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Lei Maria da Penha e o Ciam

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A Lei 11.340/2006 (Maria da Penha) traz consigo uma grande conquista para as mulheres brasileiras, resgatando sua dignidade e fazendo com que a Justiça volte seus olhos — não mais vendados — às mulheres vítimas de violência doméstica. Depois de ficarem tantos séculos absolutamente invisíveis, também as vítimas desvendam os próprios olhos e se reconhecem como sujeitos de direitos, em igualdade com o homem.

Para tanto, elas passam a lutar pelo reconhecimento dos direitos humanos das mulheres, estampados nas convenções internacionais. Afinal, pesam sobre os ombros das mulheres séculos de uma cultura patriarcal e sua invisibilidade daí decorrente. Como pode a mulher desfrutar de direitos econômicos, sociais, culturais, civis e políticos se sequer usufrui de uma integridade física, psicológica e moral dentro do próprio lar?

Esse panorama muda dia a dia, e a grande revolução causada pela Lei Maria da Penha é visível aos olhos de toda a população; todas as injustiças e impunidades cometidas pelo Judiciário, anteriormente, são agora corrigidas por uma lei que oferece ao magistrado ferramentas das quais não dispunha anteriormente. Trata-se de verdadeira ação afirmativa e, como tal, causa tanta polêmica, quer ao leigo, quer a seus aplicadores. Certo é que são necessários ajustes ao seu rigor, o que pode e deve ser feito caso a caso, dada a própria complexidade do fenômeno especialíssimo que é a violência doméstica, caracterizado pela existência/rompimento de laços afetivos entre ofensor e ofendida, delineados no chamado ciclo de violência.

A tarefa é bastante árdua, pois consiste na quebra diária de padrões de comportamento, adaptação da instituição a um procedimento de múltiplas competências e de característica essencialmente multidisciplinar e, muitas das vezes, restaurativa. As limitações estruturais, como espaço físico e funcionários especializados e capacitados são gritantes. Lançar mão da parceria público-privada foi a resposta imediata e bem-sucedida encontrada. Assim é que se formalizou a parceria entre Iesb, Ministério Público, Tribunal de Justiça do Distrito Federale Administração do Paranoá, inaugurando-se em 19 de maio de 2008 o Ciam (Centro Integral de Assistência à Mulher), que conta com assistência jurídica e psicológica às mulheres vítimas de violência.

A assistência judiciária à mulher vítima de violência é obrigatória e sua falta conduz à nulidade de todos os procedimentos judiciais que assim se seguirem, assim como é inadmissível qualquer procedimento criminal sem assistência ao acusado.

O atendimento jurídico prestado pela Faculdade de Direito do Iesb se dá como previsto expressamente nos artigos 27 e 28 da Lei 11.340/2006; possibilita à vítima o esclarecimento de todos os seus direitos, não apenas enquanto vítima de violência, mas também sobre as questões de família, tais como alimentos, dissolução de sociedade de fato e partilha de bens. O ofensor também é chamado ao atendimento e muitas vezes são celebrados acordos nas questões de família, os quais são levados à homologação perante o juízo respectivo, o que em muito contribui para o desafogamento das varas de família, otimizando-se a Justiça como um todo e enfatizando-se a composição amigável dos litígios, o que é bastante salutar em se tratando de questões de família.

O atendimento psicológico previsto nos artigos 29 a 32 da Lei 11.340/2006, embora seja facultativo, já é prestado pela Faculdade de Psicologia do Iesb antes mesmo da audiência preliminar, priorizando-se o empoderamento emocional da vítima, inclusive fazendo-se o encaminhamento para terapias comunitárias, tratamento de depressão ou alcoolismo, conforme cada caso, tanto para a ofendida quanto para o ofensor, lançando-se mão da rede que se fortalece cada vez mais e que é coordenada por um excelente trabalho desenvolvido pela Cema (Central de Medidas Alternativas). Assim, quando é chegada a audiência do artigo 16 da Lei 11.340/2006, em que a vítima poderá renunciar à retratação, ela já estará emocionalmente capacitada para fazê-lo, livre de quaisquer pressões, coações, dúvidas, medos ou constrangimentos.

O Ciam tem atendido também a uma demanda espontânea por parte da comunidade, o que é de todo salutar, pois possibilita a atuação dos profissionais de forma preventiva, antecipando-se ao delito e às lides. O acolhimento é estendido também ao homem, pois o interesse maior é no sentido de que cada um possa exercer de maneira saudável seu papel na família; não se pode olvidar que, em muitos casos, persiste o vínculo afetivo e familiar, pois a mulher sempre luta pela integração da família; o reavivar do vínculo emocional saudável também é facilitado, se assim desejarem os envolvidos. Respeita-se a escolha da mulher quanto à dissolução ou manutenção do vínculo, facilitando-se seu empoderamento e tomada de decisão. Para tanto, ela pode contar com a equipe multidisciplinar e com a rede.

Muito ainda há a ser feito e, sem dúvida, equívocos podem ser cometidos. Todavia, é com erros e acertos que podemos construir novos caminhos e uma cultura de paz social, com efetiva igualdade entre homens e mulheres em harmonia.

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Sobre a autora
Rita de Cássia de C. L. Rocha

Juíza de direito titular do 1° Juizado Especial de Competência Geral de São Sebastião e mestre em direito

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROCHA, Rita Cássia C. L.. Lei Maria da Penha e o Ciam. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2076, 8 mar. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/12425. Acesso em: 29 abr. 2024.

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