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Como mover uma ação judicial contra a "Norma Técnica" do aborto expedida pelo Ministério da Saúde.

Um desafio jurídico

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01/04/2002 às 00:00
Leia nesta página:

1. O fato:

No dia 09 de novembro de 1998, o Ministro de Estado da Saúde José Serra assinou a Norma Técnica "Prevenção e Tratamento dos Agravos Resultantes da Violência Sexual contra Mulheres e Adolescentes" [1]. Apesar de a palavra "aborto" estar ausente do título, a morte provocada do nascituro constitui o núcleo dos 6 capítulos que compõem o documento.

A Norma instrui os hospitais do SUS — Sistema Único de Saúde — a praticarem aborto de crianças com até cinco meses de vida, que tenham sido geradas em um estupro. Os procedimentos são descritos detalhadamente, de acordo com a idade da criança:

a) Para crianças com alguns dias de vida (até 72 horas depois de ocorrida a violência sexual) recomenda-se o microaborto, pelo método de Yuzpe, chamado pelo eufemismo "anticoncepção de emergência". O Método de Yuzpe "consiste na tomada de anticoncepcional oral, combinado na dose total de 200 mcg de etinil-estradiol mais 100 mcg de levonorgestrel, em duas doses, com intervalo de 12 horas, sendo a primeira ingestão até 72 horas depois do estupro" [2]

b) Para crianças com até 12 semanas (3 meses), "podem ser utilizados, para o esvaziamento da cavidade uterina [grifei: eufemismo para aborto] os dois métodos identificados a seguir.

1. Dilatação do colo e curetagem

(...)

2. Aspiração Manual Intra-Uterina (AMIU)

(...)" [3]

c) Para crianças entre 13 e 20 semanas (até cinco meses)

"A interrupção da gravidez dar-se-á mediante a indução prévia com misoprostol na dose de 100 a 200 mcg no fundo de saco vaginal, após limpeza local com soro fisiológico, a cada 6 horas. (...) Após a eliminação do concepto [grifei: mais um eufemismo], proceder-se-á a complementação do esvaziamento uterino [grifei: mais um eufemismo] com curetagem, se necessário".

Advirta-se que a Norma evita sistematicamente o uso de termos como "criança", "bebê" ou "nascituro". O verbo "matar" e o substantivo "morte" também são proibidos. No entanto, vale lembrar que o método chamado "curetagem" nada mais é que o esquartejamento da criança com duas lâminas afiadas chamadas curetas e que a "aspiração manual" é o desmembramento do bebê feito através de seringas de vácuo. Quanto ao misoprostol (conhecido comercialmente por Cytotec), trata-se de uma substância que provoca violentas contrações no útero, expulsando o bebê prematuramente.

Em se tratando de crianças de cinco meses, geralmente elas nascem vivas, respiram e choram, embora por pouco tempo. Depois da morte, serão lançadas na lata de lixo mais próxima. Não convém falar de tais assuntos durante uma refeição.

Acima de cinco meses, a Norma recomenda, paradoxalmente, que se poupe a vida do inocente. Neste caso (mas não para crianças mais novas) "deve-se oferecer acompanhamento pré-natal e psicológico, procurando-se facilitar os mecanismos de adoção, se a mulher assim o desejar" [4].

Difícil é entender a lógica de quem elaborou e assinou a Norma Técnica. Será que a vida de um ser humano inocente vale pela sua idade ou pelo seu tamanho? Por que não abortar também os nascituros com idade superior a cinco meses? Ou então, por que não poupar a vida de todos os nascituros, oferecendo-se sempre a assistência psicológica e pré-natal à mãe e facilitando os mecanismos de adoção, se ela o desejar?


2. O fundamento jurídico da "Norma Técnica"

Os elaboradores da "Norma Técnica" [5] nem sequer se deram o trabalho de fundamentar juridicamente o suposto direito de matar um nascituro na legislação brasileira. Há, no entanto, um trecho do capítulo VI que parece fazer referência ao artigo 128 do Código Penal. Este trecho fala dos documentos e procedimentos obrigatórios para a realização do aborto e daqueles que são apenas recomendados (mas sem obrigatoriedade):

Documentos e procedimentos obrigatórios

- Autorização da grávida – ou, em caso de incapacidade, de seu representante legal –, para a realização do abortamento, firmada em documento de seu próprio punho, na presença de duas testemunhas – exceto pessoas integrantes da equipe do hospital –, que será anexada ao prontuário médico.

- Informação à mulher – ou a seu representante legal –, de que ela poderá ser responsabilizada criminalmente caso as declarações constantes no Boletim de Ocorrência Policial (BOP) forem falsas.

- Registro em prontuário médico, e de forma separada, das consultas, da equipe multidisciplinar e da decisão por ela adotada, assim como dos resultados de exames clínicos ou laboratoriais.

- Cópia do Boletim de Ocorrência Policial.

Recomendados

- Cópia do Registro de Atendimento Médico à época da violência sofrida.

- Cópia do Laudo do Instituto de Medicina Legal, quando se dispuser. [6]

É interessante notar que a mulher não precisa provar que sofreu violência sexual para requerer o aborto. Os documentos comprobatórios (Registro de Atendimento Médico, Laudo do IML — Instituto Médico Legal...) são apenas recomendados. O único documento a ser apresentada pela suposta vítima é a cópia do Boletim de Ocorrência Policial assinado por ela mesma. Como todos sabem, a lavratura do Boletim de Ocorrência pode ser feita apenas com o comparecimento exclusivo de alguém na repartição policial. Estão assim escancaradas as portas para a falsificação de estupros e o aborto em série.

Convém lembrar que a decisão judicial que declarou legal o aborto em todos os EUA ocorreu graças à queixa de uma jovem "estuprada", Jane Roe, cujo Estado (o Texas) proibia o aborto após uma certa etapa da gestação. Impossibilitada de abortar, Jane Roe recorreu a Washington. A Corte Suprema decidiu, por 7 votos contra 2, no trágico dia 22 de janeiro de 1973 [7], que a criança por nascer não é pessoa, e que, portanto, não tem nenhum direito, a começar pelo direito à vida. Declarou inconstitucional qualquer lei estadual que pusesse proibições ao aborto, inclusive a lei do Texas. Assim o aborto entrou nos EUA. Os americanos certamente sensibilizaram-se com a situação da mulher "estuprada".

Vinte e dois anos depois, em 1995, Jane Roe contava toda a verdade à revista Newsweek: "Ela não tinha, de fato, sido estuprada. Inventou a estória para ganhar simpatia e aumentar as chances de obter um aborto." [8] A fraude, muito bem orquestrada, causou (e ainda está causando) a morte de milhões de inocentes. Hoje, terrivelmente arrependida, Jane Roe (cujo verdadeiro nome é Norma Mc Corvey) milita no movimento pró-vida dos EUA.

Será que apenas a mulher norte-americana é capaz de mentir? Será que uma mulher, já decidida a matar o próprio filho, teria algum escrúpulo para não dizer mentira? [9]

Façamos abstração, porém, desse comentário. Suponhamos que, de acordo com a Norma Técnica, só seja realizado aborto em caso de verdadeiro estupro. Em que lei brasileira está escrito que existe o "direito" ao aborto em tal caso? Pela maneira como foi redigida a Norma, parece que ela faz menção ao art. 128 do Código Penal, que assim se exprime:

"Não se pune o aborto praticado por médico:

I - se não há outro meio de salvar a vida da gestante;

II - se a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido de consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal."

De fato, a exigência da "autorização da grávida" ou, em caso de incapacidade, "de seu representante legal" são uma citação quase textual do inciso II do art. 128 CP. Além disso, a advertência à mulher de que ela pode ser responsabilizada criminalmente caso as informações por ela fornecidas sejam falsas, supõe que os autores da Norma crêem que, fora dos casos citados no art. 128, o aborto é crime.

Trata-se de uma doutrina muito difundida pela imprensa, segundo a qual, no direito positivo brasileiro, a vida humana é inviolável, "mas não muito". Haveria "permissão" para a prática do aborto em dois casos.

O objetivo do presente trabalho é demonstrar a não existência de qualquer aborto "legal" no ordenamento jurídico brasileiro e, por conseguinte, demonstrar a ilegalidade e a inconstitucionalidade da Norma Técnica.

O passo seguinte — mover uma ação judicial para sustar a aplicação da Norma Técnica — ficará como desafio para os especialistas em Direito Processual.


3. A clássica doutrina do "aborto legal"

Clássico é aquilo que é "usado nas aulas ou classes" [10]. Quase todo estudante de Direito Penal ouve o professor dizer que no Brasil há dois casos de aborto "legal", correspondentes aos incisos I e II do art. 128 do Código Penal. Cito textualmente o penalista RICARDO DIP, ferrenho opositor da tese do aborto "legal":

A doutrina penal brasileira tende a afirmar que essas referidas hipóteses constituem ambas causas de justificação, vale dizer, excludentes da antijuridicidade ( por exemplo: Magalhães Noronha, II - N. 286; Paulo José da Costa júnior, II - p. 37; Damásio de Jesus, II - p. 136-137; Fabbrini Mirabete, II - P. 82; Mayrink da Costa, Parte Especial, II - I, p. 191; Fragoso, Parte e Especial, I, p. 85). [11]

É forçoso, portanto, reconhecer que a maioria dos doutrinadores interpreta os casos referidos no art. 128 do Código Penal como "excludentes da antijuridicidade" ou "excludentes da ilicitude", vale dizer, como a concessão de um direito ao aborto.


4. A doutrina dissidente, que nega o "aborto legal"

No entanto, tal opinião, embora majoritária na doutrina penalista divulgada, não é consensual. Figuras de destaque no mundo jurídico brasileiro negam terminantemente a existência de qualquer direito de matar um inocente nas hipóteses do referido dispositivo penal. Entre elas, podemos citar alguns nomes, apenas a título de exemplo:

IVES GANDRA MARTINS, professor emérito das Universidades Mackenzie, Paulista e Escola de Comando e Estado Maior do Exército, presidente do Conselho de Estudos Jurídicos da Federação do Comércio do Estado de São Paulo e do Centro de Extensão Universitária (CEU). Autor, juntamente com CELSO RIBEIRO BASTOS, de Comentários à Constituição do Brasil (2ª edição, 2000, Editora Saraiva).

WALTER MORAES, a maior autoridade brasileira em direitos da personalidade, ex-Desembargador do Tribunal do Justiça do Estado de São Paulo, falecido em 18 de novembro de 1997.

RICARDO HENRY MARQUES DIP, Juiz do Tribunal de Alçada Criminal de São Paulo, membro da Academia Paulista de Direito; professor convidado em pós-graduação na Universidade Católica de Buenos Aires e na Faculdade de Direito de Alphaville – SP; Autor de diversos artigos e livros dentre os quais se destacam: "Uma questão Biojurídica Atual: A Autorização Judicial de Aborto Eugenésico – Alvará para Matar (1996, Revista dos Tribunais, vol. 734) e o mais recente livro: Direito Penal: Linguagem e Crise (2000, ed. Millennium).

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JAQUES DE CAMARGO PENTEADO: Procurador de Justiça aposentado, exercendo atualmente a advocacia no Estado de São Paulo. Mestre em Direito pela Universidade de São Paulo, tem vários livros e artigos publicados, destacando: A Família e a Justiça Penal (1988, ed. Revista dos Tribunais); Acusação, Defesa e Julgamento (2001, ed. Millennium); Co-organizou e foi também co-autor do livro A vida dos Direitos Humanos – Bioética Médica e Jurídica (1999, ed. Sérgio Fabris).

Geralmente o estudante de Direito aceita como verdade o que vem do professor. E este aceita como verdade o ensinado pela maioria dos doutrinadores. No entanto, a grandeza de um jurista não está em repetir mecanicamente o que ouviu dos mestres. Ao defender uma tese, muito mais do que dizer "foi-assim-que-me-ensinaram" ou "aprendi-assim-na-faculdade", o jurista tem o direito — e até o dever — de examinar a solidez da doutrina habitualmente ensinada e aprendida. A este respeito, vejamos o que diz MIGUEL REALE:

O verdadeiro advogado é aquele que, convencido do valor jurídico de uma tese, leva-a a debate perante o pretório e a sustenta contra a torrente das sentenças e dos acórdãos, procurando fazer prevalecer o seu ponto de vista, pela clareza do raciocínio e a dedicação à causa que aceitou. É nesse momento que se revela advogado por excelência, que se transforma em jurisconsulto. [12]

Não se quer, com isto, desprezar o valor que tem o argumento da concórdia majoritária em torno de uma tese. Assume-se que é mais fácil alguém enganar-se sozinho do que em dupla. Assim — raciocina-se — quanto maior o número de pessoas concordes com o mesmo juízo, maior a possibilidade de ele ser verdadeiro.

No entanto, a História conhece casos em que a maioria errou, e errou grosseiramente. Foi a maioria dos presentes à Corte de Pilatos que optou pela crucifixão de Jesus. Mais recentemente, em 1857 a Suprema Corte dos Estados Unidos emitiu a sentença "Dred Scott", na qual, por sete votos favoráveis e dois contrários, declarava-se que o negro não tinha personalidade jurídica e que não gozava de direito algum, sendo propriedade de seu dono.

Superando o postulado falho de que "a maioria tem sempre razão", pretendo demonstrar que, no controvertido tema do chamado "aborto legal", a verdade está com a aparente minoria dos penalistas, que nega a existência da legalidade de qualquer assassinato intra-uterino.

Embora defendida expressamente por poucos, a tese que exponho é fácil de ser entendida e impõem-se ao intelecto de qualquer pessoa isenta de parcialidade.


5. A simples exegese

Um dos princípios fundamentais da hermenêutica é "deixar o texto falar", a fim de extrair o que nele está contido. Uma das tentações a serem vencidas é a de inserir no texto a opinião do leitor. Neste último caso, não se estaria fazendo uma "exegese", mas uma "in-egese".

Uma simples leitura atenta do art. 128 do Código Penal bastaria para que se concluísse que nele não está contido um direito de abortar, mas tão-somente uma não aplicação da pena após o fato já consumado. A expressão "não se pune", que inicia o "caput" do artigo, não nos permite ir além. A esse respeito, cito textualmente RICARDO DIP:

A leitura do caput do mencionado art. 128 ("Não se pune etc.") está, para logo, a sugerir que aí se acham causas isentas de apenamento ou, quando muito, excludentes da punibilidade, como resulta de avultado critério hermenêutico, assim referido pelo grande penalista que foi Basileu Garcia: "... o nosso estatuto penal usou do seguinte sistema, segundo esclarecimentos prestados por um dos autores do projeto - Nelson Hungria: a expressão "não há crime" indica a presença de causas justificativas; e as expressões "não é punível", "não é passível de pena", "está isento de pena" e outras semelhantes compreendem as dirimentes" (I -n.95).

Está a cuidar-se das chamadas escusas absolutórias, causas que, excluindo a pena, deixam subsistir, contudo, o caráter delitivo do ato a que ela se relaciona. Sua essência, é lição de Jiménez de Asúa, "reside em que não suprimem a ação, nem a tipicidade, nem a antijuridicidade, tampouco a imputabilidade e culpabilidade, mas, utilitatis causa e por motivos atinentes à relação pessoal ou à peculiaridade da conduta concreta de um sujeito, a lei perdoa a pena" (VII -n.1963). Trata-se de causas que impedem a imposição da pena (assim se expressa Creus, 378). Consagrando uma impunidade, nada obstante a existência de uma conduta típica, antijurídica e culpável (como se define o crime); pode dizer-se, com Maurach, que aí se encontra um delito impune (§ 32 - II - 2). Assim, no CP brasileiro, acham-se, por exemplo, escusas absolutórias previstas no art. 181 (crimes contra o patrimônio praticados pelo cônjuge, na constância da sociedade conjugal, ou por ascendente da vítima) e no art. 348, § 2º (no crime de favorecimento pessoal, ser o prestador do auxílio ascendente, descendente, cônjuge ou irmão do criminoso). Numa frase expressiva - muito embora seu autor a considere um tanto exagerada -, Jiménez de Asúa diz graficamente: "... nas causas de justificação não há delito; nas de imputabilidade ( e, pode acrescentar-se, também nas de inculpabilidade) não há delinqüente; nas escusas absolutórias não há pena" (VII -n.1959). [13]

O comentário do penalista acima é claro. Nenhum jurista de bom senso, ao examinar o art. 181 CP, que não aplica pena a crimes contra o patrimônio praticado entre familiares, diria que os filhos têm o direito de furtar de seus pais. Nenhum magistrado, em são juízo, se arvoraria nesse dispositivo para conceder a um cidadão um alvará para furtar do próprio pai. Nenhum Ministro de Estado da Educação (assim espero) baixaria uma "Norma Técnica" instruindo os professores da rede escolar a ministrar a disciplina "furto legal", na qual os alunos aprendessem as maneiras mais eficientes de surrupiar coisas do papai e da mamãe. Todos esses disparates poderiam ocorrer se se confundisse a não punição do furto com o direito prévio de furtar.

No entanto, o furto é um delito leve, se comparado ao aborto. Trata-se de um crime contra o patrimônio (Título II da Parte Especial do CP) ao passo que o aborto é um crime contra o mais fundamental de todos os direitos: a vida (Capítulo I, Título I, Parte Especial do CP).

A expressão "não se pune" contida no art. 128 CP tem sido usada:

— para que doutrinadores digam que em nossa pátria há um direito ao aborto em dois casos;

— para que juízes emitam verdadeiros alvarás para matar;

— para que parlamentares apresentem projetos de lei para "regulamentar" o exercício de tal "direito" [14], obrigando o SUS a praticar aborto em tais casos.

— para que o Ministério da Saúde expedisse em 09/11/1998 uma "Norma Técnica" instruindo os profissionais de saúde da rede hospitalar pública a matar inocentes gerados em um estupro [15].

Tudo isso ocorre pela confusão entre a não punição de um crime (no caso, o aborto) em determinadas circunstâncias e a permissão prévia para cometê-lo (inclusive com o dinheiro público!).


6. A fragilidade da posição abortista

Quase a totalidade dos autores de livros sobre Direito Penal usados em nossas faculdades defende a existência de um aborto "legal". Por exemplo: NÉLSON HUNGRIA (Comentários ao Código Penal, 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1958. v. 5. p. 306-313) CELSO DELMANTO (Código Penal Comentado, 3. ed. Renovar, 1991. p. 216), HELENO CLÁUDIO FRAGOSO (Lições de Direito Penal, 10. ed., Rio de Janeiro: Forense, 1988. v. 1. Parte Especial. p.145).

No entanto, a melhor apologia da não existência do aborto "legal" é obtida examinando-se as palavras dos autores abortistas. Eles manifestam um mal-estar diante da redação do art. 128 CP, que não lhes favorece a tese.

Assim, por exemplo, a respeito das duas hipóteses previstas no art. 128 CP, escreve JÚLIO FABBRINI MIRABETE:

São causas excludentes de criminalidade, embora a redação pareça indicar causas de ausência de culpabilidade ou punibilidade (grifei). [16]

O mesmo lamento encontramos em MAGALHÃES NORONHA:

Segundo cremos, não é das mais felizes a redação do art. 128. Se o fundamento do inc. I é o estado de necessidade, e o do II ainda o mesmo estado, conforme alguns, ou a prática de um fato lícito, não nos parece que na técnica do Código se devia dizer "não se pune..." Dita frase pode levar à conclusão de que se trata de dirimente ou de escusa absolutória (grifei), o que seria insustentável. Em tal hipótese, a enfermeira que auxiliasse o médico, no aborto, seria punida. Nos incisos do art. 128, o que desaparece é a ilicitude ou antijuridicidade do fato, e, conseqüentemente, devia dizer-se: "Não há crime". [17]

Diante de uma lei que não diz o que quereríamos ouvir, podemos lamentar. Porém, não mais do que isso. Assim, pode-se entender psicologicamente que MAGALHÃES NORONHA sinta compaixão pela enfermeira que auxiliou o médico a matar o nascituro. Pois, segundo esse autor, para o médico haverá uma imunidade penal, mas não para a enfermeira. Analogamente, os doutrinadores poderiam lamentar que a lei, embora isente de pena o filho que furtou do pai (art.181 - II CP), não perdoe o colega que foi cúmplice do mesmo furto. Poderiam ainda lamentar que a lei, embora não aplique pena à mãe que escondeu seu filho delinqüente da polícia (art. 348 §2º CP), não perdoe a vizinha que a auxiliou a favorecer o criminoso. Tudo isso tem explicação psicológica. Mas só psicológica.

O que ocorreu é que penalistas, psicologicamente inconformados, procuraram uma fórmula "lógica" que os favorecesse.

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Sobre o autor
Luiz Carlos Lodi da Cruz

Sacerdote. Presidente do Pró-Vida de Anápolis. Advogado. Estudante de Licenciatura em Bioética no Pontifício Ateneu Regina Apostolorum - Roma

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CRUZ, Luiz Carlos Lodi. Como mover uma ação judicial contra a "Norma Técnica" do aborto expedida pelo Ministério da Saúde.: Um desafio jurídico. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 7, n. 56, 1 abr. 2002. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/2838. Acesso em: 16 abr. 2024.

Mais informações

Texto redigido antes da saída de José Serra do Ministério da Saúde.

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