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A influência de Teixeira de Freitas no Brasil e no mundo

01/07/2000 às 00:00
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Como neste ano estamos entrando em um novo milênio e completando 500 anos de existência para o mundo ocidental ‘civilizado’, esse texto ressaltará uma das nossas maiores glórias nacionais da qual nos orgulhamos pela sua profunda produção científica na área do direito brasileiro que é a figura do célebre advogado e jurista baiano Augusto Teixeira de Freitas nascido em 1816. O autor teve como obras a Consolidação das Leis Civis e o famoso Esboço de Freitas, que influenciaram o direito civil mundial, não só pela sua técnica utilizada, mas também pela sua produção doutrinária nelas expressadas.

Embora os juristas e legisladores brasileiros, na época, não terem dado a importância merecida ao esboço de Freitas, até mesmo porque este fora apresentado em fascículos e, por isso, encontrar-se disperso na época, a obra chegou às mãos do grande jurista argentino, Velez Sarsfield, que trabalhava, desde 1864, no projeto de redação do Código Civil Argentino e estava em dúvida quanto ao método que utilizaria na sua confecção. Como se houvesse uma solidariedade Sul-Americana, Sarsfield adotou, como base do seu projeto codificador, o esboço de Freitas sendo seguido por outras nações Latino-Americanas como o Paraguai e, em parte, o Uruguai. Essa posição adotada pelo codificador Argentino foi alvo de duras críticas baseadas na concepções de Montesquieu que afirmava que as condições físicas que vivem um povo influenciam na formação do seu direito ao ponto de que seria muito raro que o direito de uma nação servisse para outra. Entretanto, esse respeitável nome da história não levou em conta o início do processo de intercomunicação acentuada entre as nações, hoje conhecida como a já gasta palavra Globalização. Um fato que demonstra que o nosso grande filósofo se equivocara é o alastramento, com algumas modificações, do direito romano por toda Europa após a queda do império romano e a sua influência até hoje em nosso direito. Portanto, a sujeição do meio geográfico se exerce até certo limite concorrendo outros fatores significativos para a formação do direito, ainda mais o direito civil que é fruto de séculos da existência humana. Mas ,logo, a imprensa representada pelos notáveis periódicos La Nacion e La Tribuna ficou solidário com o codificador(1).

Agora, apresentaremos a obra de Freitas como uma reação ao Código de Napoleão e a uma tendência de sua adoção indiscriminada por países tanto europeus quanto Sul-Americanos. Freitas, assim como fizera com as Institutiones de Justiniano e o seu Digesto, criticou o Código de Napoleão por achar este sem uma orientação metodológica e, mesmo assim, usado como guia para várias nações. Portanto, a Consolidação e o Esboço, pelo seu método e doutrina, foram suficientes para apontá-los ao mundo como uma nova vertente do Direito, contrapondo-se ao Código de Napoleão, vale lembrar que este influenciou os códigos Sul-Americanos, Europeus (incluindo a própria Alemanha) e Asiáticos.

Podemos dizer que as duas grandes famílias que influenciaram o processo de codificação foram a francesa com o código de Napoleão de 1804 e a Alemã com o Bürgeliche Gezetzbuch de 1896 o qual, como já havia afirmado René David, Freitas antecedera de " quarante ans le Code Civil allemand (BGB) auquel on attribue en général le merite de cette innovation" através da sua técnica da divisão do Código em uma parte geral e outra especial. Isso mostra o vanguardismo de Freitas não só em relação ao Código Alemão, mas também ao direito mundial como daremos mais exemplos no discorrer do texto .

Voltando para América, a sua obra se fez sentir ainda no Código Civil Paraguai, (pois este era muito parecido com o Argentino) um pouco no Código Civil Uruguaio, já que este recebera influência do Chileno eleborado por Andrés Bello que, por sua vez, fora influenciado pelo francês. Vale lembrar que o Código Civil Chileno fora muito criticado "por não possuir uma palavra sobre analfabetos, como se o Chile de 1855 não abrigasse imensa massa populacional de tais categorias"(2).

Freitas almejava em seu projeto de Código Civil a incorporação do direito comercial no direito civil antecipando-se a Vivante que propusera essa tese em 1892 sendo mais adiante concretizada na aprovação do Código Civil Italiano de 1942 que ab-rogou o Código de Comércio de 1882 e o Civil de 1865. Para irmos mais longe, o Código Civil chinês, ao contrário de japonês que sofrera influência do francês, se filia ao Código Civil brasileiro de 1916 (Clóvis Beviláquia) e ao alemão de 1896 e, através deles, lembra o plano de Teixeira de Freitas, ao apresentar um livro I de Princípios Gerais subdividindo-os em capítulos e, apesar de Civil, estão presentes preceitos de direito Comercial.

Além da influência na técnica utilizada para separação das disciplinas e a sua sistematização, ela se faz presente também na doutrina por ele utilizada que tiveram inúmeras fontes como a tradição lusitana, representada especialmente pelas ordenações; o direito romano, o qual assimilara no curso em Olinda, com particularidade para o Digesto e as Institutiones; a doutrina Alemã com realce em Savigny e outros tais como Jhering, Mackeldey; a doutrina francesa, especialmente em Cujacio, Porthier, Ortolan, Demolombe, Dalloz; a doutrina portuguesa com Joaquim José Caetano Pereira, José Homem Correa Teles, Joaquim Couveia Pinto; a obra de pensadores como Bacon, Bentham, Leibnitz; as codificações de Prússia (1794), da Luisiana, da Sardenha, do Chile, da Aústria, da Espanha e dos Cantões da suíça e outras. Vindo estas fontes presentes com mais ou menos intensidade em sua obra, não sendo, porém, uniforme.

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Toda essa bagagem cultura que Freitas detinha serviu de base também para que elabora-se um caldo de substância doutrinal que vamos citar apenas alguns exemplos.

A sua originalidade apresentou-se em um dos pontos básicos da capacidade que é a distinção, por ele feita, entre a capacidade de direito e da fato, não feita por Savigny e somente desenvolvida por von Bar na Alemanha em 1860 e na França com Dreyfus em 1904.(3)

Agora, nos reportaremos ao instituto do domicílio, pois este ponto, politicamente falando, foi o de maior relevo no seu Esboço. O art. 4° versa sobre os efeitos do lugar determinado, a legislação civil aplicável, a jurisdição e a competência das autoridades judiciais do Império. Relativamente às pessoas, o lugar aparece como residência ou domicílio, sendo este a certeza do lugar em que as pessoas existem, a sede jurídica da pessoa. E este ainda ele o subdivide em voluntário (de acordo com a aplicabilidade, pode ser geral ou especial) e legal ou necessário, distinguindo o domicílio de origem que é onde a pessoa nasceu. A importância se dá na medida em que o que importa é o domicílio, a sede jurídica da pessoa e, não, a sua nacionalidade regulando-se pela lei brasileira a capacidade de fato mesmo se tratando de atos praticados em país estrangeiros, ou de bens existentes em país estrangeiro. Essa opção pela troca de nacionalidade pelo domicílio teve um profundo contexto político, visto que constava na constituição imperial do país recém independente a autonomia da ordem jurídica privada refletido no instituto do domicílio.

Foram nessas circunstâncias que surgiram as obras de Freitas em que se destaca o método utilizado no que concerne a exposição ordenada e coerente do sistema de direito positivo, mas também na técnica utilizada para solução de problemas decorrentes da aplicação do direito.

Na colonização brasileira, conjugou-se uma série de fatores como os aspectos econômicos e políticos, abundância de terras férteis implicando uma estrutura de características agrária, latifundiária, monocultura, escravocrata na técnica de exploração econômica, híbrida de índios, negros e brancos. A família era patriarcal e, no direito, a supremacia da ordem privada no sistema de organização social, de base rural.

Portanto, podemos perceber que os valores dominantes em uma cultura são, também, os determinantes das normas de seu ordenamento jurídico. Esse raciocínio segue a teoria tridimensional do direito sendo este visto como uma relação de fato-valor-norma(4) revelando de uma maneira dinâmica a importância dos valores na confecção das normas, sendo estas influenciadas por fatores de ordem política, econômica, psicológica, histórica e cultural. Portanto, falar de direito civil brasileiro é falar-se em cultura brasileira. E a avaliação da extensão da obra de Freitas é compreender essa cultura, na qual o direito tem particular importância. (5)


NOTAS

  1. MEIRA, SÍLVIO. Projeção internacional de Obra do Jurisculsulto Teixeira de Freitas, Revista do IAB,n°61, p.16.
  2. Idem, p.19
  3. HAROLDO, VALADÃO. Teixeira de Freitas, o jurista excelso do Brasil e da América, Revista do IAB n°61, p.105.
  4. REALE, MIGUEL. Lições Preliminares de Direito. 4° ed., 1977,Saraiva, p.65.
  5. AMARAL, FRANCISCO. A técnica jurídica na obra de Teixeira de Freitas e seu significado político, revista do IAB, n°62, 1984, p. 116.
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Sobre o autor
Douglas Balbi Araujo

Procurador da República; Mestre em Direito Penal; Ex-Procurador do Ministério Público junto ao TCE/RJ; Aprovado nos concursos para os cargos de Defensor Público do Estado do Rio de Janeiro, Procurador Federal/AGU e advogado da Casa da Moeda.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ARAÚJO, Douglas Balbi Araujo. A influência de Teixeira de Freitas no Brasil e no mundo. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 5, n. 43, 1 jul. 2000. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/1907. Acesso em: 28 mar. 2024.

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