), baseados em simples presunções etárias, ademais de contrariar a responsabilidade subjetiva, mostra-se descabida conquanto, como se verá, os menores de 14 anos de 1940, quando da vigência do Código, não guardam relação com os "menores" de 14 anos de hoje.

3.3.1. Críticas ao critério etário

Anteriormente, vimos que o critério etário no qual se funda a presunção de violência varia em favor dos costumes e do tempo. O Código Penal vigente, no item 70 das exposições de motivos da parte especial do Código Penal, fundamenta assim a presunção atual da violência: "... na identificação dos crimes contra liberdade sexual é presumida a violência (art.224) quando a vítima: a) não é maior de 14(quatorze) anos (...). Como se vê, o projeto diverge substancialmente da lei atual: reduz, para o efeito de presunção de violência, o limite de idade da vítima (...). Com a redução do limite de idade, o projeto atende à evidência de um fato social contemporâneo, qual seja a precocidade no conhecimento dos fatos sociais. O fundamento da ficção legal da violência, no caso dos adolescentes, é a innocentia consilli do sujeito passivo, ou seja, a sua completa insciência em relação aos fatos sexuais, de modo que não se pode dar valor algum ao seu consentimento. Ora, na época atual, seria abstrair-se hipocritamente a realidade o negar-se que uma pessoa de 14(quatorze) anos completos já tem uma noção teórica, bastante exata, dos segredos da vida sexual e do risco que corre se se presta à lascívia de outrem..."

Dito, devemos considerar alguns pontos fundamentais quanto à ratio legis nos casos de presunção de violência:

a) a idade de 14 anos: fez referência o legislador à "época atual, seria abstrair-se hipocritamente..."; faz alusão ao Código de 1890, antecessor do atual que, como visto, presumia a violência nos casos em que a vítima era menor de 16(dezesseis) anos. Ora, da vigência do pretérito Código à vigência do atual passaram-se exatos 50(cinqüenta) anos (1890-1940); agora, passados mais 62 (sessenta e dois) anos (1940-2002), podemos afirmar, com base nos mesmos fundamentos do legislador, que a idade de 14 anos é a ideal para basearmos a presunção?; não seria assim, "hipocritamente abstrair-se" que uma criança de 12(doze) já possui conhecimentos dos "segredos sexuais"?

b) da innocentia consilli: funda-se o legislador, agora (1940), no juízo de que um adolescente de 14(quatorze) anos possui consciência dos atos sexuais, eis que, ao reduzir a idade, baseou-se na capacidade de consentir. Em verdade, os adolescentes de 14 (quatorze) anos em 1940 são os mesmos atuais?; seus conhecimentos gerais em relação à vida (e não só sexuais) são os mesmos?; sua capacidade de consentir, passados 62 (sessenta e dois) anos, é a mesma?

Muitas respostas se perdem em infinitas discussões quando cuidamos de critérios objetivos e subjetivos que, não obstante sejam, por vezes, "tão" objetivos, sempre refletem a subjetividade e a valoração de critérios inúmeros que, quase sempre, mascaram e impossibilitam verdadeiras respostas; o imperativo legal da idade de 14 (anos), quando se discute sua capacidade de consentir do adolescente torna-se tão vago quanto dizer que aos 13(treze) anos e 11(onze) meses e 29(vinte e nove) dias, o mesmo adolescente não possuía tal capacidade.

Ademais da incoerência e da falta, s.m.j., de fundamentos a garantir a eficiência de tais critérios teóricos, a prática reflete e se converge na certeza de sua ineficiência.

3.3.2. Da natureza da presunção

Quando o legislador por imperativo legal afirmou que os não maiores de 14 anos não possuíam capacidade de consentir, e se o fizerem, ainda assim seu consentimento torna-se sem valor, fomentou a discussão quanto à natureza da presunção, se iuris tantum ou iuris et de iure, vez que ignorou o fato de que o adolescente Tício de 14(quatorze) anos não é igual ao adolescente Caio que possui a mesma idade.

Nesse diapasão, os discursos divergem quanto a necessidade ou não de se relevar outras características que, somadas a idade da vítima que não é superior a 14(quatorze) anos, mostram-se capazes de afastar a presunção; oportuno, assim, "ouvirmos" as vozes de nossos Tribunais:

a) a presunção da alínea "b" é de natureza absoluta (iuris et de iure), ou seja, importa tão somente que ela não seja maior de 14(quatorze) anos.

ESTUPRO – VIOLÊNCIA PRESUMIDA – VÍTIMA MENOR DE 14 ANOS DE IDADE- INCAPACIDADE DE CONSENTIMENTO – PRESUNÇÃO QUE NÃO CEDE EM FACEDA CONSIDERAÇÃO DA EXPERIÊNCIA SEXUAL DA OFENDIDA – INTELIGÊNCIA DO ARTIGO 213 E 224, "A" DO CP. – Min. Octavio Gallotti – RT 636/392 – DJU 14.10.1988 – Fundamento: "O Código fixou, ele próprio, a idade, e de modo algum deixou ao critério do aplicador a aferição, em cada caso, da maturidade da menor. A lamentável realidade de que novela e outros espetáculos transmitidos por televisão abordem, com naturalidade, cenas reprováveis, não pode conduzir à discriminação desses fatos pelo Juiz, até mesmo porque, a prevalecer essa permissividade, os meios de divulgação já teriam derrubado considerável parte da legislação penal no capitulo referente aos costumes e em outros domínios. Mas aos meios de comunicação ainda não é dado o poder de revogar as leis do País".

ESTUPRO – CARACTERIZAÇÃO – VIOLÊNCIA PRESUMIDA – CONSENTIMENTO DA MENOR – IRRELEVÂNVIA PARA A CONFIGURAÇÃO DO DELITO – RECURSO NÃO PROVIDO. Tratando-se de violência presumida, o consentimento da menor é irrelevante à configuração do delito de estupro. TJSP – Des. Augusto César – JTJ Lex 165/323).

ESTUPRO – VIOLÊNCIA PRESUMIDA – VÍTIMA MENOR DE 14 ANOS – CONSENTIMENTO DELA E DOS GENITORES À REALIZAÇÃO DA CÓPULA COM O ACUSADO – IRRELEVÂNCIA – CONDENAÇÃO MANTIDA – INTELIGÊNCIA DOS ARTIGOS 213 E 224 "A", DO CP – TJSC – relator Ivo Sell (RT 494/386)

Assim, importa tão somente a idade da ofendida; com mais razão, vale ressaltar o julgado do Eminente Ministro Sydney Sanches, tido como um dos mais, senão o mais combatido e fundamentado acórdão à impor o absolutismo da presunção:

Min. Sydney Sanches (RE 108.267-4) – STF – RT 646/364 – "O consentimento da ofendida e sua experiência anterior não desconstituem a tipicidade de tal fato criminoso (STF, Min. Antonio Neder, RTJ 68/735); O consentimento da menor de 14 anos não ilide a configuração do crime de estupro, desde que, juridicamente relevante, absolutamente nulo; A defloração não é requisito indispensável no crime de estupro (TJSC, Des. Miranda Ramos,RT 397/353); Inadmissível a impunidade do indivíduo lascivo que mantenha coito carnal com menor de 14 anos, sob alegação de ter sido por ela provocado e incitado para o ato. Mesmo que leviana, ainda que apresente liberdade de costumes, a menor merece toda a proteção legal"(TJ, Dês. Carlos Ortiz, RT 444/296).- Fundamento: A leviandade de uma menor de 14 anos não autoriza ninguém a dela se aproveitar, satisfazendo seus instintos sexuais; O que faz presumir a violência não é nenhuma presunção de inocência (da vítima). A inocência, assim como a honestidade, não é elemento do crime de estupro. Até a mulher de porta aberta pode ser sujeito passivo dele. A ausência de consentimento é que o caracteriza. È de atentar-se (ademais), que o bem jurídico protegido nos crimes contra a liberdade sexual, é a livre disponibilidade do próprio corpo em matéria sexual entendendo-se que, além da tutela legal a bem-interesse pessoal, tais fatos ofendem a moral pública sexual. Pois bem, em termos de tipificação, a lei é por demais clara: o ofendido ou ofendida que não é maior de 14 anos não pode consentir em matéria sexual e, se o faz, tal carece de validade. Dizer-se, pois, que, dada a iniciativa da menor corrompida, consentindo com os atos sexuais, a presunção não podia mais ser aceita, é algo que carece de sentido lógico e jurídico(...)ad argumentandum, restariam impunes as ações abjetas, de suma reprovabilidade, daqueles inescrupulosos que, porventura, buscassem estranha satisfação sexual com pobres crianças já desprotegidas em razão da miséria material e do abandono moral e intelectual que cercam o riste meretrício infantil. Seria o Estado invertendo a sua função e agindo em prol dos que assim delinqüiram e pretendem, insaciavelmente, voltar a delinqüir, tudo isso em detrimento de crianças carentes ou de infeliz má formação.

(...) a escala de valores, admitida como válida em segundo grau, iria da inocência, honestidade, leviandade,corrupção e prostituição, que, por sua vagueza, é incompatível com a essência do princípio da reserva legal.

ESTUPRO – VIOLÊNCIA PRESUMIDA – VÍTIMA MEOR DE 14 ANOS – ALEGAÇÃO DE SER A MENOR AFEITA AO COMÉRCIO SEXUAL – IRRELEVÂNCIA – AUTORIA E MATERIALIDADE DO DELITO COMPROVADAS – RECURSO PROVIDO. (TJRS – Des. Jorge Alberto de Moraes Lacerda – RT 613/371). No crime de estupro não se perquire sobre a conduta ou honestidade pregressa da ofendida, podendo dele ser sujeito passivo até mesmo a mais desgraçada prostituta. Por outro lado, em todo o relacionamento sexual com menor de 14 anos é presumida a violência, de modo que o congresso sexual normal com menina em tal faixa etária caracteriza o crime em questão.

ESTUPRO – VÍTIMA NÃO MAIOR DE 14 ANOS – PRESUNÇÃO DE VIOLÊNCIA. (STJ – Min. Luiz Vicente Cericchiaro – DJU 15.03.1999, p.295). A norma inserida no art. 224 "a" do CP é expressa no sentido d que, sendo a vítima menor de 14 anos, a violência é presumida, pouco importando as suas condições individuais.

Corrente diversa, e igualmente difundida, afasta a presunção absoluta.

b) a presunção da alínea "a" é de natureza relativa, vale dizer, a vítima pode possuir certas características que, somadas a inferior idade de 14(quatorze) anos, afasta a presunção:

ESTUPRO – VIOLÊNCIA PRESUMIDA – VÍTIMA MENOR DE 14 ANOS DE IDADE, VIRGEM E HONESTA – RÉU QUE TINHA AUTORIZAÇÃO PARA NAMORÁ-LA – CONDENAÇÃO MANTIDA – INTELIGÊNCIA DOS ARTS. 213 E 224 DO CP. (Ap. Itapetininga – es. Camargo Sampaio – RT 506/335) "Somente nos casos de "prostituta de porta aberta" poderá recair a presunção legal do artigo 224 do CP, não porque a jovem marafona ganha capacidade de consentir, mas porque o agente poderá ser levado em eventual erro. Fora disso, quem, com mulher menor de 14 anos, mantém relações sexuais, estupra-a e, de conseqüência, sofre os rigores da lei. Despicienda a circnstância de a vítima ter consentido na prática do ato sexual. No caso, a lei presume a violência porque a vítima é menor de 14 anos. Seu consentimento não é considerado e nenhumsignificado possui. Era ela absolutamente incapaz e não podia anuir validamente à prática do ato sexual"

ESTUPRO – VIOLÊNCIA PRESUMIDA – DELITO NÃO CARACTERIZADO – VÍTIMA MENOR DE 14 ANOS DE IDADE QUE, ENTRETANTO, REVELA CIÊNCIA E EXPERIÊNCIA DA VIDA SEXUAL – INTELIGÊNCIA DOS ARTS. 213 E 224 "A" DO CP. (Ap. – Uruguaiana 26.501). Para a caracterização de estupro com violência presumida, não basta ser a vítima menor de 14 anos, fazendo-se mister também que se mostre ela inocente, ingênua e totalmente desinformada a respeito do sexo.

ESTUPRO – VÍTIMA MENOR DE 14 ANOS – INEXISTÊNCIA DE PROVA DE USO DE VIOLÊNCIA FÍSICA PARA APRÁTICA LIBIDINOSA – OFENDIDA QUE, EM RAZÃO DA SUA ROBUSTA COMPLEIÇÃO FÍSICA, OCULTA SUA VERDADEIRA IDADE E TINHA PLENO CONHECIMENTO DA VIDA SEXUAL – DECRETO ABSOLUTÓRIO QUE SE IMPÕE, POIS A PRESUNÇÃO DE VIOLÊNCIA NÃO É ABSOLUTA. (TJSP – Des. Xavier Homrich – RT 537/301). O comportamento desenvolvido pela vítima demonstra que a mesma já tinha no momento dos fatos, compleição física avantajada e pleno conhecimento da vida sexual, a ponto de ser conhecida na localidade como mulher de vida fácil que mantinha inúmeros congressos sexuais com parceiros indiscriminados. (...) tratando-se de mulher leviana, cumpre apreciar com redobrados cuidados a prova da violência.

ESTUPRO – VIOLÊNCIA PRESUMIDA – VÍTIMA MENOR DE 14 ANOS DE IDADE – JOVEM, PORÉM, DE PÉSSIMO COMPORTAMENTO, QUE VIVIA ÀS SOLTAS E JÁ ENVOLVIDA EM CASOS DE FURTO – ABSOLVIÇÃO MANTIDA – INTELIGÊNCIA DOS ARTS. 213 E 224 "A", DO CP. Ap. Ribeirão Preto – Des. Dalmo Nogueira). O estupro com violência presumida não se caracteriza com a simples conjunção carnal. Não se cuida de presunção absoluta, mas relativa.

Do exposto, vê-se que as correntes divergem quanto a existência de características da vítima, ademais da sua tenra idade, que, em casos concretos, afastariam a presunção. A corrente majoritária hodierna pende-se em favor da natureza relativa da presunção da violência acentuada no artigo 224 da Carta Penal, crendo que a existência de determinados fatores impõe, em casos tais, o afastamento da presunção.

Oportuno assim, repetir a afirmação ulterior de que descabida a presunção de violência com base em critérios etários, que não dirimem discussões e afetam, ademais, a aplicabilidade da Lei penal.

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Sobre o autor
Marcelo Amaral Colpaert Marcochi

pós-graduando em Direito Penal pela UniFMU

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MARCOCHI, Marcelo Amaral Colpaert. Violência real e ficta nos crimes contra os costumes. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 7, n. 60, 1 nov. 2002. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/3404. Acesso em: 20 abr. 2024.

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