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Constitucionalidade de lei estadual que concede meia passagem a estudantes de cursinhos

01/10/2001 às 00:00
Leia nesta página:

O BENEFÍCIO DA MEIA-PASSAGEM
(19.04.2001)

A lei estadual nº 6.151, de 16.09.98, estendeu o benefício da meia-passagem aos estudantes dos cursos preparatórios ao exame vestibular. O Liberal do último dia 19 publicou nota a respeito da polêmica que se instalou, a respeito de uma possível inconstitucionalidade dessa lei, tendo em vista que o assunto seria de competência municipal.

A Diretora de Transportes da CTBel, segundo essa notícia, disse que compete ao Município, através da Lei Orgânica, decidir sobre os transportes urbanos, o que tornaria a Lei 6.151 inconstitucional, e sugeriu que o assunto fosse discutido pelo Conselho Municipal de Transportes.

Como a Ctbel se nega a cumprir essa Lei, os estudantes secundaristas decidiram ingressar na Justiça, e pretendem também agendar uma reunião com o Presidente da Câmara Municipal de Belém, para que seja providenciado um projeto de lei que beneficie os estudantes de cursinho com a meia-passagem.

Também o ilustre Presidente da Seccional da OAB, ouvido a respeito, opinou que a legislação sobre transportes urbanos é de competência municipal, e não estadual. Assim, a gratuidade deveria ser garantida através de uma lei municipal, para que não ocorresse uma quebra da autonomia que deve presidir as relações entre União, Estados e Municípios.

Pois bem. Na minha opinião, essa lei é perfeitamente constitucional, e explico o porquê. Segundo o art. 284 da Constituição do Estado do Pará,

"É assegurado aos estudantes de qualquer nível o benefício da tarifa reduzida à metade, nos transportes urbanos, terrestres ou aquaviários, na forma da lei."

O assunto foi também objeto da Lei Complementar estadual nº 2, de 18.01.90, que disciplinou a emissão dos passes referentes a essa redução da tarifa, e que foi alterada pela Lei Complementar nº 8, de 23.09.91, segundo a qual bastaria a apresentação da carteira de identidade estudantil, no momento do pagamento da passagem, para que o estudante, de qualquer nível, tivesse direito à redução da tarifa, consagrada pelo art. 284 da Constituição Estadual de 1989, acima transcrito.

Ora, não é o simples fato de que os estudantes estejam dentro dos ônibus, quando pagam a passagem, que pode ter o condão de fazer com que a lei referente ao benefício da meia-passagem seja uma lei sobre transportes municipais. A comparação me trouxe à memória, aliás, um chiste que o nosso saudoso Catedrático, Dr. Orlando Bitar, costumava contar aos seus alunos, de que, para os europeus, afirmar que o filho de estrangeiro nascido no Brasil fosse brasileiro seria o mesmo que dizer que uma ninhada de ratos, nascida dentro do forno de um fogão, fossem biscoitos.

Portanto, a Lei estadual 6.151/98, não é inconstitucional, absolutamente, porque não trata de transportes urbanos, o que seria de competência municipal, e sim de educação, o que é competência concorrente do Estado e da União, nos termos do art. 18 da Constituição Estadual:

"Compete ao Estado, concorrentemente com a União, legislar sobre:... IX- educação, cultura, ensino e desporto."

E tanto é verdade que o assunto é de educação e não de transportes urbanos, que o art. 284 da Constituição Estadual, que assegura aos estudantes o benefício da redução da tarifa, pertence à Seção I (Da Educação) do Capítulo III (Da Educação, da Cultura, do Desporto e do Lazer) do Título IX (Da Ordem Social).

É uma questão, apenas, de "topotesia legis". O art. 284 é o último de uma série, iniciada com o art. 272, que trata apenas de educação. Não estão disciplinados, evidentemente, nem no art. 284 da Constituição Estadual, nem na lei estadual nº 6.151/98, os transportes urbanos, mas sim o direito à educação e as condições para que os estudantes possam estudar.

Não resta dúvida, assim, de que a Lei 6.151/98 é perfeitamente constitucional, e de que a Câmara Municipal de Belém não pode legislar sobre o assunto, que é de competência estadual. Afinal, mesmo dentro de um ônibus, estudante é estudante. Não pode ser confundido com biscoito.


DE NOVO A MEIA-PASSAGEM
(30.04.2001)

Confesso que fiquei realmente impressionado com a brilhante argumentação desenvolvida pelo doutor Helenilson Pontes, em texto publicado no O Liberal do dia 24, no qual ele contesta minha opinião a respeito da constitucionalidade da Lei estadual 6.151, de 16.09.98, que estendeu o benefício da meia-passagem aos estudantes dos cursos preparatórios ao vestibular. Examinei a questão mais detidamente, mas devo dizer que, mesmo assim, continuo entendendo que essa lei é constitucional, conforme dito em meu trabalho anterior, como poderia ter, perfeitamente, reconhecido o meu erro.

O maior fascínio do Direito é que nunca se pode dizer que uma opinião é definitiva. Em matéria jurídica, não existe, a rigor, o certo nem o errado, porque os melhores doutrinadores freqüentemente mudam de opinião, assim como os próprios ministros do Supremo Tribunal Federal. O debate jurídico de alto nível é realmente salutar, como afirma o doutor Helenilson, e ao final todos sairão vencedores, porque terão contribuído, embora na medida de suas forças, para o aperfeiçoamento da ordem jurídica e para a própria efetividade constitucional.

A tese do ilustre doutor consiste em afirmar que essa lei estadual regula aspectos nucleares da relação jurídica existente entre o município, poder concedente, e os concessionários dos transportes urbanos. Em abono de sua tese, citou decisão recente do STF, na Adin MC-2299-RS, referente a uma lei gaúcha que isentou do pagamento de água e energia elétrica os trabalhadores desempregados, e concluiu que nossa Lei estadual, de nº 6.151/98, que estendeu o benefício da meia-passagem aos estudantes de cursinhos, seria também com certeza considerada inconstitucional pelo STF. Disse ele ainda que a competência concorrente de União e Estados para legislar sobre educação não pode ser interpretada isoladamente, e não permite assim que a lei estadual regule um aspecto central da relação jurídica pertinente ao contrato de concessão dos transportes urbanos, porque causa distorções na política tarifária.

Peço vênia para iniciar minha argumentação pelo exame da própria decisão citada, do Supremo. Na minha opinião, trata-se apenas de uma medida cautelar concedida por maioria, contra os votos de três dos mais competentes membros desse Tribunal, os Ministros Néri da Silveira, Sepúlveda Pertence, e Marco Aurélio. No mérito, a decisão poderá ser pela constitucionalidade da lei gaúcha. Além do mais, a questão somente se assemelha à nossa, da lei paraense, pela interferência na política tarifária e no equilíbrio contratual pertinente à concessão dos serviços públicos, porque não envolve, como no nosso caso, a questão da norma constitucional estadual que prevê o benefício para os estudantes de qualquer nível, e que também não pode ser, data vênia, inteiramente desprezada pelo intérprete.

Se a lei 6.151/98 é inconstitucional, como se pretende, também seriam inconstitucionais diversos dispositivos da Constituição do Estado do Pará, que determinam a concessão de reduções e isenções tarifárias nos transportes urbanos dos municípios paraenses. Aliás, eles estão em vigor desde 1.989, antes mesmo que existisse qualquer relação contratual entre o Município de Belém e as empresas concessionárias de transportes urbanos, porque a responsabilidade dos serviços de transporte coletivo da Capital somente foi transferida ao Município após a promulgação da Constituição Estadual de 1.989, nos termos do art. 21 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, verbis:

"Art. 21 – O Governo do Estado transferirá ao Município de Belém, no prazo máximo de 180 dias, a contar da promulgação desta Constituição, a responsabilidade dos serviços de transporte coletivo da capital.

Parágrafo único – Uma comissão mista, composta de três deputados e três vereadores, supervisionará a transferência de que trata este artigo."

Evidentemente, a questão assume agora conotação política, na eterna disputa pelo poder, porque o concessionário está sujeito à fiscalização e à aprovação das tarifas pela administração municipal, e a Prefeitura tem sido acusada de conceder aumentos exagerados nas tarifas dos transportes urbanos. Qualquer isenção ou redução de tarifas concedida por lei estadual, como a referente aos estudantes de cursinhos, exigirá o reajustamento tarifário, em decorrência dos cálculos efetuados através das chamadas ‘planilhas’, e que agora estão sendo discutidos perante o Ministério Público, causando assim maiores problemas para o Governo Municipal. Ressalte-se que quando se trata de relação que envolve a prestação de serviço público essencial, deve ser sempre levado em conta o interesse público, antes do interesse de lucro, do concessionário ou permissionário, e que o equilíbrio contratual pode ser sempre restabelecido, através do reajustamento das tarifas.

A concessão de isenções e reduções tarifárias também corresponde, como no âmbito tributário, à aplicação dos princípios constitucionais básicos de justiça social e solidariedade, de acordo com o art. 3o da Constituição Federal, verbis:

"Art. 3o – Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:

I – construir uma sociedade livre, justa e solidária;.."

O Estado democrático brasileiro, conforme decorre do próprio preâmbulo da Constituição Federal, tem o objetivo de:

"assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social..."

Quando são concedidas isenções ou reduções de tributos ou de tarifas, os que pagam serão obrigados a pagar pelos que foram beneficiados, de modo a que sejam tratados desigualmente os desiguais, e para que a norma atinja os seus objetivos, freqüentemente extra-fiscais, isto é, para que essas isenções ou reduções possibilitem a consecução de um objetivo almejado. Na hipótese em exame, através da redução das tarifas dos transportes urbanos, proporcionar os meios de acesso à cultura, à educação e à ciência, competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, nos termos do inciso V do art. 23 da Constituição Federal, verbis:

"Art. 23- É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios:

V- proporcionar os meios de acesso à cultura, à educação e à ciência;..."

O mais interessante é que a Prefeitura, que agora contesta essa lei estadual, utilizava esta mesma argumentação pertinente à justiça social, para tentar justificar, no ano passado, as alíquotas progressivas do IPTU, e a concessão de isenções aos imóveis de reduzido valor venal. Não se compreende, portanto, o motivo de sua oposição à Lei estadual nº 6.151/98, se o estudante de cursinho é talvez o que mais precisa desse benefício da meia-passagem, porque fica sujeito a maiores gastos, com a sua preparação para o vestibular, especialmente aquele estudante mais carente, originário da rede pública. Também se observa que, naquela oportunidade, quando se discutia, no ano passado, o problema do IPTU, a Prefeitura afirmava que o contribuinte não poderia deixar de pagar o imposto, alegando a sua inconstitucionalidade, mas agora, quando se trata dessa lei estadual que estende o benefício da meia-passagem, a CTBel se nega a cumpri-la, alegando exatamente a sua inconstitucionalidade.

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É verdade que compete aos municípios legislar sobre assuntos de interesse local (CF, art. 30, I), e que a legislação sobre transporte urbano é assunto de interesse municipal. Isso, no entanto, pelo menos no meu entendimento, não torna inconstitucional a Lei estadual nº 6.151/98, conforme alegado pelo Dr. Helenilson, pelo fato de que interfira indevidamente na política tarifária dos transportes urbanos, simplesmente porque não é correto afirmar que ela seja uma lei sobre transportes urbanos, apenas porque se refere a uma redução de tarifas nos transportes urbanos. A mens legis, ou o intento da norma, é outro, e conforme demonstrado acima, coerente com o ordenamento constitucional básico, que é o Estatuto da Federação. Ou seria também inconstitucional a lei estadual que determina a cobrança da alíquota de 21% do ICMS, incidente sobre o consumo de energia elétrica, que é objeto, também, de um contrato de concessão, federal? Afinal, essa tributação também terá o condão de onerar a relação contratual, porque poderá aumentar a inadimplência. Isso sem falar em todos os tributos que oneram as empresas de transportes urbanos, e que fatalmente deverão ser repassados às tarifas pagas pelos usuários. Mas é claro que essas normas tributárias não poderão ser confundidas, também, com normas sobre transportes urbanos, ou sobre energia elétrica.

Em decorrência, a prevalecer o raciocínio que vem sendo adotado em defesa da atitude da Ctbel, no sentido de que a lei estadual que concede as reduções de tarifas nos transportes urbanos para os estudantes de cursos pré-vestibulares é inconstitucional, porque o Estado não tem competência para legislar sobre transportes urbanos, da mesma forma, seríamos forçados a concluir pela inconstitucionalidade de todas as leis tributárias que, direta ou indiretamente, fossem capazes de onerar a relação contratual de concessão dos transportes urbanos. Essas leis não poderiam ser consideradas como leis tributárias. Estariam invadindo a competência do município, porque seriam leis sobre transportes urbanos, assim como a lei estadual que concede um incentivo de cunho educacional, e está sendo erroneamente considerada como uma lei sobre transportes urbanos e, ipso facto, inconstitucional.

Também em relação a qualquer norma federal ou estadual, que estabelecesse pisos salariais para os empregados das empresas concessionárias ou permissionárias de transportes urbanos, dessa forma onerando as empresas e causando o desequilíbrio contratual, qual poderia ser a solução? Seria também uma interferência indevida na relação entre o poder concedente e o concessionário? Ou será que essa lei que fixasse o piso salarial dos rodoviários, ou que de qualquer forma determinasse o seu reajustamento, deveria também ser considerada uma lei sobre transportes urbanos?

Diversas normas poderiam ser ainda citadas, na Constituição Federal, para demonstrar a importância que o constituinte atribuiu à educação.

De acordo com o art. 6o de nossa Lei Fundamental, a educação é um dos direitos sociais a que se refere o preâmbulo da Constituição Federal, acima transcrito:

"Art. 6o – São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição."

Alguns outros dispositivos pertinentes, da Constituição Federal:

"art. 205 – A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho."

"Art. 206 – O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios:

            I. igualdade de condições para o acesso e permanência na escola;..."

"art. 208 – O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de:

...

V- acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da criação artística, segundo a capacidade de cada um;..."

"Art. 211 - A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios organizarão em regime de colaboração seus sistemas de ensino."

Inexiste, portanto, na questão ora discutida, da Lei estadual que trata da redução de tarifas nos transportes urbanos de Belém, qualquer interferência indevida do Estado no peculiar interesse do Município. Ao contrário, a Constituição Federal determina a responsabilidade de cada um dos entes federativos, impondo um regime de colaboração, característico do federalismo solidário, e determinando mesmo, no art. 208, acima transcrito, que o Estado deve garantir o acesso aos níveis mais elevados de ensino, etc, segundo a capacidade de cada um (e não de acordo com as suas posses, evidentemente). É claro, portanto, que a discriminação que está sendo feita pela CTBel, ou pela Prefeitura de Belém, apenas em relação aos estudantes de cursos pré-vestibulares, constitui uma afronta a essa norma, porque dificulta, ou até impede, em certos casos, o acesso à Universidade, por parte dos estudantes mais carentes.

Não existe peculiar e exclusivo interesse do Município, quando se trata de transportes urbanos, se a norma que ora se discute tem a finalidade de cumprir preceitos constitucionais federais, pertinentes ao desenvolvimento e ao aperfeiçoamento do sistema educacional, e à garantia do acesso à Universidade, obrigação comum das três esferas de poder. Afinal, sem merenda e sem transporte, não existe educação.

Na Constituição do Estado do Pará, de 1989

, citarei, para posterior comentário, os seguintes artigos, que em alguns casos apenas repetem as normas da Constituição Federal:

o art. 16, segundo o qual o Estado exerce, em seu território, as competências que não lhe sejam vedadas pela Constituição Federal (competência residual);

o art. 17, V, segundo o qual é competência comum do Estado, dos Municípios e da União, proporcionar os meios de acesso à cultura, à educação e à ciência;

o art. 18, IX, que atribui ao Estado competência para legislar, concorrentemente com a União, sobre educação, cultura, ensino e desporto;

o art. 91, XIII, que atribui competência à Assembléia Legislativa do Estado para dispor sobre as normas gerais para exploração ou concessão, bem como para a fixação de tarifas ou preços dos serviços públicos;

o art. 236, III, segundo o qual a política urbana, a ser formulada e executada pelo Estado, no que couber, e pelos Municípios, terá como objetivo, no processo de definição de estratégias e diretrizes gerais, o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e a garantia do bem-estar de sua população, respeitados os princípios constitucionais e mais os seguintes: III- promoção do direito de todos os cidadãos à moradia, transporte coletivo, saneamento básico, energia elétrica, iluminação pública, abastecimento, comunicação, saúde, educação, lazer e segurança, assim como à preservação do patrimônio cultural e ambiental;

o art. 249, de caráter claramente programático e obrigatório para todos os municípios do Estado do Pará, cujo inciso VI determina a isenção tarifária nos transportes coletivos municipais para pessoas portadoras de deficiência, para crianças de até seis anos, e para policiais civis e militares e carteiros, quando em serviço, e cujo parágrafo 1o dispõe que o Estado e os Municípios, em regime de cooperação, criarão câmaras de compensação tarifária relativas ao transporte rodoviário de passageiros, nos termos da lei;

o art. 272, pelo qual a educação é direito de todos e dever do Estado e da família...;

o art. 280, III, pelo qual o ensino público será organizado em redes estadual e municipais, em regime de colaboração, obedecendo aos princípios desta Constituição e visando ao desenvolvimento de programas suplementares de material didático-escolar, transporte, alimentação e assistência à saúde, financiados com recursos provenientes de contribuições sociais e outros previstos nos orçamentos;

e, finalmente, o art. 284, o pomo da discórdia, segundo o qual é assegurado aos estudantes de qualquer nível o benefício da tarifa reduzida à metade, nos transportes urbanos, terrestres ou aquaviários, na forma da lei.

Também o art. 317, alínea ‘a’, concede isenção tarifária nos transportes urbanos e intermunicipais aos ex-combatentes.

Na Lei Orgânica do Município de Belém

, devem ser citados os seguintes:

art. 1o, segundo o qual o Município é autônomo em tudo quanto diga respeito ao seu peculiar interesse;

art. 6o, pelo qual o Município deverá usar de todos os meios para tornar efetivos, em seu território, entre outros, os direitos sociais (entre estes, a educação);

art. 37, VIII, pelo qual compete ao Município organizar e prestar diretamente ou sob regime de concessão ou permissão os serviços públicos de interesse local, incluindo o de transporte coletivo, que tem caráter essencial;

art. 38, V, segundo o qual é competência comum do Município, do Estado e da União proporcionar os meios de acesso à cultura, à educação e à ciência;

art. 108, X, que determina a integração das ações do Município com as da União e as do Estado, no sentido de garantir a segurança social, destinadas a tornar efetivos os direitos ao trabalho, à educação, à cultura, ao desporto, à saúde, à habitação e à assistência social;

art. 116, pelo qual a política urbana a ser formulada pelo Município deverá atender às necessidades e carências básicas da população, entre elas as referentes à educação, e ainda, a ação governamental do Município deverá ser integrada com a dos órgãos e entidades federais, estaduais e metropolitanas, e com a iniciativa popular;

art. 146, IV, VI e VII, que determina, entre outras coisas, que as tarifas dos transportes coletivos deverão ser condizentes com o poder aquisitivo da população e com a garantia de serviço adequado ao usuário, e estabelece diversas isenções tarifárias, para crianças até seis anos, para cidadãos maiores de sessenta anos, para policiais civis e militares, bombeiros militares e carteiros, em serviço, além de redução à metade para os estudantes de qualquer nível, das escolas oficiais, seminários, institutos e escolas teológicas e para as pessoas portadoras de deficiência mental;

finalmente, o art. 246, ‘a’, que concede também isenção tarifária aos ex-combatentes.

Algumas constatações se tornam evidentes, pelo simples exame dessas normas, nos três níveis de poder de governo. A primeira, a de que não se justificam as eternas disputas políticas entre o Governo do Estado e o do Município. O contribuinte, assim como o usuário dos transportes urbanos, paga tributos federais, estaduais e municipais, e tem o direito de exigir a contraprestação, exatamente o retorno dessa pesada carga tributária, através da efetivação dos direitos sociais, a educação, a saúde, o trabalho, o lazer, a segurança, a previdência social, etc. Da mesma forma, o usuário dos transportes urbanos tem o direito de exigir um serviço adequado e tarifas condizentes com o poder aquisitivo da população, o que denota a possibilidade, ou a eventual necessidade, de que sejam encontradas outras fontes, além da receita tarifária, para a manutenção do equilíbrio contratual.

A segunda, a de que a lei estadual em questão, de nº 6.151/98, nada mais fez do que repetir a norma constante do art. 284 da Constituição Estadual, que assegurou aos estudantes de qualquer nível o benefício da meia passagem. Não é possível, portanto, simplesmente alegar que essa lei é inconstitucional, e desprezar a existência do referido art. 284 e das outras normas da Constituição Estadual que tratam de isenções e reduções tarifárias nos transportes urbanos.

Aliás, talvez seja interessante repetir, também, que a responsabilidade pelos serviços de transporte coletivo em Belém somente foi transferida para o Governo Municipal após a vigência da Constituição de 1.989 (art. 21 do ADCT, acima transcrito), e ressaltar ainda que o benefício da meia-passagem, previsto no art. 284 da Constituição Estadual, para os estudantes de qualquer nível, já está em vigor desde o dia 5 de janeiro de 1.990, quando se esgotou o prazo de três meses para a sua regulamentação, nos termos do inciso X do art. 16 do ADCT, segundo o qual o Estado deveria editar, no prazo de três meses, a lei a que se refere o art. 284, e desrespeitado este prazo, o benefício ali estatuído seria garantido mediante a simples apresentação da carteira de identidade escolar, expedida pela entidade que representa os estudantes. Transcreverei a seguir essas normas:

"Constituição do Estado do Pará, art. 284 – É assegurado aos estudantes de qualquer nível o benefício da tarifa reduzida à metade, nos transportes urbanos, terrestres ou aquaviários, na forma da lei."

"Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, art. 16 – O Estado deverá, nos prazos abaixo, contados a partir da promulgação desta Constituição:

X – editar, no prazo de três meses, a lei a que se refere o art. 284, e, desrespeitado este prazo, o benefício ali estatuído será garantido mediante a simples apresentação da carteira de identidade escolar, expedida pela entidade que representa os estudantes;..."

É preciso recordar, ainda, que o assunto foi tratado na Lei Complementar estadual nº 2, de 18.01.90, que pretendeu disciplinar a emissão dos passes referentes à meia-passagem, apesar de já esgotado (há treze dias) o prazo concedido pelo inciso X do art. 16 do ADCT. Evidentemente, esta Lei Complementar deveria ser considerada inválida, porque a disposição transitória, que permitia a sua edição, já desaparecera, pelo simples decurso do prazo de três meses que havia sido fixado pelo constituinte. Posteriormente, a Lei Complementar nº 8, de 23.09.91, disse que bastaria a apresentação da carteira de identidade estudantil, no momento do pagamento da passagem, para que o estudante de qualquer nível tivesse direito à redução da tarifa. Repetiu, apenas, a norma que já estava em vigor desde 5 de janeiro de 1.990, conforme já demonstrado.

Não é tão simples, portanto, alegar que a Lei nº 6.151/98 é inconstitucional, porque ela tem o seu fundamento na própria Constituição Estadual. No meu entendimento, essa Lei nem precisaria ter sido editada, porque o art. 284 da Constituição Estadual se refere aos estudantes de qualquer nível, mas é provável que isso tenha resultado da eterna disputa entre a Prefeitura e o Governo do Estado.

Em terceiro lugar, voltando à argumentação do meu texto anterior, que originou a réplica do doutor Helenilson, de que essa lei cuja inconstitucionalidade se alega trata de educação e não de transportes, e de que o art. 284 pertence à Seção I, que trata exclusivamente de educação, do Capítulo III do Título IX (Da Ordem Social) da Constituição Estadual, é também interessante observar que o art. 249 da Constituição Estadual, acima referido, pertence ao Capítulo V (Dos Transportes) do Título VIII (Da Ordem Econômica) dessa mesma Constituição. Esse art. 249 prevê (norma programática) diversas isenções tarifárias nos transportes coletivos, para deficientes, crianças, policiais, etc., mas está localizado no Capítulo "Dos Transportes", enquanto que o art. 284, que concede a redução de tarifas para os estudantes de qualquer nível, está localizado no Capítulo "Da Educação", e não é, absolutamente, uma norma programática, conforme a disposição contida no art. 16 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, acima transcrito. Evidentemente, o art. 284 não trata de transportes urbanos, ou pertenceria ao mesmo Capítulo V acima referido, juntamente com o art. 249, ou então essa redução tarifária concedida aos estudantes poderia constar de um simples inciso do mesmo art. 249.

Nas constituições, como de resto em qualquer outra lei, não existem palavras sem significado, nem muito menos artigos inúteis. Da mesma forma, é da maior importância a topotesia legis, isto é, a localização do dispositivo, pertencente a uma lei, a um Código, ou a uma Constituição, no pertinente à estrutura interna da lei, em seus títulos, capítulos e seções, porque isso resulta sempre em profundas conseqüências. Não podem ser simplesmente desprezados, portanto, o art. 249 da Constituição Estadual, programático, que determina a concessão de diversas isenções tarifárias nos transportes urbanos, e que está inserido no capítulo dos Transportes, nem o art. 284, inserido no capítulo da educação, norma originariamente de eficácia contida, porque dependeria da edição de lei estadual, mas que entrou automaticamente em vigor após o decurso do prazo de três meses, a contar da promulgação da Constituição Estadual, em 5 de outubro de 1.989, nos termos do inciso X do art. 16 do ADCT, acima transcrito.

Em quarto lugar, observa-se que a Lei Orgânica do Município de Belém, no inciso VII de seu art. 146, determinou a "redução à metade do valor das tarifas aos estudantes de qualquer nível, das escolas oficiais, seminários, institutos e escolas teológicas", o que significa, pelo menos no meu entendimento, que os estudantes de cursinhos pré-vestibulares também aí estejam incluídos. A título de curiosidade, ressalte-se, ainda, que esse mesmo dispositivo, "in fine", conflita com o disposto no art. 249, VI, ‘a’, da Constituição Estadual, porque também concede apenas a meia passagem para as pessoas portadoras de deficiência mental, quando de acordo com o disposto na norma programática estadual, deveria ser concedida isenção (e não apenas redução) tarifária, nos transportes coletivos, para as pessoas portadoras de deficiência, com reconhecida dificuldade de locomoção, o que é, evidentemente, muito mais amplo, abrangendo outros tipos de deficiência, além da deficiência mental.

Na verdade, a questão toda, do debate a respeito da constitucionalidade da lei estadual nº 6.151/98, se resume à definição dos limites impostos à competência do Estado-membro, em face daquilo que se denomina o peculiar interesse do Município. A partilha de competências, na Federação Brasileira, atribui ao Estado-membro a competência residual, o que significa dizer que a Constituição Federal confere ao Estado-membro todos os poderes que não foram atribuídos à União nem aos Municípios. Em decorrência da teoria dos poderes implícitos, consagrada nos Estados Unidos pela decisão do caso Mc Culloch contra Maryland, e adotada pelo constitucionalismo brasileiro, deve ser ainda entendido que, além da competência expressamente atribuída pela Constituição à União e aos Municípios, estes possuem também os poderes implícitos (implicare, dobrar, escondidos nas dobras), ou decorrentes, instrumentais, não escritos, mas indispensáveis para a efetivação dos poderes expressos. Nessa equação, para que se pudesse afirmar a inconstitucionalidade da lei estadual pertinente à redução tarifária nos transportes urbanos, deveriam estar sendo anuladas competências expressas ou implícitas do Município de Belém, no que tange ao seu peculiar interesse.

De qualquer maneira, não seria possível alegar, simplesmente, a inconstitucionalidade da lei estadual de 1.998. Se essa lei fosse inconstitucional, pelos motivos alegados, também deveriam ser considerados inconstitucionais o art. 284 da Constituição Estadual, assim como o inciso X do art. 16 de suas Disposições Transitórias, segundo os quais o benefício da meia-passagem foi imediatamente concedido aos estudantes de qualquer nível, sem que para isso fosse necessária a edição de qualquer norma infra-constitucional. Também seriam inconstitucionais, é claro, as normas do inciso VI do art. 249 da mesma Constituição, que determinam aos Municípios a concessão de isenção tarifária nos transportes urbanos para deficientes, para crianças até seis anos de idade, para policiais civis e militares e para carteiros. Da mesma forma, seria inconstitucional o art. 317 da Constituição Estadual, que concede isenção tarifária aos ex-combatentes. Não podemos esquecer, também, das duas Leis Complementares estaduais que tentaram disciplinar a matéria, ou seja, a Lei Complementar nº 2, de 18.01.90 e a Lei Complementar nº 8, de 23.09.91.

Nada impede, no entanto, que o Município exerça a sua competência, quanto aos transportes urbanos. O equilíbrio contratual deverá ser restabelecido, quando necessário, através da atualização tarifária, sempre levando em conta o poder aquisitivo da população. O serviço de transportes urbanos, sendo caracterizado como essencial, não deve dar lucro para o Município, que já recebe os tributos de sua competência. Também deve ser sempre levado em consideração, precipuamente, o interesse público, e não os lucros dos empresários que exploram esse serviço público.

Diga-se, ainda, que a CTBel não poderia, simplesmente, descumprir as normas estaduais em vigor. A atitude correta seria que a Prefeitura de Belém providenciasse o ajuizamento de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade perante o Supremo Tribunal Federal, para que fossem retiradas da ordem jurídica essas normas, que se alega serem inconstitucionais, porque interferem na relação contratual pertinente à concessão da exploração dos serviços de transportes urbanos. No caso, teria legitimidade para propor a Ação o Partido dos Trabalhadores, com fulcro no inciso VIII do art. 103 da Constituição Federal, verbis:

Art. 103- Podem propor a ação de inconstitucionalidade:

VIII- partido político com representação no Congresso Nacional;..."

Felizmente, a Lei Orgânica do Município de Belém concedeu também uma outra isenção, que não estava prevista na Constituição Estadual, para os cidadãos maiores de sessenta anos de idade. Já estou até contando os dias para poder voltar a andar de ônibus.

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LIMA, Fernando. Constitucionalidade de lei estadual que concede meia passagem a estudantes de cursinhos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 6, n. 51, 1 out. 2001. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/2085. Acesso em: 28 mar. 2024.

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