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Da repetição de indébito tributário referente a tributo lançado por homologação.

Uma síntese da crítica doutrinária e consolidação jurisprudencial após a edição da Lei Complementar n° 118/2005

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20/07/2009 às 00:00
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O texto analisa os efeitos da nova lei sobre a prescrição tributária, verdadeiro objetivo do legislador em sua edição e, em especial, a evolução da jurisprudência acerca da disciplina da prescrição da ação de repetição de indébito referente aos tributos lançados por homologação.

RESUMO

Analisa as peculiaridades da lei complementar nº 118, de 9 de fevereiro de 2005, abordando as questões referentes à sua constitucionalidade, efeitos sobre a disciplina da prescrição no Direito Tributário, verdadeiro objetivo do legislador em sua edição e, em especial, a evolução da jurisprudência acerca da disciplina da prescrição da ação de repetição de indébito referente aos tributos lançados por homologação. Para a elaboração do estudo, utiliza-se pesquisa doutrinária e, principalmente, jurisprudencial. Expõe-se o quadro prescricional no Código Tributário Nacional antes e depois da publicação da lei complementar em questão. Aborda a alteração, por meio de aparente interpretação, do prazo prescricional para a ação de repetição de indébito de tributo lançado por homologação, promovida por esta lei. Aclara as conseqüências para o universo jurídico-tributário, dando ênfase ao contribuinte lesado pelo pagamento de indébito tributário e às manifestações jurisprudenciais a respeito. Conclui pela inconstitucionalidade da lei complementar nº 118, demonstrando o real objetivo do legislador, a inocorrência de interpretação autêntica no caso, a ofensa a inúmeros princípios gerais do Direito e, mormente, à evolução e consolidação da jurisprudência a respeito.

Palavras-chave: Real objetivo do legislador complementar. Caráter interpretativo. Irretroatividade. Jurisprudência.

ABSTRACT

Analyses the peculiarities of the supplementary law nº 118 of February 9th, 2005, addressing issues relating to its constitutionality, effects on prescription discipline in Tax Code, the true goal of the legislature in its edition and, in particular, the jurisprudential evolution relative to the prescription term discipline for the claim for refund of tax levy by homologation overpayment. For the development of the study shall be used doctrinaire and, in particular, jurisprudential research. Spells out the prescription framework in the National Tax Code before and after the publication of the supplementary law in question. Addresses the amendment, through apparent interpretation, of the prescription term for the claim for refund of tax levy by homologation overpayment, promoted by the law. Demonstrates the consequences for the legal universe-tax, emphasizing the taxpayer aggrieved by the payment of undue tribute and jurisprudential pronouncements. Concludes by the unconstitutionality of the law nº 118, demonstrating the legislature´s real goal, the not authenticity of the interpretation of the case, the violation of many general principles and, mainly, the evolution and consolidation of jurisprudence on the theme.

Key-Words: legislature´s real goal. Interpretative character. Non-retroactivity. Jurisprudence.


1 introdução

A polêmica em torno do instituto da prescrição encontra-se longe de ser um fenômeno hodierno; ao contrário, fomenta acaloradas discussões não apenas no círculo jurídico científico, mas também dentre os cidadãos comuns, haja vista que estes vêem suas esferas jurídicas constantemente influenciadas pelos efeitos desencadeados pelo decurso do tempo.

No que tange ao Direito Tributário, não poderia ser diferente, uma vez que a prescrição perfaz-se num ponto nodal das relações jurídico-tributárias, tendo sido objeto, no decorrer das últimas décadas, de inúmeros estudos e pronunciamentos judiciais. Nestes últimos, o que se viu foi a constante luta de nossos Pretórios em busca do ponto pacífico acerca da matéria, a interpretação que melhor se coadunaria com os ideais de justiça e bem comum que norteiam o ordenamento jurídico pátrio (Art. 5º [01], LICC).

Deveras, as controvérsias jurídicas decorrentes de relações jurídico-tributárias postas à apreciação do Poder Judiciário sempre se caracterizaram pela discrepância das teses atinentes à prescrição do crédito tributário (execução fiscal) e do crédito titularizado pelo contribuinte (repetição de indébito); sendo que a suscitada discrepância tem como gênese a interpretação atribuída ao instituto sub examine pela Fazenda Pública, ora posicionando-se esta pelo prazo decenal e vintenal, tratando-se de execução fiscal, ora se debatendo pela prescrição qüinqüenal, em versando a lide sobre direito à repetição de indébito tributário.

Concretizada a cizânia interpretativa em questão, o Judiciário, no exercício de seu nobre mister, laborou arduamente para alcançar a equânime solução da controvérsia em tela, tendo, nos últimos anos, quase que pacificado o seu entendimento - ao menos em relação aos tributos sujeitos ao lançamento por homologação - sobre a questão (a ser mais bem analisado).

Pois bem, ante ao quadro jurídico supramencionado, o Poder Legislativo, como é de notório conhecimento, editou a Lei Complementar nº 118, de 9 de fevereiro de 2005, tendo esta atribuído suposta interpretação autêntica aos dispositivos do Código Tributário Nacional (Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966) que dispõem sobre a prescrição do direito do contribuinte pleitear a repetição de eventual indébito tributário referente a tributo lançado por homologação (artigos 150, § 1º, e 168, I, transcritos em itens subsequentes), quedando-se drasticamente alterada - em favor do Fisco, destaque-se - a interpretação judicial anteriormente consolidada.

De fato, o texto legal em comento - expõe o seu artigo 3º (transcrição em item subsequente) - lançou mão de aparente interpretação para restringir eventual pleito ressarcitório a ser manifestado pelo contribuinte, haja vista que, delimitado em cinco anos o prazo prescricional, contados do pagamento antecipado (Arts. 150, §§ 1º e 4º, do CTN, transcritos em tópico oportuno), o reconhecimento da prejudicial de mérito em questão fulminaria uma enormidade de pretensões postas, ou em vias de sê-lo, à apreciação do Poder Judiciário, sob pena de clara afronta a texto de lei (L.C. nº 118/05). A invasão da esfera de atuação daquele Poder estatal foi manifesta.

Realmente, ao valer-se de tal artifício – a fixação em lei do termo a quo do prazo prescricional para a repetição de indébito (Art. 3º, L.C. 118/05), através de canhestra interpretação autêntica – o Poder Legislativo avançou sobre os limites constitucionalmente relegados à função jurisdicional, dessa forma violando o princípio da independência dos Poderes da União (Art. 2º [02], CF/88).

Outrossim, ao pretender conferir efeito retroativo (Art. 4º. Transcrição em seguida) à interpretação veiculada em seu artigo 3º, a lei complementar nº 118 não observou o princípio da irretroatividade das leis modificativas (Art. 5º [03], XXXVI, CF/88).

Concretizada esta breve digressão, resta claro - é voz corrente entre os doutrinadores - que os vícios supra-expostos determinaram o descompasso da lei complementar ora em comento em relação à Carta Magna, bem como, consolidado o quadro jurídico posterior à edição daquela, consubstanciado nas inevitáveis manifestações jurisprudenciais supervenientes, a violação do direito do contribuinte à uma tributação condizente com as garantias fundamentais constantes do bojo da Constituição Federal de 1988.


2 da prescrição no direito tributário

Antes de adentrar nos pormenores que caracterizam e individualizam a prescrição aplicada ao Direito Tributário, apartando-a, em virtude de suas especificidades, dos demais ramos do Direito, importante discorrer, mesmo que brevemente, acerca do histórico legislativo responsável pelo traçado das linhas mestras do instituto jurídico ora em análise no universo tributário nacional.

Pois bem, fixando preliminarmente e superficialmente – haja vista que será mais bem aclarado em seguida - a noção de que a prescrição, no Direito Tributário, é vista sob duas perspectivas diferentes, quais sejam, a prescrição da ação de repetição de indébito tributário eventualmente adimplido pelo contribuinte e a da ação executiva concernente à cobrança, pelo Fisco, de débito atribuído aquele, passemos ao tratamento dos principais diplomas legais atinentes à matéria; ressaltando que tal mister tomará como base a lição do professor Eurico Marcos Diniz de Santi, veiculada em sua tese de doutoramento [04], elaborada sob a batuta do professor Paulo de Barros de Carvalho.

2.1.1 Decreto nº 20.910, de 6 de agosto de 1932

Importante mencionar a edição do Decreto em questão, haja vista que, tendo sido recepcionado por todas as Cartas Políticas promulgadas posteriormente a sua publicação, ainda é responsável pelo regramento geral da prescrição das dívidas atribuídas à Fazenda Pública.

No entanto, "não é mais aplicável à matéria tributária em razão da decadência e da prescrição haverem recebido tratamento específico com a edição da Lei 5.172/66" [05].

2.1.2 Lei nº 6.830, de 22 de setembro de 1980 (Lei de Execução Fiscal)

A relevância desse texto legal à esfera jurídico-tributária é manifesta, haja vista que balizador do procedimento a ser seguido, pelas Fazendas Públicas, quando da cobrança de seus créditos tributários e não tributários, bem como dos direitos e garantias conferidos ao contribuinte, quando nessa posição jurídica de desvantagem em relação ao Fisco.

Entretanto, mercê de tal importância, a lei ordinária em tela não guarda maior relação de pertinência ao presente estudo, uma vez que, no que tange à prescrição em específico, introduziu alterações pontuais, observáveis, não obstante a sua discutível constitucionalidade, mais sob o enfoque processual do que material, não cabendo, em virtude disso, circunlóquio a respeito.

2.1.3 Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991 (Lei de Custeio)

A lei ordinária epigrafada veio a lume no escopo de, objetivamente, organizar a Seguridade Social, instituindo o seu Plano de Custeio.

Pois bem, a polêmica decorrente de sua edição encontrou fomento nas alterações respeitantes à prescrição dos débitos relativos às contribuições sociais, "distendendo, em relação ao Código Tributário Nacional, o prazo de decadência de cinco para dez anos (Art. 45 caput) e trinta anos (Art. 45 § 1º), e o prazo de prescrição, também, de cinco para dez anos (Art. 46)..." [06].

Em verdade, o diploma legislativo ora em comento perfazia-se num dos sustentáculos da problemática concernente à melhor interpretação a ser conferida ao instituto da prescrição aplicada ao Direito Tributário, mormente no que diz respeito à prescrição de execução fiscal dirigida à cobrança de débito relativo à Seguridade Social (CSLL, COFINS, PIS etc.), haja vista que era um dos supedâneos, juntamente com o Código Tributário Nacional, da interpretação fazendária atribuída à matéria.

De fato, neste específico ponto, a constitucionalidade do texto legal em tela sempre fora alvo de ataques por parte da doutrina e dos Tribunais, uma vez que, tendo sido editado já sob os auspícios da nova ordem constitucional de 1988, a afronta ao artigo 146 [07], III, b, da nova Carta Política era manifesto (tese sustentada por, entre outros inúmeros mestres de renome, SACHA CALMON NAVARRO COELHO), sendo que, em consequência, o colendo Supremo Tribunal Federal proclamou, em sessão plenária do dia 12 de junho de 2008, a inconstitucionalidade dos referidos artigos 45 e 46 (Súmula Vinculante n° 8 [08]), encontrando-se estes atualmente expressamente revogados, por obra da lei complementar n° 128 de 2008 [09].

Expostos tais desdobramentos, não será objeto de maiores considerações, haja vista que a presente análise circunscreve-se à interpretação conferida (LC nº 118/2005) a dispositivos do CTN.

2.1.4 Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966 (Código Tributário Nacional)

A lei ordinária agora enfocada, é cediço, é a principal responsável pelo regramento material dos institutos da decadência e prescrição tributárias. No escopo de aclarar e corroborar tal afirmação, lança-se mão, uma vez mais, das palavras do professor DE SANTI: "Recepcionada primeiro pela Constituição Federal de 1967, depois pela de 1988, a Lei nº 5.172 de 25 de outubro de 1966, ou Código Tributário Nacional, é atualmente o principal veículo introdutor dos enunciados prescritivos que versam sobre a matéria da decadência e prescrição (...)" [10].

Deveras, tendo traçado as linhas gerais do ordenamento jurídico-tributário brasileiro, o Código Tributário Nacional, devidamente recepcionado, como já afirmado, pela ordem constitucional de 1988 (Arts. 24 [11], I, e 146, III, b), foi e continua a ser o sustentáculo dos embates jurídico-interpretativos relativos à matéria ora em discussão (a prescrição tributária); não sendo outro o motivo que o conduziu ao centro (Arts. 150, § 1º, e 168, reproduzidos em tópico pertinente, em seguida) do novel regramento instituído pela lei complementar nº 118/2005.

2.1.5 Lei Complementar nº 118, de 9 de Fevereiro de 2005

À lei complementar nº 118/05 atribui-se um considerável estímulo às controvérsias que já há muito circundam o tema da prescrição aplicada ao Direito Tributário. Tal fomento encontra a sua razão de ser na suposta interpretação autêntica atribuída aos dispositivos do Código Tributário Nacional (Arts. 150, § 1º, e 168, I, do CTN, transcritos abaixo) que versam sobre a prescrição da ação de repetição de indébito tributário atinente a lançamento por homologação, pago pelo contribuinte.

As críticas ao diploma legal em testilha, não poderia ser diferente, foram e continuam ferrenhas, mormente diante da consolidação de um panorama jurídico-normativo amplamente infenso às garantias fundamentais que delimitam o poder tributário do Estado frente à esfera jurídica do contribuinte.

No presente estudo, como já dito em sede introdutória, pretender-se-á reavivar, dentro dos limites que o caracterizam, as nódoas do texto da lei complementar em questão, dando ênfase à reação doutrinária e consolidação do panorama jurisprudencial a respeito dos prazos fatais que circundam a ação de repetição de indébito tributário.

2.2 Da Decadência do Crédito Tributário

Preliminarmente à análise geral da prescrição no Direito Tributário, mister discorrer acerca da decadência do crédito tributário, haja vista que prescindir de tal tópico seria relegar à insignificância instituto jurídico absolutamente indissociável do contexto "tempo" enquanto determinante da extinção de eventual relação jurídico-tributária.

A matéria sub examine (decadência tributária), já era de se esperar, é também por demais tormentosa. Contudo, tentar-se-á aqui estabelecer suas premissas gerais, relacionando-a com o tema da prescrição, com destaque para as manifestações jurisprudenciais decorrentes de tal interdependência.

Principiemos pela transcrição dos dispositivos legais regentes da matéria, todos constantes do bojo do Diploma Tributário Nacional, uma vez que deveras importante à melhor compreensão do tema (art. 156, V; art. 150 e parágrafos; e 173, I, II e parágrafo único):

Art. 156. Extinguem o crédito tributário: (...) V – a prescrição e a decadência.

Art. 150. O lançamento por homologação, que ocorre quanto aos tributos cuja legislação atribua ao sujeito passivo o dever de antecipar o pagamento sem prévio exame da autoridade administrativa, opera-se pelo ato em que a referida autoridade, tomando conhecimento da atividade assim exercida pelo obrigado, expressamente a homologa.

§ 1º O pagamento antecipado pelo obrigado nos termos deste artigo extingue o crédito, sob condição resolutória da ulterior homologação do lançamento. (...)

§ 4º Se a lei não fixar prazo à homologação, será ele de 5 (cinco) anos, a contar da ocorrência do fato gerador; expirado esse prazo sem que a Fazenda Pública se tenha pronunciado, considera-se homologado o lançamento e definitivamente extinto o crédito, salvo se comprovada a ocorrência de dolo, fraude ou simulação. (grifo nosso)

Art. 173. O direito de a Fazenda Pública constituir o crédito tributário extingue-se após 5 (cinco) anos, contados: I – do primeiro dia do exercício seguinte àquele em que o lançamento poderia ter sido efetuado; II – da data em que se tornar definitiva a decisão que houver anulado, por vício formal, o lançamento anteriormente efetuado. Parágrafo único. O direito a que se refere este artigo extingue-se definitivamente com o decurso do prazo nele previsto, contado da data em que tenha sido iniciada a constituição do crédito tributário pela notificação, ao sujeito passivo, de qualquer medida preparatória indispensável ao lançamento. (grifo nosso)

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Em verdade, compilando-se a doutrina atinente à decadência tributária, percebe-se a consolidação do posicionamento segundo o qual o Código Tributário Nacional teria estabelecido não apenas um prazo decadencial apto a fulminar a potencialidade, atribuível ao Fisco, de constituição de eventual crédito tributário, mas sim inúmeros. A discordância doutrinária situa-se, hodiernamente, na quantidade de prazos fixados pelo suscitado diploma legal.

O professor Paulo de Barros Carvalho - prescindindo aqui da menção aos pormenores relacionados à questão (possibilidade de interrupção e suspensão do prazo, existência de um verdadeiro direito de lançar etc.), devidamente abordados pelo autor - posiciona-se, ao que tudo indica, pela existência de três prazos decadenciais distintos no Código Tributário Nacional:

A Fazenda dispõe de cinco anos para efetuar o ato jurídico administrativo de lançamento. Não o praticando, nesse período, decai o direito de celebrá-lo. Na redação do art. 173 estão consignados dois marcos iniciais para a contagem do prazo: o do primeiro dia do exercício seguinte àquele em que o lançamento poderia ter sido efetivado (item I); e da data em que se tornar definitiva a decisão que houver anulado, por vício formal, o lançamento anteriormente efetuado (item II). E o parágrafo único do mesmo artigo acrescenta o terceiro: da data em que tenha sido iniciada a constituição do crédito tributário pela notificação, ao sujeito passivo, de qualquer medida preparatória indispensável ao lançamento. Eis a disciplina da decadência do direito de lançar. [12]

No que tange aos tributos sujeitos ao lançamento por homologação, o autor limita-se a uma breve menção a respeito, tecendo breve comentário acerca dos prazos decorrentes da disciplina constante do artigo 150 do CTN, já transcrito.

Outrossim, o Desembargador Federal Hugo de Brito Machado, ao versar sobre a controvérsia em voga, parece se posicionar pela existência de, a princípio, apenas dois prazos decadenciais tributários, ambos fulcrados no artigo 173 do CTN. Ao tratar dos tributos sujeitos ao lançamento por homologação, sustenta o mesmo prazo qüinqüenal, sendo que a única diferença porventura existente seria o termo a quo, qual seja, o fato gerador. Pertinente trazer à baila o seu ensinamento:

Tem-se, portanto, que nos termos do Código Tributário Nacional temos três prazos extintivos de direitos da Fazenda Pública, distintos, embora todos sejam igualmente de cinco anos. O primeiro começa no primeiro dia do exercício seguinte àquele em que o lançamento poderia ser efetuado (art. 173, I), ou então na data em que se torne definitiva a decisão que tenha anulado, por vício formal, o lançamento anteriormente efetuado (art. 173, II). O segundo prazo, que também é de decadência, porque extingue o próprio direito de lançar, começa na data em que tenha sido iniciada a ação fiscal, destinada a constituir o crédito tributário. E o terceiro, que é de prescrição, (...), começa na data em que se tornar definitiva a constituição do crédito (art. 174).

E prossegue o autor:

O prazo de que dispõe a Fazenda Pública para fazer o lançamento tributário, sob pena de decadência, é de cinco anos, independentemente da modalidade de lançamento a que o tributo esteja submetido. Em se tratando de tributos sujeitos ao lançamento por homologação algumas divergências tem sido suscitadas, mas a única peculiaridade relativa a esses tributos diz respeito ao momento em que se inicia aquele prazo. [13]

Luciano Amaro, por sua vez, ao empreender uma profunda análise sobre o tema, parece estremar cinco regras de decadência presentes no Código Tributário Nacional, a saber: (i) prazo qüinqüenal geral constante do inciso I do artigo 173; (ii) prazo qüinqüenal contado da data em que se tornar definitiva a decisão (administrativa ou judicial) que anular, por vício formal, lançamento anteriormente realizado (art. 173, II. Muito criticado pelo autor); (iii) o estipulado no parágrafo único do retromencionado artigo, que só operará seus efeitos, segundo o autor, se a notificação houver sido feita antes do início do prazo geral do inciso I (também alvo de críticas ferrenhas); (iv) o prazo qüinqüenal atinente aos tributos sujeitos ao lançamento por homologação, que na verdade, segundo o que defende, prescinde de um maior rigor técnico, haja vista que não se poderia falar em decadência nessa modalidade de lançamento; (v) por fim, a aplicação do prazo geral do artigo 173, I, quando da constatação da ocorrência de dolo, fraude ou simulação (art. 150, § 4º). [14]

Ademais, forçosa ao menos uma menção ao já citado trabalho de Eurico Marcos Diniz de Santi, uma vez que aquele é considerado a mais profunda tese acerca da prescrição e decadência no Direito Tributário até os dias de hoje elaborada. No entanto, mercê de tamanha relevância, não se adentrará aqui nos detalhes de seu ensinamento, justamente em virtude da suscitada profundidade que o caracteriza, que foge ao foco da sucinta abordagem, e, também, em virtude de não se encontrar consolidada enquanto predominante no universo jurídico-tributário.

Por fim, o professor Ercias Rodrigues de Sousa, Procurador da República com vasta experiência no universo tributário, em artigo recentemente publicado, citando a supramencionada obra de Eurico de Santi, corrobora a até aqui sustentada multiplicidade de regras decadenciais no CTN:

A perplexidade aventada no início desse trabalho e a conclusão a que se chegou no tópico anterior foram bem apanhadas por Eurico de Santi, no que se tem como a melhor bibliografia nacional sobre prescrição e decadência. Com efeito e reiterando: não existe uma regra de decadência apenas. Existem várias, conquanto se tenha, é verdade, um eixo comum a ligar as hipóteses contempladas no Código Tributário Nacional. [15]

Em conclusão, a divergência exposta acima se presta, é inegável, a demonstrar a existência de mais de uma regra decadencial no Código Tributário pátrio. Todavia, não obstante a complexidade demonstrada, ater-se-á, haja vista o fim ora colimado, à regra geral constante do artigo 173, I (qüinqüênio contado a partir do primeiro dia do exercício seguinte àquele em que o lançamento poderia ter sido efetuado), e, principalmente, à disciplina posta aos tributos sujeitos ao lançamento por homologação, presente no artigo 150, § 4º, do CTN.

Destarte, temos que, no que tange aos lançamentos de ofício e por declaração, as Fazendas Públicas têm cinco anos para constituir o crédito tributário, contados do primeiro dia do exercício seguinte àquele em que o lançamento poderia ter sido efetuado (art. 173, I). No que diz respeito aos tributos sujeitos ao lançamento por homologação, não tendo a lei fixado prazo distinto, o Fisco teria cinco anos, contados do fato gerador, para homologar o pagamento antecipadamente realizado; em não se pronunciando nesse lapso temporal, considera-se homologado aquele, bem como definitivamente extinto o crédito tributário. A princípio (Item "2.3.1"), são estes os estritos termos dos dispositivos legais pertinentes à análise que ora se desenvolve.

Da decadência do crédito tributário e a jurisprudência. A tese "dos Dez anos"

Agora enfocando especificamente o lançamento por homologação, haja vista que sobre este versou a lei complementar nº 118/05, absolutamente necessário abordar as manifestações jurisprudenciais a respeito, isto no escopo de sobrelevar a injusta lesão acarretada aos interesses do cidadão-contribuinte.

Em verdade, a tese que dantes reinava nas decisões proferidas pelo colendo Superior Tribunal de Justiça era a denominada "dos Dez anos" [16]. Segundo esta, em se tratando de tributos sujeitos a lançamento por homologação, o prazo decadencial a ser observado somente se iniciaria decorrido o lapso temporal estabelecido no § 4º do artigo 150 do CTN, ou seja, o Fisco disporia, para expressamente homologar ou efetuar eventual correção, de dez anos para constituir o seu crédito ("cinco mais cinco", referente à conjugação dos prazos dos artigos 150, § 4º, e 173, I, ambos do CTN).

A ilogicidade e afronta aos princípios igualitários que norteiam a aplicação do Direito foram sempre destacados pela doutrina [17].

Em prosseguimento, houve uma mudança de rumo no entendimento outrora esposado, uma vez que:

O próprio Superior Tribunal de Justiça parece ter revisto o equivocado posicionamento ao proclamar que, se não houver pagamento (sujeito ao lançamento por homologação), é aplicável o prazo do artigo 173 do Código Tributário Nacional, tendo lugar, caso haja pagamento, o prazo de cinco anos, contados do fato gerador, na forma do art. 150, § 4º, do mesmo diploma. Não obstante, o Tribunal já voltou a afirmar o antigo equívoco, alternando-o com decisões em que aplica o entendimento que é, a nosso ver, correto. [18]

Como bem aclarado pelo supracitado autor, atualmente ainda existe uma alternância, na egrégia Corte Superior de Justiça, entre as duas posições [19]. Entretanto, como bem se demonstrará (Item "2.3.1"), na prática, o denominado autolançamento (GIA, DCTF etc.) acarreta diferentes conseqüências ao quadro decadencial do crédito tributário.

Dando continuidade, predomina na doutrina a defesa do último dos entendimentos mencionados, ou seja, em versando o caso concreto sobre tributo sujeito a lançamento por homologação, havendo pagamento antecipado, conta-se o prazo decadencial qüinqüenal do fato gerador (art. 150, § 4º, do CTN); por outro lado, em sendo declarado o tributo e não se concretizando o respectivo pagamento, lança-se mão, de forma imediata, do regramento contido no artigo 173, I, do CTN, dessa forma limitando-se o lapso decadencial, em qualquer das possibilidades aventadas, ao interregno de cinco anos, ou, no caso de aplicação do art. 173 e seu inciso I, poucos meses a mais. No escopo de destacar a pertinência do posicionamento doutrinário em questão, interessante transcrever julgado recentemente proferido no STJ, que devidamente expõe que a tese em questão é a que parece estar em vias de consolidação na Corte (Item "2.3.1"). Senão vejamos:

RECURSO ESPECIAL. TRIBUTÁRIO. EXECUÇÃO FISCAL. DECADÊNCIA. TRIBUTO SUJEITO A LANÇAMENTO POR HOMOLOGAÇÃO. PAGAMENTO NÃO ANTECIPADO PELO CONTRIBUINTE. INCIDÊNCIA DO ART. 173, I, DO CTN. PRESCRIÇÃO. ART. 174 DO CTN. CITAÇÃO VÁLIDA. RECURSO DESPROVIDO.

1. O prazo decadencial para constituição do crédito tributário pode ser estabelecido da seguinte maneira: (a) em regra, segue-se o disposto no art. 173, I, do CTN, ou seja, o prazo é de cinco anos contados "do primeiro dia do exercício seguinte àquele em que o lançamento poderia ter sido efetuado"; (b) nos tributos sujeitos a lançamento por homologação cujo pagamento ocorreu antecipadamente, o prazo é de cinco anos contados do fato gerador, nos termos do art. 150, § 4º, do CTN.

2. Em se tratando de tributo sujeito a lançamento por homologação cujo pagamento não foi antecipado pelo contribuinte, deve ser aplicado o disposto no art. 173, I, do CTN.

3. Definitivamente constituído o crédito tributário, inicia-se o prazo prescricional para sua cobrança, de modo que o Fisco possui o lapso temporal de cinco anos para o ajuizamento da execução fiscal e, após, para a citação válida do executado, consoante previsto no art. 174 do CTN.

(...)

5. Recurso especial desprovido.

(STJ, Resp 739694, PROC. 200500553040/MG, PRIMEIRA TURMA, REL. MIN. DENISE ARRUDA, DJU 12/11/2007, grifo nosso)

No voto condutor do julgado em tela, a ilustre relatora preleciona

"(...) que o entendimento jurisprudencial consagrado no Superior Tribunal de Justiça é no sentido de que, em se tratando de tributos sujeitos a lançamento por homologação cujo pagamento ocorreu antecipadamente, o prazo decadencial de que dispõe o Fisco para constituir o crédito tributário é de cinco anos, contados a partir do fato gerador. Todavia, se o contribuinte declarar o tributo, mas não antecipar seu pagamento, incide a regra do art. 173, I, do CTN."

Por fim, solidificando as bases estruturais de seu raciocínio, a Ministra relatora menciona julgado, cuja relatoria ficou aos cuidados do ilustre Ministro Luiz Fux, fulcrado no mesmo entendimento, in fine:

"TRIBUTÁRIO. DECADÊNCIA. TRIBUTO SUJEITO A LANÇAMENTO POR HOMOLOGAÇÃO. TERMO INICIAL

1. O crédito tributário constitui-se, definitivamente, em cinco anos, porquanto mesmo que o contribuinte exerça o pagamento antecipado ou a declaração de débito, a Fazenda dispõe de um qüinqüênio para o lançamento, que pode se iniciar, sponte sua, na forma do art. 173, I, mas que de toda sorte deve estar ultimado no qüinqüênio do art. 150, § 4º.

2. A partir do referido momento, inicia-se o prazo prescricional de cinco anos para a exigibilidade em juízo da exação, implicando na tese uniforme dos cinco anos, acrescidos de mais cinco anos, a regular a decadência na constituição do crédito tributário e a prescrição quanto à sua exigibilidade judicial.

3. Inexiste, assim, antinomia entre as normas do art. 173 e 150, § 4º do Código Tributário Nacional.

4. Deveras, é assente na doutrina: ''a aplicação concorrente dos artigos 150, § 4º e 173, o que conduz a adicionar o prazo do artigo 173 - cinco anos a contar do exercício seguinte àquele em que o lançamento poderia ter sido praticado - com o prazo do artigo 150, § 4º - que define o prazo em que o lançamento poderia ter sido praticado como de cinco anos contados da data da ocorrência do fato gerador. Desta adição resulta que o dies a quo do prazo do artigo 173 é, nesta interpretação, o primeiro dia do exercício seguinte ao do dies ad quem do prazo do artigo 150, § 4º. A solução é deplorável do ponto de vista dos direitos do cidadão porque mais que duplica o prazo decadencial de cinco anos, arraigado na tradição jurídica brasileira como o limite tolerável da insegurança jurídica.

Ela é também juridicamente insustentável, pois as normas dos artigos 150, § 4º e 173 não são de aplicação cumulativa ou concorrente, antes são reciprocamente excludentes, tendo em vista a diversidade dos pressupostos da respectiva aplicação:o art. 150, § 4º aplica-se exclusivamente aos tributos ''cuja legislação atribua ao sujeito passivo o dever de antecipar o pagamento sem prévio exame da autoridade administrativa''; o art. 173, ao revés, aplica-se aos tributos em que o lançamento, em princípio, antecede o pagamento.

(...)

A ilogicidade da tese jurisprudencial no sentido da aplicação concorrente dos artigos 150, § 4º e 173 resulta ainda evidente da circunstância de o § 4º do art. 150 determinar que considera-se ''definitivamente extinto o crédito'' no término do prazo de cinco anos contados da ocorrência do fato gerador. Qual seria pois o sentido de acrescer a este prazo um novo prazo de decadência do direito de lançar quando o lançamento já não poderá ser efetuado em razão de já se encontrar ''definitivamente extinto o crédito''? Verificada a morte do crédito no final do primeiro quinquênio, só por milagre poderia ocorrer sua ressurreição no segundo." (Alberto Xavier, Do Lançamento. Teoria Geral do Ato, do Procedimento e do Processo Tributário, Ed. Forense, Rio de Janeiro, 1998, 2ª Edição, p. 92 a 94).

(...)

(EREsp 276.142/SP, 1ª Seção, Rel.Min. Luiz Fux, DJ de 28.2.2005. Grifo nosso)

Pois bem, esta é a interpretação que, segundo a melhor doutrina, seria a mais consentânea com os cânones principiológicos e hermenêuticos que regem o Direito.

Todavia, e este é o objetivo principal da exposição ora em desenvolvimento, resta assentar, tendo em vista o tema ora versado (LC nº 118/05 e o atual panorama prescricional na repetição de indébito tributário), que mesmo com base no segundo dos entendimentos retromencionados, o prazo extintivo a ser observado pelas Fazendas Públicas, no que tange aos tributos lançados por homologação, será de, no mínimo, dez anos – decadência (cinco anos), mais prescrição (cinco anos, art, 174 do CTN). Em se aplicando a primeira das teses supra-expostas, o prazo será, ao que tudo indica, de no mínimo 15 (quinze) anos – dez anos para decadência (tese "dos Dez anos"), mais prescrição (cinco) anos.

Entretanto, importante reiterar que, no que tange ao autolançamento (GIA, DCTF etc.), o entendimento da colenda Corte tem seguido outro norte, sendo que a abordagem à posição em questão será despendida no tópico pertinente (Item "2.3.1"), logo em seguida.

Concluindo, importante fixar estes teóricos prazos extintivos a ser observados pelo Fisco, uma vez que serão confrontados com o que é posto ante ao contribuinte em eventual repetição de indébito tributário, antes e depois do advento da lei complementar nº 118/05.

2.3 Da Prescrição no Direito Tributário e Suas Especificidades

Expostas as premissas gerais acerca da decadência e sua importância para o tema da prescrição, passemos à análise desta última, destacando as peculiaridades que a caracterizam quando inserta no universo jurídico-tributário.

Preliminarmente, importante reafirmar que o instituto em questão é passível de fulminar a relação jurídico-tributária formalizada entre o contribuinte e o Estado sob dois prismas distintos, quais sejam: a prescrição do direito estatal de cobrar (execução fiscal) eventual crédito tributário oponível ao contribuinte e, por outro lado, da ação de repetição de indébito tributário porventura pago pelo cidadão.

Em verdade, a distinção supramencionada diz respeito tão-somente a um mesmo fenômeno (a prescrição) desencadeando seus efeitos sobre a esfera jurídica de diferentes sujeitos de direito (contribuinte e Fazendas Públicas), titulares de pretensões (repetição de indébito tributário e execução fiscal, respectivamente) plenamente exercitáveis por meio do direito de ação. Não obstante tal aparente simplicidade conceitual, este esclarecimento apresenta-se como absolutamente necessário, haja vista o tratamento legal conferido à matéria pelo Código Tributário Nacional, estremando e regulando as duas vertentes de forma plenamente contrastável, bem como a controvérsia interpretativa atinente aos prazos e suas peculiaridades (termos a quo etc.). Tal problemática guarda incontestável relação com o objeto da presente análise.

Outrossim, sobreleve-se que questões específicas - à guisa de exemplificação: fatos jurídicos interruptivos da prescrição tributária, possibilidade de suspensão ou interrupção de prazo decadencial tributário, análise das diversas modalidades de lançamento e etc. - não serão aqui tratadas, uma vez que escapam ao objetivo ora colimado.

Posto isto, cumpre pontuar que a prescrição, quando relativa à relação jurídico-tributária, é cediço, concerne a direito material, uma vez que o "CTN, (...), diz expressamente que a prescrição extingue o crédito tributário (art. 156, V). Assim, nos termos do Código, a prescrição não atinge apenas a ação para cobrança do crédito tributário, mas o próprio crédito, vale dizer, a relação material tributária" [20].

Em arremate a presente introdução conceitual, importante aclarar que se discorrerá sobre o tema (prescrição tributária) balizando-o dentro dos liames atinentes ao lançamento por homologação, haja vista que deste trata a lei complementar nº 118/2005.

2.3.1 Da prescrição da ação de cobrança de crédito tributário (execução fiscal)

O legislador pátrio, ao regrar a cobrança judicial do crédito tributário pelas Fazendas Públicas federal, estaduais e municipais, deferiu tratamento privilegiado à estas pessoas políticas. A doutrina nacional não se cansa de manifestar a sua discordância para com a opção político-legislativa em questão, direcionando severas críticas à Lei nº 6.830, de 22 de setembro de 1980. Pertinente a transcrição do posicionamento de Araken de Assis, segundo o qual:

Anima o Estado brasileiro, às vezes, um profundo espírito caviloso, que avulta no tratamento diferenciado conferido, de um lado, ao crédito da Fazenda Pública, e, de outro, ao crédito contra a Fazenda. Investiu-se o Estado, na primeira hipótese, de procedimento especial dotado de inúmeras e radicais simplificações, algumas duvidosas no merecimento e beliscando a constitucionalidade, e no qual os expedientes hábeis à rápida realização do crédito, princípio comum a toda execução, se mesclam a privilégios descabidos. [21]

De fato, inúmeras controvérsias circundam a realização do crédito fazendário por meio da execução fiscal (Lei 6.830/80). Entretanto, atendo-se ao tema em exposição, cumpre ressaltar que o regramento básico da prescrição do crédito titularizado pelo Fisco encontra-se no Código Tributário Nacional, no seu artigo 174 [22], combinado com o artigo 150, § 4º (lançamento por homologação).

Pois bem, "feito o lançamento (para cuja consecução deve ser observado o prazo decadencial), passa-se a cogitar de outro prazo, que é o de prescrição da ação para cobrança do tributo lançado" [23]. Da assertiva ora transcrita sobreleva-se, como já exposto (item "2.2.1"), que ao interregno relativo ao prazo prescricional soma-se o prazo decadencial já transcorrido. Resta saber em que momento se daria o efetivo início do prazo fatal em comento (prescricional) para a Fazenda Pública cobrar o seu eventual crédito.

Em verdade, entremostra-se acertada a tese ora sustentada no colendo Superior Tribunal de Justiça, com suporte na jurisprudência de nossa Corte Suprema, segundo a qual, o auto de infração determina a consumação do lançamento; notificado o contribuinte, a fluência do prazo para recurso administrativo, ou o julgamento definitivo deste, constitui definitivamente o crédito tributário. Só a partir deste momento (termo a quo) é que se pode cogitar de prazo prescricional em curso [24]. Esse é o regime jurídico a ser observado no que diz respeito ao lançamento de ofício, não obstante as abalizadas opiniões em contrário [25].

Outrossim, em se tratando de tributo lançado por homologação (Art. 150, § 4º, CTN), há peculiaridades merecedoras de destaque, sendo que, para adentrar-se na discussão, cabível a menção, uma vez mais, à lição de Luciano Amaro:

..., também não cabe falar em prescrição no caso de tributos lançados por homologação. Se essa forma de lançamento, quer na modalidade expressa, quer na tácita, supõe o prévio pagamento, é intuitivo que, uma vez realizado o lançamento (por homologação ou tácita), não há o que cobrar, e, portanto, não se pode falar em prescrição da ação de cobrança. Diversamente, se o tributo (lançável por homologação) for lançado de ofício (porque o sujeito passivo não "antecipou" o pagamento ou o fez a menor), poderá ocorrer a prescrição, mas aí já não se trata de prescrição da ação de cobrança de tributo lançado por homologação, e sim de tributo lançado de ofício. [26]

A princípio, o posicionamento supra parece ser o mais acertado, uma vez que, ocorrendo a homologação expressa ou tácita (esta última, a que sempre ocorre na prática) do pagamento antecipado pelo contribuinte, estará extinto o crédito tributário, nada mais havendo para cobrar.

Contudo, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça [27] está se consolidando no sentido de que, em se tendo em mira tributo a ser lançado por homologação, a declaração (DCTF, GIA etc.) apresentada pelo contribuinte caracteriza uma confissão de dívida, definitivamente constituindo o crédito tributário em favor do Fisco. A principal conseqüência desse regime jurídico é que, em tendo apresentado uma das declarações supramencionadas, o montante total nela consubstanciado será passível de constituição imediata do crédito, ou seja, declarado o tributo, se o contribuinte pagar a menos, o saldo devedor estará definitivamente constituído; se não adimplir fração alguma do declarado, o valor total também restará definitivamente constituído em favor da Fazenda Pública. Sendo assim, fácil perceber que não haverá a necessidade de lavratura de auto de infração fiscal contra o contribuinte em questão, sendo lícito ao Fisco inscrever diretamente o débito declarado, e não pago, nos cadastros da dívida ativa pública, franqueando-lhe o acesso à via executiva judicial, não se cogitando, no caso em questão, de contraditório na esfera administrativa.

Frente à situação supra-exposta, ao contrário do que afirma Luciano Amaro, não há que se falar em lançamento de ofício de tributo declarado e não pago, ou pago a menor, uma vez que com a formalização da suscitada declaração o crédito tributário estará definitivamente constituído. Destarte, em relação ao crédito em comento, o prazo a ser considerado já será de prescrição da ação de execução fiscal, e não de decadência, uma vez que já inscrito em dívida ativa e passível de ser cobrado judicialmente.

Por outro lado, imaginemos a seguinte situação: determinado contribuinte declara dever ao Fisco a quantia de R$ 10,00 (dez reais). No entanto, o montante em verdade devido é de R$ 11,00 (onze reais). Qual será o quadro temporal configurado ante a autoridade fazendária?

Pois bem, em relação ao valor declarado (R$ 10,00), qualquer irregularidade (ausência de pagamento ou pagamento a menor) acarretará a constituição imediata do crédito tributário em favor do Fisco, possibilitando a imediata e direta inscrição em dívida ativa e ajuizamento da respectiva execução fiscal. Já no que tange à quantia não declarada (R$ 1,00), em relação à esta, sim, é que se pode cogitar de prazo decadencial para constituição do respectivo crédito tributário, uma vez que haverá a necessidade de lavratura de auto de infração fiscal, com a conseqüente abertura do contraditório administrativo, sendo que a definitiva constituição do crédito em tela somente se dará com o trânsito em julgado administrativo, segundo a jurisprudência do colendo STJ, corroborada por Hugo de Brito Machado.

Destarte, somente no que diz respeito ao saldo devedor (R$ 1,00) mencionado no parágrafo supra é que se cogita acerca do prazo decadencial a ser aplicado, sendo que a aplicação excludente dos prazos estabelecidos nos artigos 150, § 4º, e 173, I, ambos do CTN (Item "3.2.1"), tese hodiernamente em vias de consolidação no STJ, parece ser a solução mais escorreita.

Ademais, interessante a menção à lição do professor Ercias Rodrigues de Sousa [28], já citado na análise em epígrafe, segundo a qual, em relação ao saldo devedor supramencionado (não declarado), o prazo decadencial a ser observado será o do artigo 150, § 4º, ou seja, sempre de cinco anos. A aplicação do artigo 173, I, somente haveria de ser considerada no caso de dolo, fraude ou simulação (art. 150, § 4º, CTN). Tal hipótese de contagem de prazo também se apresenta como correta e absolutamente admissível, haja vista que também excludente da famigerada tese "dos dez anos".

Diante disso, no que tange aos tributos sujeitos ao lançamento por homologação, o termo a quo do prazo prescricional qüinqüenal (Art. 174, do CTN) para o ajuizamento da competente execução fiscal será, no caso de pagamento a menor ou completa omissão em relação a este, a data final do prazo para o adimplemento do crédito constituído em decorrência da declaração apresentada [29]. No caso de saldo devedor atinente a valor não declarado pelo contribuinte, o termo a quo do referido prazo prescricional será o termo ad quem do respectivo prazo decadencial, já mencionado, para a constituição do crédito tributário.

Concluindo, o que se pretende expor com a sucinta análise despendida acima é que, tanto nas situações retromencionadas, como nas descritas no item "2.2.1" (STJ e suas outras teses decadenciais), não há prejuízo ao Fisco, muito pelo contrário. Em cometendo o contribuinte uma infração (não pagamento ou pagamento a menor) referente a tributo declarado, as Fazendas Públicas poderão desencadear todos os atos jurídicos exigidos para a cobrança do débito sem a necessidade de ouvir, em contraditório, o devedor. Tal benesse compensa, em muito, a aparente exigüidade do prazo fatal (prescricional. Art. 174 do CTN) posto ante a pretensão fazendária.

Além disso, em se omitindo o contribuinte em relação a valor que deveria ter sido declarado, seja lá qual for a tese a ser sustentada pelos Tribunais pátrios, o prazo prescricional será de até 10 (dez) anos, ou mais, se defendida a malfada tese decadencial "dos Dez anos". É essencial deixar assente estas noções, haja vista que o cotejo do tema com o prazo prescricional da ação de repetição de indébito é o próximo passo a ser seguido, uma vez que esta modalidade de exercício do direito de ação foi o objeto principal da lei complementar nº 118/2005.

2.3.2 Da prescrição na ação de repetição de indébito tributário

Passemos agora a abordar as teses que circunscrevem a prescrição tributária atinente à ação de repetição de indébito de tributo lançado por homologação, a ser manejada pelo contribuinte, haja vista que esta modalidade de manifestação do direito de ação foi o efetivo objeto da aparente interpretação autêntica veiculada pela lei complementar nº 118/2005.

Principie-se esclarecendo que, não obstante a utilização do termo "prescrição" no título do presente tópico, não há consenso na doutrina sobre a natureza do prazo extintivo em questão, se decadencial ou prescricional. Apesar disso, tal embate doutrinário não interessa ao objetivo em foco, sendo que, em razão disso, usar-se-á o termo genérico "prazo extintivo" para qualificá-lo.

Pois bem, a disciplina do direito à repetição de eventual indébito tributário encontra-se disposta nos artigos 165 [30] e 168, este último, no que tange aos tributos lançados por homologação, c/c o artigo 150, § 4º, todos do Diploma Tributário Nacional. Pertinente a transcrição do mencionado artigo 168, uma vez que disciplinador do prazo extintivo ora em análise:

Art. 168. O direito de pleitear a restituição extingue-se com o decurso do prazo de 5 (cinco) anos, contados: I – nas hipóteses dos incisos I e II do artigo 165, da data da extinção do crédito tributário; II – na hipótese do inciso III do artigo 165, da data em que se tornar definitiva a decisão administrativa ou passar em julgado a decisão judicial que tenha reformado, anulado, revogado ou rescindido a decisão condenatória. (grifo nosso)

Em verdade, a leitura do artigo de lei transcrito acima traz, aos menos afetos aos pormenores do Direito Tributário, a impressão de que o prazo extintivo em tela não comportaria qualquer tipo de questionamento, qualquer suscitação de controvérsia jurídica. Ledo engano, uma vez que, ao se ter em mira os tributos sujeito à disciplina do lançamento por homologação, a data da efetiva extinção do crédito tributário sempre foi ponto de discórdia a fomentar acalorados debates entre os doutrinadores e magistrados brasileiros.

O professor Sacha Calmon Navarro Coêlho, ao expor a tese antes pacífica na 1ª Seção do Superior Tribunal de Justiça, ensina que:

(...) Nos tributos sujeitos a lançamento por homologação, a extinção do crédito tributário ocorre pela homologação, expressa ou tácita, do pagamento. E o prazo para homologar, já vimos, é de cinco anos, a contar do fato gerador, a teor do art. 150, § 4º. (...) Como a Fazenda Pública nunca homologa expressamente, considera-se extinto o crédito tributário cinco anos após ocorrido o seu fato gerador (homologação tácita). Assim sendo, o prazo de cinco anos para exercer o direito de pedir a restituição tem como dies a quo justamente o dies ad quem da Fazenda Pública para homologar o crédito restituendo. [31]

Não obstante as opiniões de peso em contrário (LUCIANO AMARO), esta era a tese dominante, restando, como já afirmado, pacificada no colendo Superior Tribunal de Justiça [32].

Destarte, tem-se que, como o Fisco, na prática, nunca procede ao lançamento expresso por homologação, o prazo extintivo em tela sempre acabava por se concretizar em 10 (dez) anos (Art. 168, c/c o art. 150, § 4º, ambos do CTN). Cotejando este lapso temporal com àquele atinente à prescrição da ação executiva fiscal (Item "2.3.1"), verificava-se a congruência entre ambos, não obstante a interpretação jurisprudencial ter-se pautado exclusivamente nos dispositivos legais reguladores da repetição de indébito tributário, e não em eventual homenagem ao princípio da isonomia processual entre os litigantes (contribuintes e Fazenda Pública).

Ocorre que, frente à sedimentação da tese jurídica retromencionada (Dez anos para a repetição de indébito tributário), o Poder Legislativo, a pretexto de solucionar a controvérsia, editou a Lei Complementar nº 118, de 9 de fevereiro de 2005, tendo por meio desta veiculado suposta interpretação autêntica dos artigos 168, I, e 150, § 1º, do Código Tributário Nacional, in fine:

Art. 3º Para efeito de interpretação do inciso I do art. 168 da Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966 – Código Tributário Nacional, a extinção do crédito tributário ocorre, no caso de tributo sujeito a lançamento por homologação, no momento do pagamento antecipado de que trata o § 1º do art. 150 da referida Lei. (grifo nosso)

Como de notório conhecimento, já transcorridos os pouco mais de quatro anos de sua edição, a lei complementar em questão estabeleceu interpretação claramente confrontante com àquela sedimentada no Superior Tribunal de Justiça, em conseqüência de anos de legítimo labor jurisdicional. Aquele Sodalício não demorou a expor a contrariedade da lei em questão para com o complexo axiológico e principiológico que informam o ordenamento jurídico nacional.

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CÂNDIDO, Elton Luiz Bueno. Da repetição de indébito tributário referente a tributo lançado por homologação.: Uma síntese da crítica doutrinária e consolidação jurisprudencial após a edição da Lei Complementar n° 118/2005. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2210, 20 jul. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/13176. Acesso em: 19 abr. 2024.

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