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Breve histórico da coisa julgada

01/08/2002 às 00:00
Leia nesta página:

1. A importância do estudo do histórico

O estudo histórico tem alcançado na ciência do direito têm alcançado papel preponderante. Sendo a evolução do tema a ser trabalhado uma das pedras basilares para estudos científicos.

Na ciência do direito o estudo histórico demonstra a origem e as mudanças que sofreu um instituto jurídico. Estudando-se a origem chega-se ao porquê da existência desse instituto, seu fim primeiro. O estudo das mudanças sofridas engloba os fatores jurídicos e os extra-jurídicos (sociais, políticos e financeiros), como influenciaram nas mudanças e quais os motivos para se querer tais mudança.

O inigualável CARLOS MAXIMILIANO, na sua famosa obra HERMENÊUTICA E APLICAÇÃO DO DIREITO demonstra de forma brilhante a importância do estudo histórico no direito:

Não é possível manejar com desembaraço, aprender a fundo uma ciência que se relacione com a vida do homem em sociedade, sem adquirir antes o preparo propedêutico indispensável. Deste faz parte o estudo da histórico especial do povo a que se pretende aplicar o mencionado ramo de conhecimentos, e também o da história geral, principalmente político da humanidade. O direito inscreve-se na regra enunciadas, que aliás, não comporta exceções: para o conhecer bem, cumpre familiarizar-se com os fastos da civilização, sobretudo daquela que assimilamos diretamente: a européia em gera: a lusitana em particular. Complete-se o cabedal de informações proveitosas com o estudo da História do Brasil. [1]

Conforme demonstra ROGÉRIO CRUZ E TUCCI e LUIZ CARLOS DE AZEVEDO na abertura da excepcional obra Histórico do Processo Civil Romano, o direito como ciência tem íntima correlação com a história:

O estudo histórico é peça fundamental na ciência do direito. Sem que as pessoas se dêem conta, verdade é que vivem elas, em grande parte, com o auxílio da história: gregos e romanos foram historiógrafos por excelência, assim demonstrando as obras de Herótodo e Tito Lívio. O Cristianismo é uma religião de historiadores: partindo da expulsão do paraíso até o Juízo Final, o destino da humanidade simboliza uma grande aventura que vai desde o pecado até a redenção das almas...

Mas não é só: ainda hoje, vive a Itália do legado de Roma, a França, do clímax napoleônico, Portugal, desde outro périplo que se traduz na saga dos descobrimentos.

A História convive com as pessoas, ainda que estas não se apercebam de sua presença, nos hábitos mais corriqueiros, no vestir-se, alimentar-se, nas saudações e cumprimentos. [2]

O estudo histórico de um instituto jurídico permite comparar o instituto na sua origem com seu conceito atual, podendo assim perceber se ainda cumpre seu fim e como novas vertentes poderão influenciá-lo. [3]


2. Finalidade primária da coisa julgada.

O litígio a ser dirimido pelo exercício do ofício jurisdicional se manifesta quando as pessoas demonstram ser incapazes de resolver as suas próprias diferenças, sendo necessário pedir o auxílio do Estado-Juiz para que, na qualidade de terceiro imparcial e desinteressado, ponha fim à pendência, dizendo quem tem o direito. [4]

Os litigantes, naturalmente, malgrado a divergência que os guia para o conflito judicial, guardam um fim comum: querem sair vencedores. Reclamam, também, que a decisão do órgão jurisdicional, após esgotados os meios oportunos de impugnação, revista-se de autoridade, no sentido de que seja imposta ao vencido a despeito de sua recalcitrância em se conformar com a solução alvitrada, não se tolerando a sua modificação.

Os litigantes, portanto, nada obstante as teses que defendem, almejam não só que a sentença acobertada pelo manto protetor da coisa julgada seja infensa a modificações, como ainda que o vencido seja obrigado a cumprir aquilo que ficar acertado no pronunciamento judicial. Pode-se agregar, aqui, que não apenas os interessados diretos no processo, como os terceiros eventuais e ou supervenientes, guardam interesse em que a decisão do órgão judicante se torne imutável, como forma de legar segurança para as relações jurídicas. [5]

Como a coisa julgada se atinge o fim do processo, que é o de compor a lide, fazendo a aplicação do direito ao caso concreto. O pronunciamento judicial adornado com a coisa julgada define o direito quanto a uma determinada situação, fazendo atuar a vontade concreta da lei.

Nesse sentido, a coisa julgada serve para pôr fim à questão debatida em juízo, prevalecendo tanto para o processo findo quanto para outro qualquer, e para definir a situação jurídica das partes. [6]

Diante da constatação desse efeito duplo, diz-se, com acerto, que a coisa julgada desempenha duas funções: uma, negativa, que consiste no encerramento do ofício jurisdicional sobre o assunto, impedindo que haja reexame da matéria; a outra, positiva, em virtude da qual se impõe às partes a obediência ao que ficou determinado no julgado.


3. A coisa julgada no direito romano

Traçando uma breve visão histórica, nos deparamos que no Direito romano, o objetivo do processo era a atuação da vontade da lei em relação a denominado bem da vida (res in iudicium deducta).

A partir do período formulário, o Direito romano separa, o processo em dois estágios, in iure (cuja figura principal era o pretor) e in iudicio (em que o principal era o iudex), em que se evidencia a finalidade do processo como especialização da lei: a lei formulada para casos concretos que era aplicada aos fatos, ou seja, na sententia consagrava a condenatio ou a absolutio, em ato. [7]

Todo o processo romano gravitava em torno da sentença, ato de vontade estatal, no qual se sacramentava a vontade concreta da lei.

Daí o porquê o conceito romano de coisa julgada [8], que era a res in iudicium deducta, o bem jurídico disputado pelos litigantes, depois que a res (coisa) foi iudicata, isto é, reconhecida ou negada ao autor. [9]

O mestre GIUSEPPE CHIOVENDA demonstra qual a finalidade da coisa julgada para os romanos:

Essa é a autoridade da coisa julgada. Os romanos a justificaram com razões inteiramente práticas, de utilidade social. Para que a vida social se desenvolva o mais possível segura e pacífica, é necessária imprimir certeza ao gozo dos bens da vida, e garantir o resultado do processo: ne aliter modus litium multiplicatus summam atque inexplicabilem faciat difficultatem, maxime si diversa pronunciarentur (fr. 6, Dig. De except. Rei iud. 44,2). Explicação tão simples, realística e chã, guarda perfeita coerência com a própria concepção romana do escopo processual e da coisa julgada, que difusamente analisamos nas observações históricas (n.º 32). Entendido o processo como instituto público destinado à atuação da vontade da lei em relação aos bens da vida por ela garantidos, culminate na emanação de um ato de vontade (a pronuntiatio iudicis) que condena ou absolve, ou seja, reconhece ou desconhece um bem da vida a uma das partes, a explicação da coisa julgada só pode divisar na exigência social da segurança no gozo dos bens. [10]

O termo romano destinado à sentença significava o ato final do processo, no qual se verificava a absolvição ou a condenação (ou seja, a rejeição ou o acolhimento da demanda).

Os romanos acreditavam que somente a sentença poderia pôr fim a contestabilidade de um bem jurídico, por isso, poder-se-ia opor em subseqüente processo em que fosse contestado o mesmo bem, a res iudicata.

Válida é a lição de ROGÉRIO CRUZ E TUCCI e LUIZ CARLOS DE AZEVEDO, usando citação PUGLIESE, sobre a coisa julgada no direito romano, demonstrando a segurança jurídica trazida pela mesma:

Se nos fosse permitido visualizar em termos modernos esse fenômeno, diríamos que tal regra – seguindo ainda a esclarecedorora opinião de Pugliese – "atribui ao agere um efeito preclusivo, análogo àquele que os juristas do século passado demonstraram como próprio da função negativa da coisa julgada, uma vez que essa não só precluia uma nova ação de eadem re, e, portanto, uma nova discussão e decisão da lide, mas também derivava do simples fato da existência objetiva do processo, independentemente de seu êxito.

Na verdade, a forma pela qual a regra foi conservada, parece mostrar que, quando construída (entre o fim do III e o I século a.C.), não se vislumbrava especificadamente um efeito próprio da sentença ou da re iudicata, mas era ele relacionado ao desenvolvimento global do processo, e, em particular, ao agere rem, que compreendia, antes de tudo, a atividade conjunta das partes"; numa sociedade ainda incipiente, mesmo não individualizados os elementos componentes da demanda, o aludido regramento já representava um fato de inegável segurança jurídica para os cidadãos romanos. [11]

O mestre GIUSEPPE CHIOVENDA faz uma relação entre a coisa julgada para os romanos e sua acepção moderna:

Para os romanos, como para nós, salvo as raras exceções em que uma norma expressa de lei dispõe diversamente (supra, n.º 27), o bem julgado torna-se incontestável (finem controversiarum accipit): a parte a que se denegou o bem da vida, não pode mais reclamar; a parte a quem se reconheceu, não só tem o direito de conseguí-lo praticamente, em face da outra, mas não pode sofrer, por parte desta, ulteriores contestações a esse direito e esse gozo. [12]


4. A coisa julgada no direito italiano

No direito italiano ficou clássica a batalha jurídica travada por LIEBMAN [13] e por CARNELUTTI referente ao conceito de coisa julgada. Quando o jovem LIEBMAN atacou as posições guardadas pelo já veterano CARNELUTTI.

O início ocorreu com a edição do livro Efficacia ed autorià della sentenza, no qual LIEBMAN afirmava que se a autoridade da coisa julgada vincula exclusivamente as partes, a eficácia da sentença a todos se impõe e impões-se imediatamente, independente da verificação da sua validade. [14]

CARNELUTTI ensinava a coisa julgada como a solução de questões controversas e postulando que a imutabilidade incide sobre a sua função declaratória e não sobre seu caráter imperativo.

A discordância entre os dois mestres do direito processual foi sabiamente demonstrada e comentada por CÂNDIDO RANGEL DINAMARCO:

A discordância evidencia-se tão pouco verbal, quanto mais observamos que os dois autores partiam de premissas diametralmente opostas, com referência ao fundamento quesito metodológico da estrutura do ordenamento jurídico: enquanto Liebman formado na escola De Chiovenda, manifestava uma sólida base dualística (o ordenamento jurídico tem duas ordens diversas de normas, substanciais e processuais, e estas nada têm a ver com a produção do direito do caso concreto), fundava-se Carnelutti no pressuposto de que o direito positivo substancial emana normas genéricas incompletas, as quais só por obra da sentença se tornam um círculo fechado, sendo ela um comando complementar (qualquer que seja esta, menos dispositiva). Por isso, ele ensina que o juiz comanda para o caso concreto como se fosse uma longa manus do legislador e louvava ao legislador italiano a inclusão das normas referentes à coisa julgada no Código Civil. Depois, afirmava que a imperatividade da sentença (coisa julgada material) tem uma eficácia reflexa que atinge terceiros, estranhos à relação processual em que esta foi pronunciada. [15]

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Através do artigo Efficacia autorità e immutabilità della sentenza, publicado na Rivista em 1935, CARNELUTTI respondeu com seu tom costumeiramente agressivo e irônico, com ataques pessoais ao jovem colega, afirmando que LIEBMAN com quatro erros crassos, acabara cometendo uma heresia, perante a qual buscaria ele (CARNELUTTI) comportar-se com paciência, em vez de se tomar pela cólera.

Em 1936 surge a resposta de LIEBMAN, no artigo denominado Ancora sulla sentenza e sulla cosa giudicata, a convite do próprio CARNELUTTI. Neste artigo LIEBMAN lamenta o tom áspero do adversário e a sua incompreensão com uma teoria que tinha o único pecado de discordar da sua.

CARNELUTTI deu o última lande da contenda, dizendo que das teses do adversário umas eram inócuas e outras ele agora via que não eram senão as suas próprias teorias, apresentadas com palavras diferentes.


5. A coisa julgada no direito português

Necessário se faz estudar o entendimento da coisa julgada nas Ordenações que vigoraram por séculos em Portugal. Porque o Brasil como colônia de Portugal esteve subordinado a mesma lei. A lei no caso foram as Ordenações Filipinas promulgadas em 1603 pelos reis D. Felipe I, de Portugal, e II, da Espanha.

As Ordenações Filipinas, tinham muitas de suas normas provindas do direito romano, acrescidas de pequenas alterações. Determinando assim para o direito português dos séculos XV e seguintes que a irrecorribilidade pela natureza especial da sentença, ou pela preclusão é que faz coisa julgada.

PONTES DE MIRANDA, figura sem igual na ciência do direito, traz a tona parte do ordenamento jurídico português daquela época que demonstra a força da coisa julgada naquela época:

Lê-se nas Ordenações Afonsinas, Livro III, Título 78, § 2: "E aquella sentencá he chamada per Direito alguuma, que pero nom seja dada expressamente contra Direito, he dada contra direito da parte: assy como so fosse contenda cobre o testamento d’alguum meor de quatorze annos ao tempo que o fez, e da outra parte se dissesse que era mayor; e pero que se provasse per as Inquiriçoeens que era meor da dita idade ao dito tempo, o Juiz julgou o dito Testamento ser bbo, e valioso, nom avendo respeito como per Direito he ordenado, que o Testamento feito per o meor de quatorze annos he provado o contrario pollas Inquiriçoeens". Adiante, no §3; "E porque tal por tanto nom her por Direito dita nenhuuma, mas he dita alguuma: e se a parte, contra que fosse dada, nom apelasse della aot empo, que per Direito he assinado pera apelar, ella passaria em cousa julguada, e ficaria firme, assy como se fosse bem julguada. E esto há lugar nos fetios cives, ca nos feitos Crimes devem os Juizes apelar sempre em todo caso por devem o s Juizes apelar sempre em too caso por parte da Justiça, ainda que as partes nom apelem, segundo ao diante mais comprindamente diremos no Quinto Livro, honde entendemos tratar dos Crimes". [16]


6. A coisa julgada no direito brasileiro

O desenvolvimento legislativo da coisa julgada no direito pátrio está evidente quanto se compara o código de processo civil de 1939 com o de 1973. [17]

O artigo 287 do Código de 1939 que determinava que: a sentença que decidir total ou parcialmente a lide terá força de lei nos limites das questões decididas. Copiara o artigo 290 do Projeto de Código de Processo Civil elaborado pela Comissão presidida por LUDOVICO MORTARA, em 1926 para a Itália; só que no original constava nos limites das questões decididas.

O legislador de 1973, permaneceu fiel à origem inspiradora do dispositivo contido no artigo 468, traduzindo-o corretamente da versão italiana.

OVÍDIO A. BATISTA DA SILVA demonstra a diferença jurídica causada pela ausência da palavra lide no código de 1939:

O raciocínio poderia ser construído assim: dispondo o original italiano que a sentença teria força de lei "nos limites da lide" e nos "limites das questões decididas"; e havendo o legislador brasileiro suprimido a locução nos limites da lide, então é porque lhe pareceu melhor permitir que a sentença extravasasse os limites da respectiva lide posta pelo demandante para atingir as premissas necessárias, ou as questões prejudiciais. Interpretando, pois, com maior precisão, o pensamento de Buzaid, quando ele escreveu que a redação do artigo 287 "faz supor que a coisa julgada recaia unicamente sobre as questões decididas", devemos entender que a redação do artigo 287, segundo a doutrina que sobre ele se formou, no Brasil, sugeria que a sentença abrangesse não unicamente as questões decididas, mas todas "as questões decidias", fossem elas pertinentes à lide, ou não o fosse, desde que significassem premissas necessárias da decisão. Estariam, pois abertas as portas para a expansão da eficácia da sentença até as questões relativas à lide prejudicial. [18]

A legislação de 1973, no artigo prevê que a sentença que julgar total ou parcialmente a lide tem força de lei nos limites da lide e das questões decididas.

O mesmo doutrinador de forma brilhante demonstra o porque da inclusão da expressão lide no Código de Processo Civil de 73:

Para situarmo-nos no problema, recordemos que o legislador de 73, perfeitamente ciente das restrições e críticas feitas pela generalidade da doutrina ao artigo 287 do velho Código, e apesar delas, o transpôs para o Código novo, apenas corrigindo a versão que se mostrava incompleta na lei revogada, incluindo agora, a palavra lide, inexistente na citada disposição do artigo 287.

O professor Alfredo Buzaid (Do Agravo de petição, p. 112, 2ª edição, 1956) era de opinião que a redação do indicado artigo 287 era obscura "porque, excluindo a palavra ‘lide’ (grifo no original), faz supor que a coisa julgada recaia unicamente sobre as questões decididas", impondo-se, então, segundo o eminente autor do Projeto de nosso atual Código de Processo Civil, uma construção legal dessa norma de modo a restabelecer o verdadeiro sentido original que ela continha no projeto italiano. [19]


Notas

1. pág. 137

2. Lições de História do Processo Civil Romano.

3 Mais importante do que a história geral do Direito é, para o hermeneuta, a especial de um instituto e, em proporção maior, a do dispositivo ou norma submetida a exegese. A lei aparece como último elo de uma cadeia, como um fato intelectual e moral, cuja origem nos fará conhecer melhor o espírito e alcance do mesmo. Com esse intuito o juiz "lança uma ponte entre as obscuras disposições do presente e os preceitos correspondentes e talvez claros do Direito anterior.

...

Verifica ainda o magistrado quais as transformações que sofreu o preceito, e o sentido que ao mesmo se atribuía nas legislações de que proveio,, direta ou indiretamente. No segundo caso, em não sendo duvidosa a filiação, torna-se inestimável o valor do subsídio histórico. Exige, entretanto, a consulta de obras de escritores contemporâneos e o cuidado de verificar bem quais os caracteres comuns e quais as diferenças específicas. Relativamente às últimas, deve a exegese apoiar-se em outra base que não os referidos trabalhos de jurisconsutos alienígenas: inquire da origem e motivo da divergência, e por este meio deduz o sentido e alcance da mesma. ( MAXIMILIANO, Carlos, Op. cit, pág. 138-139).

4. Neste mesmo sentido:

Tendo surgido na sociedade um conflito de interesses que se configure em lide, e não sendo possível a sua solução pelos próprios interessados, faz-se necessário recorrer ao Poder Judiciário para dirimir tal conflito. Apresentada a lide ao juiz incumbido da sua solução proferirá ele, após conhecê-la, sentença, onde haverá ou não o reconhecimento do bem jurídico ao autor.

Para que a solução dos conflitos pelo Poder Judiciário tenha a eficácia pretendida de pacificação social, faz-se necessário que suas decisões tenham validade absoluta, sem o que haveria perpetuação das lides. Para tanto, é necessária a atribuição às sentenças das qualidades de imutabilidade e indiscutibilidade, atribuídas com o trânsito em julgado das decisões não mais sujeitas à recurso.( SILVA, Rosana Ribeiro da, A Coisa Julgada Na Defesa Dos Interesses Difusos E Coletivos)

Recebe o nome de coisa julgada formal o fenômeno que torna uma sentença imutável dentro do mesmo processo onde foi proferida, porque esgotados todos os meios de impugnação, por decurso do prazo para sua interposição ou por terem todos sido utilizados e decididos.

5. Feita a entrega da tutela jurisdicional pelo Estado, em julgamento final, a res iudicanda transforma-se em res iudicata, e a composição da lide, operada no pronunciamento judicial (sentença ou acórdão), faz com que a ordem jurídica e suas normas sobre este se projetem, com a força e autoridade de lex specialis, para regular em definitivo a situação litigiosa. Donde dispor o art. 468, in verbis: "A sentença, que julgar a lide, tem força de lei nos limites da lide e das questões decididas".

A res iudicata marca, inconfudivelmente, o ato jurisdicional, visto que faz neste se concentrar, em sua plenitude, o comando imperativo que promana do julgamento, que se torna estável, graças à imutabilidade que adquire, dentro e fora do processo. (MARQUES, José Frederico, Manual de Direito Processual Civil, pág. 233)

6. O mestre PIERO CALAMANDREI afirma ser a coisa julgada uma certeza meramente jurídica:

... A coisa julgada não cria nem uma presunção nem uma ficção de verdade: a coisa julgada só cira a irrevogabilidade jurídica do mandado, sem se cuidar em distinguir se as premissas psicológicas das quais esse mandato tem nascido, são premissas de verdade ou somente de verossimilitude.

7. A lição do mestre CÂNDIDO RANGEL DINAMARCO, vêm a esclarecer sobre o processo civil romano:

O processo civil romano do ordo judiciorum privatorum, realizado só na primeira fase perante o magistrado (pretor), tinha acentuado cunho privatístico. Chamado In jus, os reus era convidado a celebrar com o actor um negócio jurídico pelo qual ambos declaravam previamente aceitar os resultados do julgamento a ser feito pelo árbitro privado (judex). Esse negócio era a litiscontestario, que na legis actio sacramento caracterizava-se como verdadeira aposta.

Nesse sistema, quem se saía vencedor n litígio não era na qualidade de titular do direito nascente da relação jurídica precedente ao processo, mas daquele autêntico negócio jurídico que era a litiscontesteção. Tinha esta, portanto, de um lado a eficácia de instituir uma nova situação jurídica entre as partes; de outro, a de consumir ou extinguir a situação antes ostentada por estas. (Fundamentos do Processo Civil Moderno, Tomo II, pág. 908-909).

8. Eis aí o que explica o conceito romano de coisa julgada. Para os romanos, a coisa julgada mais não é que a res in iudicium deducta, a dizer, o bem da vida disputada por litigantes, depois que a res foi iudicata, isto é, reconhecida ou negada ao autor: res iudicata dicitur quae fnem controverswiarum pronunciatione iudicis accipit, quod vel condenatione vel absloutione contingit (fr. 1, Dig. De re iud. 42, 1) Ë ainda o ato de vontade precedentemente manifestado na fórmula, que aqui se reproduz, como ato incondicionado com a condemnatio ou com a absoluttio, ou mais genericamente com o recebimento ou com a rejeição da demanda, e que torna incostestável para o futuro o bem disputado. O que se faz definitivo com a coisa julgada não é a definição de uma questão, mas o reconhecimento ou o desconhecimento de um bem. E os romanos admitiram essa autoridade da res iudicata, ou seja, a indiscutibilidade ulterior do bem reconhecido ou desconhecido pelo juiz por uma razão eminentemente prática, e entre os limites dessa razão, quer dizer: pela suprema exigência da vida social, de que haja certeza e segurança no gozo dos bens da vida social, de que haja certeza e segurança no gozo dos bens da vida: ne aliter modus litium mu8ltiplicatus summan atque inxexplicabilem faciat difficultarem, maxime si diversa pronuncarentur (fr. 6, Dig. De except. Rei iudicatae, 2). Não que, de fato, pensassem os romanos em atribuir ao que o juiz afirma, só porque o afirma o juiz, uma presunção de verdade; e mesmo o texto famoso res iudicata pro veritate accipitur (fr.25, Dig. De statu hom. 1, 5 e fr. 207, Dig. De reg. iuris, 50, 17) significa tão-só que o pronunciamento do juiz, que reconhece ou desconhece um bem da vida, a dizer, que recebe ou rejeita a demanda, soa, não, efetivamnte, como verdade, mas em lugar da verdade. A não ser isso, prevalece o princípio: nec vox ommnis iudicis iudicati continet auctoritatem (c. 7, Código de sent. 7, 45). (CHIOVENDA, Giuseppe, Instituições de Direito Processual Civil, pág. 447).

9. Os juristas romanos ligavam a res iudicata à res iudicium deducta, por se tratar de pronunciação sobre a controvérsia (L. 1, D., de re iudicata et de effectu sententiarum e de inrlocutionibus, 432,1). A ação acaba pela condenação (condemnatione contingit), ou pela absolvição (vel absolutione). A "condenação"era expressão empregada em sentido amplíssimo, como se fosse o julgamento, qualquer que ele fosse a favor do autor. (MIRANDA, Pontes, op. cit., pág. 103)

10. Instituições de Direito Processual Civil, pág. 447.

11. Op. cit., pág. 107.

12. Op. Cit., pág. 447.

13. A opinião de LIEBMAN era que : A autoridade da coisa julgada não é efeito da sentença, como postula a doutrina unânime, mas, sim, modo de manifestar-se e produzir-se dos efeitos da própria sentença, algo que a esses efeitos se amalgama para qualificá-los e reforçá-los em sentido bem determinado. (PEREIRA, José de Lima Ramos, Direito Processual Civil Coisa Julgada)

14. DINAMARCO, Cândido Rangel, Fundamentos do Processo Civil Moderno, tomo I, pág. 293-294.

15. Op. cit., pág. 291.

16. Comentários ao Código de Processo civil, pág. 102.

17. Neste sentido tem-se a lição do mestre PONTES DE MIRANDA:

A herança foi boa, porque, na Introdução ao Código civil (Lei n.º 3.071, 1º de janeiro de 1916), art. 3º, §3º, veio a definição: "Chama-se coisa julgada, ou caso julgado, a decisão judicial de que já não cabe recurso". Aliás não era assunto para o direito civil, o que proveio da influência francesa. O direito processual é que estabeleceu a coisa julgada a que os outros recursos jurídicos inclusive o direito constitucional, podem remeter (e.g., Constituição de 1967, com a Emenda n.º 1, art. 153, §3º in fine). No Código de 1939, art. 288, infelizmente se disse: Não terão efeito de coisa julgada os despachos meramente interlocutórios e as sentenças proferidas em processos de jurisdição voluntária e graciosa, preventivos e preparatórios e de desquite por mútuo consentimento." Hoje, o código de 1973, art. 469, usou outra frase: em vez de "não terão efeito de coisa julgada", diz "não fazem coisa julgada". E riscou as menções inadequadas. (Op. cit., pág. 107).

18. Sentença e Coisa Julgada, pág. 139.

19. Op. cit. 138-139.


Bibliografia

CALAMANDREI, Piero, Direito Processual Civil, volume III, Estudo sobre o Processo Civil, Bookseller, Campinas – SP, 1999.

CHIOVENDA, Giuseppe, Instituições de Direito Processual Civil, Volume I, 1ª edição, Bookseller, Campinas – SP, 1998.

DINAMARCO, Cândido Rangel, Fundamentos do Processo Civil Moderno, Tomo I, 4ª edição, Mallheiros Editores, 2001.

____________, Fundamentos do Processo Civil Moderno, Tomo II, 4ª edição, Mallheiros Editores, 2001.

MARQUES, José Frederico, Manual de Direito Processual Civil, Vol. III, 6ª edição, Saraiva, São Paulo, 1982.

MAXIMILIANO, Carlos, Hermenêutica e Aplicação do Direito, 9ª edição, Forense, Rio de Janeiro, 1984.

MIRANDA, Pontes de Miranda, Comentários ao Código de Processo Civil, Tomo V (arts. 444 a 475), 3ª edição, Forense, Rio de Janeiro, 1997

PEREIRA, José de Lima Ramos, Direito Processual Civil Coisa Julgada, obtida via Internet. http//wwwneófito.com.br.

SILVA, Ovídio A. Baptista, Sentença e Coisa Julgada, ensaios, 3ª edição, Sérgio Antônio Fabris Editor, Porto Alegre, 1995.

SILVA, Rosana Ribeiro da, A Coisa Julgada Na Defesa Dos Interesses Difusos E Coletivos, obtida via Internet. http://wwwneófito.com.br   

TUCCI, Rogério Cruz e; AZEVEDO, Luiz Carlos de, Lições de História do Processo Civil Romano, Editora Revista dos Tribunais, São Paulo – SP, 1996.

VIANNA, Aldyr Dias, Lições de Direito Processual Civil, Vol. 1, 1ª edição, Forense, Rio de Janeiro, 1985.

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Sobre o autor
Leonardo Fernandes de Souza

bacharel em Direito pela Universidade Paranaense (UNIPAR)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SOUZA, Leonardo Fernandes. Breve histórico da coisa julgada. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 7, n. 58, 1 ago. 2002. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/3178. Acesso em: 29 mar. 2024.

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