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Conselhos de fiscalização de profissões regulamentadas:

termos de ajustamento de conduta firmados com Ministério Público do Trabalho, as decisões do Supremo Tribunal Federal e a Súmula nº 363 do TST

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27/12/2006 às 00:00
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7.A ADI Nº 3.026-4/DF E A LEI Nº 8.906/94 – ESTATUTO DA OAB

Assim como a ADC nº 1/DF foi proposta para cuidar dos arts. 1º, 2º, 9º, 10 e 13 da Lei Complementar 70/91, não sendo seu objeto o art. 6º, II, que cuida da isenção da COFINS às Sociedades Civis de Prestação de Serviços, mas, por obiter dictum proferido pelo Ministro Moreira Alves acabamos vendo revogada tal isenção, que se encontrava até sumulada pelo STJ (Súmula 276), a ADI nº 3.026-4/DF também não tinha por objeto principal a realização de concursos públicos para o provimento de empregos em todos os Conselhos de Fiscalização de Profissões Legalmente Regulamentadas.

Aos 28 de outubro de 2003, apenas sete meses após a publicação da decisão que impunha concurso público aos Conselhos de Fiscalização de Profissões Legalmente Regulamentadas, o Procurador-Geral da República ingressou no STF pedindo para que fosse declarado inconstitucional o trecho final do § 1º da Lei nº 8.906/94, cujo teor é o seguinte:

Art. 79. Aos servidores da OAB (sic), aplica-se o regime trabalhista.

§ 1º Aos servidores da OAB, sujeitos ao regime da Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990, é concedido o direito de opção pelo regime trabalhista, no prazo de noventa dias a partir da vigência desta lei, sendo assegurado aos optantes o pagamento de indenização, quando da aposentadoria, correspondente a cinco vezes o valor da última remuneração.

Mas, ao contrário do que ocorreu na ADC nº 1/DF, em não houve pedido de manifestação sobre o art. 6º, II, da Lei Complementar 70/91, na ADI nº 3.026-4/DF o Procurador-Geral da República pediu para que o STF interpretasse conforme o inciso II do art. 37 da CF/88 o caput do art. 79 da Lei nº 8.906/94, para que fosse firmado o seguinte entendimento: o provimento dos cargos da Ordem dos Advogados do Brasil deve ocorrer por meio de concurso público.

Daí a razão dessa ADI nº 3.026-4/DF ser tão importante, posto que até seu julgamento, a OAB, tal e qual os outros Conselhos de Fiscalização de Profissões Legalmente Regulamentadas, era uma autarquia de regulação de categoria profissional para todos os efeitos, erga omnes e vinculante, relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e à Administração Pública.

O verbo foi usado no tempo passado, porque, aos 08 de junho de 2006, o Plenário do STF julgou a questão e, aos 29 de setembro de 2006, há menos de três meses, portanto, foi publicada no Diário Oficial da União a ementa do julgamento da ADI 3.026-4/DF:

EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. § 1º DO ARTIGO 79 DA LEI N. 8.906, 2ª PARTE. "SERVIDORES" DA ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL. PRECEITO QUE POSSIBILITA A OPÇÃO PELO REGIME CELESTISTA. COMPENSAÇÃO PELA ESCOLHA DO REGIME JURÍDICO NO MOMENTO DA APOSENTADORIA. INDENIZAÇÃO. IMPOSIÇÃO DOS DITAMES INERENTES À ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA DIRETA E INDIRETA. CONCURSO PÚBLICO (ART. 37, II DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL). INEXIGÊNCIA DE CONCURSO PÚBLICO PARA A ADMISSÃO DOS CONTRATADOS PELA OAB. AUTARQUIAS ESPECIAIS E AGÊNCIAS. CARÁTER JURÍDICO DA OAB. ENTIDADE PRESTADORA DE SERVIÇO PÚBLICO INDEPENDENTE. CATEGORIA ÍMPAR NO ELENCO DAS PERSONALIDADES JURÍDICAS EXISTENTES NO DIREITO BRASILEIRO. AUTONOMIA E INDEPENDÊNCIA DA ENTIDADE. PRINCÍPIO DA MORALIDADE. VIOLAÇÃO DO ARTIGO 37, CAPUT, DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. NÃO OCORRÊNCIA. 1. A Lei n. 8.906, artigo 79, § 1º, possibilitou aos "servidores" da OAB, cujo regime outrora era estatutário, a opção pelo regime celetista. Compensação pela escolha: indenização a ser paga à época da aposentadoria. 2. Não procede a alegação de que a OAB sujeita-se aos ditames impostos à Administração Pública Direta e Indireta. 3. A OAB não é uma entidade da Administração Indireta da União. A Ordem é um serviço público independente, categoria ímpar no elenco das personalidades jurídicas existentes no direito brasileiro. 4. A OAB não está incluída na categoria na qual se inserem essas que se tem referido como "autarquias especiais" para pretender-se afirmar equivocada independência das hoje chamadas "agências". 5. Por não consubstanciar uma entidade da Administração Indireta, a OAB não está sujeita a controle da Administração, nem a qualquer das suas partes está vinculada. Essa não-vinculação é formal e materialmente necessária. 6. A OAB ocupa-se de atividades atinentes aos advogados, que exercem função constitucionalmente privilegiada, na medida em que são indispensáveis à administração da Justiça [artigo 133 da CB/88]. É entidade cuja finalidade é afeita a atribuições, interesses e seleção de advogados. Não há ordem de relação ou dependência entre a OAB e qualquer órgão público. 7. A Ordem dos Advogados do Brasil, cujas características são autonomia e independência, não pode ser tida como congênere dos demais órgãos de fiscalização profissional. A OAB não está voltada exclusivamente a finalidades corporativas. Possui finalidade institucional. 8. Embora decorra de determinação legal, o regime estatutário imposto aos empregados da OAB não é compatível com a entidade, que é autônoma e independente. 9. Improcede o pedido do requerente no sentido de que se dê interpretação conforme o artigo 37, inciso II, da Constituição do Brasil ao caput do artigo 79 da Lei n. 8.906, que determina a aplicação do regime trabalhista aos servidores da OAB. 10. Incabível a exigência de concurso público para admissão dos contratados sob o regime trabalhista pela OAB. 11. Princípio da moralidade. Ética da legalidade e moralidade. Confinamento do princípio da moralidade ao âmbito da ética da legalidade, que não pode ser ultrapassada, sob pena de dissolução do próprio sistema. Desvio de poder ou de finalidade. 12. Julgo improcedente o pedido.(todos os grifos são meus)

A OAB foi declarada categoria ímpar no elenco das personalidades jurídicas existentes no direito brasileiro.

A OAB, que o legislador fez questão de, expressamente, excluir da Lei 9.649/98, em seu § 9º, ressaltando a natureza autárquica da entidade, tanto que não foi alvo da ADI nº 1.717-6/DF proposta pelos partidos políticos, passou a ser categoria ímpar no elenco das personalidades jurídicas existentes no direito brasileiro.

Como visto alhures, a doutrina de Hely Lopes Meirelles, de Maria Sylvia Zanella de Pietro e de Marçal Justen Filho, não dá sustentação à fundamentação dos Ministros do STF na ADI nº 3.026-4/DF, mas, por ser uma Ação Direta de Inconstitucionalidade, tal fundamentação poderá ser aplicável a todas as outras entidades de regulação de categoria profissional.

De fato, antes do julgamento da ADI n° 3.026-4/DF, a OAB e as demais entidades de regulação de categoria profissional possuíam as seguintes características em comum:

a)Todas prestam serviços públicos, que lhes foram outorgados pelo Estado;

b)Todas são autônomas, sem que sejam autonomias;

c)Todas podem fazer valer perante a Administração o direito de exercer as funções para as quais foram criadas, podendo opor-se às interferências indevidas;

d)Todas têm seus administradores eleitos pelos integrantes da categoria, que não podem ser destituídos por ato de vontade dos governantes;

e)Nenhuma delas é propriamente integrantes da estrutura administrativa estatal, mas manifestações da própria sociedade civil.

Se for verdade que a Ordem dos advogados do Brasil é categoria ímpar no elenco das personalidades jurídicas existentes no direito brasileiro, por conta de ter, também, uma função institucional, qual seja, defender a Constituição, a ordem jurídica do Estado democrático de direito, os direitos humanos, a justiça social, e pugnar pela boa aplicação das leis, pela rápida administração da justiça e pelo aperfeiçoamento da cultura e das instituições jurídicas, não é menos verdade que possui, tal e qual os demais Conselhos de Fiscalização de Profissões Legalmente Regulamentas, a função de regulação de categoria profissional.

Uma coisa não deveria excluir a outra e, por conta de um acúmulo de funções, a personalidade jurídica não poderia deixar de ser uma das existentes e definidas em lei.

E é de se destacar que os Conselhos de Fiscalização de Profissões Regulamentadas, assim como a OAB, se regem ora por normas de Direito Público, ora por normas de Direito Privado, e isso não quer dizer, nem poderia significar, que tais entidades sejam híbridas, pois, caso contrário, como o Estado outorgaria serviços típicos a uma entidade híbrida, meio de direito público, meio de direito privado?

Categoria ímpar no elenco das personalidades jurídicas existentes no direito brasileiro, não pode significar que a entidade portadora tal personalidade jurídica ímpar tenha, também, natureza privada, porque as Ações Diretas de Inconstitucionalidade produzem efeito vinculante para os demais órgãos do Poder Judiciário e para o próprio Estado.

Ora! Na ADI nº 1.717-6/DF os efeitos vinculantes e erga omnes foram: A interpretação conjugada dos artigos 5°, XIII, 22, XVI, 21, XXIV, 70, parágrafo único, 149 e 175 da Constituição Federal, leva à conclusão, no sentido da indelegabilidade, a uma entidade privada, de atividade típica de Estado, que abrange até poder de polícia, de tributar e de punir, no que concerne ao exercício de atividades profissionais regulamentadas, como ocorre com os dispositivos impugnados. Decisão unânime.

Afasta-se, portando, entendimento de categoria ímpar possuir caráter privado.

Daí que o que importará para o Direito do Trabalho e, em especial, para os trabalhadores dos Conselhos de Fiscalização de Profissões Legalmente Regulamentadas, não será a ementa da ADI n° 3.026-4/DF, nem o conceito acerca da personalidade jurídica da OAB, pois, nem a ementa, nem a categoria ímpar no elenco das personalidades jurídicas, que se aplica à OAB, afastam a natureza de autarquia desses conselhos, em razão dos efeitos produzidos pela ADI n° 1.717-6/DF.

O que importará de fato para o Direito do Trabalho, serão os obiter dicta exarados durante o julgamento da ADI n° 3.026-4/DF pelos Ministros do Supremo Tribunal Federal, pois eles podem ter julgado novamente, e indiretamente, os demais Conselhos de Fiscalização de Profissões Legalmente Regulamentadas, ou seja, podem ter julgado o sistema e não apenas a OAB.

Aqui estamos para colocar em discussão esse possível efeito "colateral" que emana do julgamento da ADI nº 3.026/DF, qual seja, o de que somente são conferidos aos trabalhadores dos Conselhos de Fiscalização das Profissões Legalmente Regulamentadas, quando da demissão, que será obrigatória, o direito ao pagamento da contraprestação pactuada, em relação ao número de horas trabalhadas, respeitando o valor da hora do salário mínimo, e dos valores referentes aos depósitos do FGTS.

Se aos empregados da OAB não se aplica a Súmula 363 do TST, nem a OAB se vê pressionada a firmar Termos de Ajustamento de Conduta com o MPU - OAB que tem também por função defender a Constituição - a Súmula 363 do TST e as demissões obrigatórias seriam aplicáveis aos empregados dos demais Conselhos de Fiscalização de Profissões?


8.Os Obiter Dicta na ADI Nº 3.026/DF

Sem qualquer inovação, apenas utilizando o mesmo raciocínio jurídico que foi aplicado na ADC nº 1/DF e, posteriormente, usado no RE 419629, das 120 folhas do julgamento da ADI nº 3.026/DF encontradas no site do STF extraem-se obiter dicta que podem permitir a flexibilização da Súmula 363 do TST na Justiça do Trabalho.

Vejamos cada um dos obiter dictum em questão (todos os grifos são meus):

8.1.Fls. 483 – MINISTRO RELATOR EROS GRAU – "Tenho contudo que o simples fato da entidade ter sido criada por lei (decreto com força de lei) não induz que a mesma tenha natureza jurídica – caráter jurídico, dizendo de modo correto – de autarquia. Não é isso o quê importa, mesmo porque a União cria ou autoriza a criação de entidades dotadas de personalidade jurídica de direito privado (CB art. 37, XIX e XX)."

8.2.Fls. 498 – MINISTRO MARCO AURÉLIO – "Pelo texto, Senhor Presidente, temos a adoção do regime dito celetista de forma abrangente, e aí, evidentemente, não há concurso público para se ingressar numa pessoa jurídica de direito privado que não integra a administração, porque há pessoas jurídicas de direito privado que a integram, refiro-me às sociedades de economia mistas e às empresas públicas. O que surge da própria redação do art. 79 é a visão do regime da Consolidação das Leis Trabalhos como um grande todo, ou seja, viabilizando a arregimentação de prestadores de serviço sem concurso público."

8.3.Fls. 501 – MINISTRO MARCO AURÉLIO – "Agora, é um tabu, Senhor Presidente, discutir-se o que ressoa como verdadeira soberania desse Conselho, quando no cenário nacional não se tem apenas esse Conselho. Precisamos julgar, presente um sistema, sob pena de ele ficar capenga, porque teremos de adotar, aqui - se entendermos que se trata de uma pessoa jurídica de direito privado -, a mesma ótica quanto a dezenas de conselhos existentes no Brasil."

Fls. 501 – MINISTRO CARLOS BRITTO – "Sob esse aspecto, gostaria de ponderar que nenhum outro conselho mereceu da Constituição menção expressa. Nenhum outro.

Fls. 502 – MINISTRO MARCO AURÉLIO – "Está acima do próprio Estado? Que órgão todo-poderoso teremos no Brasil!!!

8.4.Fls. 505 – MINISTRO MARCO AURÉLIO – "Então, qual é a natureza jurídica, senão é uma autarquia especial? Eu diria, sem demérito, Senhor Presidente, uma autarquia corporativista, como são os demais conselhos que congregam categorias profissionais, criados por lei, com poder de polícia e a possibilidade de impor contribuições e, mais do que isso, de excluir, no caso concreto, a capacidade postulatória, o que implica dizer: de inviabilizar o exercício de uma garantia constitucional."

8.5.Fls. 511 – MINISTRO CEZAR PELUSO – " Sr. Presidente, com o devido respeito, conheço do pedido, porque entendo que há dúvida, e esta nasce exatamente da fundamentação, que a suscita sobre a natureza jurídica da OAB, ensejando duas interpretações: uma, que a OAB é entidade de Direito Privado, e, outra, que seria de Direito Público. No primeiro caso, não seria exigido concurso público para preenchimento de cargo; e, no segundo, exigir-se-ia, a despeito de o regime de pessoal ser celetista."

8.6.Fls. 514 – MINISTRO MARCO AURÉLIO – "No processo em mesa, o Supremo tem oportunidade de lançar entendimento, como guarda-maior da Carta da República, de forma linear e considerado, como convém, o fator tempo. Por isso, já disse, aqui, na bancada, que vejo o processo objetivo com uma flexibilidade maior, quer considerados os legitimados para ingressarem com ações, que deságuam nesse processo, quer o objeto da própria ação."

8.7.Fls. 531 – MINISTRO CARLOS BRITTO – "Sr. Presidente, realmente o Ministro Peluso traz à baila um vício de que todos padecemos, que deita raízes em Atistóteles, o qual, como todos sabem, era um lógico por excelência, achava que cada coisa devia ficar em seu lugar e projetou essa influência nossa de tentar adaptar realidades diferenciadas em escaninhos conceituais preexistentes, antigos. Deixei-me impressionar muito bem por essa observação dele e, sobretudo, por uma outra achega: é que o Ministro Cezar Peluso, ao dizer que pouco importa a natureza jurídica da OAB, o fato é que a Instituição efetivamente se rege ora por normas de Direito Público, ora por normas de Direito Privado. Ele me impressionou quando lembrou que os cargos da OAB não são criados por lei. Ele não disse isso, mas acrescento: não têm seus vencimentos fixados em lei. De outra parte, no contexto global do meu voto, queria ter ensejo de dizer que, realmente, o pensamento jurídico ortodoxo sobre a OAB encontra sérias dificuldades pela heterodoxia da natureza da OAB, que eminentemente é uma instituição da sociedade civil, não é uma instituição da sociedade estatal, daí porque aparelhada pela própria Constituição, "n" vezes a fim de exercer um múnus que a coloca ao lado da Imprensa como as duas grandes instituições da sociedade civil. E, por natureza infensas, ambas, Imprensa e OAB, a controles estatais. Vou reconsiderar meu voto."

8.8.Fls. 566 – MINISTRO JOAQUIM BARBOSA – "Ministro Carlos Britto, em que a OAB se distingue dos demais conselhos fiscalizadores de profissões?"

MINISTRO EROS GRAU – "Entra com ação direta de inconstitucionalidade."

MINISTRO JOAQUIM BARBOSA – "Qual a distinção essencial entre a OAB e esses conselhos?"

MINISTRO CARLOS BRITTO – "Basta lembrar que a Constituição não fala de nenhum outro conselho nenhuma vez, em nenhuma outra oportunidade. Da OAB a Constituição fala numerosas vezes."

MINISTRO JOAQUIM BARBOSA – "Daí podemos tirar a conclusão de que a OAB tem direito a um status privilegiado?"

MINISTRO CARLOS BRITTO – "Digo que há diferenças a partir da consideração de que a OAB congrega profissionais, chamados advogados, que desempenham uma função que a própria Constituição rotula como essencial à jurisdição. À Justiça."

MINISTRO JOAQUIM BARBOSA – Isso, ao meu ver, é indicativo de que a ela é confiada uma missão no serviço público e não o contrário.

8.9.Fls. 585 – MINISTRO GILMAR MENDES – "Não acho que devamos nos aferrar, inclusive, às formas jurídicas existentes, senão seria muito fácil perfilar a tese do caráter autárquico e, a partir daí, assumir todas as conseqüências desse modelo. Não estamos a falar nisso, até porque não se trata disso. Agora, é inegável, a Ordem, como os demais conselhos que fiscalizam profissões, exerce poder estatal inequívoco."

8.10.Fls. 588 – MINISTRO CARLOS BRITTO – "Vossa Excelência me permite? A OAB é tão especial na sua configuração jurídica que, mesmo se a considerássemos uma autarquia especial, nem com as autarquias especiais de que trata a doutrina ela se confunde. Quais são as autarquias especiais em nosso sistema jurídico? O Banco Central do Brasil e as Agências Reguladoras. A OAB não se insere em nenhum desses esquadros de autarquia especial. Depois, as suas verbas, ainda que consideradas públicas, quanto às anuidades recolhidas de seus filiados, não entram no orçamento. Não são verbas orçamentárias do Estado. Ou seja, se toda verba orçamentária é pública, nem toda verba pública é orçamentária. Estamos diante de um estudo eminentemente heterodoxo. Por isso chamei de anti-aristotélico, já que ninguém mais ortodoxo do que Aristóteles. A OAB se insere nesse quadro"

8.11.Fls. 594 – MINISTRO SEPÚLVEDA PERTENCE – "Senhora Presidente, de minha parte faço votos para que, por deliberação própria da entidade ou da sua lei orgânica, a Ordem venha, sim, a submeter-se à regra do concurso público. No campo interno da Ordem, é indiscutível que a ausência do concurso público pode, sim, comprometer o caráter de impessoalidade, enfatizado no antológico voto do Ministro Cezar Peluso, a que Sua Excelência se remeteu. Agora, não consegui me convencer, sem embargo do brilho dos votos dissidentes dos Ministros Joaquim Barbosa e Gilmar Mendes, de que essa necessidade decorra da Constituição Federal. Acompanho o eminente Ministro-Relator, para julgar inteiramente improcedente a ação".

8.12.Fls. 595 – MINISTRA ELLEN GRACIE (PRESIDENTE) – "Senhores Ministros, também eu, com vênia aos Ministros Gilmar Mendes e Joaquim Barbosa, julgo improcedente a ação, fazendo por adotar, também, os bons votos e bons augúrios agora manifestados pelo Ministro Sepúlveda Pertence de que a Ordem, voluntariamente, venha a se curvar à regra democrática do concurso público".

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Está-se a ver que o STF não julgou apenas a OAB, mas o sistema de um modo geral e, conseqüentemente, todos os demais Conselhos de Fiscalização de Profissões Legalmente Regulamentadas.

A importância desse julgamento é o de que seus efeitos podem recair sobre todos os trabalhadores dos Conselhos de Fiscalização de Profissões Legalmente Regulamentadas, não apenas resguardando os empregos dos funcionários da OAB, coisa que se pôde sentir antes mesmo da publicação da ementa da ADI nº 3.026-4/DF na Imprensa Oficial.

Deveras, o Conselho Regional de Odontologia do Mato Grosso do Sul impetrou no próprio Supremo Tribunal Federal o Mandado de Segurança nº 26.150/DF, contra determinação do Tribunal de Contas da União que lhe impunha a demissão de todos os empregados e realização de concurso público.

O relator decidiu o Mandado de Segurança nº 26.150/DF favoravelmente ao impetrante, fundamentando a decisão em voto que proferiu na ADI nº 3.026-4/DF, acórdão que restou assim ementado:

DECISÃO: Trata-se de mandado de segurança impetrado pelo Conselho Regional de Odontologia do Mato Grosso do Sul contra ato do Tribunal de Contas da União, que determinou ao impetrante a realização de concurso público para admissão de pessoal, no prazo de 180 dias, rescindindo todos os contratos trabalhistas firmados a partir de 18.05.2001. 2. O impetrante alega que os conselhos federais e regionais de fiscalização do exercício profissional são entidades sui generis, não se lhes aplicando todos os preceitos que regem a Administração Pública Direta e Indireta. 3. Afirma que essas entidades não recebem repasse de verbas públicas, mantendo suas atividades tão somente por meio das contribuições arrecadadas dos profissionais inscritos em seus quadros. 4. Enfatiza que os empregados que trabalham no CRO-MS não são servidores públicos, uma vez que os salários são pagos pela própria entidade e os postos de trabalho não são criados por lei. 5. Requer, liminarmente, a suspensão dos efeitos do Acórdão n. 1.212/2004, confirmado pelo Acórdão n. 845/2006, do Tribunal de Contas da União e, no mérito, a concessão da segurança para declarar a sua nulidade. 6. É o relatório. Decido. 7. A concessão de medida liminar em mandado de segurança pressupõe a coexistência da plausibilidade do direito invocado e do risco de dano irreparável pela demora na concessão da ordem. 8. No voto que proferi na ADI n. 3.026, de que fui Relator [acórdão pendente de publicação], observei que a OAB não é uma entidade da Administração Indireta da União, enquadrando-se como serviço público independente, categoria singular no elenco das personalidades jurídicas existentes no direito brasileiro. 9. Os conselhos de fiscalização de profissões regulamentadas, assim como a OAB, não constituem autarquias, eis que diferentemente do que ocorre com elas, não estão sujeitos à tutela da Administração. Os conselhos sustentam-se por meio de contribuições cobradas de seus filiados, inclusive no que se refere ao pagamento de funcionários, não recebendo quaisquer repasses do Poder Público. 10. Note-se que o Tribunal já afastou a possibilidade de exercício da supervisão ministerial sobre as entidades fiscalizadoras de profissões liberais [RMS n. 20.976, Relator o Ministro SEPÚLVEDA PERTENCE, DJ de 16.02.1990], evidenciando o não recebimento do parágrafo único do art. 1º do decreto-lei n. 968/69 ["As entidades de que trata este artigo estão sujeitas à supervisão ministerial prevista nos artigos 19 e 26 do Decreto-lei n. 200, de 25 de fevereiro de 1967, restrita à verificação da efetiva realização dos correspondentes objetivos legais de interesse público"]. 11. O art. 1º do decreto-lei n. 968/69 determina que "as entidades criadas por lei com atribuições de fiscalização do exercício de profissões liberais, que sejam mantidas com recurso, próprios e não recebam subvenções ou transferências à conta do orçamento da união regular-se-ão pela respectiva legislação específica, não se lhes aplicando as normas legais sobre pessoal e demais disposições de caráter geral, relativas à administração interna das autarquias federais" [Grifou-se]. Esse preceito foi recebido pela Constituição do Brasil. 12. Há plausibilidade jurídica do pedido liminar. 13. O periculum in mora faz-se presente na medida em que a imediata rescisão dos contratos de trabalho celebrados a partir de 18.05.2001 pode comprometer o desempenho dos serviços prestados pelo impetrante, com graves conseqüências para os seus afiliados. Ante o exposto, defiro a medida liminar, para suspender os efeitos dos Acórdãos TCU n. 1.212/2004 e n. 845/2006, até o julgamento final do presente writ. Intime-se a autoridade coatora para prestar informações no prazo do art. 1º, "a", da Lei n. 4.348/64. Após, dê-se vista dos autos à Procuradoria Geral da República. Intime-se o impetrante para que apresente o instrumento de procuração original, no prazo de 10 dias, sob pena de nulidade do feito [art. 13, I, do CPC]. Publique-se. Brasília, 19 de setembro de 2006. Ministro Eros Grau – Relator. (grifos meus)

Em que pesem os efeitos produzidos por Medida Liminar em sede de Mandado de Segurança serem interpartes, e não erga omnes e vinculante, relativamente aos demais órgão do Poder Judiciário e à Administração Pública, reconheceu-se que os conselhos de fiscalização de profissões regulamentadas, assim como a OAB, não constituem autarquias, eis que diferentemente do que ocorre com elas, não estão sujeitos à tutela da Administração.

Quero crer, então, que, se não existir a possibilidade de se evitar as demissões dos empregados dos Conselhos de Fiscalização de Profissões Legalmente Regulamentadas, existirá a real possibilidade de se flexibilizar a aplicação da Súmula 363 do TST nas primeiras instâncias da Justiça do Trabalho, mesmo que a matéria lhes seja apresentada sob a forma de Termos de Ajustamento de Conduta firmados com o Ministério Público do Trabalho.


9.Conclusão

O que se depreende do presente estudo é que, em Ações Diretas de Inconstitucionalidade e em Ações Declaratórias de Constitucionalidade, por meio de obiter dictum, o Supremo Tribunal Federal pode julgar, indiretamente, matérias que não fazem parte do objeto principal daquelas ações.

As matérias julgadas indiretamente aproveitam os demais órgãos do Poder Judiciário e a própria Administração Pública, em especial, quando os obiter dicta disserem respeito a todo um sistema e causarem impacto sobre direitos sociais e trabalhistas.

A ADI nº 3.026-4/DF julgou todos os Conselhos de Fiscalização de Profissões Legalmente Regulamentadas e, por isso, autoriza a anulação dos Termos de Ajustamento de Conduta, firmados entre tais entidades e o Ministério Público do Trabalho, e permite a flexibilização da aplicação da Súmula 363 do c. TST nas primeiras instâncias da Justiça Especializada.


10.Bibliografia

[1] MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. Malheiros Editores. 29ª Edição. Atualizada por Eurico de Andrade Azevedo, Délcio Balestero Aleixo e José Emmanuel Burle Filho. 2004. p. 333 e 334.

[2] Op. Cit. p. 342 e 343.

[3] DE PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. Editora Atlas. 15ª Edição. 2003. p. 369

[4] JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo. Editora Saraiva. 2ª Edição. 2006. p. 121.

[5] site do Sindicato dos Trabalhadores das Autarquias de Fiscalização do Exercício Profissional e Entidades Coligadas no Estado de São Paulo (www. sinsexpro. org. br).

Artigo de autoria de Alcio Antonio Vieira, advogado autônomo, pós-graduando em Direito do Trabalho e Direito Processual do Trabalho pela Escola Superior de Advocacia da Ordem dos Advogados da Brasil – Secção São Paulo.

O autor concluiu pela PUC/SP os módulos de especialização em Processo Administrativo Fiscal e em Mandado de Segurança em Matéria Tributária.

Artigos publicados:

"A Súmula 337 do TST em face da nova Lei nº 11.341/2006", disponível no Suplemento Trabalhista nº 114 da Editora LTR e na revista eletrônica Jus Navigandi em http://jus.com.br/artigos/8910.

"A "lista negra" da OAB à luz do Direito Administratvo", disponível na revista eletrônica Jus Navigandi em http://jus.com.br/artigos/9162.

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Sobre o autor
Alcio Antonio Vieira

advogado em Barueri (SP), pós-graduando em Direto do Trabalho e Direito Processual do Trabalho pela Escola Superior de Advocacia da OAB/SP

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

VIEIRA, Alcio Antonio. Conselhos de fiscalização de profissões regulamentadas:: termos de ajustamento de conduta firmados com Ministério Público do Trabalho, as decisões do Supremo Tribunal Federal e a Súmula nº 363 do TST. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 1274, 27 dez. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/9330. Acesso em: 18 mai. 2024.

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