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Repouso semanal remunerado.

Periodicidade e incidência aos domingos

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Deve-se conceder folga aos empregados, no máximo, no sétimo dia trabalhado, e coincidir a folga com o domingo, no máximo, na terceira semana, para os trabalhadores de todos os ramos de atividade.

RESUMO

Os assuntos abordados no presente trabalho suscitam questionamentos dentre os operadores do direito. A primeira questão é saber quando deve ser concedida a folga dos empregados que laboram em atividades autorizadas a funcionar aos domingos. A segunda, mais específica, diz respeito à obrigatoriedade da coincidência da folga semanal com o domingo em algumas semanas, com ênfase nos casos das mulheres e dos trabalhadores do ramo do comércio. Para tanto, o autor buscou na legislação, na doutrina e na jurisprudência os argumentos apresentados. Demonstra as linhas de interpretação existentes e destaca argumento que, apesar de não ser inédito, vem sendo olvidado, qual seja: o teor das Convenções 14 e 106 da Organização Internacional do Trabalho. Conclui pela necessidade de se conceder folga aos empregados, no máximo, no sétimo dia trabalhado, e de coincidir a folga com o domingo, no máximo, na terceira semana, para os trabalhadores de todos os ramos de atividade, quer sejam homens ou mulheres.

Palavras-chave: Repouso semanal. Convenção da OIT. Periodicidade. Domingo.


1 INTRODUÇÃO

O repouso semanal, atualmente, é um direito dos trabalhadores, previsto pela Constituição Federal (CF) de 1988 e por legislação infraconstitucional. Porém, a expressão "semanal" suscita dúvidas nos atores da relação trabalhista e nos operadores do direito. Para alguns, o descanso semanal deve ocorrer de forma a que o empregado não trabalhe durante sete dias corridos. Para outros, o direito ao descanso semanal significa que o empregado deve usufruir de um descanso no decorrer da chamada "semana civil", entendida essa como o período entre uma segunda feira e o domingo seguinte.

Outro ponto estudado é a obrigação de os empregadores concederem as folgas semanais incidindo aos domingos, ressaltando-se o caso das empregadas de todos os ramos de atividade e dos trabalhadores do ramo do comércio, em razão de existirem normas específicas para eles. Em relação ao trabalho da mulher, entretanto, há discussão se as normas que tratam da incidência do repouso semanal aos domingos, a cada 15 dias, está ou não em vigor.

Objetiva esse trabalho demonstrar as diversas correntes de interpretação acerca dessas matérias, tendo o autor feito uma extensa pesquisa na legislação, inclusive nas Convenções da Organização Internacional do Trabalho ratificadas pelo Brasil. Compulsou, ainda, o autor, doutrina e jurisprudência a fim de buscar uma solução para as questões.

Registre-se que não se pretende, neste trabalho, emitir um veredito sobre o tema, pois, como se verifica adiante, a questão envolve, talvez, a necessidade de mudança legislativa, em face de aparentes conflitos e lacunas nas normas ora vigentes. A intenção, ao se elaborar esse trabalho, foi de suscitar questionamentos e discussões e, com isso, provocar legisladores, magistrados, autoridades administrativas, a fim de que se possam encontrar possíveis soluções para as questões, a fim de pacificar a aplicação das normas.


2 O DIREITO AO REPOUSO SEMANAL

A origem do repouso semanal é essencialmente religiosa. Mesmo antes de haver leis obrigando a concessão do repouso, a força da religião já impunha a observância da suspensão das atividades obreiras em um dia da semana, a fim de que as pessoas pudessem participar das cerimônias religiosas.

Segundo o livro do Gênesis, capítulo 2, versículos de 1 a 3, Deus, após criar o mundo, descansou no sétimo dia:

1 Assim foram acabados os céus e a terra, com todo o seu exército.

2 Ora, havendo Deus completado no dia sétimo a obra que tinha feito, descansou nesse dia de toda a obra que fizera.

3 Abençoou Deus o sétimo dia, e o santificou; porque nele descansou de toda a sua obra que criara e fizera.

Para Arnaldo Sussekind [01], com o advento da Revolução Industrial, o instituto do repouso semanal passou a se sustentar em outros fundamentos: biológicos, que visam eliminar a fadiga gerada pelo trabalho; sociais, que possibilitam a prática de atividades recreativas, culturais e físicas, bem como o convívio familiar e social; econômicos, que tem por escopo aumentar o rendimento no trabalho, aprimorar a produção e restringir o desemprego.

No Brasil, o direito ao repouso semanal remunerado está previsto na Constituição Federal, em seu artigo 7º, inciso XV, que assim estatui: "repouso semanal remunerado, preferencialmente aos domingos" (grifo nosso). Aliás, a Constituição anterior já tratava desse direito dos empregados. Disciplina, ainda, a matéria, a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), em seus artigos 67 a 69 e a Lei 605, de 1949.

As normas acima citadas preveem o descanso semanal, preferencialmente aos domingos; mas, nas atividades autorizadas a funcionar nesse dia, os empregados podem ser escalados para trabalhar, tendo direito de folgar em outro dia da semana. Nesse caso, o empregador é obrigado a elaborar, mensalmente, uma escala de revezamento, de forma a indicar os dias de folga dos seus empregados. A autorização para o funcionamento em dias de domingo pode ser concedida em caráter permanente ou provisório. Em caráter permanente, está insculpida no artigo 7º do regulamento da Lei 605, de 1949, introduzido pelo Decreto 27.048, de 1949, que lista as atividades abrangidas por essa autorização. Para as demais atividades fica proibido o funcionamento aos domingos, salvo se cumprirem as formalidades da Portaria 3118, de 1989, do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), e obtiverem da autoridade competente, no caso, os Superintendentes Regionais do Trabalho e Emprego, a autorização, sendo esta de caráter provisório.


3 A PROBLEMÁTICA DO REPOUSO SEMANAL EM DECORRÊNCIA DA NOMENCLATURA UTILIZADA

A dúvida que surge em relação a esse instituto é decorrente da utilização, tanto por parte da Constituição Federal, quando pela legislação infraconstitucional, da expressão "semanal".

Há, no mínimo, duas linhas de interpretação:

A primeira é no sentido de que o empregado tem o direito de descansar uma vez, no mais tardar, após o período de seis dias corridos, ou seja, ele não pode trabalhar sete dias seguidos.

Essa é a linha que a doutrina e a jurisprudência dominantes seguem, dentre as quais destacamos:

Arnaldo Sussekind [02] leciona que o descanso deve ocorrer no máximo no sétimo dia corrido:

[...] Mas, nessa escala, o repouso semanal deverá ser garantido após o período máximo de seis dias, não podendo ser concedido, em determinada semana, depois de sete dias de trabalho.

Na mesma esteira é o ensinamento de Pedro Paulo Teixeira Manus [03]:

Observe-se, então, que apesar da faculdade de o empregador poder alterar o dia de repouso, do domingo para outro dia, ainda assim, haverá de observar o lapso máximo de seis dias de trabalho contínuo para a concessão do repouso semanal. Tal limitação significa que não pode o empregador elaborar escala de repouso semanal que obrigue o empregado a trabalhar além de seis dias seguidos, sem o repouso correspondente, sob pena de pagá-lo em dobro, que é a penalidade pela não observância de tal direito.

A Jurisprudência dominante também corrobora o entendimento doutrinário acima referenciado, conforme demonstam os recentes julgados do Tribunal Superior do Trabalho (TST), abaixo transcritos:

RR - 611021/1999Relator - GMEMP DJ - 16/05/2008 RECURSO DE REVISTA DO RECLAMANTE PAGAMENTO EM DOBRO DOS DOMINGOS TRABALHADOS. O entendimento desta Corte é no sentido de que o repouso semanal remunerado, também denominado de hebdomadário, é aquele que deve ser gozado dentro de uma semana de trabalho, que, por influência religiosa, compreende o lapso temporal de sete dias. Não há no nosso ordenamento jurídico a hipótese de se conceder o descanso no oitavo dia. [..] A elaboração da escala de revezamento deve observar, em quase todas as atividades econômicas, o disposto na Portaria nº 417, de l966, do Ministério do Trabalho, alterada pela de nº 509, de l967: as empresas autorizadas a manter atividades contínuas, abrangendo, portanto, os domingos, deverão organizar escala de revezamento assegurando que, em um período máximo de sete dias de trabalho, cada empregado usufrua pelo menos um domingo de folga; mas, nessa escala, o repouso semanal deverá ser garantido após o período máximo de seis dias, não podendo ser concedido, em determinada semana, depois de sete dias de trabalho.

RR - 2825/2000-242-01-00Relator - GMJSF DJ - 18/03/2008 DESCANSO SEMANAL REMUNERADO. CONCESSÃO APENAS NO OITAVO DIA. O descanso semanal estabelecido na legislação é aquele que deve ser gozado dentro de uma semana de trabalho, assim compreendido o lapso temporal de sete dias. Posto isso, o descanso semanal a que aludem o artigo 67, caput e Parágrafo Único, da CLT, a Lei nº 605/49 e seu Decreto regulamentador nº 27.048/49, deve ocorrer após seis dias de trabalho, recaindo no sétimo dia. Não há, no citado regramento legal, a hipótese de se conceder, de forma regular, o descanso apenas no oitavo dia, mesmo porque tal sistema implicaria acréscimo de um dia de trabalho a cada semana. Recurso de Revista conhecido e não provido.

A segunda linha de entendimento sustenta que o empregado tem direito de gozar sua folga semanal entre uma segunda-feira e um domingo (semana civil), não existindo obrigação legal de a folga ser concedida, no máximo, no sétimo dia corrido. Essa corrente é seguida, por exemplo, pelo órgão central do MTE, por meio do Departamento de Fiscalização do Trabalho, ao qual são subordinados tecnicamente os Auditores-Fiscais do Trabalho, encarregados de fiscalizar o cumprimento das normas trabalhistas. O citado departamento aprovou o Precedente Administrativo nº 46, por meio do Ato Declaratório nº 4, de 21 de fevereiro de 2002:

Ato declaratório nº 4, de 21 de fevereiro de 2002

I – aprovar os precedentes administrativos de n.º 31 a n.º 50, resultantes de posicionamentos firmados na Coordenação-Geral de Normatização e Análise de Recursos;

II – revisar os precedentes de n.º 01 a n.º 30;

III – consolidar todos os precedentes administrativos aprovados, conforme anexo I deste ato;

IV - os precedentes administrativos em anexo deverão orientar a ação dos Auditores-Fiscais do Trabalho no exercício de suas atribuições. (grifo nosso)

...

PRECEDENTE ADMINISTRATIVO Nº 46

JORNADA. DESCANSO SEMANAL REMUNERADO. PERIODICIDADE. O descanso semanal remunerado deve ser concedido ao trabalhador uma vez em cada semana, entendida esta como o período compreendido entre segunda-feira e domingo. Inexiste obrigação legal de concessão de descanso no dia imediatamente após o sexto dia de trabalho, sistema conhecido como de descanso hebdomadário. REFERÊNCIA NORMATIVA: Art. 11 do Decreto nº 27.048, de 12 de agosto de 1949. (grifo nosso).

No entender do órgão central do Ministério do Trabalho e Emprego, não há obrigação legal de concessão de descanso no dia imediatamente após o sexto dia de trabalho. O que há é a obrigação de concessão de descanso no decorrer do período compreendido entre uma segunda-feira e um domingo.

Apesar de o ato declaratório dizer apenas que os precedentes devem orientar a ação dos Auditores-Fiscais do Trabalho, na prática, o conteúdo desse precedente significa que, se um Auditor-Fiscal do Trabalho não observar tal precedente e, ao constatar que um trabalhador laborou sete dias corridos, lavrar o auto de infração, esse auto provavelmente será julgado insubsistente na primeira instância ou, em último caso, em sede de recurso administrativo.

Apresentamos, abaixo, uma tabela onde fica demonstrado o regime de escala de revezamento, segundo a segunda linha de interpretação. Saliente-se que a situação abaixo demonstrada é real e é praticada por vários empregadores do ramo do comércio, por exemplo.

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S

D

S

D

S

D

             

X

X

                       

X

 

ß ---------------------12 dias trabalhados -----------------à

 

Obs: o "X" indica o dia de descanso do empregado

Observe-se que, no demonstrativo, se encontra evidenciada a possibilidade de o empregado trabalhar até 12 dias seguidos, sem que se infrinja qualquer disposição legal. Como o empregado, em cada período entre uma segunda-feira e um domingo, teve um descanso, não há, segundo os defensores da segunda corrente, qualquer infração legal.

Data venia, não concordamos com esse posicionamento. São inegáveis os prejuízos trazidos aos trabalhadores que laboram nesse regime de jornada. Mesmo o empregado tendo dois dias de folga sucessivos, isso não recompensa o esforço de 12 dias de trabalho seguidos.

Igualmente discordamos da alegação de que inexiste obrigação legal de concessão de descanso no dia imediatamente após o sexto dia de trabalho. No próximo tópico, essa matéria será tratada.

São fortes os argumentos que defendem a necessidade de o homem repousar, no máximo, no sétimo dia trabalhado. O corpo humano precisa descansar, se reconstituir da labuta diária.

O Decreto 27048, de 1949, em seu artigo 11, § 4º, conceitua o que é "semana":

Art 11.. ...

....................

§ 4º Para os efeitos do pagamento da remuneração, entende-se como semana o período da segunda-feira a domingo, anterior à semana em que recair o dia de repouso definido no art. 1º.

Mas esse conceito é para o efeito do pagamento da remuneração, conforme dispõe o próprio parágrafo citado. E para os outros efeitos, como por exemplo, o de se definir quando é que deve ser concedido o descanso semanal? Se a norma deu a definição do que é semana, mas o fez para um determinado efeito, cabe ao intérprete estendê-lo para os demais, utilizando-se a analogia? Ou quando ele asseverou que a definição valeria para um determinado efeito, ele meramente exemplificou?

Parece-nos que esse é, data venia, um dos equívocos contidos no Precedente Administrativo 46, que tomou a definição de semana como sendo a do artigo 11, § 4º do Decreto 27048, enquanto a doutrina e a jurisprudência dominantes adotam o entendimento de que o descanso deve ser concedido no máximo, no período de sete dias corridos, afastando, assim, a aplicação da analogia nesse particular. Repita-se: a definição de "semana", contida no artigo 11, § 4º do Decreto 27048, é apenas para o efeito de pagamento da remuneração, não cabendo ao intérprete estender essa definição aos demais efeitos. Sendo assim, vemos como correta a aplicação do entendimento de que "descanso semanal" deve ser interpretado como aquele que deve ser concedido no período de sete dias.

Cabe registrar, assim, que os empregadores que adotam a prática de conceder folga a seus empregados observando a semana civil, mantendo os empregados trabalhando por mais de seis dias seguidos ficam sujeitos, em uma eventual reclamação trabalhista, a serem condenados a pagar em dobro pelos repousos semanais remunerados não concedidos, assim entendidos os que não foram concedidos, no máximo, no sétimo dia corrido. Entretanto, provavelmente esses empregadores não sofrerão sanção administrativa.


4 AS CONVENÇÕES 14 E 106 DA ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO - OIT

Como se não bastassem os argumentos doutrinários, jurisprudenciais e fisiológicos, há ainda um argumento jurídico, baseado no direito positivo, que determina que a folga deve ser concedida no decorrer de cada período de sete dias, conforme constata-se a seguir:

O Brasil é signatário das Convenções 14 e 106 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), adiante detalhadas.

A de número 14, que trata da concessão do repouso semanal nos estabelecimentos industriais, foi ratificada pelo Brasil por meio do Decreto Presidencial nº 41721, de 25 de junho de 1957, após o Decreto Legislativo nº 24, de 1956 tê-la aprovado. Em seu artigo 2º, prevê:

ARTIGO 2º

1. Todo o pessoal ocupado em qualquer estabelecimento industrial, público ou privado, ou nas suas dependências, deverá, ressalvadas as exceções previstas nos artigos presentes, ser beneficiado, no correr de cada período de sete dias, com um repouso, ao menos de 24 horas consecutivas. (grifo nosso)

Já a Convenção 106, que dispõe sobre o repouso semanal no Comércio e nos Escritórios, foi igualmente ratificada pelo Brasil, através do Decreto Presidencial nº 58.823, de 14 de julho de 1966, tendo sido esse ato autorizado pelo Decreto Legislativo nº 20, de 30 de abril de 1965. Seus artigos VI e VII estatuem que:

Artigo VI

1. Todas as pessoas às quais se aplica a presente convenção terão direito, sob ressalva das derrogações previstas nos artigos seguintes, a um período de repouso semanal, compreendendo um mínimo de vinte e quatro horas consecutivas, no decorrer de cada período de sete dias. (grifo nosso)

Artigo VII

1. Quando a natureza do trabalho, a índole dos serviços fornecidos pelo estabelecimento, a importância da população a ser atendida ou o número das pessoas empregadas não permitam a aplicação das disposições do artigo 6º, medidas poderão ser tomadas, pela autoridade competente ou pelo organismo apropriado em cada país, para submeter, se for o caso, determinadas categorias de pessoas ou de estabelecimentos, compreendidas no campo de aplicação da presente convenção, a regimes especiais de repouso semanal, levando em devida conta toda consideração social ou econômica pertinente.

Antes de se adentrar na análise do impacto que as disposições dessas Convenções causam em nossa legislação, é necessário que se faça um breve estudo acerca do status conferido às Convenções da OIT, após ratificadas pelo Brasil.

Há quem defenda que as Convenções da OIT, após ratificadas pelo Brasil, integram o nosso ordenamento jurídico com força de lei federal.

Nesse sentido, o ensinamento de Maurício Godinho Delgado: [04]

Não há mais dúvida na jurisprudência do país (STF), por décadas, de que esses diplomas internacionais, ao ingressarem na ordem jurídica interna, fazem-no com o status de norma infraconstitucional. Isso significa que se submetem, inteiramente, ao crivo de constitucionalidade; nesta medida, podem ser considerados inválidos, mesmo após ratificados, se existente afronta a regra ou princípio insculpido na Carta Magna brasileira.

Não difere dessa linha a lição de Alice Monteiro de Barros [05]:

Alguns autores, de cujo ponto de vista compartilhamos, incluem entre as fontes de Direito do Trabalho os tratados e convenções internacionais, desde que ratificadas pelos países. São fontes formais, mas dependem de ratificação. Uma vez ratificadas, passam a integrar o rol de leis internas do respectivo país, perdendo a importância a distinção entre fontes internas e de origem internacional.

Registre-se, ainda, a seguinte jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF):

Com efeito, é pacífico na jurisprudência desta Corte que os tratados internacionais ingressam em nosso ordenamento jurídico tão somente com força de lei ordinária (o que ficou ainda mais evidente em face de o artigo 105, III, da Constituição que capitula, como caso de recurso especial a ser julgado pelo Superior Tribunal de Justiça como ocorre com relação à lei infraconstitucional, a negativa de vigência de tratado ou a contrariedade a ele), não se lhes aplicando, quando tendo eles integrado nossa ordem jurídica posteriormente à Constituição de 1988, o disposto no artigo 5º, § 2º, pela singela razão de que não se admite emenda constitucional realizada por meio de ratificação de tratado. (HC 72.131, voto do Rel. p/ o ac. Min. Moreira Alves, julgamento em 23-11-95, DJ de 1º-8-03) (grifo nosso)

Entretanto, a moderna doutrina e jurisprudência apontam em outro sentido, reconhecendo um status superior a esses tratados.

Para Flávia Piosevan [06], "todos os tratados de direitos humanos, independentemente do quorum de sua aprovação, são materialmente constitucionais, compondo o bloco de constitucionalidade".

E continua Flávia Piosevan:

Cabe, portanto, ao Supremo Tribunal Federal o desafio de reafirmar sua vocação de guardião da Constituição, rompendo em definitivo com a jurisprudência anterior acerca da legalidade ordinária dos tratados de direitos humanos e, a partir de uma interpretação evolutiva, avançar na defesa da força normativa constitucional destes tratados, conferindo máxima efetividade à dimensão material mais preciosa da Constituição -- os direitos fundamentais.

Mais recentemente, a Emenda Constitucional 45 incluiu o § 3º no artigo 5º, da Constituição Federal. A partir de então, os Tratados e Convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, passaram a ser equivalentes às Emendas Constitucionais.

No dia 3 de dezembro de 2008, o pleno do Supremo Tribunal Federal, ao julgar o Recurso Extraordinário 349.703, onde se discutia a questão da possibilidade da prisão civil do depositário infiel, no caso de alienação fiduciária, reconheceu, por maioria, a impossibilidade de prisão civil. Aponte-se a transcrição da ementa do acórdão, in verbis, que foi publicado no dia 5 de junho de 2009:

EMENTA: PRISÃO CIVIL DO DEPOSITÁRIO INFIEL EM FACE DOS TRATADOS INTERNACIONAIS DE DIREITOS HUMANOS. INTERPRETAÇÃO DA PARTE FINAL DO INCISO LXVII DO ART. 5O DA CONSTITUIÇÃO BRASILEIRA DE 1988. POSIÇÃO HIERÁRQUICO-NORMATIVA DOS TRATADOS INTERNACIONAIS DE DIREITOS HUMANOS NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO. Desde a adesão do Brasil, sem qualquer reserva, ao Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos (art. 11) e à Convenção Americana sobre Direitos Humanos - Pacto de San José da Costa Rica (art. 7º, 7), ambos no ano de 1992, não há mais base legal para prisão civil do depositário infiel, pois o caráter especial desses diplomas internacionais sobre direitos humanos lhes reserva lugar específico no ordenamento jurídico, estando abaixo da Constituição, porém acima da legislação interna. O status normativo supralegal dos tratados internacionais de direitos humanos subscritos pelo Brasil torna inaplicável a legislação infraconstitucional com ele conflitante, seja ela anterior ou posterior ao ato de adesão. Assim ocorreu com o art. 1.287 do Código Civil de 1916 e com o Decreto-Lei n° 911/69, assim como em relação ao art. 652 do Novo Código Civil (Lei n° 10.406/2002). ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA EM GARANTIA. DECRETO-LEI N° 911/69. EQUIPAÇÃO DO DEVEDOR-FIDUCIANTE AO DEPOSITÁRIO. PRISÃO CIVIL DO DEVEDOR-FIDUCIANTE EM FACE DO PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE. A prisão civil do devedor-fiduciante no âmbito do contrato de alienação fiduciária em garantia viola o princípio da proporcionalidade, visto que: a) o ordenamento jurídico prevê outros meios processuais-executórios postos à disposição do credor-fiduciário para a garantia do crédito, de forma que a prisão civil, como medida extrema de coerção do devedor inadimplente, não passa no exame da proporcionalidade como proibição de excesso, em sua tríplice configuração: adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito; e b) o Decreto-Lei n° 911/69, ao instituir uma ficção jurídica, equiparando o devedor-fiduciante ao depositário, para todos os efeitos previstos nas leis civis e penais, criou uma figura atípica de depósito, transbordando os limites do conteúdo semântico da expressão "depositário infiel" insculpida no art. 5º, inciso LXVII, da Constituição e, dessa forma, desfigurando o instituto do depósito em sua conformação constitucional, o que perfaz a violação ao princípio da reserva legal proporcional. RECURSO EXTRAORDINÁRIO CONHECIDO E NÃO PROVIDO. (grifo nosso)

Nesse mesmo sentido, é a decisão, unânime, do mesmo Tribunal, nos autos do Recurso Extraordinário 466.343, proferida na mesma data da acima referida, com data de publicação de acórdão, também em 5 de junho de 2009:

EMENTA: PRISÃO CIVIL. Depósito. Depositário infiel. Alienação fiduciária. Decretação da medida coercitiva. Inadmissibilidade absoluta. Insubsistência da previsão constitucional e das normas subalternas. Interpretação do art. 5º, inc. LXVII e §§ 1º, 2º e 3º, da CF, à luz do art. 7º, § 7, da Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica). Recurso improvido. Julgamento conjunto do RE nº 349.703 e dos HCs nº 87.585 e nº 92.566. É ilícita a prisão civil de depositário infiel, qualquer que seja a modalidade do depósito.

O que se discutia nesses processos submetidos a julgamento era se a disposição da lei que regulamenta a alienação fiduciária, ao prever a prisão civil do depositário infiel, prevaleceria sobre o disposto no pacto de São José da Costa Rica, do qual o Brasil é signatário. Saliente-se que esse pacto foi ratificado pelo Brasil antes da entrada em vigor da Emenda Constitucional 45 e, portanto, não foi submetido ao rito previsto no artigo 5º, § 3º. Segundo o resultado do julgamento, prevaleceu a proibição de prisão civil para o fiel depositário do bem alienado fiduciariamente.

No bojo desses julgamentos foi, inclusive, revogada a Súmula 619, do STF, segundo a qual "a prisão do depositário judicial pode ser decretada no próprio processo em que se constituiu o encargo, independentemente da propositura de ação de depósito".

Assim, constata-se que a posição majoritária no Supremo Tribunal Federal, atualmente, é que os tratados e convenções de organismos internacionais, ratificados pelo Brasil, e que tratem de direitos humanos, têm status de norma supralegal, e não mais de lei ordinária, como ocorria anteriormente.

Que importância prática advém do enquadramento das Convenções da OIT, ratificadas pelo Brasil, como lei federal ou norma materialmente supralegal? Valério Mazzuolli [07] aponta duas diferenças: a primeira é que, sendo norma materialmente constitucional, o Tratado internacional que cuida de direitos humanos não poderia ser denunciado; enquanto que a segunda é que o conteúdo desse tratado não pode sofrer alteração por lei ordinária.

O referido autor aponta que os Tratados Internacionais, ratificados pelo Brasil, sempre tiveram status de norma materialmente Constitucional. Para ele, o que mudou após a introdução do § 3º ao artigo 5º é que se o Tratado Internacional passar pelo trâmite previsto no parágrafo introduzido, esse tratado gozará de status de emenda constitucional e, assim, passará a ser norma formalmente constitucional.

É necessário, então, que seja verificado se as Convenções da Organização Internacional do Trabalho, sob estudo, tratam de direitos humanos. Para tanto, veja-se o que diz o artigo 24 da Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, ratificada pelo Brasil em 21 de setembro de 1945:

Todo homem tem direito a repouso e lazer, inclusive a limitação razoável das horas de trabalho e a férias remuneradas periódicas.

Dúvidas não há, portanto, de que as Convenções 14 e 106, sob estudo, tratam de direitos humanos. Todavia, como essas Convenções foram ratificadas antes da vigência da Emenda Constitucional 45, apesar de tratarem de direitos humanos, apenas têm status de norma materialmente constitucional (norma supralegal, seguindo a linha adotada pelo STF).

Definido, então, que as Convenções 14 e 106 da OIT contêm normas materialmente constitucionais (supralegais), faz-se necessário que se adentre no exame de seus textos afim de que sejam retiradas as disposições que interessam à solução da problemática proposta.

Comentando o assunto, Arnaldo Sussekind [08] preleciona:

Descanso semanal – Também no que tange ao repouso semanal, as duas convenções que a seguir resumiremos constituem a regulamentação geral da OIT sobre a matéria.

A Convenção n. 14, de 1921, aplicável às empresas, públicas ou privadas, da indústria da construção e do transporte, e a Convenção n. 106, de 1957, relativa aos estabelecimentos comerciais, instituições e serviços administrativos, públicos ou privados, determinam o repouso dos trabalhadores por um período mínimo de vinte e quatro horas no curso de cada sete dias, o qual, sempre que possível, deve ser geral e recair no dia consagrado ao descanso pela tradição ou costume do país ou região, respeitadas as minorias religiosas. (grifo nosso)

Ora, toda a polêmica existente em relação ao repouso semanal remunerado nasceu, como já explicado no item anterior, exatamente da expressão "semanal", utilizada pela Constituição Federal e pelas normas infraconstitucionais. Mas os artigos convencionais, sob análise, não utilizam a expressão "semanal". Na convenção 14 consta a expressão: "no decorrer de cada período de sete dias", enquanto que na Convenção 106, o termo utilizado é "no curso de cada sete dias".

Sendo assim, nosso entendimento, data vênia, é que o Precedente Administrativo, editado pela Secretaria de Inspeção do Trabalho, baseou-se em um argumento falho, qual seja: "Inexiste obrigação legal de concessão de descanso no dia imediatamente após o sexto dia de trabalho".

Como já explicitado, existe, sim, norma legal, com status de norma materialmente constitucional (Convenções 14 e 106 da OIT), que obriga a ocorrência da concessão do repouso semanal, no máximo no transcorrer do período de sete dias, o que significa, segundo nosso entender, que nenhum empregado pode trabalhar por sete dias corridos, sem folga.

Ressalte-se que, se uma norma infraconstitucional vier a determinar que os empregados possam gozar sua folga semanal de forma a que trabalhem em sete dias corridos, essa norma terá de ser declarada inconstitucional, pois estaria afrontando as Convenções 14 e 106 da Organização Internacional do Trabalho, tidas como normas supra legais.

É bem verdade que essas convenções só regem as relações trabalhistas de empregados dos ramos do comércio, escritórios, indústria em geral, minas, pedreiras, indústrias extrativas de toda natureza, indústria da construção civil, transporte de pessoas ou de mercadorias por estradas ou via férrea ou via fluvial interior, inclusive a manutenção das mercadorias nas docas, cais, desembarcadouros e armazéns, com exceção do transporte a mão. Assim, pelo menos em relação a essas atividades, o empregado teria o direito de não trabalhar sete dias corridos, mas, como já dito, a Jurisprudência e Doutrina, sem sequer citar as Convenções aqui mencionadas, estende esse preceito aos empregados de todos os ramos de atividade.

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Sobre o autor
Luiz Antonio Medeiros de Araujo

Auditor-fiscal do trabalho. Bacharel em Direito e em Bacharel em Direito pela Universidade Potiguar (UnP)e em Ciências Contábeis pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Especialista em Direito e Processo do Trabalho, na UnP.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ARAUJO, Luiz Antonio Medeiros. Repouso semanal remunerado.: Periodicidade e incidência aos domingos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2225, 4 ago. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/13238. Acesso em: 28 mar. 2024.

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