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Presença facultativa de advogado no processo disciplinar.

As idas e vindas da jurisprudência e a Súmula Vinculante nº 5

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1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS

Foi aprovada pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal, no último dia 7, a quinta súmula vinculante – instrumento adotado no Brasil a partir da EC 45/04, que inseriu na Constituição o art. 103-A. O enunciado aprovado (mas ainda não publicado) é o seguinte: "A falta de defesa técnica por advogado no processo administrativo disciplinar não ofende a Constituição".

Escrevêramos, em setembro do ano passado, artigo neste mesmo Portal, intitulado "Presença obrigatória de advogado no processo administrativo disciplinar: breves anotações à Súmula nº 343 do STJ". Naquela ocasião, noticiamos que o STJ havia sumulado entendimento (já pacífico naquela Corte) de que a ausência de defesa técnica no processo disciplinar seria causa de nulidade.

Na oportunidade, anotamos nossa posição contrária ao entendimento do Superior Tribunal:

"Não se discute, por óbvio, a necessidade de oportunizar ao acusado em processo administrativo o contraditório e a ampla defesa, requisitos da própria legitimidade da punição eventualmente aplicada.

Porém, há que se atentar para o fato de que a ampla defesa não precisa ser exercida apenas por advogado. A doutrina reconhece que dois pés sustentam a ampla defesa: a defesa técnica e a autodefesa. Tal teoria, porém, foi construída tendo por norte o processo penal, em que as punições eventualmente aplicadas são, por natureza, muito mais graves que as sanções administrativas.

Ora, a própria Constituição Federal prevê que o advogado é figura essencial à administração da justiça (art. 133). Ademais, com todo o respeito possível ao mister da advocacia, geralmente não há no processo administrativo elementos que demandem um conhecimento jurídico mais aprofundado, a justificar a intervenção obrigatória do advogado. Além disso, é facultado ao servidor, se assim desejar, constituir causídico para melhor exercer a defesa. Daí a erigir o advogado a interveniente necessário do processo disciplinar é, segundo pensamos, um exagero. Tanto é assim que o art. 156, caput, da Lei nº 8.112/90 atribui ao servidor o direito de acompanhar o processo, pessoalmente ou por intermédio de procurador.

É claro que, hoje, se reconhece ao juiz um grande poder criativo, na medida em que a interpretação passa a ser considerada fase da própria criação das normas jurídicas, mas não se pode chegar ao ponto de legitimar uma discricionariedade judicial, ou a imposição pelo Judiciário de obrigações que extrapolam as estabelecidas em lei.

Por todos esses motivos, consideramos inconveniente da Súmula nº 343, recentemente editada pelo STJ, como já discordávamos da jurisprudência firmada naquela Corte, agora apenas sumulada.

Referido enunciado, é verdade, não ostenta eficácia vinculante. Na prática, porém, deverá ser respeitado à risca pela Administração, até mesmo em atenção aos princípios da eficiência, economicidade e moralidade (boa-fé objetiva). Como se trata de questão de fundo constitucional, mas diretamente vinculada à interpretação de lei ordinária, a tendência é que venha a se exaurir realmente no Superior Tribunal de Justiça. Dificilmente o STF aceitará analisar tais fundamentos, por se tratar de eventual ofensa reflexa à Constituição, alegação não conhecida em sede de recurso extraordinário.

Por último, ressalte-se que mantemos nosso íntimo convencimento a respeito da não obrigatoriedade da presença do advogado no processo disciplinar – embora, na prática, seja forçoso aceitar o entendimento agora sumulado pelo STJ.

Ademais, mesmo em se tratando de um exagero, o é em benefício da defesa." [01].

Bem se vê que, contrariamente ao nosso prognóstico, o STF não só se pronunciou sobre a matéria, como o fez para adotar posição diametralmente oposta à esposada pelo STJ – só que, agora, com efeitos vinculantes e eficácia erga omnes.


2. PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA AMPLA DEFESA: FORMAS DE MANIFESTAÇÃO

Como já ressaltávamos no citado artigo, a ampla defesa tem fundo constitucional, prevista que está no art. 5º, LV, da Constituição. Em poucas palavras, pode-se dizer que impõe como condição de legitimidade de qualquer processo (judicial ou administrativo) que qualquer interessado (acusado ou não) tenha a oportunidade de se defender das situações processuais das quais lhe possam advir resultados desfavoráveis [02]. De pronto já se vê que o tema ganha relevância quando se trata de processo disciplinar, cujas penas podem chegar até mesmo à demissão (Lei nº 8.112/90, art. 127).

A doutrina costuma apontar que a ampla defesa se manifesta de duas formas: a autodefesa e a defesa técnica. Por meio da primeira, quem se defende é o próprio acusado, quando chamado a apresentar a própria versão dos fatos (geralmente no ato de interrogatório); já a segunda é exercida por um profissional legalmente habilitado (advogado constituído ou dativo), atenta sobretudo a aspectos técnico-jurídicos que por vezes passariam despercebidos a um leigo.

Costuma-se realizar a distinção apontada acima para afirmar que, enquanto a autodefesa é facultativa, a defesa técnica é, via de regra, obrigatória. Essa construção é apropriada no Direito Processual Penal, mas inadequada ao processo administrativo disciplinar, que envolve situações em geral menos graves e de elaboração jurídica bem menos intrincada que as presentes no processo judicial de natureza punitiva.

Justamente por isso, criticávamos a Súmula nº 343 do STJ – que exigia a presença de advogado no processo disciplinar – e, agora, só podemos aplaudir a Súmula Vinculante nº 05 do STF, que determinou ser a defesa técnica facultativa.


3. O PROCESSO DE ELABORAÇÃO DA SÚMULA VINCULANTE Nº 05

A edição de Súmulas com efeitos vinculativos ou vinculantes é competência exclusiva do STF, prevista no art. 103-A da CF (incluído pela EC 45, de 08 de dezembro de 2004, e publicada em 31 de dezembro do mesmo ano). Trata-se de um valioso mecanismo para tornar mais racional e produtiva a tarefa do Poder Judiciário brasileiro, evitando a perpetuação de discussões sobre matérias já pacificadas na Corte Suprema.

A súmula vinculante objeto de nosso estudo – a quinta editada pelo STF – "pacificou o entendimento do poder Judiciário em um tema que envolve mais de 25 mil processos em tramitação no poder Executivo Federal desde 2003, confirmando e ao mesmo tempo trazendo segurança jurídica às decisões já tomadas, ou em vias de serem proferidas", como se afirma no sítio do próprio STF [03].

A edição da súmula derivou do julgamento do RE 434.059/DF, em que a União e o INSS recorriam da decisão do STJ que anulara, sob o fundamento de que seria obrigatória a presença de advogado no processo disciplinar, a demissão imposta a uma servidora daquela autarquia.

A Procuradoria Geral da República se manifestou pelo provimento do recurso, em fundamentado parecer do Subprocurador-Geral da República Wagner de Castro Mathias Neto. O entendimento da PGR restou acatado pelo STF, que aproveitou o ensejo para pacificar a questão por meio da edição da quinta súmula vinculante.

A súmula merece aplausos, em nosso entender. No entanto, a aprovação do enunciado não deixou de causar uma certa perplexidade, ante a rapidez da manifestação do STF sobre tema que já houvera sido sumulado pelo STJ no fim do ano passado. Ademais, o processo de aprovação da súmula causou estranheza.

Trata-se, sem dúvida, de matéria constitucional, uma vez que, como dissemos, o princípio da ampla defesa encontra-se expressamente referido no texto da Lei Maior. Todavia, a Constituição prevê que o STF pode editar súmula vinculante "após reiteradas decisões sobre matéria constitucional" (art. 103-A, caput), o que pressupõe várias decisões no mesmo sentido. Não obstante, conhecemos apenas um julgado no qual a Corte Suprema tenha se pronunciado diretamente sobre o assunto [04], o que sugere que a aprovação do enunciado poderia ter esperado outras decisões, para assegurar a ampla discussão que o tema exige.

É certo, entretanto, que a "pressa" do STF em aprovar a súmula não é sem justificativa: após a edição pelo STJ da Súmula nº 343 (que exigia a presença de advogado), muitos servidores ou ex-servidores que não conheciam essa posição do Tribunal Superior correram para tentar anular as punições disciplinares eventualmente sofridas sem a assistência de advogado.

De acordo com informação da AGU, nada menos que 1.711 processos administrativos poderiam ser anulados se prevalecesse a posição do STJ. Nesse sentido, relevantíssimo foi o advento da Súmula Vinculante nº 05, que definiu a posição do STF e impediu a proliferação de decisões contraditórias.


3. O TEOR DA SÚMULA VINCULANTE Nº 05

O conteúdo da Súmula Vinculante nº 05 é bastante simples e claro: "A falta de defesa técnica por advogado no processo administrativo disciplinar não ofende a Constituição". De acordo com esse enunciado, é válido o processo administrativo disciplinar mesmo quando ausente a defesa técnica, isto é, a atividade defensiva desenvolvida por advogado ou defensor dativo legalmente habilitado. Dessa forma, não mais será imprescindível a assistência do servidor por um causídico, pois a ausência do defensor técnico não é mais considerada causa de nulidade.

Perceba-se que o enunciado afirma apenas que a falta de defesa técnica não ofende a Constituição. No entanto, é de se lembrar que a Lei nº 8.112/90 também não faz tal exigência (art. 156), fato abordado pelo STF no julgamento do RE 434.059/DF.

Por fim, é preciso ainda assentar duas questões básicas. Primeiramente, note-se que a ampla defesa ainda é necessária na processo disciplinar, tendo em vista o mandamento constitucional nesse sentido (art. 5º, LV). Apenas não se exige mais como condição de validade a defesa técnica, ou seja, a realizada por advogado.

No processo administrativo disciplinar, a fase de instrução termina com o interrogatório do acusado, ocasião em que lhe será facultado o exercício da autodefesa. Como já dissemos, tal modalidade de defesa é facultativa, pois depende de um juízo de oportunidade e conveniência levado a cabo pelo próprio acusado – o que se coaduna com os princípios constitucionais da presunção de inocência, do direito ao silêncio e da não obrigação de produzir provas contra si mesmo.

O interrogatório se desenvolve ainda na fase de instrução. Após isso, caso se proceda ao indiciamento (Lei nº 8.112/90, art. 161), deve ser aberto prazo para apresentação de defesa escrita – que pode ser exercida pelo próprio acusado. Porém, esse instrumento de defesa é de existência obrigatória. Se o acusado não apresentar a defesa escrita no prazo legal de dez dias (ou vinte dias se houver mais de um acusado: art. 161, §1º), deve-se nomear um defensor dativo, nos termos do art. 167 do mesmo diploma.

Perceba-se, então, que a ampla defesa deve obviamente continuar a existir no processo disciplinar, seja na sindicância ou no PAD (processo administrativo disciplinar propriamente dito) – ressalvada apenas a sindicância meramente investigatória, como reconhece a própria jurisprudência do STF (por todos, confira-se o MS 23.410/DF, Pleno, Relator Gilmar Mendes, DJ de 10.09.2004).

Em segundo lugar, deve ficar registrado também que a constituição de advogado para a defesa técnica deverá continuar a ser ofertada ao servidor acusado, logo após o momento da intimação para acompanhar o processo.

Com efeito, o que a Súmula determina é que o processo em que não houve acompanhamento por advogado é válido. Todavia, isso não significa (como uma leitura apressada pode sugerir) que não se deva oportunizar ao servidor a constituição de advogado. Não. É direito do servidor acusado (Lei nº 8.112/90, art. 156) e do interessado em qualquer processo administrativo (Lei nº 9.784/99, art. 3º, IV) ser assistido por advogado, se assim desejar. Apenas, a partir da publicação da Súmula Vinculante nº 05, se o servidor não desejar a assistência, o processo continuará a correr normalmente, não devendo ser anulado por causa da ausência de defesa técnica.

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4. CONCLUSÕES: OS EFEITOS DA SÚMULA

A Súmula Vinculante nº 05 veio a corroborar o entendimento que já esposávamos – o de que a ausência de defesa por advogado não é causa de nulidade do processo disciplinar.

Ressalte-se que o referido enunciado é de observância obrigatória (possui "efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal", nos termos do art. 103-A, caput, da CF) e possui efeitos erga omnes. Logo, tornará sem efeito, a partir da publicação, a Súmula nº 343 do STJ – que, já havíamos escrito, não ostentava eficácia vinculante, mas deveria ser seguida pela Administração.

Anote-se, por oportuno, que a Súmula só produzirá efeitos depois de publicada na Imprensa Oficial (art. 103-A, caput, da CF, e art. 2º, caput, da Lei nº 11.417/06), no prazo de dez dias após a aprovação (art. 2º, §4º, da Lei nº 11.417/06). Terá, a partir de então, efeitos imediatos, pois o STF optou por manter a incidência imediata prevista no art. 4º da Lei nº 11.417/05.

Em suma, podemos apontar que a situação acerca da presença de advogado no processo disciplinar passa a ser regulada da seguinte maneira:

a) deve ser facultada, logo após a intimação, a constituição de advogado pelo acusado, nos processos administrativos disciplinares dos quais possa resultar a aplicação de sanção (PAD e sindicância punitiva);

b) caso o acusado não constitua advogado, o processo continuará a correr normalmente, pois a falta de defesa técnica não é causa de nulidade;

c) no interrogatório, o acusado, querendo, exercerá a autodefesa, ao expor sua versão dos fatos;

d) após a instrução, deve ser ofertado prazo para que o acusado (ou o advogado, se houver) apresente a defesa escrita, peça que, por ser essencial, não pode deixar de existir, devendo ser designado defensor dativo ao acusado que não apresentar a petição defensiva no prazo legal (art. 167 da Lei nº 8.112/90).

Por fim, e em resumo, resta-nos dizer que o STF andou muito bem ao editar a Súmula Vinculante nº 05, que, por gozar de efeitos erga omnes e força obrigatória, pacificará a questão tanto no âmbito judicial quanto administrativo, promovendo segurança jurídica e acabando com as tormentosas idas e vindas da jurisprudência.


Notas

01 CAVALCANTE FILHO, João Trindade. Presença obrigatória de advogado no processo administrativo disciplinar: breves anotações à Súmula nº 343 do STJ. Jus Navigandi, Teresina, ano 11, n. 1541, 20 set. 2007. Disponível em:<http://jus.com.br/artigos/10433>. Acesso em: 13 maio 2008.

02 GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel; e CINTRA, Antônio Carlos de Araújo. Teoria Geral do Processo, p. 58. São Paulo: Malheiros, 2006.

03 Notícias STF, 08 de maio de 2008. Disponível em: http://www.stf.gov.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=88509. Acesso em: 13.05.2008.

04 Trata-se do RE-AgR 244027/SP, Primeira Turma, relatora Ministra ELLEN GRACIE, DJ de 28.06.2002, p. 123, colacionado pelo Subprocurador-Geral da República Wagner de Castro Mathias Neto, no parecer nº 5.730/06, exarado nos autos do referido RE 434.059/DF.

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Sobre o autor
João Trindade Cavalcante Filho

Professor de Direito Administrativo e Constitucional do OBCURSOS/Brasília. Técnico Administrativo da Procuradoria Geral da República, lotado no gabinete do Subprocurador-Geral da República Eitel Santiago (área criminal/STJ). Coordenador e Professor de Direito Constitucional e Administrativo do Curso Preparatório para Concursos e de Capacitação para Servidores, Estagiários e Terceirizados da Procuradoria Geral da República. Ex-professor de Direito Penal e Legislação Aplicada ao MPU do Curso Preparatório para Concursos da Escola Superior do Ministério Público da União. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Constitucional (IBDC).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CAVALCANTE FILHO, João Trindade. Presença facultativa de advogado no processo disciplinar.: As idas e vindas da jurisprudência e a Súmula Vinculante nº 5. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1780, 16 mai. 2008. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/11275. Acesso em: 18 abr. 2024.

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