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Redução da maioridade penal

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O Brasil vive uma onda de violência como nunca antes vista. Seqüestros-relâmpago, estupros e homicídios são assuntos diários da mídia nacional. Como neste ano acontecem eleições para presidente e vice-presidente da república, senadores, deputados federais e deputados estaduais, alguns candidatos a cargos eletivos, na tentativa de conquistar a simpatia do eleitorado, reacendem a discussão sobre a redução da maioridade penal de 18 para 16 anos como sendo a solução para o problema da violência no nosso país.

Dos quatro anos e meio que estou no Ministério Público Estadual, no cargo de assistente ministerial (atividade-fim), há mais de dois anos assessoro os Promotores de Justiça que oficiam junto às Varas da Infância e da Juventude do Recife. Neste lapso temporal pude observar de perto a realidade dos jovens infratores, inclusive desenvolvendo um trabalho específico, em julho de 2000, com os adolescentes que cumprem a medida sócio-educativa de internação. Por outro lado, constatei os resultados positivos obtidos pelo núcleo gerencial das medidas sócio educativas em meio-aberto, na aplicação e gestão dos adolescentes que cumprem prestação de serviços à comunidade e liberdade assistida.

Infelizmente, a idéia de redução da maioridade penal conta com o apoio de grande parte da sociedade, seja por desconhecimento da lei e dos mecanismos de recuperação dos jovens infratores, seja pelo fato da mídia divulgar sempre a prática da infração e quase nunca divulgar os índices de recuperação dos adolescentes infratores submetidos às medidas sócio-educativas de meio aberto. Noticiar que um adulto cometeu um crime não chama tanta atenção do que publicar que um adolescente de 15 anos praticou um ato infracional.

Subsiste a máxima "o menor faz o que quer", o que não é verdade. Em alguns pontos a legislação especial (ECA) é muito mais severa com o adolescente de que com o adulto, cite-se o caso privação provisória de liberdade onde no caso do adolescente pode se estender por até 45 dias e apenas 5 dias para o adulto (prisão temporária).

O eminente magistrado SARAIVA (1999), Juiz de Direito do Estado do Rio Grande do Sul, estudioso no direito infanto-juvenil lembra que: "... estudos recentes demonstram que a questão da chamada delinqüência juvenil representa menos de 10% dos atos infracionais praticados no País se cotejados os números com aqueles praticados por imputáveis...". Segundo pesquisa realizada por VOLPI (1997), existem 3 adolescentes privados de liberdade para cada grupo de 10.000 habitantes: enquanto existem 87 adultos para cada 100.000.

Atualmente estão em tramitação várias propostas de Emendas à Constituição no sentido da redução da idade penal de 18 para 16 anos de idade (PEC – 171/1993 e apensas). Em busca realizada na "home page" da Câmara dos Deputados, constata-se que a PEC - 171/93 de autoria, de Benedito Domingos, está pronta para pauta de votação.

O Conselho Federal da OAB se manifestou absolutamente contra a redução da maioridade penal, em decisão unânime de seu colegiado conforme transcrito no trabalho de COSTA (2000) "Uma proposta para evitar a idade da imputação penal". No mesmo sentido se pronunciou o então Ministro da Justiça José Gregori, em entrevista à imprensa.

É preciso lembrar que, historicamente, o Brasil adota a imputação penal apenas para os maiores de 18 anos após o Código Penal de 1940. O Código Penal de 1890 considerava os limites de 9 a 14 anos. Até os 9 anos, o infrator era considerado inimputável. Entre 9 e 14, o juiz verificava se o infrator havia agido com discernimento, podendo ser considerado criminoso. O Código de Menores de 1927 consignava 3 limites de idade: Com 14 anos de idade o infrator era inimputável; De 14 até 16 anos de idade ainda era considerado irresponsável, mas instaurava-se um processo para apurar o fato com possibilidade de cerceamento de liberdade; Finalmente entre 16 e 18 anos de idade, o menor poderia ser considerado responsável, sofrendo pena. A Lei Federal 6.691 de 1979, o chamado Código de Menores, reafirmou o teor do C.P.B quando classificou o menor de 18 anos como absolutamente inimputável. A Magna Carta estabeleceu a idade de 18 anos para a maioridade penal, o que foi seguido pela Lei 8.069/90, o Estatuto da Criança e do Adolescente.

Destacando as posições dos estudiosos do Direito da Infância e da Juventude sobre o tema, verifica-se que a maioria esmagadora dos doutrinadores é favorável a manutenção da atual idade de imputação.

PACHI (1998), Juiz de Direito de São Paulo, defende a continuação da inimputabilidade para os menores de 18 anos, apontando como soluções para a diminuição da delinqüência juvenil uma maior atuação da sociedade juntamente com o poder Público no sentido de criar mecanismos de manutenção das crianças e adolescentes nas escolas, preferindo-se cursos profissionalizantes a fim de prevenir a prática infracional. Entretanto, se a infração já houver ocorrido, deve-se buscar implementar e melhorar a aplicação das medidas sócio-educativas em meio aberto que segundo o mesmo apresentam excelentes níveis de recuperação, também com a participação ativa da sociedade.

COSTA (2000) defende a continuidade da inimputabilidade dos menores de 18 anos, desde que seja dado um tratamento diferenciado para as diversas faixas etárias - 12 a 15 e 16 a 18 – dos jovens infratores.

SARAIVA (1999), AMARANTE (2000), FIGUEIRÊDO (1997), AMARAL E SILVA (1994), todos eles produziram textos absolutamente contrários a quaisquer mudanças no atual regramento.

O Promotor paulista SILVA (1994), por outro lado, voz quase isolada ente os juristas, advoga a teste de que a imputabilidade penal merece ser rebaixada aos 14 anos, quando não para a dos 16, idade que segundo ele o adolescente já apresenta "... consciência cristalina do certo e do errado, do justo e do injusto".

BENTIVOGLIO (1998), falecido Procurador de Justiça do Ministério Público do Estado de São Paulo defendia posição intermediária, respeitante "a criação de outras faixas de responsabilização penal, capaz, de par e passo, conscientizar a sociedade e seus membros de que cada violação da norma penal corresponde a uma sanção, ainda que atentando-se para as características etárias do violador. Trata-se, como se vê, da chamada" imputação mitigada ", adotada entre outras, pela legislação penal Italiana..." e mais adiante "Dar ao adolescente, ainda não inteiramente formado, tratamento símile ao do infrator adulto viola a realidade científica e não traz, em mesmo a sociedade a sociedade, qualquer vantagem evidente. A adoção, por outro lado, da responsabilidade mitigada" evita que crianças e adolescentes infratores sejam colocados todos na mesma vala, como inimputáveis absolutos, às vezes, convivendo dentro da mesma instituição".

Sob o âmbito do Direito Comparado, é difícil um entendimento único na medida em que a fixação da idade da imputação penal, por si só, não detém um critério científico puro, sendo mais uma questão de política criminal. Basta se ver que é a idade mínima para a responsabilidade criminal é de 07 anos na Austrália, Egito, Kuwait, Suíça e Trinidad e Tobago; 08 anos na Líbia; 09 anos no Iraque; 10 anos na Malásia; 12 anos no Equador, Israel e Líbano; 13 na Espanha, 14 na Armênia, Áustria, China, Alemanha, Itália, Japão e Coréia do Sul; 15 na Dinamarca, Finlândia e Noruega; 16 anos na Argentina, Chile e Cuba; 17 anos na Polônia e 18 na Colômbia e em Luxemburgo.

Um bom paradigma deve ser a Convenção dos Direitos da Criança de New York, ratificada por quase todos os países do mundo, aí incluído o Brasil, que denomina como criança todas as pessoas menores de 18 anos de idade. Nela não há uma faixa etária específica para imputação, mas expressamente proíbe que direitos consagrados às crianças nas leis internas dos países signatários sejam modificadas em detrimento dos interesses daqueles que são protegidos pela norma internacional. Lógico que o Brasil ou qualquer outro país signatário tem autonomia para mudar suas leis, mas para fazer isto teria que denunciar sua à referida Convenção. Ou seja, mantém a política criminal norteadora de cada país que estava em vigência antes da adesão até em respeito às peculiaridades da cada país.

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A propósito, uma das metas do Programa Nacional de Direito Humanos é justamente implementar as Convenções internacionais das quais o Brasil é signatário, como as que tratam dos direitos da criança e do adolescente, em particular cumprindo prazos na entrega de planos de ação e relatórios.

A título meramente ilustrativo, RAGLI (1999), Juíza de Direito da Comarca de Arendal, na Noruega, comenta que a idade de 15 anos delimita a imputabilidade na Noruega. Todavia, a magistrada destaca as peculiaridades de seu país onde o ensino fundamental é obrigatório na Noruega desde os meados do século XVIII.

Após toda esta pesquisa e confronto de idéias, entendo que as propostas de Emendas à Constituição sobre a redução da maioridade penal são juridicamente impossíveis no âmbito do exercício do poder constituinte reformador.

A Constituição de República Federativa do Brasil, em seu artigo 228, diz que: "São penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos sujeitos, as normas da legislação especial", redação que se repete no artigo 27 do Código Penal Brasileiro. A inimputabilidade dos menores de 18 constitui verdadeira garantia individual fundamental da Constituição que, como tal, não pode ser objeto de deliberação por proposta de emenda constitucional, consoante prescreve o artigo 60, §4º, inciso IV do mesmo diploma fundamental. Alterar a maioridade penal, ao meu ver, só através de um Poder Constituinte Originário. Sobre a questão das cláusulas pétreas é sempre bom se reportar aos ensinamentos de mestres constitucionalistas como DANTAS (1999), DENZEL (2000), MORAES (2002) e FERREIRA (1991); Além disso, é preciso deixar nítida a idéia de que a inimputabilidade não é sinônimo de irresponsabilidade, sendo necessário que não se caia na armadilha denunciada por MENDEZ (1998), do retribucionismo hipócrita versus paternalismo ingênuo.

O sistema vigente responsabiliza o adolescente autor de ato infracional prevendo diversas medidas capazes de assegurar sua ressocialização. O que está em jogo é assegurar a boa qualidade na execução dessas medidas. Afinal de contas, o sistema jurídico direcionado aos jovens deve sempre visar efeitos pedagógicos e garantir que eles não tornem a delinqüir, não fazendo sentido a simples punição pela punição. Desta forma, se a análise for feita no sentido de se saber o que o legislador objetiva com a mudança na lei, chega-se à conclusão de nada adiantará reduzir a idade de imputação para 16 anos ou para qualquer idade. Compromissos com os resultados implicam em implantação dos programas sócioeducativos para os que já infringiram a lei, programas preventivos para aqueles que ainda não infracionaram e, obviamente, políticas sociais básicas e políticas compensatórias para corrigir as desigualdades sociais. Tentar transferir o adolescente de um sistema que recupera a maioria dos infratores para colocá-los nos presídios apenas vai agravar o problema, confirmando o que foi dito no início deste trabalho. Mero palanque para obter votos dos incautos que com justa razão estão apavorados com os índices de violência.


Bibliografia.

AMARAL E SILVA, Antônio Fernando. A criança e o adolescente em conflito com a lei. DAAG – TJ/SC: Florianópolis, 1994;

AMARANTE, Napoleão X. do. Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado – comentários jurídicos e sociais. Coordenadores: Munir Cury e outros, 3ª edição. Editora: Malheiros: São Paulo, 2000;

BENTIVOGLIO, Antônio Tomás. "Imputabilidade". In: Revista Infância & Cidadania, vol. 02/Munir Cury(org.). Editora InorAdopt: São Paulo, 1998. p. 21/22;

COSTA, Tarcísio José Martins. "A aplicabilidade das Normas Aos Grupos Subculturais da Menoridade Marginalizada". In: Revista da ABRAMINJ, Ano 1 – N.º 01: Belo Horizonte, 2000;

DANTAS, Ivo. Instituições de direito constitucional brasileiro. Editora Juruá: Curitiba, 1999;

DENZEL, Gabriel Júnior. Direito Constitucional – Curso Completo. 13ª Edição. Editora Vestcom, Brasília: 2000.

FERREIRA, Pinto. Curso de Direito Constitucional. 5ª edição. Editora Saraiva: São Paulo, 1991;

FIGUEIRÊDO, Luiz Carlos de Barros. Temas de Direito da Criança e do Adolescente. Editora Nossa Livraria: Recife, 1997;

HAGLI, Anne-Kristine. "Medidas preventivas, punitivas ou sócio-educativas aplicáveis a adolescentes infratores e criminosos imaturos: os pontos de vista da Noruega". In: Revista Infância & Cidadania, vol. 03/Ademir de Carvalho Benedito (org.). Editora Inoradopt: São Paulo, 1999;

MENDEZ, Emílio Garcia Mendez. "Adolescentes em conflito com a lei (segurança cidadã e direitos fundamentais). In: Revista da ESMAPE, Vol. 03, n.º 7: Recife, 1998;

MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 10ª edição. Editora Atlas: São Paulo, 2001.

PACHI, Carlos Eduardo. "A prática de infrações penais por menores de dezoito anos". In: Revista Infância & Cidadania, vol. 01/Samuel Alves de Melo Júnior (org.). Editora Scrinium: São Paulo, 1998;

SARAIVA, João Batista da Costa. Adolescente e ato infracional: garantias processuais e medidas socioeducativas. Editora Livraria do Advogado: Porto Alegre, 1999. p.117;

SILVA, José Luiz Mônaco da Silva. Estatuto da Criança e do Adolescente: comentários. Editora Revista dos Tribunais: São Paulo, 1994, p. 162;

VOLPI, Mário (org.). O adolescente e o ato infracional. Editora Cortez: São Paulo, 1997.

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Sobre o autor
Luiz Carlos Vieira de Figueiredo

Juiz de Direito da Comarca de Pombos - PE. Professor do IDAJ e da Escola da Magistratura de Pernambuco. Especialista e Mestre.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FIGUEIREDO, Luiz Carlos Vieira. Redução da maioridade penal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 7, n. 58, 1 ago. 2002. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/3161. Acesso em: 29 mar. 2024.

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