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Direito comparado.

Cortes tributárias e execução fiscal no direito norte-americano

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Nos EUA, a fazenda pública está autorizada a penhorar administrativamente bens do devedor. Execução fiscal por via judiciária é procedimento raro, dada a eficiência da execução administrativa.

Nos Estados Unidos da América do Norte matéria tributária federal pode ser discutida em três jurisdições [01]: Tax Court, District Courts e Court of Claims. Tradução de dicionário de equivalência indicaria algo como Corte Fiscal, Cortes Distritais e Corte de Reclamações. Mantenho no original, fiel a ordem epistemológica que sugere uma hermenêutica diatópica: o trato com as expressões originais que se encontram nas fontes promove abordagem mais realista e prospectiva.

A Tax Court é a jurisdição mais utilizada. Trata-se de tribunal previsto no artigo 1º. da constituição daquele país, isto é, fora criado pelo poder legislativo [02], quando da implantação do modelo republicano e democrático após a declaração de 1776. As District Courts são varas judiciais federais de artigo 3º. da constituição. Enquadram-se na estrutura do poder judiciário como justiça federal de primeira instância. A Court of Claims é tribunal de artigo 1º., também originariamente ligado ao poder legislativo e a exemplo da Tax Court tem sede em Washington e juízes itinerantes, que viajam pelo país, julgando matéria tributária federal, especialmente afeta a temas de imposto de renda.

Apelos de decisões da Tax Court sobem de acordo com o domicílio do insurgente para cada uma das treze Courts of Appeals [03], tribunais de apelação, que encabeçam circuitos (Circuits), cortes de segunda instância da justiça federal, que também apreciam recursos originários das noventa e cinco District Courts que há pelo país. Recursos da Court of Claims sobem para a décima terceira das Court of Appeals, com sede em Washington, chamada de Federal Circuit Court of Appeals. Sobre todos esses sodalícios paira a Suprema Corte [04].

O modelo judiciário federal é muito menor e mais simplificado do que os estaduais [05], levando a justiça ao interessado, na medida em que há farta messe de pulverização geográfica, além de cortes itinerantes. Exerce também o judicial review [06], o controle de constitucionalidade das várias instâncias administrativas que há pelo país [07], dada a proliferação de centros de decisão burocrática [08]. A interiorização da justiça federal faz-se pelas District Courts, de composição variada quanto à quantidade de juízes [09], com números que transitam de um magistrado (distrito leste de Oklahoma) a vinte e sete juízes (distrito central da Califórnia) [10].

O paradigma de aplicação de jurisdição federal [11] centra-se no caso Eire Railroad Co. vs. Tompkins [12], julgado em 1938, quando reconheceram-se limites entre lei estadual e federal [13], ato político ousado, levando-se em conta que foram os estados que criaram o poder central e não o contrário. Dada a variedade de jurisdições, vislumbra-se leque amplo de opções para o contribuinte que litiga contra o Estado, qualificando animado forum shopping, uma característica da prática judiciária norte-americana.

A Tax Court é a mais usada casa judicial para discussão de matéria tributária federal, é o forum escolhido pela maioria dos interessados, embora as estatísticas demonstrem que contribuintes perdem com mais frequência na tax court do que em qualquer outro tribunal [14]. Trata-se de corte altamente especializada, dona de reconhecido tirocínio em temas fazendários. Sua importância funda-se na desnecessidade de depósito ou pagamento prévio dos valores questionados para que se oportunize a discussão. Segundo autores norte-americanos,

Uma das mais significantes diferenças entre as cortes tributárias disponíveis é a necessidade do prévio pagamento dos tributos discutidos. Pagamento de tributo não é requisito para ajuizamento de ação na tax court. De fato, a tax court pode até perder jurisdição se o contribuinte recolher valores cobrados antes de regular intimação pela autoridade fazendária [15].

Não vinga na Tax Court a odiosa cláusula solve et repete. Por essa razão, ela é chamado as vezes de a corte do homem pobre [16]. Com efeito, a mais importante característica da tax court é que trata-se do único tribunal que não exige que o contribuinte pague primeiro o valor disputado de modo a poder ajuizar a ação [17]. Na Tax Court não há o tribunal do júri, figura clássica no direito norte-americano [18].

A Tax Court fora criada pelo Congresso em 1924 com o nome de Board of Tax Appeals. Tinha status de órgão administrativo, agência ligada ao poder executivo, embora desempenhando funções tipicamente judiciárias, de composição de conflitos. Em 1942 teve o nome alterado para Tax Court of the United States. Passou por uma última reforma em 1969 e desde então mantém a denominação de United States Tax Court [19]. Como já anotado, trata-se de corte de artigo 1º. da constituição, dada sua criação pelo Congresso, uma vez que não foi contemplada com previsão constitucional originária.

A Tax Court plasma sua existência em regulamento, que confere-lhe a natureza [20]. É composta por dezenove juízes [21], indicados pelo Presidente da República, com oitiva do Senado [22]. O salário dos juízes é idêntico aos estipêndios recebidos pelos magistrados das District Courts [23]. Recebem diárias que cobrem despesas de viagem, a serviço do tribunal [24]. É que a sede da corte localiza-se em Washington e os juízes viajam pelo país para audiências (hearings) [25].

O contribuinte indica onde quer ser ouvido [26]. Não há vitalicidade (tenure) para os magistrados; o prazo de exercício previsto para o cargo é de quinze anos, improrrogáveis, contados da posse [27]. Os juízes da Tax Court devem se aposentar aos setenta anos [28] e não usufruem de benefícios de irredutibilidade de vencimentos, o que caracteriza magistrados de cortes de artigo 3º., ou cortes constitucionais [29]. O Presidente da República tem poder de exonerar juízes da Tax Court, após regular intimação e direito a oitiva pública (public hearing), por motivos de ineficiência (inefficiency), negligência (neglect of duty), ou por abuso de autoridade (malfeasance in office) [30]. Proibe-se o revolving doors, isto é, aquele que transita do serviço público para o privado, vedando-se a prática da advocacia tributária na Tax Court por juiz por ela exonerado [31]. Cobra-se U$ 60,00 (sessenta dólares) a título de custas para cada ação lá protocolada [32].

O contribuinte pode representar-se a si próprio ou pode fazer-se defender por advogado ou contador. O fisco é representado pelos procuradores do advogado-chefe da agência do imposto de renda [33]. A Tax Court confecciona e prolata três tipos de decisões: divisions opinions, que valem como precedente e são oficialmente publicadas, memorandum opinions, que não têm valor como precedente e que são privadamente veiculadas e as summary opinions, em pequenas causas [34]; é o presidente da corte quem determina a natureza da opinião, cuja publicidade decorre da opção [35]. Esse tribunal tem regras próprias, as tax court rules, que definem aspectos gerais como jurisdição [36] ou temas mais minudentes como assinaturas em requerimentos [37]. Como regra de hermenêutica (construction) prevê-se que normas regimentais deverão ser interpretadas para garantir justiça, velocidade e economia em cada caso [38]. Prevê-se objetivamente que as partes devem tentar acordo antes de audiência [39].

A competência da Tax Court é fixada por regulamento [40] e em matéria de imposto de renda exige prévia notificação de lançamento (notice of deficiency) por parte das autoridades fazendárias [41]. A Tax Court não pode manifestar-se sobre toda e qualquer matéria fiscal federal. A escolha de seu juízo, todavia, promove prevenção absoluta [42], cumpridos os requisitos para fixação do fôro. O contribuinte deve em primeiro lugar aguardar o encaminhamento por parte dos agentes fazendários da notificação do lançamento [43]. Contados noventa dias [44]da postagem da notificação [45] pode-se protocolar pedido para que a Tax Ccourt determine novos valores devidos (ou não) por esse contribuinte imaginário [46]. A inércia do interessado, quanto ao requerimento para que a Tax Court aprecie seu pedido, ou pronto pagamento (se ele reconhece o devido e pretende liquidar a obrigação) autorizam o fisco ao início de procedimento de imediata cobrança administrativa [47]. No segundo caso pelo fato de que os valores já foram recolhidos. Porque o acesso do contribuinte à Tax Court depende da notificação de lançamento, tem-se que a aludida notícia fiscal é uma espécie de ticket para a corte [48]. Não há portanto livre acesso à jurisdição dessa instância fiscal.

Ainda, o ônus da prova (burden of proof) é efetivamente do contribuinte e assim,

Lançamentos feitos pelas autoridades fazendárias são presumidos como corretos e é ônus do contribuinte provar de outra forma. Uma distinção existe entre efeitos de presunção de correção que envolvem as determinações das autoridades fazendárias e ônus da prova. O ônus da prova é em realidade um ônus de persuasão que exige de quem alega provas preponderantes ou outros parâmetros aceitos pelo regulamento. A presunção de correção exige que o contribuinte apresente provas que confirmem o erro das autoridades fazendárias [49].

A data de postagem da notificação de lançamento determina três consequências para o andamento da altercação entre fisco e contribuinte, a saber: suspende o prazo prescrional (statute of limitations) para início de execução administrativa por parte do fisco (assessment of deficiency) [50], dá início ao prazo de noventa dias que o interessado tem para protocolar pedido de revisão de valores junto a Tax Court [51] e inibe o fisco de tomar qualquer atitude em face do contribuinte por noventa dias [52]. Dada a importância da já citada data de postagem pelos motivos acima identificados, segue observação de autora norte-americana,

Porque o regulamento concentra-se na data de postagem da notificação de lançamento, ao invés da data na qual o contribuinte recebera o documento, é importante reter-se o envelope no qual encaminhou-se a notificação [53].

Das decisões da Tax Court cabe apelo para uma das treze Court of Appeals, dependendo do domicílio do interessado. Refletindo federalismo que informa o modelo jurídico dos Estados Unidos [54], muito mais do que tensões entre sistemas estaduais e federais [55], caracterizando densificação de atividade regulatória federal [56], percebe-se que diferentes precedentes identificavam distintas soluções para problemas idênticos [57]. A questão é muito mais de fundo do que de forma, e enceta antigo projeto de crítica ao modelo procedimental estados-unidense [58], conjunto normativo que contempla soluções ambíguas, porém de fonte única para discussões de direito público e de direito privado [59]. Por isso,

Na escolha do fôro para discutir matéria tributária o precedente aplicável é consideração determinante, se a questão já foi apreciada pelo tribunal escolhido. Todas as cortes, evidentemente, seguem a decisão referencial da Suprema Corte. Entretanto, apenas pequena parcela de matéria tributária é julgada pela Suprema Corte em cada exercício, mesmo onde cortes de instância inferior decidiram conflitantemente em certos casos bem particulares [60].

Assim, uma Court of Appeals de Boston pode ter precedente distinto (em matéria tributária federal, bem entendido) do precedente seguido, por exemplo, por uma Court of Appeals de Nova Iorque ou Nova Orleans. Isso suscita falta de unidade e de coerência no modelo [61], mas exige solução (e o direito é técnica de decisão, no-lo diz Tércio Sampaio Ferraz Júnior). A questão é colocada nos seguintes termos, por já citada autora norte-americana:

Porque a jurisdição da" tax court" é nacional e porque é inevitável que várias"courts of appeals" decidam algumas questões diferentemente, o problema consiste em se saber como a "tax court" deve julgar uma matéria em relação a qual a opinião da "court of appeals" que vai apreciar o feito é distinta da opinião que impera na "tax court". Deve a "tax court" seguir o seu próprio precedente, ou o precedente da maioria das " courts of appeals" ou o precedente da " court of appeal" que vai decidir a matéria em grau de recurso ? [62]

A solução emergiu com o caso Golsen vs. Commissioner [63], julgado em 1970, quando decidiu-se que o veredito da Tax Court deve seguir o precedente da Court of Appeals que tem competência recursal territorial para pronunciar-se em segundo grau. Embora reconhecendo que a alternativa possa prejudicar uniforme aplicação de legislação tributária no país, a Tax Court justifica a posição com base no objetivo político de providenciar eficiência na administração de conflitos fiscais entre o contribuinte e o Estado [64]. A decisão projeta certeza na aplicação da norma, permitindo planejamento por parte do interessado, que negocia jurisdição, embora ligado por critério territoriais ao juízo de grau superior.

Trata-se a opção da Golsen Rule, de amplo uso no jargão procedimental fiscal entre advogados e juízes norte-americanos. Segue narrativa de como surgiu a referida regra. Em 1962 o fisco federal norte-americano lançou cerca de dois mil dólares em desfavor de Jack E. Golsen, como resultado de glosa de dedução de pagamentos de seguros que ele fizera para Western Security Life Insurance Co. Requerendo revisão por parte da Tax Court, verificou-se que decisões distintas, contrárias, e opostas por parte de diversas Courts of Appeals. Optou-se por seguir-se a orientação da Court of Appeals que inevitavelmente apreciaria o feito,

Não obstante bom número de considerações que antecedem nossa decisão, é de nosso melhor entendimento que boa administração da justiça exige que sigamos a decisão da "court of appeals " para onde seguirá o feito. O artigo 7482 (a) do regulamento imputa às "court of appeals" responsabilidade primária para rever nossas decisões e pensamos que essas cortes já meditaram suficientemente sobre a matéria em discussão. Eficiente e harmônica administração judicial exige que sigamos a decisão desses tribunais [65].

Essa perspectiva suscita críticas, porque não promove igualdade de tratamento entre contribuintes, se esse o valor referencial eleito. Observe-se por oportuno que a prática tributária e constitucional norte-americana não registra discussões que suscitam diretamente temas de igualdade de tratamento tributário, pelo que é aceitação geral do procedimento, como inerente ao sistema. Assim,

O efeito da "Golsen Rule" pode ser ilustrado com o seguinte exemplo. Imaginemos uma questão a propósito da dedutibilidade de valores pagos a título de juros. O primeiro, segundo, terceiro e décimo circuitos de " courts of appeals" sustentaram que tais pagamentos não são deduzíveis. O quarto e o sétimo circuitos sustentam que tais pagamentos são deduzíveis. Se um apelo tem como destino o primeiro, segundo, terceiro ou décimo circuitos a "tax court" tem que dizer que os pagamentos não são deduzíveis. Se o recurso seguisse para o quarto ou décimo circuitos, a "tax court" deve dizer que tais pagamentos são deduzíveis. Se o recurso subisse para qualquer outro circuito de "court of appeals" que ainda não apreciou a matéria, a "tax court" então poderia ter decisão própria porque não estaria obrigada a seguir nenhum precedente [66].

A Tax Court também aprecia pequenas causas (small tax cases) cuidando de valores inferiores a U$ 50,000 (cinquenta mil dólares) [67]. O julgamento é sumário, conduzido da maneira mais informal possível [68], e a decisão é inapelável, a par de não fazer precedente para casos futuros [69]. Árbitros são apontados pelo presidente da corte, e têm competência para julgar pequenas causas [70]. Tratam-se dos chamados small trial judges [71]. As custas são de U$ 60,00 ( sessenta dólares ) por ação protocolada [72], a exemplo dos valores cobrados em ações comuns. A admissão do juízo de pequenas causas não é automática, dependendo de autorização da corte [73]. Em geral, existe concordância e admissão, a menos que o tema a ser decidido suscite um precedente que oriente posterior conduta da Tax Court [74]. O contribuinte representa a si próprio e a fixação do montante devido é imediata [75].

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A segunda opção colocada a disposição do interessado para discussão de matéria tributária federal dá-se com as noventa e cinco District Courts espalhadas pelo país. A ação pode ser distribuída por qualquer interessado, não obstante cidadania ou residência [76] Como requisito exigi-se que se promova pedido de restituição, de repetição do indevidamente pago (refund suit) [77], pelo que é condição de admissibilidade o prévio pagamento dos valores que ensejam a discussão. As District Courts consagram a cláusula solve et repete, nominada de full payment rule no direito norte-americano. Deve o interessado esgotar as instâncias administrativas, protocolando pedido de devolução junto à administração e aguardando negativa ou silêncio por seis meses, o que significa tácito advérbio de negação [78].

Nas District Courts pode haver julgamento pelo tribunal do júri [79]; tratam-se de cortes constitucionais, criadas nos termos do artigo 3º. da constituição norte-americana. O fisco é defendido pelos advogados da divisão fiscal do departamento de justiça. As Court of Appeals exercem o juízo de segundo grau, a exemplo do que ocorre com a Tax Court. As District Courts formam a jurisdição federal de primeira instância e julgam também questões cíveis e penais [80]. Alguns estados possuem apenas uma District Court, outros possuem até quatro, e o número de juízes também é variável [81]. Os juízes são indicados pelo Presidente da República com oitiva e aprovação do Senado. Isso qualifica a atividade com grande peso político, a exemplo da administração de Bill Clinton que nomeou mulheres (Vanessa Gilmore em Houston) e representantes de minorias para o exercício da judicatura federal [82] (to seat on a federal bench).

Uma última possibilidade que o contribuinte tem para discutir tributação federal encontra-se na Court of Federal Claims. Trata-se de tribunal de artigo 1º da constituição norte-americana, isto é, criado pelo poder legislativo, e por isso a exemplo da Tax Court e por isso também chamado de tribunal de origem legislativa, legislative court. Tem regulamento próprio, chamado de RCFC- Rules of United States Courts of Federal Claims. O modelo hermenêutico busca justiça, velocidade e baixos custos [83]. Admite-se um único remédio, a civil action [84]. Proibe-se o uso do júri [85].

O fisco é defendido pelos procuradores da seção fiscal do departamento de justiça. Também a exemplo a Tax Court, a Court of Federal Claims tem sede em Washington, mas é itinerante, pelo que seus juízes viajam pelo país, de modo a apreciar os casos a que estão afetos. Tratam-se de dezesseis juízes, indicados pelo Presidente da República e aprovados pelo Senado, com prazo de quinze anos para exercício do cargo, renovados por mais quinze anos [86]. É consenso de que posições dessa corte são tendencialmente menos fazendárias do que as opiniões da Tax Court [87]. Apelos são dirigidos a uma das Circuit Court of Appeals, exatamente a Federal Circuit Court of Appeals, com sede também em Washington.

A possibilidade de escolha pelo contribuinte do juízo para apreciação de questão tributária promove problemas inusitados [88]. Com efeito, porque a Tax Court não exige prévio pagamento, parece ser o espaço jurídico mais adequado, mais conveniente, mais dúctil, mais factível. No entanto, essa suposta economia é enganosa, na medida em que posição da District Court ou da Court of Claims pode ser mais favorável ao interessado.

É o que ocorreu com o caso Estate of Carter vs. Commissioner [89] , julgado em 1971. Uma viúva, senhora Carter, apelou de uma decisão da Tax Court que entendeu que valores que ela recebera dos empregadores do falecido marido eram receita dela e como tal deveriam ser tributadas. Para a corte fiscal, não se configuravam doações, em relação as quais não haveria taxação como renda. A Appelate Court descobriu que se a viúva pudesse ter recolhido previamente os valores e reclamado devolução na District Court, ela era seria vitoriosa. E com o objetivo de desfazer-se a injustiça, reformou-se a decisão recorrida. O caso é paradigmático, mas não é comum.

O advogado tributarista nos Estados Unidos deve fazer algumas considerações estratégicas antes de optar pelo melhor fôro para discutir tributação federal. A par, naturalmente, do recolhimento de valores, a seccionar opção inicial, deve-se levar em conta outros fatores. Como a Suprema Corte entende a questão ? Já houve oportunidade para que aquele tribunal superior tenha se manifestado sobre a questão em discussão ?

A Suprema Corte conta com nove juízes, indicados pelo Presidente da República e ouvidos pelo Senado [90]. Nem toda matéria tributária alcança aquele tribunal, que ainda tem discrição para escolher as matérias que vai julgar. A questão chega até a Suprema Corte por meio de um writ of certiorari. Trata-se de remédio outorgado pela corte mediante provocação, para que tribunal inferior envie a matéria para a corte superior. O procedimento é discricionário, deve o assunto vincular-se a questão federal e pelo menos quatro dos nove juízes da Suprema Corte devem dispor-se a julgar a discussão [91].

E se a Suprema Corte ainda não manifestou-se sobre a matéria sob litígio [92], outras perguntas devem ser objeto da curiosidade do advogado tributarista. A Court of Appeals da jurisdição do contribuinte insurreto já julgou a questão em disputa ? Se a resposta é positiva, por causa da já citada Golsen Rule, a Tax Court deve seguir o julgamento da Court of Appeals que vai apreciar o feito em grau de recurso. Se negativa a resposta, a Tax Court terá mais discricionariedade. A Court of Federal Claims não é vinculada a decisão da Court of Appeals do domicílio do contribuinte insurgente. Portanto, se a Court of Appeals é desfavorável ao interessado e ainda não existe posição da corte suprema, a Court of Federal Claims pode representar o caminho mais adequado. Por fim, se algum tribunal já manifestou-se a favor do interesse do contribuinte, essa corte deve ser escolhida como a mais adequada.

Em resumo, nos Estados Unidos da América do Norte, o contribuinte pode discutir matéria tributária federal em três jurisdições: Tax Court, Districts Courts e Court of Federal Claims. Na Tax Court ele não precisa recolher valores para discuti-los, não pode valer-se do tribunal do júri, pode apelar para a Court of Appeals de sua residência, segue o precedente da mesma casa, milita em corte legislativa de artigo 1º. e ajuiza ação em face do comissário da agência do imposto de renda. Nas várias District Courts o contribuinte deve pagar o valor exigido pelo fisco como condição de ajuizamento de ação, pode ser julgado pelo tribunal do júri, pode apelar para as Court of Appeals de sua residência, milita em corte constitucional de artigo 3º. e ajuiza ação contra o governo dos Estados Unidos. Na Court of Claims ele deve pagar o exigido pelo fisco para protocolar seu pedido, não pode valer-se do júri, pode apelar para a Court of Appeals do circuito federal em Washington, cujos precedentes deve seguir, milita em corte de artigo 1º. e ajuiza ação contra o governo dos Estados Unidos [93].São essas as características que informam a jurisdição norte-americana, em tema de tributação federal. Passo agora à execução fiscal.

A administração federal norte-americana pode valer-se de dois modelos para cobrar débitos tributários de contribuintes inadimplentes. O faz administrativamente (administrative collection procedure) ou judicialmente (foreclosure action). A cobrança administrativa é célere, ágil, eficiente, de muito impacto, embora plasmada por grande margem de discricionariedade por parte dos agentes do fisco.

Vislumbram e detectam cobranças que não apresentarão resultado, a dívida podre, deixando-a de lado. Concentram-se em devedores de recuperação creditícia mais factível. Agentes fazendários infernizam a vida do devedor relapso. Fazem penhora administrativa, arresto de contas bancárias, de salários, de toda sorte de bens, onde quer estejam. Arruina-se a vida comercial do executado. Legislação penal de tolerância mínima para com crimes fiscais e economia suculenta garantem o fisco na perseguição de valores não recolhidos a bom tempo. É tema que democratas e republicanos concordam. Ambiente ideológico neoliberal, de ranço calvinista, não admite evasão e sonegação fiscais. O controle e a fiscalização dos gastos públicos, o comprometimento social e a objetividade da vida cotidiana não dão espaços para os floreios de retórica, para a marmelada dos formalismos; a vida burocrática é o que é, real, funcional [94]. Mais uma vez, o direito é experiência [95].

A execução fiscal por via administrativa é o meio mais comum, mais usado, garantindo a excussão de bens do devedor e a realização do crédito público sem a intervenção do judiciário [96], sem maiores formalidades e delongas. Com efeito, a relutância por parte do governo norte-americano em usar o processo judicial como mecanismo de execução fiscal reflete os custos e o tempo gasto em discussões judiciárias [97]. A opção pela execução administrativa indica grande volume de poder que o fisco concentra, prerrogativa dos agentes da collection division, do setor de cobrança administrativa. Trata-se de procedimento que privilegia o fisco em todas as instâncias, temido pelas consequências e pelo tormento que representa na vida do contribuinte. É evitado a todo custo, em face de seus desdobramentos patrimoniais, além de posteriores efeitos em âmbito penal. Dá-se em ambiente de administração, distante do judiciário, e intimida o devedor pela violência de seus passos e velocidade em seus aspectos cliométricos; é sumário. Segundo autores norte-americanos,

Agentes do imposto de renda do setor de cobrança administrativa possuem talvez o maior volume de autoridade entre todos os empregados do governo. Possuem poder para cobrar e gerenciar débitos, diminuindo-os até. Têm autoridade para arrestar e vender propriedade, tipificar e penalizar pelo não cumprimento da legislação tributária (...) A par disso tudo, possuem amplo espectro de mecanismos investigatórios [98].

A execução fiscal judiciária (foreclosure action) nas poucas vezes em que é utilizada presta-se a administrar conflitos de interesse entre credores. Tratam-se de terceiros que também têm direitos ou expectativas em relação aos bens de devedores, pelo que a administração fiscal busca o judiciário para preventivamente sanar dúvidas e senões, que possam posteriormente invalidar esforços implementados na fase administrativa [99]. É que o lançamento fiscal é ato perfeito, acabado, detentor de todas possíveis presunções, no que toca a plausibilidade da cobrança. Não se ousa discutí-lo em juízo. A opção pela execução administrativa chama atenção pelo fato de que, para efeitos de cobrança de créditos públicos, despreza-se o judiciário em sociedade altamente litigante, na qual pendengas jurídicas informam o núcleo da existência em sociedade, em níveis patológicos e obsessivos [100].

O procedimento tem início com a inscrição do débito (assessment of tax). Trata-se de anotação da responsabilidade de determinado pagamento pelo contribuinte em lista oficial [101]. Não se denomina o débito de dívida ativa. Todavia, a viabilidade de imediata cobrança qualifica o crédito do Estado como perfeito e em ordem para execução. Mediante pedido, o contribuinte tem direito a cópia do documento que o configura como devedor do fisco [102]. Inscrições suplementares podem ser feitas pelo fazenda pública, verificada a incompletude dos valores originários [103]. O agente público preenche documento (form 23-C, assessment certificate) que identifica o nome do contribuinte, a dívida, seu valor, período de apuração, natureza do tributo [104]. A partir do ato de inscrição em lista de devedor (assessment) o fisco tem sessenta dias para notificar o contribuinte para pronto pagamento, assim como tem dez anos para executar a dívida, administrativa ou judicialmente [105].

A notificação segue para o último endereço conhecido do devedor [106] (last known address) [107]. Como é obrigação acessória a notificação do fisco em relação a endereços e respectivas alterações, não se discute o paradeiro do contribuinte ou do documento de notificação [108]. Ao receber a aludida notificação o contribuinte tem dez dias para recolher os valores cobrados [109]. Fica também informado de que há penhora iminente em contas bancárias, salários, ou quaisquer bens que possua.

Agentes do imposto de renda, no entanto, devem seguir modelo justo e equilibrado (fair tax collection practices). Estão proibidos de comunicar-se com o contribuinte em seu local de trabalho, de abordá-lo com descortezia, com linguagem obscena [110]. Descumprimento dessa regra por parte do fisco, autoriza ao contribuinte ajuizar ação contra o Estado, para reclamar indenização [111].

Se considerado de baixo risco (law risk) pode o contribuinte ser procurado pelos agentes do fisco, que propõem parcelamento ou composição da dívida [112]. Verifica-se estatisticamente que o volume de execuções fiscais, administrativas ou judiciais, têm diminuído muito nos últimos anos. Ao que consta, durante os primeiros cinco meses do ano de 2000 o imposto de renda norte-americano realizou apenas vinte e oito procedimentos de arresto (seizure), contra cerca de dez mil procedimentos similares em 1977 [113].

Possibilidades de parcelamento (installment agreements) são muito amplas [114]. Como regra, a dívida deve ser inferior a dez mil dólares (não contados juros e penalidades [115]), o contribuinte não pode ser contumaz e reincidente [116], deve ter comprovado que tem dificuldades financeiras para adimplir a obrigação tributária imediatamente. Ele concorda em colaborar com a administração fazendária e compromete-se a recolher a dívida no prazo máximo de três anos [117]. Em nome do fisco o secretário do tesouro tem autoridade para conceder parcelamento, se convencido de que se trata do meio mais adequado para cobrança do requerente [118]. O deferimento de parcelamento não é regra, é mera alternativa que o fisco pode utilizar, a seu critério [119]. Ainda,

Ao orçar valores a serem pagos o agente do fisco é instruído a fazer julgamento objetivo do quanto pode a fazenda pública cobrar sem ameaçar o sustento da família do contribuinte, o pagamento de tributos vincendos, além de receita para pagamento de prestações futuras [120].

Exige-se pagamento imediato de parcela devida, seguido de prestações mensais de igual valor, que são calculadas discricionariamente pelo fisco federal daquele país. Suspendem-se prazos prescricionais e exige-se que o contribuinte preste contas com frequência, declinando sua situação financeira; sua vida passa a ser monitorada pelo fisco [121]. Inadimplência do contribuinte ainda suscita uma última chance de proposta de sua parte (offers in compromise) [122]. Ele simplesmente comprova o quanto pode pagar, como pagará e de onde vêm os recursos que utilizará. Deve preencher formulário (form 656), dando pormenorizada conta ao fisco de sua condição material. Respeita-se tão somente margem de valores para que o interessado possa sustentar a si e a sua família (basic living expenses) [123]. Valendo-se de ampla discricionariedade e convencido de que não há outro meio de cobrança o fisco federal defere o pedido e mantém o interessado sob cerrada vigilância.

Feita a notificação para pagamento [124] pelo fisco a obrigação pode ser adimplida pelo contribuinte, de várias formas, inseridas no conceito de meios comercialmente aceitos [125], a saber, cheques, ordem bancária, cartão de crédito. Aceita-se também, sob regime de discricionariedade, pagamento em moeda estrangeira [126]. Silêncio do contribuinte pode suscitar ação das autoridades do fisco, que saem a procura do devedor, a chamada field investigation. De tal modo,

Uma vez designado para atender um determinado caso, o agente do imposto de renda irá contactar o contribuinte para determinar o valor a ser pago, assim como novamente vai exigir pronto pagamento de todos os valores devidos. Se o contribuinte não comparece na repartição ou recusa em cooperar, o agente público pode intimá-lo para prestar informações sobre sua vida financeira [127].

Dada notificação válida, o procedimento de execução administrativa segue seu curso. O devedor tem vinte e um dias para pagar integralmente o débito. Ele tem apenas dez dias se o valor é superior a cem mil dólares [128]. Se há devedores conjuntos, coobrigados (o caso mais comum dá-se entre marido e mulher), a notificação de uma das partes supre a notificação do outro interessado, segundo construção doutrinária [129], porquanto a linguagem do regulamento fala em cada um dos devedores [130]. Todo o modelo procedimental baseia-se na regular notificação [131] ; falha do fisco nesse sentido pode justificar eventual preclusão no posterior procedimento de penhora [132].

Quatro passos seguem, considerando-se não adimplemento da obrigação: lien (pré-penhora), levy (penhora propriamente dita), seizure (arresto) e sale by auction (venda mediante leilão). Vislumbra-se velocidade, além da ausência de remédios em favor do contribuinte devedor, de modo que a presunção de que a obrigação deve ser adimplida a qualquer custo instrui a celeridade em favor do fisco.

A fazenda pública está autorizada a penhorar administrativamente bens do devedor. O procedimento tem início com uma fase de pré-penhora, chamada de lien, por meio da qual tornam-se inalienáveis os bens do contribuinte em débito para com o fisco federal. Segundo norma de regência:

Se pessoa responsável pelo recolhimento de tributos não o faz após notificação, terá penhorada sua propriedade e direitos de propriedade, reais e pessoais, no limite da quantia devida (incluindo-se juros, valores adicionais, acréscimos legais, penalidades, acrescidos de demais valores decorrentes da dívida) em favor do governo dos Estados Unidos da América [133].

O regulamento fala em penhora de propriedade e em direitos de propriedade. A dicotomia complica-se porque substancialmente a matéria pode ser regulamentada por lei estadual, a configurar, entre outros, direitos de propriedade, indiretamente, ao dispor sobre legados e heranças.

O caso Drye vs. United States [134], julgado pela Suprema Corte em 1999, problematiza a questão. Rohn F. Drye, Jr., devia U$ 325,000 (trezentos e vinte e cinco mil dólares) ao imposto de renda norte-americano, que já lhe enviara notificação para pagamento. A mãe do devedor deixara a ele U$ 233,000 (duzentos e trinta e três mil dólares) ao morrer; Drye era herdeiro único e imediato dos bens da falecida progenitora. Valendo-se de lei do estado de Arkansas, onde vivia e onde localizavam-se os bens, Drye transmitiu a sua filha os direitos que herdara da mãe. A operação era prevista em lei estadual e foi realizada em detrimento dos interesses do fisco federal. A filha de Drye, Theresa, sucedeu ao pai nos bens herdados e protegeu-os sob regime de trust, criando a Drye Family 1995 Trust.

Em 10 de maio de 1995 corte estadual declarou válida a operação e imitiu Theresa Drye na posse e na administração dos bens herdados. Enquanto isso o fisco federal penhorou os bens do trust, que em pronta resposta ajuizou ação em District Court [135]protestando contra o ato e requerendo anulação da penhora. O fisco contestou a ação, invocando que o artigo 6321 do regulamento autorizava a constrição, pelo que evidente que havia por parte do devedor propriedade ou direitos de propriedade em relação aos bens penhorados.

Em primeira instância o fisco saiu-se vitorioso, a decisão foi confirmada pela Court of Appeals e a Suprema Corte confirmou os julgamentos. Se os estados podem definir propriedade e direito de propriedade, regulamentando tais instâncias, a lei federal (no caso o regulamento do imposto de renda) autoriza a penhora de ambos. Na medida em que Drye pôde transferir os bens para a filha que os reduziu à forma do trust, tem-se que ele exerceu um direito de propriedade, que pode ser confiscado pela fazenda pública. Além disso, os direitos do fisco (federal tax lien) retroagem à data do lançamento [136]. Assim, os efeitos da penhora administrativa são dramáticos [137], embora sua existência não transfira imediatamente a propriedade do bem para o Estado, que precisará confirmar a penhora em procedimento chamado de levy [138].

Implementada a pré-penhora (lien), desfaz-se a mesma somente com a quitação da obrigação [139]. Sutil característica do direito norte-americano informa que apenas o fisco e o devedor têm conhecimento da constrição do bem [140]. Isso promove colisão entre o fisco e terceiros interessados, adquirentes de boa fé ou credores do contribuinte devedor. O regulamento prevê uma série de regras para proteção desses interessados nos bens do executado [141], limitando-se a salvaguarda dos créditos do Estado a algumas superprioridades (superpriorities).

Não se leva em frente o procedimento de penhora se o valor do débito é inferior a U$ 5,000 ( cinco mil dólares ) , se o devedor é falecido, se ele não possui bens [142]. Respeitam-se compradores de automóveis que desconheciam que o vendedor era devedor do fisco [143], adquirentes de bens do devedor no varejo (personal property purchased at retail) [144], penhoras feitas nos bens do devedor para satisfação de honorários de advogados [145], entre outros. Não se respeitam, todavia, aquisições do devedor posteriores à penhora [146].

O noticiado conflito de interesses em âmbito de penhora administrativa é evidenciado no caso United States vs. McDermott [147], julgado pela Suprema Corte em 1993. Em 9 de dezembro de 1986 o fisco federal norte-americano lançou tributos não pagos pelo casal McDermott, relativos aos exerícios de 1977 a 1981. Em seguida iniciou-se procedimento de penhora em relação aos bens do casal. Cartórios foram notificados em 9 de setembro de 1987. Antes disso, porém, em 6 de julho do mesmo ano, Zions First National Bank ganhou ação judicial contra o casal McDermott e penhorou os bens do mesmo. O casal requereu que a justiça indicasse quem teria prioridade nos bens. A District Court deu preferência ao banco e a Court of Appeals confirmou a decisão. O fisco levou a questão a Suprema Corte. Embora não decidindo com unanimidade a corte (em opinião redigida pelo juiz Scallia, conhecido conservador nomeado pelo republicano Ronald Reagan) reformou os julgamentos iniciais. Decidiu-se pela preferência do fisco, sob a premissa de que créditos fiscais justificam penhora sobre propriedade adquirida após aquisição por terceiros. Relativizou-se o modelo de preferência creditícia, ampliando-se os poderes do Estado por via jurisprudencial.

A liberação do bem penhorado dá-se com a satisfação da obrigação [148], com a aceitação pelo fisco de carta de fiança (bond accepted) [149], com o reconhecimento pelo fisco de que o bem penhorado é de valor superior ao débito [150], com parcial quitação do débito e desinteresse do fisco [151] na continuidade da cobrança [152]. Libera-se o bem também (discharge of property), mediante substituição do mesmo [153], cumpridas certas condições previstas no regulamento.

Cabe apelo administrativo da penhora, dada irregularidade, a ser alegada e provada pelo interessado [154]. Pode ser protocolado por qualquer pessoa, deve ser dirigido ao inspetor fazendário do distrito fiscal e a única matéria a ser deduzida é irregularidade na penhora. Acatando o apelo, o fisco tem quatorze dias para liberar o bem, certificando que a constrição dera-se por erro da autoridade fazendária [155]. Antes do implemento da penhora (levy) o interessado tem direito a ser ouvido (hearing) pela autoridade fazendária [156], quando pode invocar direitos do cônjuge e oferecer alternativos meios de pagamento [157], a serem aceitos na discricionariedade do fisco.

O implemento da penhora (levy) e o arresto (distraint) fazem-se também por discricionariedade do fisco, que está autorizado também a penhorar salários (wages) de funcionários públicos [158]devedores de impostos. A notificação faz-se com prazo de trinta dias antes da definitiva realização do ato de constrição [159]; dá-se uma última oportunidade para requerimento de parcelamento, realizadas condições já indicadas [160]. Antes de imitir-se na posse do bem do devedor (com o objetivo de leiloá-lo) o fisco deve notificá-lo, no prazo acima mencionado, indicando com clareza todos os desdobramentos e passos seguintes [161]. Bem entendido, lien indica uma intenção de penhora por parte do fisco, um procedimento de pré-penhora, a levy é a penhora propriamente dita, que finaliza-se com o arresto (distraint) e com a venda do bem (sale) [162]. O bem penhorado deve ser imediatamente disponibilizado ao fisco, por parte de quaisquer pessoas que estejam em sua guarda ou posse [163], que podem arguir apenas irregularidade no procedimento de penhora [164].

Não há sigilo bancário em favor do contribuinte devedor. O banco deve informar as quantias que o devedor tem em conta, congelar tais valores por vinte e um dias [165] e disponibilizados ao fisco logo em seguida. Em casos de conta-conjunta prejudica-se o correntista inocente (em relação a quem não há execução fiscal administrativa). É que o mesmo deve aguardar os mencionados vinte e um dias para protestar pela liberação dos valores da conta que se lhe são afetos [166]. Por oportuno mencione-se que o sigilo bancário não pode ser oposto ao governo norte-americano, especialmente se suspeitas há de lavagem de dinheiro (money laundering) ou de atividades terroristas.

Há bens que não podem ser penhorados (exempt from levy). Entre eles, peças de vestuário (wearing apparel), livros escolares, provisão de gasolina, móveis, armas para uso pessoal, gado, aves domésticas (esses seis últimos itens no limite de U$ 6,250), livros técnicos, instrumentos de trabalho (esses dois últimos itens no limite de U$ 3,125), salário de seguro-desemprego, correspondência não entregue pelo correio [167]ao destinatário, rendimentos de aposentadoria pagos pelo exército, marinha, força aérea, indenização por acidente de trabalho (workmen’s compensation), valores determinados por decisão judicial para sustento de menor (judgment for support of minor children), parcela de salários (em média equivalente ao valor permitido pela dedução mínima a que todo contribuinte do imposto de renda tem direito) [168].

O leilão (sale of seized property) [169] implementa-se após notificação do devedor, entre dez a quarenta dias da publicação de edital que dá publicidade ao ato [170]. A fixação do preço do bem a ser vendido faz-se por determinação do secretário do tesouro, com base no valor que melhor atenda ao interesse da agência do imposto de renda, credora dos valores a serem apurados [171]. A venda realiza-se com o melhor preço, acima do valor mínimo [172], obtido em leilão público (public auction) [173] ou em venda pública com lances fechados (public sale under sealed bids) [174]. Exige-se pagamento imediato, sob pena de realização célere de novo leilão [175]. É dada ampla notícia desse tipo de venda. Trata-se de bom negócio (bargain), extremamente atrativo, e muito eficiente para o fisco. O devedor pode remir o bem (redemption of property) mediante o pagamento do devido antes da venda ou até cento e oitenta dias após a realização do leilão, acrescentando-se ao valor média ponderada de juros de vinte por cento ao ano [176]. O dinheiro é destinado aos gastos com o procedimento e depois segue ao credor fazendário [177].

Em linhas gerais, o procedimento todo tem como marca a agilidade e a velocidade, assim:

Feita penhora válida, a agência do imposto de renda busca obter a posse do bem penhorado. Na maioria dos casos, buscam-se primeiro os saldos bancários do devedor, se os há, e em seguida os salários que o mesmo recebe de seu empregador. No caso de penhora do salário, o empregador deve reter o valor penhorado e remetê-lo diretamento ao fisco. Porque tal penhora é de trato contínuo, o empregador deve continuar a enviar ao fisco parcelas do salário do devedor até satisfação total do débito. No caso de penhora de conta bancária, a instituição financeira deve congelar por vinte e um dias os valores das contas do devedor, que é o prazo que o mesmo tem para tentar anular tal penhora. Passados os vinte e um dias, o banco deve enviar ao fisco federal todos os valores penhorados na conta [178].

Execução fiscal por via judiciária é procedimento raro, dada a já aventada eficiência da execução administrativa. Proposta nas District Courts a execução chama-se de civil action ou de foreclosure action [179]. Sua propositura depende de expressa autorização do secretário do tesouro, e o feito é conduzido pelo procurador-geral ou por quem por ele designado [180]. Assim, a execução fiscal no modelo norte-americano é implementada administrativamente, o exequente exerce o múnus de mediador, conduzindo o feito, na busca de tutela satisfativa para créditos públicos não recolhidos. Prevê-se um contrapeso ao poder conferido à administração. Trata-se da possibilidade que o interessado tem para buscar intervenção judicial, verificados abuso e ilegalidade por parte do fisco. Excesso de poder e negligência por parte dos agentes fazendários autorizam ação judicial para determinação de ação ou omissão culposa ou dolosa [181], assim como suscitam por parte do contribuinte pedido de indenização [182]. Exige-se esgotamento de instâncias administrativas, que todavia não são esclarecidas pelo regulamento. Considera-se então como tal mera notificação do contribuinte, dando conhecimento ao fisco que o mesmo está agindo com excesso de poder ou negligentemente (reckelessly) [183].

A execução fiscal administrativa dá oportunidade a ampla opções de trabalho para advogados norte-americanos, membros da maior e mais organizada profissão do país [184], que no presente caso concentram-se em apontar erros da administração na condução do procedimento. Trata-se de tirocínio de análise de estrita legalidade. O advogado é menos um paladino do contribuinte injustiçado e mais um colaborador da verdade fiscal e fazendária [185]. A execução administrativa evita a exploração do judiciário como palco onde se discutem antinomias e lacunas, falhas (loopholes) da legislação. Feito o lançamento, exige-se pronto pagamento, pena seja o contribuinte devastado, com efetiva subtração de seus bens. Em país de bom nível de emprego e de excelente nível econômico, os fatos jurídicos aqui relatados são apenas um pequeno preço pago por uma prosperidade financeira que qualifica quimera civilizatória, que Hollywood plasmou com o nome de American dream.

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Sobre o autor
Arnaldo Sampaio de Moraes Godoy

Professor universitário em Brasília (DF). Pós-doutor pela Universidade de Boston. Doutor e mestre em Direito pela PUC/SP. Procurador da Fazenda Nacional

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GODOY, Arnaldo Sampaio Moraes. Direito comparado.: Cortes tributárias e execução fiscal no direito norte-americano. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1521, 31 ago. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/10343. Acesso em: 20 abr. 2024.

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