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A nova Lei de Estágio

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1 - INTRODUÇÃO

Entrou em vigor no final do mês de setembro de 2008, a Lei n. 11.788/08 que dispõe sobre o estágio de estudantes, alterando o artigo 428 da CLT e revogando expressamente as Leis nos 6.494, de 7 de dezembro de 1977, e 8.859, de 23 de março de 1994, o parágrafo único do art. 82 da Lei 9.394, e 20 de dezembro de 1996, e o art. 6º da Medida Provisória n. 2.164-41, de 24 de agosto de 2001. As modificações perpetradas implicaram em significativa evolução em relação à legislação anterior. As melhorias verificadas são de três ordens: medidas que visam evitar a contratação de estagiários de maneira fraudulenta; medidas que buscam assegurar alguma proteção aos estagiários; e inovações legislativas de ordem diversa.


2 – MEDIDAS PARA COMBATER A CONTRATAÇÃO DE ESTAGIÁRIOS DE FORMA FRAUDULENTA

A nova lei inova ao definir estágio como ato educativo escolar supervisionado, desenvolvido no ambiente de trabalho, que visa à preparação para o trabalho produtivo de educandos que estejam freqüentando o ensino regular em instituições de educação superior, de educação profissional, de ensino médio, da educação especial e dos anos finais do ensino fundamental, na modalidade profissional da educação de jovens e adultos. A legislação anterior, para se ter uma idéia, limitava-se a possibilitar que pessoas jurídicas de Direito Privado, Órgãos da Administração Pública e Instituições de Ensino Superior aceitassem como estagiários alunos regularmente matriculados e que estivessem freqüentando, efetivamente, cursos vinculados à estrutura do ensino público e particular. A nova norma estatuiu ainda que o estágio faz parte do projeto pedagógico do curso e integra o itinerário formativo do educando, além de visar ao aprendizado de competências próprias da atividade profissional e à contextualização curricular, objetivando o desenvolvimento do educando para a vida cidadã e para o trabalho. A nova dicção legal enfatiza ainda mais a necessária vinculação que deve haver entre a formação teórica do estagiário e a suas atividades de estágio [01]. O intuito desta maior precisão terminológica é combater contratações irregulares de estagiários para atividades que em nada contribuam com a sua formação, prática ilícita que vinha se proliferando nos últimos anos. Dois exemplos simbólicos de desvirtuamento de contrato de estágio eram os de estudantes de direito colocados para trabalhar no autoatendimento de instituições financeiras, e o de estudantes de enfermagem recrutados para atuar como secretária em hospitais e consultórios médicos.

Ainda no afã de combater desvirtuamento na contratação de estagiários, a nova norma cuidou de ressaltar expressamente a possibilidade de reconhecimento de vínculo empregatício em juízo em caso de descumprimento da obrigatoriedade de matrícula e freqüência regular do educando em seu curso, de celebração de termo de compromisso entre o educando, a parte concedente do estágio e a instituição de ensino, de compatibilidade entre as atividades desenvolvidas no estágio e aquelas previstas no termo de compromisso, ou o descumprimento de qualquer obrigação que conste deste. E foi além: estabeleceu expressamente no art. 15 §§1º e 2º que a instituição privada ou pública que reincidir na irregularidade de que trata o artigo ficará impedida de receber estagiários por 2 (dois) anos, contados da data da decisão definitiva do processo administrativo correspondente naquela filial ou agência onde for cometida a irregularidade.

Ainda como medida destinada a combater fraudes, a nova legislação instituiu ainda a obrigatoriedade de acompanhamento efetivo pelo professor orientador da instituição de ensino e por supervisor da parte concedente, o qual será provado através dos vistos apostos nos relatórios de atividades que serão apresentados semestralmente às instituições de ensino.

A melhor de todas as medidas ajustadas para coibir a contratação de empregados como mão de obra barata foi, contudo, a instituída no artigo 17. Segundo ele o número de estagiários do ensino médio, educação especial e dos dois últimos anos do ensino fundamental em estabelecimento variará conforme o número de empregados contratados. Assim, empresas que disponham de um a cinco empregados poderão ter apenas um empregado. As que contem com número entre seis e dez empregados poderão contratar dois. As que tenham entre onze e vinte poderão contratar cinco estagiários. E, por fim, as que possuam mais que vinte e cinco estagiários poderão dispor de 20% de estagiários.

O legislador deixou claro que, para fins deste cálculo, levar-se-á em consideração o conjunto de trabalhadores empregados existentes no estabelecimento do estágio e não apenas os que exerçam a função idêntica ou similar à do estagiário. Quando o cálculo do percentual resultar em fração, poderá ser arredondado para o número inteiro imediatamente superior. Esta medida é extremamente interessante para evitar discussões futuras acerca do número máximo de estagiários em determinados estabelecimentos.

O único pecado da proposta neste ponto foi excluir desta limitação, sem que para tanto haja qualquer justificativa plausível, os estágios de nível superior e de nível técnico profissional. Não se consegue vislumbrar razão alguma para que a mesma limitação não seja aplicada aos estágios com estas peculiaridades, haja vista também nestes casos ser possível a utilização de estagiários como mão-de-obra barata.

Em termos conceituais, a legislação ora em vigor cuidou ainda de distinguir estágio obrigatório, definido como tal no projeto do curso, cuja carga horária é requisito para aprovação e obtenção de diploma; e estágio não-obrigatório, aquele desenvolvido como atividade opcional, acrescida à carga horária regular e obrigatória.


3 – PROTEÇÃO CONFERIDA AOS ESTAGIÁRIOS PELA NOVA LEI

A nova legislação criou diversas medidas destinadas a proteção dos estagiários. Uma das que merecem maior destaque é a que instituiu limitação de jornada conforme o nível de educação a que esteja se submetendo o estagiário. Para os estudantes de educação especial dos anos finais do ensino fundamental, na modalidade profissional de educação de jovens e adultos, o limite passou a ser de 4 (quatro) horas diárias e 20 (vinte) horas semanais. Para os estudantes do ensino superior, educação profissional de nível médio e do ensino médio regular, o limite passou a ser de 6 (seis) horas diárias e 30 (trinta) horas semanais.

Corrigiu-se, com isso, um dos maiores equívocos da Lei 6.494 que apenas mencionava que a jornada a ser cumprida pelo estudante deveria se compatibilizar com o horário escolar e com o horário da parte em que venha ocorrer o estágio, imprecisão que acabou possibilitando diversas e graves distorções. Na cidade de São Paulo, por exemplo, havia se tornado comum que estagiários cumprissem jornada de oito horas, o que é claramente incompatível com os fins buscados por esta modalidade contratual, na medida em que o estudante fica praticamente sem tempo para aprofundar o aprendizado das aulas estudando em casa. Entender que uma jornada integral pode ser compatível com as aulas do ensino superior e do segundo grau consiste em ignorar a necessidade de leitura e de realização de exercícios pelo estudante em sua própria casa. Apenas freqüentar as aulas não é suficiente para assegurar aprendizagem adequada ao estudante.

A limitação temporal do estágio na mesma empresa a dois anos mostrou-se ao mesmo tempo interessante e preocupante. Interessante na medida em que coloca termo certo para à possibilidade de utilização do estagiário apenas como mão-de-obra barata, desvirtuando a sua finalidade. Atualmente não é raro um estudante passar quatro anos na mesma empresa ou escritório, desempenhando uma função repetitiva que já não lhe traz nenhum aprendizado porque precisa do dinheiro para se manter e, por vezes, para custear o seu curso universitário, sem ser efetivado porque o empregador prefere mantê-lo como estagiário a contratá-lo como empregado. Com a modificação proposta, o estagiário passará a ter data certa para ser efetivado ou substituído por outro. E é justamente neste ponto onde a medida é preocupante. Ela acaba abrindo espaço para a possibilidade de os empresários optarem por substituir um estagiário com potencial de ser efetivado na empresa, apenas pelo fato dele ter atingido o termo do contrato, a contratá-lo antes da conclusão de sua graduação.

A exclusão de estagiários com deficiência desta limitação temporal de dois anos não se justifica. A imposição de limite temporal para o estágio realizado para determinado tomador de serviços força este a contratá-lo, o que protege muito mais o deficiente do que a possibilidade de prorrogação desse lapso temporal. Com efeito, caso a limitação temporal de dois anos também fosse aplicável ao estagiário deficiente, haveria grande possibilidade de ele vir a ser efetivado na função para que o empregador preenchesse as quotas previstas na Lei 8.213/91 após o decurso deste prazo. A sua exclusão desta limitação temporal possibilita que o empregador que já tiver preenchido a quota de deficientes mantenha o deficiente como estagiário, somente o efetivando quando houver a necessidade de preenchimento da quota, por razões diversas.

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Outra medida que seguramente irá reduzir a utilização de estagiários como mão-de-obra barata é a obrigatoriedade de remuneração e de cessão do vale-transporte para os estágios obrigatórios. Esta política aumenta os custos com a contratação de estagiários e, com isso, a torna menos atrativa em relação a contratação de empregados o que contribuirá para diminuir a muitas vezes alta proporção de estagiários por trabalhador formalmente contratado.

A extensão do direito a férias aos estagiários também representou interessante avanço. Em verdade, as mesmas razões de ordem biológica, social e econômica que justificam a concessão de férias aos empregados aplica-se aos estagiários.


4 – INOVAÇÕES LEGISLATIVAS

A proposta inovou ao possibilitar expressamente que estudantes estrangeiros regularmente matriculados em cursos superiores no País, autorizados ou reconhecidos, façam estágio ainda que não disponham de visto permanente. Este dispositivo mostra-se importante sobretudo em razão de a lei 6.815/90 (Estatuto do Estrangeiro) vedar ao estrangeiro com visto de turista, de trânsito ou temporário de estudante, o exercício de atividade remunerada.

O Projeto também avançou ao possibilitar expressamente que profissionais liberais de nível superior devidamente registrados em seus respectivos conselhos de fiscalização profissional desde que atendam às mesmas exigências impostas às pessoas jurídicas de direito privado e aos órgãos públicos como, por exemplo, celebrar termo de compromisso com a instituição de ensino e o educando, zelando por seu cumprimento, ofertar instalações que tenham condições de proporcionar ao educando atividades de aprendizagem social, profissional e cultural, contratação de seguro de acidentes pessoais, entrega de termo de desligamento do estagiário contendo a indicação resumida das atividades desenvolvidas, dos períodos e da avaliação de desempenho, disponibilização de documentos que comprovem a relação de estágio e envio de relatórios semestrais de atividades do estágio. A única exigência que não se aplica aos profissionais liberais é a de indicar funcionário com experiência profissional para orientar e supervisionar até dez estagiários simultaneamente, pois em se tratando desta categoria profissional presume-se que o próprio profissional se encarregará da orientação e da supervisão.

A proposta inovou também ao deixar explícito que o seguro de acidentes pessoais cuja apólice conste do contrato de estágio deverá ser compatível com os valores de mercado. A legislação anterior, para fins de comparação, apenas mencionava que o estudante deveria estar segurado contra acidentes pessoais nada falando sobre o valor da apólice. Para que a inovação surta algum efeito será imprescindível que o decreto que venha a regulamentar a legislação institua alguns parâmetros que esclareçam como se chegará aos referidos valores de mercado. Se não o fizer a novidade não atingirá o seu fim que é justamente evidenciar que o valor da apólice não pode ser irrisório.

Outra inovação bastante salutar foi a determinação de que 10% das vagas oferecidas pela parte concedente do estágio (a pessoa jurídica de direito privado, o órgão público ou o profissional liberal) sejam reservadas à pessoas portadoras de deficiência. Essa ação afirmativa mostra-se bastante salutar e acompanha a política de quotas já instituída no tocante ao número de empregados.

Em matéria de direito intertemporal a lei esclareceu que a nova lei, conquanto comece a viger na data de sua publicação, não será aplicável aos contratos em andamento, mas apenas às suas prorrogações e renovações e naturalmente aos contratos que celebrados depois de sua publicação.


5 – CONSIDERAÇÕES FINAIS

A Lei 11.788/08 ampliou a proteção ao estagiário, assegurando-lhe alguns direitos similares aos que são consagrados aos empregados da iniciativa privada e implementou medidas para combater a proliferação de contratos de estágio fraudulentos e desvirtuados. A sua eficácia real, contudo, dependerá também da conscientização dos tomadores de serviço e da fiscalização por parte das autoridades do Ministério do Trabalho e Emprego e das Universidades. Outrossim, só o tempo dirá se a aparente evolução verificada na letra abstrata da lei se consolidará na prática ou se esta será apenas mais uma boa lei que não atingiu o seu objetivo.


Notas

01 A título comparativo, a legislação anterior apenas ponderava que os estágios deveriam propiciar a complementação do ensino e da aprendizagem e serem planejados, executados e acompanhados, em conformidade com os currículos, programas e calendários escolares

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Sobre o autor
Jorge Cavalcanti Boucinhas Filho

Mestre e Doutor em Direito pela Universidade de São Paulo (USP). Pós-doutor em Direito pela Université de Nantes (França). Professor e pesquisador da Fundação Getúlio Vargas. Professor, Coordenador de cursos de pós-graduação e membro do Conselho Curador da Escola Superior de Advocacia da OAB/SP. Advogado.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BOUCINHAS FILHO, Jorge Cavalcanti. A nova Lei de Estágio. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1930, 13 out. 2008. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/11848. Acesso em: 20 abr. 2024.

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