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Da co-responsabilidade civil dos bancos por danos ambientais

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2. Os bancos diante da legislação ambiental brasileira

Emprestar dinheiro é tarefa dos bancos. Uma de suas atividades. O financiamento de projetos envolve riscos e os bancos, através de seus analistas de crédito, têm muito se preocupado com o retorno de seu capital na hora de sua concessão. Há um tempo atrás predominava uma visão inteiramente capitalista, voltada exclusivamente para os interesses dos próprios agentes financeiros.

Paulatinamente os bancos foram chamados à responsabilização e a análise de crédito passou a incorporar as externalidades, não só do campo econômico-financeiro, mas também de outros campos como o das relações de consumo e do meio ambiente.

A legislação básica de referência aos bancos é a Lei Federal 4.595/64, conhecida como Lei da Reforma Bancária, que estrutura o sistema financeiro nacional, do qual fazem parte o Conselho Monetário Nacional, o Banco Central – a quem é atribuída a função de fiscalização do sistema -, e as demais instituições financeiras. O estatuto aqui referido não trata de responsabilidade civil dos bancos, nem contratual (na relação entre banco e seus clientes), nem aquiliana (danos a terceiros não clientes), sendo sua previsão e regulamentação fruto, sobretudo, decorrente das soluções doutrinárias e jurisprudenciais. A teoria do risco criado tem sido utilizada por parte da doutrina para suprir a falta de previsão e regulamentação da Lei 4.595/64, no que se refere à responsabilidade civil dos bancos, conferindo à atividade bancária, portanto, uma responsabilização independentemente de culpa, exatamente porque lhe falta tal previsão (ALVES, 1999, v.1, p. 94). No que outra parte da doutrina se descontenta e a contraria, haja vista não entender que os bancos exerçam atividade de risco ou atividade perigosa que justifique a aplicação da teoria do risco criado. Nas palavras de Rui Stoco, "nem mesmo por presunção se pode considerar a atividade bancária como atividade de risco ou que essas instituições criem riscos aos seus clientes de modo a ensejar a sua responsabilidade objetiva" (STOCO, 2004, p. 40).

Não só a falta de previsão doutrinária referida anteriormente, mas, a bem da verdade, o culto – em substituição à teoria da culpa -, da teoria do "risco profissional", teoria essa que se apóia no pressuposto de que o exercício de atividades com fins lucrativos incorpora os riscos dos danos gerados, isto é, a defesa de que a responsabilidade deve recair sobre aquele que aufere os benefícios ou lucros da atividade que explora (teoria do ubi emolumentum, ibi onus).

Uma mutação deu-se, a bom tempo, com o advento do Código de Defesa do Consumidor (CDC), Lei 8.078, de 11 de setembro de 1990, que equiparou a prestação de serviços bancários de natureza onerosa às relações de consumo (STOCO, 2004, p. 39).

Com tal equiparação, consignada no parágrafo 2º, do artigo 3º da Lei, os riscos do consumidor foram transferidos para o fornecedor – leia-se, nesse caso, os bancos -, estabelecendo responsabilidade civil objetiva para todos os casos de acidente de consumo, quer decorrentes do fato do produto, quer do fato do serviço (CAVALIERI FILHO, 2000, p. 205).

Hodiernamente o que se discute é se a relação dos bancos com o sistema financeiro estaria sujeita a dois regimes jurídicos distintos, quais sejam, o do Código de Defesa do Consumidor e a resolução do Banco Central que criou o Código de Defesa do Consumidor Bancário, e não propriamente se as relações bancos-clientes não são relações de consumo, ainda que o fato dessas instituições não aplicarem dinheiro próprio e sim de terceiros (investidores) – já que são meros "trocadores de dinheiro" -, caracterizaria relação não-consumerista (MARTINS, 2005). Em que pese tal posicionamento, há também o entendimento de que o simples fato de o financiado ser destinatário final do dinheiro ou do crédito outorgado pelo banco caracterizaria relação de consumo (SCARTEZZINI, 2003, p. 19).

No campo do direito ao meio ambiente sadio e de qualidade, não só os bancos, mas todo o sistema financeiro tem demonstrado crescente preocupação com as repercussões ambientais de suas atividades, a partir, sobretudo, da iniciativa financeira do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente – IF/PNUMA (ANTUNES In: GRIZZI et al., 2003, p. XIII). A concessão do crédito das instituições financeiras evolui, a olhos vistos, no sentido da sua vinculação aos ditames da legislação ambiental.

A Constituição Federal norteia esse direcionamento ao contemplar no mesmo plano os princípios da livre concorrência e o da defesa do meio ambiente, não admitindo privilégios de um sobre o outro (MUKAI, 2002, p. 34). A ordem econômica brasileira, segundo o inciso VI, do artigo 170 da Carta Magna, "é fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa", tendo entre seus princípios a "defesa do meio ambiente". "Toda atividade econômica", nos ensina o constitucionalista José Afonso da Silva, "só pode desenvolver-se legitimamente enquanto atende a tal princípio, entre os demais relacionados no mesmo artigo 170, convocando no caso de não atendimento, a aplicação da responsabilidade da empresa e de seus dirigentes, na forma prevista no artigo 173, §5º" (SILVA, 2002, p. 48).

Recordemo-nos, também, de que nosso país, na Conferência sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, ECO 92, como ficou conhecida, acatou como meta a ser buscada, o modelo do desenvolvimento sustentável adotado na Declaração do Rio (Princípio 4: "Para se alcançar o desenvolvimento sustentável, a proteção do meio ambiente deve constituir parte integrante do processo de desenvolvimento e não pode ser considerada isoladamente em relação a ele") e na Agenda 21. Por desenvolvimento sustentável, a Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento entende como "aquele que atende às necessidades do presente sem comprometer a possibilidade de as gerações futuras atenderem as suas próprias necessidades" (MILARÉ, 2001, p. 122).

Humberto Adami, em artigo intitulado "A Responsabilidade Ambiental dos Bancos", advoga que no conceito constitucional de coletividade, registrada no caput do artigo 225 da Carta Maior, a quem o constituinte, juntamente com o Poder Público, impôs o dever de defender e preservar o meio ambiente para as presentes e futuras gerações, deve ser incluído como partícipe os bancos de um modo geral, públicos ou privados, "...pois não se pode admitir que os bancos pretendam estar fora da coletividade" (SANTOS JÚNIOR, 1998).

Expressamente, o legislador infraconstitucional ambiental tratou pioneiramente dos bancos na Lei 6.803/80, conhecida como Lei do Zoneamento Industrial, que "dispõe sobre as diretrizes básicas para o zoneamento industrial nas áreas críticas de poluição". Eis o que diz o seu artigo 12, verbis:

Art. 12. Os órgãos e entidades gestoras de incentivos governamentais e os bancos oficiais condicionarão a concessão de incentivos e financiamentos às indústrias, inclusive para participação societária, à apresentação da licença de que trata esta Lei.

A licença a que se refere o artigo em tela está prevista no artigo 9º da Lei e diz respeito à observância e atendimento das normas e padrões ambientais definidos pelos órgãos ambientais referentes à emissão de gases, ruídos, radiações; a riscos de explosão, incêndios e, inclusive, padrões de uso e ocupação de solo. Vigente é o referido artigo, ainda que a Lei encontra-se parcialmente revogada. Paulo de Bessa Antunes, fazendo alusão ao valor histórico dessa Lei no direito ambiental brasileiro, considera que a mesma "estabeleceu de forma clara e precisa a necessidade de avaliação de impacto ambiental dos empreendimentos industriais" (ANTUNES, 2000, p. 205). Esse reconhecimento já havia sido registrado por Ann Helen Wainer, ao se referir à Lei sob comento como um dos maiores avanços na legislação ambiental brasileira (WAINER, 1999, p. 83).

Os bancos, destarte, pelo menos os oficiais, conforme dispôs a Lei, se viram obrigados a partir desse "momento de grande importância", como à ela se referiu o autor supracitado em sua obra Direito Ambiental, a requisitar e condicionar a liberação de recursos às indústrias à apresentação da licença ambiental prévia aos incentivos e financiamentos. Os bancos também devem oferecer condições especiais de financiamento a projetos que visem à redução de poluição, conforme o parágrafo único do artigo 12 da Lei.

Em 1981 o país conquistou uma lei considerada por vários autores como o marco inicial do direito ambiental no Brasil: a Lei 6.938/81, que estabeleceu a Política Nacional do Meio Ambiente (PNMA), constituiu o Sistema Nacional do Meio Ambiente (SISNAMA), criou o Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA) e instituiu o Cadastro Técnico Federal de Atividades e Instrumentos de Defesa Ambiental. ANTUNES (2005, p. 6) entende-a como "[...] o instrumento apto ao desempenho da coordenação da aplicação das diversas normas legais esparsas que cuidam de proteção ambiental no Brasil". Tamanha sua importância. A grande virtude, entretanto, apontada por estudiosos da matéria e ambientalistas foi a consagração da responsabilidade objetiva de indenizar e reparar os danos ambientais, pelos seus artigos 4º, VII e 14, § 1º (ALVARENGA, 2001, p. 91).

No artigo 12 da Lei 6.938/81, com o seu parágrafo único, da mesma forma que no artigo 23 do Decreto 99.274/90, que regulamentou a Lei, "o legislador procurou o apoio dos bancos para aplicar concretamente a legislação ambiental, indicando a necessidade de atuação conjunta entre bancos e órgãos ambientais de fiscalização" (GRIZZI et al., 2003, p. 53). Devem os bancos, portanto, exigir o prévio licenciamento ambiental para aprovação do crédito, além de impor a observância do cumprimento das normas do CONAMA, e fazer constar no projeto financiado a realização de obras e aquisição de equipamentos para o controle da degradação ambiental. Assim vêm estatuídos os artigos em tela:

Lei 6.938/81, verbis:

Art. 12. As entidades e órgãos de financiamento e incentivos governamentais condicionarão a aprovação de projetos habilitados a esses benefícios ao licenciamento, na forma desta Lei, e ao cumprimento das normas, dos critérios e dos padrões expedidos pelo CONAMA.

Parágrafo único. As entidades e órgãos referidos no caput deste artigo deverão fazer constar dos projetos a realização de obras e aquisição de equipamentos destinados ao controle de degradação ambiental e à melhoria da qualidade do meio ambiente.

Decreto 99.274/90, verbis:

Art. 23. As entidades governamentais de financiamento ou gestoras de incentivos condicionarão a sua concessão à comprovação do licenciamento previsto neste decreto.

Alguns outros artigos da Lei 6.938/81 – Lei da Política Nacional do Meio Ambiente – e a Lei 9.605/98 – Lei de Crimes Ambientais - possuem impactos diretos na consideração da responsabilidade ambiental dos bancos. Os artigos 3º e 14 da Lei 6.938/81 tratam, respectivamente, da equivalência na reparação dos danos para poluidores diretos e indiretos (isto é, o referido artigo cria a figura do "poluidor indireto" – co-autor ou partícipe do dano causado) e a obrigação do poluidor de reparar o dano independentemente da existência de culpa. Esse último artigo 14, inclusive, em seu inciso III, impõe a sanção de perda ou suspensão de participação em linhas de financiamento em estabelecimentos oficiais de crédito aos transgressores. Ainda no que diz respeito à Lei 6.938/81, uma antiga atribuição de competência do CONAMA – atualmente desnecessária após a promulgação da Lei de Crimes Ambientais (SANTILLI, 2001, p. 163) -, era a de aplicar a sanção de perda ou restrição de benefícios a incentivos oficiais concedidos pelas autoridades administrativas ou financeiras.

Na Lei 9.605/98 temos os artigos 2º, 3º e 4º que tratam do concurso às práticas criminosas (incidência nas mesmas penas cominadas), da responsabilidade penal da pessoa jurídica e da desconsideração da personalidade jurídica, respectivamente. Por óbvio, estamos a falar de penas de natureza criminal. Todavia, no plano administrativo, a Lei 9.605/98 prevê, no artigo 72, § 8º, inc. IV, dentre as sanções restritivas de direitos, a "perda ou suspensão da participação em linhas de financiamento em estabelecimentos oficiais de crédito".

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Igual sanção restritiva de direitos encontrá-la-emos na atual Lei de Biossegurança (Lei 11.105/05), em seu artigo 21, inc. X, bem como no seu regulamento, Decreto 5.591/05, no artigo 70, inc. X, que tratam, ambos, das infrações administrativas e suas respectivas punições para aqueles que violarem as suas normas. Tanto uma como outra, tanto a lei quanto o seu regulamento, fazem referência às organizações públicas e privadas, nacionais e estrangeiras, financiadoras ou patrocinadoras de atividades ou de projetos que envolvam organismos geneticamente modificados (OGM) e seus derivados, impondo-lhes o dever de exigir a apresentação do Certificado de Qualidade em Biossegurança (CQB), emitido pela Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio). Assim, os bancos para concederem os seus financiamentos devem condicionar a aprovação dos mesmos à apresentação prévia do CQB, sob pena de, em não o fazendo, tornarem-se co-responsáveis pelos eventuais efeitos decorrentes do descumprimento da Lei ou de seu Regulamento. Cabe dizer: prevista está a co-responsabilidade dos bancos em casos de financiamentos dos projetos de biotecnologia (MACHADO, 2000, p. 312).

Expressamente, o artigo 20 da Lei de Biossegurança afirma que os responsáveis pelos danos ao meio ambiente e a terceiros responderão solidariamente por sua indenização ou reparação integral, independentemente da existência de culpa.

Damos, enfim, por visto, uma relação de leis ordinárias e regulamentos de importância indiscutível para o direito de todos, presentes e futuros, a um meio ambiente equilibrado ecologicamente, que convoca expressamente os financiadores de atividades e empreendimentos – os bancos -, a desempenharem políticas de crédito cuja gestão garanta o cumprimento de determinações legais ambientais, sob pena de responderem eles, os bancos, solidariamente com os seus financiados, pelos danos causados ao meio ambiente.

Lembramos que, em função da competência concorrente para legislar sobre o meio ambiente, Distrito Federal, Estados e Municípios possuem legislações ambientais próprias às quais os bancos devem obediência quando da liberação de seus créditos. E como os citados entes federais tratam muitas vezes de forma diferenciada a sujeição ao licenciamento ambiental das mesmas atividades, isto é, possuem políticas estaduais próprias com diferentes parâmetros de exigências para concessão de licença ambiental, os bancos devem, então, observar os casos de exigência/dispensa de licença ambiental para cada atividade nos diferentes Estados da federação. A título de exemplo: atualmente, os bancos se vêem obrigados no Estado de Pernambuco a exigir a licença ambiental do cliente da carteira de crédito rural, para aprovação e concessão do referido crédito, quando o projeto contemplar irrigação, para qualquer tamanho de área que seja. O mesmo não ocorre no Estado da Bahia, cuja legislação ambiental dispensa o licenciamento para atividades/empreendimentos de agricultura irrigada em áreas de até 50 hectares.

Os posicionamentos normativos do CONAMA – Conselho Nacional do Meio Ambiente - devem ser considerados para fins de cautela pelos bancos, no campo de sua responsabilidade, sobretudo quando os órgãos estaduais dispensam o processo de licenciamento ambiental para a instalação e operação de certas atividades.

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Sobre o autor
Mauricio Gaspari Resurreição

especialista em Direito Ambiental e Urbanístico em Recife (PE)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

RESURREIÇÃO, Mauricio Gaspari. Da co-responsabilidade civil dos bancos por danos ambientais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 1228, 11 nov. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/9142. Acesso em: 21 mai. 2024.

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