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Da interposição concomitante de habeas corpus e de apelação criminal em caso de defesa técnica apenas formalmente efetiva.

Aplicação da doutrina de Amartya Sen ao processo penal

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28/03/2010 às 00:00
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O "habeas corpus" deve corrigir a injustiça da condenação daquele que não tiver suprido o elemento da liberdade substantiva, a defesa técnica.

"Vivemos um mundo de opulência sem precedentes, mas também de privação e opressão extraordinárias. O desenvolvimento consiste na eliminação de privações de liberdade que limitam as escolhas e as oportunidades das pessoas de exercer ponderadamente sua condição de cidadão." (Amartya Sen)

RESUMO

O habeas corpus pode ser usado concomitantemente à apelação criminal em caso de condenação em primeira instância em que a defesa técnica for apenas formalmente efetiva, em vez de realmente efetiva. Devido a maior celeridade, o habeas corpus deve corrigir a injustiça da condenação daquele que não tiver suprido o elemento da liberdade substantiva, a defesa técnica. Trata-se de mais um exemplo da adaptação e aplicação da doutrina do economista Amartya Sen ao processo penal.

Palavras-chave: Direito Constitucional, Direito Processual Penal, Habeas corpus, Amartya Sen, Defesa Técnica.


ABSTRACT

Habeas corpus could be used, at the same time of a criminal appeal, in cases of condemnation when technical defense is just formally effective, while it should be also really effective. More rapid than a appeal, habeas corpus is the instrument to correct the injustice imposed to one who was not provided his technical defense as freedom. This text is another example of the economist Amartya Sen’s doctrine applied to the criminal law process.

Keywords: Constitutional Law, Criminal Law Process, Habeas corpus, Amartya Sen, Technical Defense.


1 – INTRODUÇÃO

Neste texto, pretendemos demonstrar a possibilidade de se utilizar habeas corpus em caso de defesa técnica formalmente efetiva, e não realmente efetiva, no intuito de declarar nula decisão judicial que a considere nesse sentido, ao mesmo tempo em que se interpõe a apelação criminal [01]. Dá-se seqüência, portanto, à idéia trazida em artigo anterior [02], no qual introduzimos o conceito de defesa técnica realmente efetiva, como contribuição da doutrina do economista Amartya Sen [03] ao processo penal, a ser utilizado como princípio de hermenêutica da Súmula 523 do Supremo Tribunal Federal (STF) [04], que amplia o alcance da nulidade prescrita no Código de Processo Penal (CPP). [05] Seria aviltante que uma pessoa fosse privada do seu direito de liberdade de locomoção [06] por causa da atuação pífia ou meramente formal do seu advogado. Sendo o habeas corpus o remédio constitucional para tutelar a proteger a liberdade de locomoção do indivíduo face às arbitrariedades, obviamente, portanto, o será com relação à falta de atenção do magistrado que permitiu a atuação e a permanência de um advogado que não foi realmente efetivo na defesa técnica de um acusado, agindo de modo meramente formal. [07]

Em trabalho anterior, defendemos a tese de que o advogado vem a complementar a liberdade substantiva [08] do acusado. A defesa técnica, portanto, vem a constituir um "elemento da liberdade substantiva" do sujeito, oferecendo-lhe um "funcionamento" [09] (SEN, 2001, p. 79) que lhe é deficiente, aumentando suas "capacidades" [10] (SEN, 2000, p. 95) e, por extensão, o seu "conjunto capacitário" [11] (SEN, 2000, p. 96). Recapitulemos brevemente. Os "funcionamentos" contêm estados e ações que influenciam o modo de vida do ser humano. "Capacidades" seriam combinações de "funcionamentos" (não necessariamente de todos ao mesmo tempo). Quer dizer, "capacidades" seriam somente as combinações possíveis de "funcionamentos" para uma pessoa. Em outras palavras, as "capacidades" seriam a liberdade substantiva que uma pessoa teria de promover combinações alternativas de "funcionamentos". O "conjunto capacitário", por sua vez, seria constituído pelos vetores alternativos de "funcionamentos" que uma pessoa poderia escolher. Ou, ainda, a falta de liberdade do sujeito de escolher as combinações alternativas entre "funcionamentos" é um reflexo da exclusão social.

O estudo do economista indiano demonstra que, para que haja uma vida que valha a pena ser vivida, não são suficientes apenas provimentos que lhe forneçam um mínimo necessário para a sobrevivência, algo mais relativo à biologia que ao social. Há de se levar em consideração, portanto, além do conceito de pobreza absoluta, o de pobreza relativa, [12] no qual as pessoas se privam de um bem-estar maior por falta de "funcionamentos" e "capacidades", que seriam, talvez, os instrumentos de mensuração dessa pobreza relativa:

"Creio que as contribuições mais significativas de Sen ao debate sobre desigualdade e pobreza são, em primeiro lugar, a dimensão de avaliação dos estados sociais em termos dos seres e fazeres, e do espaço aberto aos indivíduos para escolher entre seres e fazeres alternativos, isto é, em termos dos funcionamentos e capacidades dos indivíduos para levarem adiante seus planos de vida. Esta dimensão avaliatória representaria o grau de liberdade efetivamente gozado pelos indivíduos em uma sociedade, segundo a ética do desenvolvimento de Sen. Em segundo lugar, penso que Sen elabora, para além de uma noção de pobreza absoluta — que corresponderia ao alcance de uma condição de vida abaixo do mínimo fisicamente adequado, conceito mais biológico do que social —, uma noção de pobreza relativa. Esta seria afetada pelo nível de desigualdade socioeconômica prevalecente em uma sociedade, e as noções de funcionamentos e capacidades estariam aptas a aferi-lo." (KERTZNETZKY, 2000, p. 117)

Sem uma defesa técnica adequada (defesa técnica realmente efetiva), há prejuízo para o acusado no decorrer do processo penal. Numa interpretação da doutrina de Sen, o advogado é um agente que vem a balancear a relação jurídico-processual ao suplantar uma deficiência do acusado, compensando o seu estado de pobreza relativa (falta de liberdade efetivamente usufruída na sociedade) pelo emprego dos conhecimentos profissionais inerentes à uma real e efetiva defesa técnica. Formalmente, o acusado pode estar provido de defesa técnica, porém, na realidade, se não lhe foi suprimido um "elemento de liberdade substantiva", há, na nossa ótica, nulidade absoluta do processo a partir do momento em que o advogado assumiu a causa, devendo aquele ser declarada a nulidade dos atos processuais desde então. O instrumento adequado para argüir tal intento, depois da sentença condenatória, é o habeas corpus, concomitantemente à apelação criminal, pelos motivos que exporemos no momento oportuno.

Não temos a intenção de banalizar o instituto do habeas corpus, utilizando-o para todas e quaisquer causas. Neste estudo, sustentamos somente a possibilidade de utilização simultânea do habeas corpus – pelo processo ser manifestamente nulo [13] – com a apelação criminal, em caso de condenação em primeira instância, em que tenha havido deficiência na defesa técnica. Mesmo sendo a apelação criminal o recurso mais adequado em se tratando de atacar sentença de juiz monocrático, ressaltamos que o habeas corpus é mais rápido e eficiente na tutela da liberdade de locomoção. Em sede de apelação criminal, sustentar-se-á, preliminarmente, a nulidade absoluta por defesa técnica deficiente.

Para tal intento, discorreremos neste texto sobre a aplicabilidade do princípio do duplo grau de jurisdição com relação às ações autônomas de impugnação e os recursos ordinários, tal como a natureza jurídica do habeas corpus e dos recursos ordinários, em especial a apelação criminal. Em seguida, aventaremos a possibilidade de utilização concomitante de habeas corpus e de apelação criminal, os posicionamentos favoráveis e contrários. Adiante, escreveremos a problemática da defesa técnica, sustentando que a defesa ineficiente, ou apenas formalmente efetiva, deve ser considerada absolutamente nula, por ofensa ao princípio constitucional da ampla defesa, por uma interpretação desfavorável da Súmula 253 do STF, que ampliou o alcance do art. 564, III, "c", do CPP. Abordaremos, inclusive, o problema da dilação probatória no habeas corpus no caso da defesa técnica formalmente efetiva, e não realmente efetiva, e a complementaridade do mesmo, em caso de insucesso, com a apelação criminal. A nulidade do processo por defesa técnica ineficiente pode ser alegada em habeas corpus e apelação criminal, simultaneamente, como se pretende demonstrar neste estudo.


2 – AÇÕES AUTÔNOMAS DE IMPUGNAÇÃO, RECURSOS ORDINÁRIOS E O PRINCÍPIO DO DUPLO GRAU DE JURISDIÇÃO

Interessante fazer a diferenciação entre ação autônoma de impugnação e recursos ordinários já que em ambos os casos há reexame do caso julgado em primeira instância por uma instância superior. [14] Entretanto, é necessário, antes, explicar o princípio do duplo grau de jurisdição. Para Cintra et al (2006, 187), ordenamentos jurídicos contemporâneos têm agasalhado esse princípio justamente para corrigir eventuais erros de magistrados e também para atender a inconformidade natural da parte vencida. "Mas o principal fundamento para a manutenção do princípio do duplo grau é de natureza política: nenhum ato estatal pode ficar imune aos necessários controles. O Poder Judiciário, principalmente onde seus membros não são sufragados pelo povo, é, dentre todos, o de menor representatividade. Não o legitimaram nas urnas, sendo o controle popular sobre o exercício da função jurisdicional ainda incipiente em muitos ordenamentos, como o nosso." (CINTRA ET AL, 2006, p. 81)

Existe também a finalidade, no reexame da causa por instância superior, de dar maior clareza e acerto na aplicação do Direito:

"O princípio do duplo grau de jurisdição dá maior certeza à aplicação do Direito, com a proteção ou restauração do direito porventura violado e é por isso que se encontra assente nas legislações. Um segundo exame da relação jurídica posta em litígio é necessário para uma justa composição do conflito de interesses. O que se busca, em verdade, outra coisa não é senão a efetiva garantia da proteção jurisdicional. Se não houver recursos, a incerteza cessará com a decisão única, mas haverá o risco de consagrar-se uma injustiça." (MIRABETE, 2002, p. 605)

O habeas corpus, por ser ação, tem rito e tratamento diferenciados dos da apelação criminal – esta um recurso ordinário –, embora ambos sejam apreciados por uma instância superior em respeito ao princípio do duplo grau de jurisdição. Por isso, discorremos brevemente, a seguir, sobre a natureza jurídica de cada um deles.

2.1. Da Natureza Jurídica do Habeas Corpus

O habeas corpus – embora inserido no Livro III, Título II, do Código de Processo Penal Brasileiro [15] como Recurso – na realidade é uma ação de impugnação autônoma. [16] É uma garantia com previsão expressa na Constituição Federal de 1988: "Art. 5º (...) LXVIII - conceder-se-á habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder".

No entendimento de Grinover et al (2006b, p. 349): "Na verdade, cuida-se de uma ação que tem por objeto uma prestação estatal consistente no restabelecimento da liberdade de ir, vir e ficar, ou, ainda, na remoção de ameaça que possa pairar sobre esse direito fundamental da pessoa. (...) Cumpre ressaltar, também, que a ação de habeas corpus é de conhecimento, pois tende à cognição completa e definitiva sobre a legalidade da apontada restrição do direito à liberdade de locomoção, ainda quando esta seja apenas potencial, como ocorre nas hipóteses em que se pede a ordem em caráter preventivo."

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Alexandre de Moraes (2006, p. 111) também considera o habeas corpus como uma "ação constitucional de caráter penal e de procedimento especial, isenta de custas e que visa evitar ou cessar violência na liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder". Mirabete completa (2002, p. 709-710): "O habeas corpus é uma garantia individual, ou seja, um remédio jurídico destinado a tutelar a liberdade física do indivíduo, a liberdade de ir, ficar e vir. (...) Com ele se pode impugnar atos administrativos ou judiciários, inclusive a coisa julgada, e de particulares. (...) Trata-se de ação penal popular constitucional, embora por vezes possa servir de recurso." Por ser uma outra ação [17], se estabelece uma outra relação jurídico-processual, ao contrário dos recursos, como se verá abaixo.

2.2. Da Natureza Jurídica dos Recursos e da Apelação Criminal

Ensina Grinover et al (2006, p. 31-34) que "recurso é remédio contra as decisões judiciais", cuja natureza jurídica é "aspecto, elemento ou modalidade do próprio direito de ação e de defesa". Não são mais encarados, então, como ações distintas e autônomas das ações principais. Outros autores consideram que a questão ainda não está fechada. Sujeita-se, assim, a natureza jurídica dos recursos a uma vasta discussão doutrinária. Eis algumas das concepções: "a-) desdobramento do direito de ação que vinha sendo exercido até a decisão proferida; b-) como ação nova dentro do mesmo processo; c-) como qualquer meio destinado a obter a ‘reforma’ da decisão, quer se trate de ação como nos recursos voluntários, quer se cogite de provocação da instância superior pelo juiz que proferiu a decisão, como nos recursos de ofício." (MIRABETE, 2002, p. 606)

Cremos mais adequada conceber a natureza jurídica dos recursos tal como prevê Grinover et al. Trata-se não somente de diferenciar os recursos – caso considerados como decorrência imediata do direito de ação – das ações de impugnação autônomas, mas também de se reconhecer que, devido a tal distinção, uma espécie dos recursos (a apelação criminal) e uma espécie das ações de impugnação autônomas (Habeas corpus) poderiam ser utilizadas concomitantemente, ao se pleitear o reexame da matéria pelo duplo grau de jurisdição.

Sendo a apelação criminal uma espécie de recurso, por simples raciocínio, podemos dizer que sua natureza jurídica é derivada do direito de ação, um desdobramento deste após o proferimento da decisão em primeiro grau. Não pode ser, pois, uma outra ação dentro do mesmo processo. Afinal, só se faz coisa julgada da causa da qual não caiba mais recurso. E a coisa julgada é atacada por via de outra ação de impugnação autônoma, a revisão criminal. Assim, não teria sentido sustentar que a apelação criminal é uma ação diferente da ação principal, já que para se haver coisa julgada é necessário que já se tenha julgado a mesma, ou que se tenha perdido o prazo recursal. Caso o fosse, haveria duas coisas julgadas, uma para a ação principal e outra para a apelação criminal, ou algum outro imbróglio jurídico desta estirpe, dentro do mesmo processo.

Em suma, nos recursos – incluindo a apelação criminal – há continuidade da relação jurídico processual, ao contrário das ações de impugnação autônomas, que estabelecem nova relação jurídico processual.


3 – DO USO CONCOMITANTE DO HABEAS CORPUS COM A APELAÇÃO CRIMINAL

Os recursos só podem ser empregados se forem previstos em Lei, tal como suas hipóteses de cabimento, o que lhes confere um rol taxativo [18] de aplicação. Para cada tipo de situação, portanto, cabe um tipo de recurso: "Isso porque, na tentativa de equilibrar as garantias do valor justiça e do valor certeza, não se pode admitir que a via recursal permaneça indefinidamente aberta, o que sacrificaria o princípio da segurança jurídica: a possibilidade de revisão das decisões judiciárias há de ser prevista em Lei." (GRINOVER ET AL, 2006b, p. 38)

Num primeiro momento, quando da utilização concomitante do habeas corpus com a apelação criminal, poderíamos ser surpreendidos pelo princípio da taxatividade que, como exposto, vedaria a interposição de um recurso por outro e em hipóteses não descritas originalmente em Lei. A respeito do princípio da unirrecorribilidade das decisões, Nucci escreve (2006, p. 954): "(...) para cada decisão existe um único recurso cabível, não sendo viável combater um julgado por variados mecanismos. Além de poder gerar decisões contraditórias, haveria insegurança e ausência de economia processual. Excepciona essa regra o fato da decisão comportar mais, motivador de mais de um recurso. É possível que a parte interponha recursos extraordinário e especial, concomitantemente, contra acórdão, desde que a decisão contrarie, por um lado, a Constituição e, por outro, der a lei federal interpretação diversa da que lhe tenha dado outro tribunal."

Estes princípios, contudo, não se enquadram com toda sua amplitude nesta situação. O Superior Tribunal de Justiça (STJ) já decidiu pela possibilidade de interposição conjunta de habeas corpus com recurso ordinário, cujo fundamento explica a doutrina:

"A impetração de habeas corpus e a interposição do respectivo recurso ordinário, referentes ao mesmo ato, são conciliáveis, ainda que articulem os mesmos fatos e busquem a mesma situação jurídica, pois essa ação constitucional não encontra obstáculo na legislação ordinária, em homenagem à liberdade de locomoção, proclamada constitucionalmente. Dessa forma, tanto o habeas corpus quanto o recurso devem ser apreciados, embora, eventualmente, um julgamento possa repercutir no outro." (MORAES, 2006, p. 122-123, grifos do autor)

Contudo, há de se ressalvar o seguinte:

"Portanto, por ser o habeas corpus uma ação constitucional que visa impedir lesão ou restaurar o exercício do direito de liberdade, nada impedirá a concomitância com qualquer recurso, pois prevenir ou fazer cessar a violência ou coação não encontra obstáculo por determinação de rito ou encerramento do processo, sendo, porém, lícito ao Tribunal remeter o exame da pretensão para julgamento do recurso, de maior abrangência, quando o deslinde da matéria depender do exame de fatos ou do conjunto probatório." (MORAES, 2006, p. 123, grifos nossos)

Mas, como praticamente tudo em Direito, há controvérsias. Há posicionamentos jurisprudenciais a favor e contrários à impetração concomitante de habeas corpus com a interposição de apelação criminal. Existe também o problema relacionado à necessidade de dilação probatória em determinados processos, para comprovar o alegado em sede de habeas corpus. Contudo, esse tema será explicado oportunamente no tópico 4.3. deste texto, em conjunto com argüição de nulidade do processo por defesa técnica formalmente efetiva, e da complementaridade da apelação criminal.

3.1. Do Posicionamento Favorável à Concomitância do Habeas Corpus com a Apelação Criminal

Há possibilidade de se impetrar habeas corpus concomitantemente à interposição apelação criminal, para atacar sentença condenatória em primeira instância. Já se comprovou a possibilidade e o cabimento do primeiro para tutelar a liberdade de locomoção. Contudo, há de se salientar que se houver necessidade de dilação probatória, o Tribunal apreciará a apelação criminal. A lição de Mirabete (2003, p. 1696), nesse sentido, é clara:

"STF: ‘Não há impedimento em que seja impetrado habeas corpus, embora tenha sido interposta apelação da sentença condenatória, se a matéria versada no writ for apenas de direito, não havendo dúvidas quanto aos fatos’ (RT 599/448). STJ: ‘(...) RHC – Habeas corpus e apelação – Simultaneidade. 1. O entendimento pretoriano é no sentido de que não existe óbice à impetração de habeas corpus com a simultânea interposição de apelação, salvo em se tratando de matéria de exame da matéria de fato a reclamar investigação probatória, ou quando o evidenciado propósito de suprimir com o remédio heróico o segundo grau de jurisdição, com transferência para a instância especial o encargo do julgamento do recurso, de devolutividade ampla, para ser dirimido na esfera de conhecimento limitado. Recurso ordinário improvido’ (RSTJ 129/473). STJ: "Impetração de habeas corpus e interposição de apelação são conciliáveis, ainda que articulem os mesmos fatos e busquem a mesma situação jurídica. A ação constitucional não encontra obstáculo na legislação ordinária, em homenagem à liberdade de locomoção. A doutrina e a jurisprudência referem-se ao habeas corpus substitutivo (denominação imprópria, embora consagrada). A ação e o recurso devem ser apreciados, embora, eventualmente, um julgamento fosse repercutir no outro’ (RSTJ 46/454 e RT 691/372)."

3.2. Do posicionamento contrário à interposição concomitante de Habeas Corpus com Apelação Criminal

Há, contudo, decisões que se orientam contrariamente ao que sustentamos, o que deve ser exposto, embora que de maneira sucinta, para maiores fins de elucidação quanto à matéria discutida e estudada neste texto: "TJMT: ‘Não é através de habeas corpus que o Tribunal de Justiça há de rever decisão proferida em primeira instância. Estando o processo em grau de recurso aguardando providências pelas quais o próprio impetrante protestou, não se conhece da ordem impetrada’ (RT 532/391). TJSP: ‘Não se tratando de argüição de nulidade evidente, não cabe o habeas corpus enquanto pendente de julgamento recurso, porque não se vislumbra qualquer violência jurídica contra a liberdade do réu’ (RT 617/298-9)." (MIRABETE, 2003, p. 1696-1697)

A desvantagem de se impetrar somente o habeas corpus é a de perder o prazo recursal de cinco dias da apelação criminal. Denegado o habeas corpus, por considerar o Tribunal que a matéria em exame exige maior conjunto probatório, já houve a preclusão e a oportunidade de se interpor a apelação criminal. Entretanto, se já interposta a apelação criminal tempestivamente, decidir-se pela impetração do habeas corpus, se os julgadores entenderem não haver necessidade de maior dilação probatória, este será mais eficiente que aquela. Então, por questão de maior versatilidade, há de se interpor simultaneamente tanto a ação de impugnação autônoma quanto o recurso ordinário. [19] Apesar de, nessa hipótese, não se aplicar o princípio da fungibilidade das formas, não há óbice do princípio da taxatividade, muito menos do princípio da unirrecorribilidade das decisões.

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Sobre o autor
Roger Moko Yabiku

Advogado, jornalista e professor universitário. Bacharel em Direito e Jornalismo, graduado pelo Programa Especial de Formação Pedagógica de Professores de Filosofia, MBA em Comércio Exterior, Especialista em Direito Penal e Direito Processual Penal e Mestre em Filosofia (Ética). Professor do CEUNSP e da Faculdade de São Roque - UNIESP.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

YABIKU, Roger Moko. Da interposição concomitante de habeas corpus e de apelação criminal em caso de defesa técnica apenas formalmente efetiva.: Aplicação da doutrina de Amartya Sen ao processo penal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2461, 28 mar. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/14591. Acesso em: 24 abr. 2024.

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