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A omissão na denúncia do valor do tributo iludido nos crimes de descaminho

06/05/2009 às 00:00
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Inicialmente, veja-se que a indicação do quantum do tributo suprimido ou reduzido é indispensável para a aptidão da denúncia que narre a prática do crime de descaminho, sob pena de violação ao art. 41 do Código de Processo Penal.

É através da denúncia que o Ministério Público inicia a acusação (dedução de uma pretensão punitiva em juízo [01]), sendo indispensável que a lei subordine a validade formal da denúncia ao cumprimento de certos requisitos.

De acordo com o art. 41 [02] do Código de Processo Penal, um dos requisitos essenciais da denúncia é a exposição do fato criminoso com todas as suas circunstâncias, o que, segundo MUCCIO [03], "é de fundamental importância, e por isso mesmo considerado essencial".

Resta claro que esta exigência legal inclui a narração típica do fato, ou seja, o ato processual de formalização da acusação, deve conter a descrição que a lei deu ao fato penalmente relevante e punível.

A imputação certa e determinada, além de facilitar a tarefa do magistrado de aplicar a lei penal, permite que o acusado efetive seu direito de defesa garantido pela Constituição Federal, que é uma condição de regularidade do procedimento, sob a ótica do interesse público à atuação do contraditório [04].

Logo, sendo indispensável ao exercício da ampla defesa o conhecimento claro da imputação em todos os seus limites, deve-se esclarecer de forma suficiente a conduta delituosa do acusado, sob pena de impedir o pleno exercício do direito de defesa.

A respeito da efetivação da ampla defesa pela delimitação temática da peça acusatória, é a seguinte lição de Eugenio Pacelli de Oliveira [05]:

"

As exigências relativas ''... exposição do fato, com todas as suas circunstâncias. ..'' atendem à necessidade de se permitir, desde logo, o exercício da ampla defesa. Conhecendo com precisão todos os limites da imputação, poderá o acusado a ela se contrapor o mais amplamente possível (...)"

Feitas as ressalvas necessárias, veja-se que a conduta descrita na norma penal incriminadora prevista no artigo 334 [06] do Código Penal consiste em iludir (que é o verbo núcleo do tipo), que significa enganar, burlar, fraudar [07].

Assim sendo, o crime de descaminho se configura pela fraude empregada para evitar o pagamento de direito ou imposto devido pela entrada ou saída da mercadoria não proibida.

É necessário, ainda, observar que os tributos federais iludidos com a prática do descaminho são os impostos sobre o comércio exterior, ou seja: os impostos de importação e exportação – IE (Imposto de Exportação) e II (Imposto de Importação) – e, dependendo das circunstâncias, o IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados), conforme lição de LUIS REGIS PRADO [08].

De se notar, portanto, que o art. 334, segunda parte, busca salvaguardar apenas os tributos que incindem sobre o comércio exterior, além de exigir a internação de mercadorias estrangeiras ou internacionalizadas ou a exportação de tais bens, sem o cumprimento das disposições constantes na legislação tributária. Ou seja, trata-se de crime específico em relação ao crime genérico de sonegação fiscal (art. 1°, I a IV, da Lei n. 8.137/90).

Logo, é de suma importância que a inicial acusatória indique o quantum iludido, sob pena de sua total inépcia, pois além de permitir ao acusado o conhecimento claro da imputação em todos os seus limites, deve possibilitar a análise da incidência do princípio da insignificância e o confrontamento com o enquadramento típico apresentado [09].

Ademais, lembre-se que há a necessidade da constituição definitiva do crédito tributário - e, conseqüentemente, reconhecimento de sua exigibilidade (an debeatur) e valor devido (quantum debeatur) - antes do oferecimento da denúncia, não se podendo aceitar a prática de postergar para momento posterior a configuração de um elemento do tipo.

Tais exigências se justificam, basicamente, porque o crime de descaminho pressupõe a existência de um tributo iludido (em valor superior àquele considerado insignificante), no todo ou em parte.

Para aclarar a questão, cumpre colacionar o seguinte julgado do Egrégio Tribunal Regional Federal, in verbis:

"EMENTA:

PENAL E PROCESSO PENAL. DESCAMINHO. OMISSÃO DO VALOR DE TRIBUTOS ILUDIDOS. INÉPCIA DA DENÚNCIA - CPP, ART. 41. É inepta a denúncia que não esclarece de forma suficiente a conduta delituosa do acusado, omitindo elemento informativo necessário tanto para orientação da sua própria defesa técnica como para o posicionamento do juízo sentenciante." (TRF4, ACR 2001.70.01.010179-8, Sétima Turma, Relator Amaury Chaves de Athayde, D.E. 14/11/2007)

Frise-se, portanto, que a imprecisão na denúncia, além de tornar impossível a defesa do acusado, impede que o Magistrado examine a incidência do princípio da insignificância.

Por óbvio que a ausência de análise quanto à aplicabilidade ao caso do princípio da insignificância, já no recebimento da denúncia pelo magistrado, frustra o direito subjetivo do acusado de ver reconhecida a atipicidade de sua conduta, além de submetê-lo, sem necessidade, a uma situação - sempre constrangedora [10] - de responder um processo criminal [11].

Por todo o exposto, é possível concluir que a denúncia que omitir o valor do tributo iludido, nos crimes de descaminho, viola o art. 41 do Código de Processo Penal.


Notas

– 1. ed. - Campinas/SP: Bookseller, 1998, vol. II, p. 146.
  • Art. 41. A denúncia ou queixa conterá a exposição do fato criminoso, com todas as suas circunstâncias, a qualificação do acusado ou esclarecimentos pelos quais se possa identificá-lo, a classificação do crime e, quando necessário, o rol das testemunhas.
  • MUCCIO, Hidejalma. Curso de processo penal – Bauru/SP: Edipro, 2000, vol I, p. 472.
  • De acordo com o sempre brilhante Tourinho Filho, "a exposição circunstanciada torna-se necessária não só para facilitar a tarefa do Magistrado, como também para que o acusado possa ficar habilitado a defender-se, conhecendo o fato que se lhe imputa (TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo penal. 26. ed. - São Paulo: Saraiva, 2004, v. 1, p. 388.)".
  • OLIVEIRA, Eugênio Pacelli. Curso de processo penal – Belo Horizonte: Del Rey, 2002.
  • Art. 334 Importar ou exportar mercadoria proibida ou iludir, no todo ou em parte, o pagamento de direito ou imposto devido pela entrada, pela saída ou pelo consumo de mercadoria"
  • Segundo Luiz Flávio Gomes: "No descaminho, o agente busca iludir, mediante artifício, ardil ou qualquer outro meio fraudulento, o pagamento de direito ou imposto devido em face da entrada ou saída da mercadoria não proibida (GOMES, Luiz Flávio e CUNHA, Rogério Sanches. Direito penal – São Paulo: RT, 2008, v. 3, p. 411)".
  • PRADO, Luis Regis. Curso de direito penal brasileiro – 3. ed. - São Paulo: RT, 2004, vol. 4, p. 712.
  • De acordo com Fernandes é necessário "ser dado mais destaque ao assunto da classificação do fato, pois, na realidade, o acusado não se defende, como normalmente se afirma, somente do fato descrito, ma também da classificação a ele dada pelo órgão acusatório" (FERNANDES, Antonio Scarance. A mudança do fato ou da classificação no novo procedimento do Júri. Boletim IBCCRIM – Ano 16 – n. 188 – julho de 2008, p. 6).
  • De acordo com Aury Lopes Jr. "(...) quando a duração de um processo supera o limites de duração razoável, novamente o Estado se apossa ilegalmente do tempo do particular, de forma dolorosa e irreversível. E esse apossamento ilegal ocorre ainda que não exista uma prisão cautelar, pois o processo em si mesmo é uma pena (Lopes Jr., Aury. Introdução crítica ao processo penal – 4. ed. - Rio de Janeiro: Lumen Iuris, 2006)".
  • Nesse sentido, já se manifestou o Egrégio Tribunal Regional Federal da 4ª Região:"A indicação do tributo ou direito suprimido ou reduzido é imprescindível para a aptidão da denúncia que descreve a perpetração do crime de descaminho, porquanto a ausência de tal dado obsta o exame, pelo magistrado, quanto à aplicabilidade ao caso do princípio da insignificância, frustrando, por conseguinte, o direito subjetivo do réu em ver reconhecida a atipicidade da conduta que lhe é atribuída." (8ª T, HC nº 2006.04.00.006289-5, Relator Des. Paulo Afonso Brum Vaz, DJU 05/04/2006).
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    Sobre o autor
    Diogo Bianchi Fazolo

    Advogado do escritório DBF Advocacia, em Foz do Iguaçu (PR).

    Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

    FAZOLO, Diogo Bianchi. A omissão na denúncia do valor do tributo iludido nos crimes de descaminho. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2135, 6 mai. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/12758. Acesso em: 16 abr. 2024.

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