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A constitucionalidade do art. 1º da Lei nº 9.316/96.

A validade da inclusão da CSLL na base de cálculo da própria CSLL e do IRPJ

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RESUMO: O presente artigo nasceu de memorial fazendário de nossa lavra em face do Recurso Extraordinário n. 582.525, sob a relatoria do Ministro Joaquim Barbosa, cujo objeto é o art. 1º da Lei 9.316/96, que vedou a dedução nas bases de cálculo da CSLL e do IRPJ o valor pago a título de recolhimento da CSLL.

SUMÁRIO: I. Objeto e objetivo; II. A CSLL e o IRPJ na jurisprudência do STF; III. O art. 1º da Lei 9.316/96: norma jurídica válida; IV. A base de cálculo na jurisprudência do STF; V. A jurisprudência do STJ: arts. 43 e 44 do CTN; VI. A infraconstitucionalidade da controvérsia; VII. A modulação dos efeitos de inconstitucionalidade.

PALAVRAS-CHAVE: Constitucional – Tributário – CSLL – IRPJ – Base de Cálculo – Indedutibilidade – Art. 1º da Lei 9.316/96.


I. OBJETO E OBJETIVO

1.O presente artigo tem como objeto acórdão do Egrégio Tribunal Federal da 3ª Região que entendeu constitucional a norma emanada do art. 1º da Lei 9.316/96, mantendo hígida a sistemática de tributação da CSLL e do IRPJ no tocante a valores que não podem ser deduzidos da base de cálculo desses mencionados tributos.

2.Objetiva-se demonstrar que o referido art. 1º da Lei 9.316/96 é dispositivo válido, em perfeita harmonia com os preceitos da Constituição e em sintonia com a jurisprudência nacional dominante.

3.Eis o atacado dispositivo da mencionada Lei 9.316/96:

Art. 1º. O valor da contribuição social sobre o lucro líquido não poderá ser deduzido para efeito de determinação do lucro real, nem de sua própria base de cálculo.

Parágrafo único. Os valores da contribuição social a que se refere este artigo, registrados como custo ou despesa, deverão ser adicionados ao lucro líquido do respectivo período de apuração para efeito de determinação do lucro real e de sua própria base de cálculo.

4.O hostilizado acórdão do TRF 3 tem a seguinte ementa:

CONSTITUCIONAL E TRIBUTÁRIO. CONTRIBUIÇÃO SOCIAL SOBRE O LUCRO. IMPOSSIBILIDADE DA DEDUÇÃO DA CSLL NA APURAÇÃO DA BASE DE CÁLCULO DO IRPJ.

I. Impossibilidade da dedução da CSLL na apuração da base de cálculo do IRPJ, dada a legalidade do art. 1º, parágrafo único, da Lei 9.316/96. Precedentes do Superior Tribunal de Justiça.

II. Apelação provida.

5.Nada obstante o acerto dessa decisão e a constitucionalidade do citado artigo 1º da Lei 9.316/96, alega-se que foram violados os seguintes dispositivos constitucionais e legais: arts. 145, § 1º; 146, III, "a"; 150, III, "a" e 153, III, CF; e arts. 43 e 44 do CTN:

§ 1º do art. 145: Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultado à administração tributária, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte.

Art. 146. Cabe à lei complementar:

.........

III – estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre:

a) definição de tributos e de suas espécies, bem como, em relação aos impostos discriminados nesta Constituição, a dos respectivos fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes;

Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

.............

III – cobrar tributos:

a) em relação a fatos geradores ocorridos antes do início da vigência da lei que os houver instituído ou aumentado;

Art. 153. Compete à União instituir impostos sobre:

.............

III – renda e proventos de qualquer natureza;

43. O imposto, de competência da União, sobre a renda e proventos de qualquer natureza tem como fator gerador a aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica:

I – de renda, assim entendido o produto do capital, do trabalho ou da combinação de ambos;

II – de proventos de qualquer natureza, assim entendidos os acréscimos patrimoniais não compreendidos no inciso anterior;

44. A base de cálculo do imposto é o montante, real, arbitrado ou presumido, da renda ou dos proventos tributáveis.

6.Com o devido respeito e consideração às visões dissidentes, à luz da jurisprudência do STF e do STJ, se fará ver a inexistência das supostas inconstitucionalidades e ilegalidades apontadas.

7.De efeito, o pagamento de tributo não é despesa operacional. É obrigação legal a todos imposta. Os valores recolhidos a título de CSLL e IRPJ são extraídos do próprio lucro da pessoa jurídica.

8.Ou seja, se uma empresa tem um lucro de 100 unidades, sobre esse lucro incide, regra geral, uma alíquota de 9% da CSLL e de 15% do IRPJ, que resultará no recolhimento de 9 unidades para a Seguridade e de 15 unidades para o Fisco.

9.Se se levar ao extremo o raciocínio que entende o pagamento de tributo como despesa operacional, independentemente das disposições legais, não se estranhará que em vez de um lucro de 100 unidades, defenda-se um lucro de 76 unidades, porquanto se subtraiam as 24 unidades de CSLL e IRPJ.

10.Assinale-se: a base de cálculo dos aludidos tributos é o lucro ou a renda, que pode ser real, arbitrado ou presumido, nela podendo-se incluir o valor do próprio tributo a ser pago, porquanto esse valor é fruto de uma aquisição de disponibilidade econômica ou jurídica, ou seja, de um verdadeiro acréscimo patrimonial.


II. A CSLL E O IRPJ NA JURISPRUDÊNCIA DO STF

11.As pertinentes discussões em redor da base de cálculo da CSLL e do IRPJ, bem como dos conceitos de lucro e renda, não são novas Suprema Corte brasileira.

12.A CSLL – Contribuição Social sobre o Lucro Líquido foi instituída pela Lei 7.689/88, com fulcro no art. 195, CF, cuja constitucionalidade foi reconhecida nos RREE 138.284 (Relator Ministro CARLOS VELLOSO, J. 01.07.1992, DJ. 28.08.1992) e 146.733 (Relator Ministro MOREIRA ALVES, J. 29.06.1992, DJ. 06.11.1992).

13.A base de cálculo da CSLL é o lucro da pessoa jurídica, como prescrito na Constituição e na Lei n. 7.689/88. Esse lucro é apurado antes da provisão do imposto de renda da pessoa jurídica, como reconhecido nos aludidos RREE 138.284 e 146.733.

14. Sobre essa "identidade" de base de cálculo e de técnica de apuração entre a CSLL e o IRPJ, o entendimento manifestado pelo Ministro ILMAR GALVÃO, no RE 146.733:

Irrelevante, igualmente, para tanto, a circunstância de a sua cobrança e fiscalização serem realizadas pelos agentes encarregados do Imposto de Renda. Está mais do que claro que a lei não quis transferir para a ‘caixa única’ do Tesouro Nacional o produto da arrecadação da contribuição social, ao incumbir a Receita Federal de administrar e fiscalizar o tributo. O que, razoavelmente, se deve entender é que cabe aos agentes da Receita Federal disciplinar e realizar os lançamentos pertinentes, fiscalizando as empresas, a fim de evitar sonegações e retardamentos nos recolhimentos. Enfim, obviou-se a duplicidade de meios com vistas à arrecadação dos dois tributos, já que têm eles, praticamente, fonte de referência comum, seja, o balanço anual das empresas. A Constituição não veda essa providência posta em prática no prol do interesse público.

15. Nessa senda, o lucro base de cálculo da CSLL é a renda da pessoa jurídica base de cálculo do IRPJ, com as particulares especificidades.

16.Nessa linha, é imperioso recordar o magistério jurisprudencial do STF acerca da renda (lucro) para efeitos tributários.

17. De efeito, no RE 201.456 (Redator Ministro NELSON JOBIM, J. 02.05.2002, DJ. 17.10.2003), o Tribunal entendeu que o conceito de renda, para efeitos tributários, é eminentemente legal. Segundo o Ministro NELSON JOBIM, "o conceito de lucro real tributável é puramente legal e decorrente exclusivamente da lei, que adota a técnica da enumeração taxativa".

18. No RE 200.844 (Relator Ministro CELSO DE MELLO, J. 25.06.2002, DJ 16.08.2002), a Suprema Corte reafirmou o decidido no aludido RE 201.465, quanto ao conceito de renda (lucro). Eis elucidativa passagem do voto do Ministro CELSO DE MELLO:

O Supremo Tribunal Federal, ao examinar a ratio subjacente ao art. 3º, n. I, da Lei n. 8.200/91, cuja eficácia veio a ser revigorada pela Lei n. 8.682/93 (art. 11), e ao manifestar-se a respeito do benefício em referência, cuja outorga foi motivada, unicamente, por razões de política legislativa, deixou assentado, no tema (a) que o diferimento previsto na regra legal mencionada – que traduz mero "favor legis" – não consubstancia hipótese configuradora de empréstimo compulsório, rejeitando, por incabível, a incidência do disposto no art. 148, caput, da Constituição e (b) que o conceito normativo de renda (e de lucro real) representa noção revestida de caráter simplesmente legal, cabendo, ao legislador comum, definir-lhe o conteúdo e delinear-lhe o sentido, desde que observados – como no caso o foram - critérios de razoabilidade, em estrita consonância com os padrões fundados no princípio da proporcionalidade.

19. Nessa perspectiva, é no arcabouço legislativo do IRPJ e da CSLL que se encontra o significado jurídico de renda (lucro) acolhido pelo STF, e que tem servido como base de cálculo para os cogitados tributos, tendo, em essência, a idéia de que "renda pressupõe acréscimo patrimonial ou a disponibilidade jurídica ou econômica", que pode ser real, arbitrado ou presumido.

20. Dessa sorte, o lucro (renda) tributável surge de um plexo normativo que envolve aspectos contábeis, comerciais e fiscais, com adições, deduções ou compensações, com a observância da legislação, que informará de modo sistemático e metodológico quais valores poderão ser adicionados ou excluídos ou compensados.

21.Em suma, sem prejuízo da idéia de lucro (renda) como acréscimo patrimonial ou da aquisição de disponibilidade jurídica ou econômica, a tributação desse lucro envolve complexas operações reguladas por normas infraconstitucionais, mas nem por isso inconstitucionais.

22.Considerando que a base de cálculo da CSLL é o lucro líquido, antes da provisão do IRPJ, convém buscar na legislação desse imposto federal, o significado de lucro líquido.

23.Para os propósitos imediatos, serve o contido nos arts. 247 e 248 do Regulamento do Imposto de Renda – RIR (Decreto 3.000/99):

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Art. 247. Lucro real é o lucro líquido do período de apuração ajustado pelas adições, exclusões ou compensações prescritas ou autorizadas por este Decreto.

Art. 248. O lucro líquido do período de apuração é a soma algébrica do lucro operacional, dos resultados não operacionais, e das participações, e deverá ser determinado com observância dos preceitos da lei comercial.

24.Veja-se que para construir o lucro líquido se faz necessário o lucro operacional, enunciado no art. 277 do referido RIR:

Art. 277.  Será classificado como lucro operacional o resultado das atividades, principais ou acessórias, que constituam objeto da pessoa jurídica (Decreto-Lei nº 1.598, de 1977, art. 11).

Parágrafo único.  A escrituração do contribuinte, cujas atividades compreendam a venda de bens ou serviços, deve discriminar o lucro bruto, as despesas operacionais e os demais resultados operacionais (Decreto-Lei nº 1.598, de 1977, art. 11, § 1º).

25.Além do lucro operacional, na construção do lucro líquido, os resultados não operacionais os quais se referem a transações com bens do ativo permanente (arts. 418 e 445 do RIR), ou seja o conjunto de bens ou direitos, estáveis, destinados ao normal funcionamento da empresa, bem como os direitos exercidos com essa finalidade.

26.A Lei 6.404/76 divide o ativo permanente em investimentos, imobilizado, intangível e diferido (art. 178, § 1º, "c"). O art. 179 classifica as contas do ativo permanente da seguinte maneira:

III - em investimentos: as participações permanentes em outras sociedades e os direitos de qualquer natureza, não classificáveis no ativo circulante, e que não se destinem à manutenção da atividade da companhia ou da empresa;

IV – no ativo imobilizado: os direitos que tenham por objeto bens corpóreos destinados à manutenção das atividades da companhia ou da empresa ou exercidos com essa finalidade, inclusive os decorrentes de operações que transfiram à companhia os benefícios, riscos e controle desses bens;

V – no diferido: as despesas pré-operacionais e os gastos de reestruturação que contribuirão, efetivamente, para o aumento do resultado de mais de um exercício social e que não configurem tão-somente uma redução de custos ou acréscimo na eficiência operacional;

VI – no intangível: os direitos que tenham por objeto bens incorpóreos destinados à manutenção da companhia ou exercidos com essa finalidade, inclusive o fundo de comércio adquirido.

27. E, se não bastassem o lucro operacional e os resultados não-operacionais (a envolver o ativo permanente), há as participações, tudo em observância da legislação comercial.

28.Daí que, concessa venia, as bases de cálculo, tanto da CSLL, quanto do IRPJ, dada a complexidade desses tributos, e em homenagem ao princípio da capacidade contributiva, reclamam operações jurídico-contábeis de adições e deduções que não violam quaisquer dispositivos constitucionais.


III. O ART. 1º DA LEI 9.316/96: NORMA JURÍDICA VÁLIDA

29.Nesse complexo quadro normativo surgiu a combatida norma dimanada do art. 1º da Lei 9.316/96. A inovação legislativa contida na objurgada norma, ao vedar a dedução do valor do tributo pago na base de cálculo do próprio tributo ou outro tributo, como sobejamente demonstrado, não é tão nova assim, nem encontra qualquer óbice no texto constitucional.

30.Com efeito, o aludido art. 1º obstou que lucro ou renda (acréscimo patrimonial) fossem eximidos da incidência de tributos que têm essas grandezas como bases de cálculo, isso porque o valor pago a título de CSLL é retirado de sua disponibilidade jurídica ou econômica (lucro ou renda).

31.Essa quantia não é grandeza econômica autônoma, mas parcela de seu próprio lucro ou rendimento que lhe é disponível. Tampouco é o pagamento da CSLL (ou de qualquer outro tributo) despesa operacional.

32.O art. 189 da referida Lei 6.404/76 determina que o lucro seja prioritariamente destinado ao pagamento do IRPJ e da CSLL e à compensação de prejuízos apurados em períodos anteriores.

33.Nessa linha o entendimento esposado por Ricardo Mariz de Oliveira:

Eu não consigo ver, logicamente, uma forma de colocar o imposto de renda antes da apuração do lucro. Vocês vão dizer: mas é necessária a produção e à manutenção da fonte pagadora, porque se não pagar este imposto que vem ela perece.

Só que o imposto nasce concomitante ao período-base, ao fim do período-base, naquele exato momento: tanto que contrariamente, se faz previsão, se registra como despesa daquele período, mas é uma despesa de destinação. Tanto é, só para usar comparativamente, que a Lei 6.404/76 coloca o imposto de renda e a contribuição social depois do lucro líquido, sob a forma de provisão depois de fechado o lucro líquido.

De forma que – só para sintetizar -, pessoalmente, estou convencido que é válido não deduzir a contribuição social sobre o lucro, porque entendo que a contribuição social sobre o lucro é destinação do lucro ao Poder Público dentro de sua competência e é algo que vem não antes do lucro, como necessário à sua produção, mas em decorrência do lucro já formado e, portanto, a dedução dependeria de uma norma de permissão.

33.Com efeito, são operacionais as despesas não computadas nos custos, necessárias à atividade da empresa e à manutenção da respectiva fonte produtora (art. 299, RIR; e Lei nº 4.506, de 1964, art. 47).

34.O recolhimento de tributos, com a devida vênia, não faz parte das despesas operacionais dedutíveis, mas é obrigação legal imposta a todos os contribuintes (art. 3º, CTN), reitere-se à exaustão.

35.Eis a razão jurídico-contábil para não se permitir a exclusão do valor da CSLL e do IRPJ na base de cálculo desses referidos tributos, ou de quaisquer outras obrigações legais, salvo expressa disposição legal em contrário.

36.Ou seja, à luz do texto constitucional, da legislação infraconstitucional e da jurisprudência dominante, a exclusão do valor de tributo pago na base de cálculo do próprio ou de outro tributo, por implicar na sua redução quantitativa, reclama autorização legal específica, conforme dispõe o art. 150, § 6º, CF.


IV. A BASE DE CÁLCULO NA JURISPRUDÊNCIA DO STF

37.O pano-de-fundo da presente controvérsia é o tema da inclusão do valor do tributo na base de cálculo de tributo, que já foi objeto de apreciação da Excelsa Corte nos autos do RE 212.209 (Redator Ministro NELSON JOBIM, J. 23.09.1999, DJ. 14.02.2003), cuja ementa de acórdão está vazada nos seguintes termos:

Constitucional. Tributário. Base de Cálculo do ICMS: inclusão no valor da operação ou da prestação de serviço somada ao próprio tributo. Constitucionalidade. Recurso desprovido.

38.Cuide-se que o tributo objeto do aludido RE 212.209 é o ICMS. Nada obstante, as premissas utilizadas naquele julgamento servem para orientar na solução deste conflito normativo:

A base de cálculo dos tributos e a metodologia de sua determinação, porque constituem elementos de conhecimento indispensáveis para definição do quantum debeatur, necessariamente, devem ser estabelecidos por lei, em obediência ao princípio da legalidade.

39.Naquela oportunidade, reafirmando atávica jurisprudência da Corte, manteve-se o entendimento de que, no caso do ICMS, a cobrança incide sobre o valor da operação.

40.A despeito de visitar o ICMS, com suas nuanças, vale transcrever passagem do voto do Ministro ILMAR GALVÃO que vem a cavalheiro:

Em votos anteriores, tenho assinalado que o sistema tributário brasileiro não repele a incidência de tributo sobre tributo. Não há norma constitucional ou legal que vede a presença, na formação da base de cálculo de qualquer imposto, de parcela resultante do mesmo ou de outro tributo, salvo a exceção, que é a única, do inciso XI do parágrafo 2º do art. 155 da Constituição, onde está disposto que o ICMS não compreenderá, em sua base de cálculo, o montante do imposto sobre produtos industrializados, quando a operação, realizada entre contribuintes e relativa a produto destinado à industrialização ou à comercialização, configure fato gerador de dois impostos.

41.O Ministro ILMAR GALVÃO usa o argumento insofismável de que não existe vedação constitucional que impeça o legislador de incluir na base de cálculo de um tributo o valor pago a título do mesmo ou de outro tributo.

42.Ainda no aludido voto do Ministro ILMAR GALVÃO, trecho que analisa a repercussão da tese de que o valor "tributo" não pode compor a base de cálculo de "tributo":

Na verdade, o preço da mercadoria, que serve de base de cálculo ao ICMS, é formado de uma série de fatores: o custo; as despesas com aluguel, empregados, energia elétrica; o lucro; e, obviamente, o imposto pago anteriormente. O problema, diria que é até de ordem pragmática, em face da dificuldade, quase incontornável, de eliminar-se da base de cálculo de um tributo tudo o que decorreu de tributação.

43.Feitas as devidas acomodações, porquanto sejam tributos diversos, com origens distintas e especificidades próprias, o fio-condutor da decisão do STF no RE 212.209 é, em essência, o mesmo a ser usado no presente conflito, concessa venia.

44.Isso porque a base de cálculo do ICMS, reconheceu a Suprema Corte, é, nos termos da Constituição e das leis, o valor da operação, nela podendo-se incluir o valor do próprio tributo a ser pago.

45.Daí que a base de cálculo da CSLL e do IRPJ, nos termos da Constituição e das leis, em particular o indigitado art. 1º da Lei 9.316/96, é o lucro ou a renda, que pode ser real, arbitrado ou presumido, nela podendo-se incluir o valor do próprio tributo a ser pago, porquanto esse valor é fruto de uma aquisição de disponibilidade econômica ou jurídica, ou seja, de um verdadeiro acréscimo patrimonial.


V. A JURISPRUDÊNCIA DO STJ: ARTS. 43 E 44 DO CTN

46.Além das repelidas jaças de inconstitucionalidade, tem-se alegado que o multicitado art. 1º desrespeitou os artigos 43 e 44 do CTN, lei complementar nacional, cuja guarda compete precipuamente ao Colendo Superior Tribunal de Justiça.

47.Aquele respeitável Sodalício, instado a se manifestar ante esse tema, tem decidido que o pagamento do tributo não se insere como despesa operacional.

48.E que a não inclusão do valor da CSLL na sua base de cálculo, ou na do IRPJ, não maltrata o conceito de renda estabelecido no CTN (REsps 784.403, 799.941, 434.156 e 395.842).


VI. A INFRACONSTITUCIONALIDADE DA CONTROVÉRSIA

49.Nada obstante o reconhecimento da repercussão geral da matéria, tenho que o tema não alcança as galas de controvérsia constitucional.

50.Nos autos do RE 367.865, o Ministro EROS GRAU estampou:

DECISÃO

:
Discute-se neste recurso extraordinário a constitucionalidade da Lei n. 9.316/96, texto normativo que veicula a impossibilidade de ser deduzido, da base de cálculo do imposto de renda e da sua própria base de cálculo, o valor pago a título de contribuição social sobre o lucro.

2.  O Tribunal Regional Federal da 4ª Região entendeu que a "não é inconstitucional a indedutibilidade do valor da contribuição social sobre o lucro da base de cálculo do mesmo tributo (Lei nº 9.316/96 – art. 1º), pois o pagamento não se insere como despesa" [fls. 143-147].

3.  A recorrente sustenta que o provimento judicial violou preceitos da Constituição do Brasil.

4.  Para dissentir-se do acórdão impugnado seria necessária a análise da legislação infraconstitucional que disciplina a espécie. Eventual ofensa à Constituição dar-se-ia de forma indireta, circunstância que impede a admissão do extraordinário. Nesse sentido: o AI n. 511.263, Relator o Ministro Cezar Peluso, DJ de 17.12.04, o AI n. 446.259, Relator o Ministro Carlos Velloso, DJ de 9.9.04, e o AI n. 385.023-AgR, Relator o Ministro Nelson Jobim, DJ de 4.10.02.

Nego seguimento ao recurso com fundamento no disposto no art. 21, § 1º, do RISTF.

51.Com efeito, diante de toda essa paisagem normativa que vem sendo descortinada, vê-se que o conceito jurídico de renda (ou lucro) para efeitos tributários é fruto do amálgama das disposições constitucionais e infraconstitucionais.

52.O benefício fiscal da dedutibilidade na base de cálculo da CSLL ou do IRPJ tem sua origem na legislação infraconstitucional.

53.Está-se dentro do campo reservado à liberdade de conformação do legislador. Benefícios fiscais - reza o próprio texto constitucional - são categorias contidas dentro da referida liberdade de atuação política do legislador tributário.

54.Se a Constituição concede à Lei a possibilidade de normatizar o benefício da dedução, pode a Lei modificar ou extinguir esse benefício. Exemplo insofismável é a Lei 8.981/95 é prova cabal dessa citada liberdade do legislador.

55.Malgrado o aludido reconhecimento da repercussão geral da presente controvérsia, recentemente nos autos do RE 571.572 (Relator Ministro GILMAR MENDES), o STF, conquanto tenha reconhecido a repercussão geral desse mencionado feito, no mérito entendeu que o tema é de natureza infraconstitucional e não conheceu do recurso extraordinário.


VII. A MODULAÇÃO DOS EFEITOS DE INCONSTITUCIONALIDADE

56.Sem embargo da forte convicção da validade constitucional do aludido art. 1º da Lei 9.316/96, é possível que o STF decrete a sua inconstitucionalidade.

57.Se o fizer, é preciso que o Tribunal saiba que essa combatida norma está em vigor desde 1996, e reconhecida como válida pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça e dos Tribunais Regionais Federais.

58.Segundo informações fornecidas pela Secretaria da Receita, a revisão dessa sedimentada jurisprudência, provocará um impacto anual nos cofres públicos da ordem de 8 bilhões de reais.

59.Com a possibilidade de repetição de indébito ou de compensação dos últimos 5 (cinco) anos, chegar-se-á a cifra de 40 bilhões de reais que desfalcarão o orçamento da União Federal e da Seguridade Social.

60.Há manifesto e excepcional interesse social a reclamar a aplicação do art. 27 da Lei 9.868/99, se houver a decretação de inconstitucionalidade do art. 1º da Lei 9.316/96.

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Sobre o autor
Luís Carlos Martins Alves Jr.

Piauiense de Campo Maior; bacharel em Direito, Universidade Federal do Piauí - UFPI; doutor em Direito Constitucional, Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG; professor de Direito Constitucional, Centro Universitário do Distrito Federal - UDF; procurador da Fazenda Nacional; e procurador-geral da Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico - ANA. Exerceu as seguintes funções públicas: assessor-técnico da procuradora-geral do Estado de Minas Gerais; advogado-geral da União adjunto; assessor especial da Subchefia para Assuntos Jurídicos da Presidência da República; chefe-de-gabinete do ministro de Estado dos Direitos Humanos; secretário nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente; e subchefe-adjunto de Assuntos Parlamentares da Presidência da República. Na iniciativa privada foi advogado-chefe do escritório de Brasília da firma Gaia, Silva, Rolim & Associados – Advocacia e Consultoria Jurídica e consultor jurídico da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil - CNBB. No plano acadêmico, foi professor de direito constitucional do curso de Administração Pública da Escola de Governo do Estado de Minas Gerais na Fundação João Pinheiro e dos cursos de Direito da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais - PUC/MG, da Universidade Católica de Brasília - UCB do Instituto de Ensino Superior de Brasília - IESB, do Centro Universitário de Anápolis - UNIEVANGÉLICA e do Centro Universitário de Brasília - CEUB. É autor dos livros "O Supremo Tribunal Federal nas Constituições Brasileiras", "Memória Jurisprudencial - Ministro Evandro Lins", "Direitos Constitucionais Fundamentais", "Direito Constitucional Fazendário", "Constituição, Política & Retórica"; "Tributo, Direito & Retórica"; "Lições de Direito Constitucional - Lição 1 A Constituição da República Federativa do Brasil" e "Lições de Direito Constitucional - Lição 2 os princípios fundamentais e os direitos fundamentais" .

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ALVES JR., Luís Carlos Martins. A constitucionalidade do art. 1º da Lei nº 9.316/96.: A validade da inclusão da CSLL na base de cálculo da própria CSLL e do IRPJ. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1954, 6 nov. 2008. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/11933. Acesso em: 25 abr. 2024.

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