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Reflexões sobre a reforma tributária

28/04/2008 às 00:00
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O Governo Federal já encaminhou ao Congresso Nacional seu projeto de reforma tributária, seguindo a tradição de todos os governos anteriores.

Collor, com a Comissão Ariosvaldo; Itamar, tendo recebido sugestões de diversas Comissões, inclusive da Comissão Miguel Reale; Fernando Henrique, com a PEC 175; e Lula com a PEC 41, em seu primeiro mandato, apresentaram projetos ao Congresso, sem empenharem-se, todavia, na alteração do sistema. Todas as tentativas trouxeram frustração e as poucas modificações realizadas pioraram a lei suprema.

Estou convencido de que o Governo Federal nunca teve interesse numa reforma profunda, pois tendo assegurado, com o texto atual, em torno de 60% do bolo tributário, teme que possa vir a perder receita, se Estados e Municípios unirem-se para elevar a partilha fiscal. É de se lembrar que, na Constituição de 88, a União, que repassava apenas 33% da receita do IPI e Imposto de Renda, para Estados e Municípios, passou a repassar 47%, o que a obrigou a criar a COFINS e aumentar sua alíquota de 0,5% (antigo FINSOCIAL) para 7,6% e do PIS de 0,65% para 1,65%.

Assegura, contudo, o Governo que, agora, é pra valer.

As cinco grandes novidades são:

1) compactar COFINS, PIS, CIDES, Salário educação, num grande IVA;

2) compactar I.Renda e CS Lucro num só tributo;

3) reduzir a contribuição previdenciária sobre a mão-de-obra;

4) reformular o ICMS para evitar a guerra fiscal;

5) ressuscitar Imposto sobre Grandes Fortunas, decadente em todo o mundo, repartindo-o entre Estados e Municípios.

A simplificação, com redução da carga tributária, é meta de impossível avaliação, sem a quantificação das alíquotas, a serem ainda definidas, e sem os projetos de leis complementares e ordinárias, a serem elaborados.

De início, qualquer reforma constitucional em profundidade gerará, necessariamente, reformulações conceituais, cujo conteúdo poderá ser questionado perante os Tribunais. Na mudança do IVC para o ICMS, o STF levou 20 anos para definir, conceitualmente, o que seriam "operação", "circulação" e "mercadoria".

Teremos o IVA, que é um imposto, o qual, fora as vinculações constitucionais, é tributo desvinculado, incorporando contribuições, que são tributos vinculados a determinada finalidade. Certamente, a definição do perfil constitucional levará tempo para ser conformado pelo Judiciário. Por outro lado, a manutenção do artigo 149 da C.F. não impedirá que o Governo crie, no futuro, por legislação ordinária, outras COFINS.

A meu ver, a compactação de COFINS e CIDES poderia ser realizada por lei ordinária, sem necessidade de modificação constitucional, o mesmo ocorrendo com a do I.RENDA e Contribuição Social sobre o lucro, já com regime jurídico idêntico. Apesar de PIS e Salário Educação estarem previstos constitucionalmente como tributos distintos poderiam ter o mesmo regime jurídico ordinário, sem necessidade de mudança da lei suprema.

É de se louvar a redução da contribuição previdenciária sobre a folha de salários, se não implicar aumento de outras imposições.

No ICMS, haverá Estados ganhadores e Estados perdedores, ou seja, os que enviam mais mercadorias para outras unidades da federação do que recebem. O programa do Governo, de que um Fundo de Estabilização – sem perfil definido –, compensará tais unidades é compromisso em que poucos acreditam, pois a tradição das autoridades federais, em matéria tributária, é não cumprir suas promessas, que comprometem apenas as pessoas que as recebem.

Admitindo, todavia, que os Estados ganhadores não vão abrir mão das receitas acrescidas – são a maioria do Congresso, o que é necessário para aprovar a emenda à lei suprema –, os Estados perdedores precisarão recuperar as suas. Se tais recursos não vierem de aumentos internos, terão que vir, em valores consideráveis, da União, a qual deverá também partilhar com os Estados o IVA, imposto que resultará da integração da COFINS e do PIS, que hoje não são partilhados.

O mais grave, todavia, é que toda a regulamentação do ICMS - à luz de uma lei complementar, possivelmente, mais abrangente que a LC 87 - será elaborada pelo CONFAZ.

Em outras palavras, os Estados "Importadores líquidos", que são a maioria, imporão aos "Estados exportadores líquidos", a minoria, um regulamento que terá que ser seguido pelos segundos. Inclusive a definição das alíquotas será de competência do CONFAZ, cabendo ao Senado aceitá-las ou rejeitá-las, mas não modificá-las.

Para um órgão que, por seu notório fracasso, gerou a guerra fiscal, parece-me que é dar-lhe força excessiva, violando, tal delegação de competência legislativa, o princípio da legalidade (cláusula pétrea). O próprio regime de destino já não é tão de destino, pois, parte do tributo, correspondente a uma alíquota de 2,3% ou 4%, será cobrado na origem.

Quanto ao obsoleto imposto sobre grandes fortunas, se for introduzido, não mais sairá do sistema, pois será partilhado entre 5.500 entidades federativas.

Será – como ocorreu nos países que o adotaram e abandonaram –, um fantástico desestímulo à poupança e investimentos, podendo gerar fuga de capitais. E nem se fale que será um meio de distribuição de riquezas, pois, no Brasil, o custo da carga tributária beneficia mais os detentores do poder do que o povo, lembrando-se que o "Bolsa família", que atende a 11 milhões de brasileiros, é suportado por menos de 1,5% do orçamento federal!

Qualquer avaliação, todavia, do projeto, só será possível com a apresentação dos textos de leis ordinárias e complementares a ser elaborados e do funcionamento dos Fundos Compensatórios para recompor as perdas dos Estados lesados pela alteração do regime do ICMS.

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Sobre o autor
Ives Gandra da Silva Martins

advogado em São Paulo (SP), professor emérito de Direito Econômico da Universidade Mackenzie, presidente do Centro de Extensão Universitária, presidente da Academia Internacional de Direito e Economia, presidente do Conselho de Estudos Jurídicos da Federação do Comércio do Estado de São Paulo

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MARTINS, Ives Gandra Silva. Reflexões sobre a reforma tributária. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1762, 28 abr. 2008. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/11203. Acesso em: 28 mar. 2024.

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