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Aspectos penal e processual penal da novíssima lei antitóxicos

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23/10/2006 às 00:00
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5 – Maquinário e aparelhos destinados ao tráfico (art. 34)

          Fabricar, adquirir, utilizar, transportar, oferecer, vender, distribuir, entregar a qualquer título, possuir, guardar ou fornecer, ainda que gratuitamente, maquinário, aparelho, instrumento ou qualquer objeto destinado à fabricação, preparação, produção ou transformação de drogas, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar:

          Pena - reclusão, de 3 (três) a 10 (dez) anos, e pagamento de 1.200 (mil e duzentos) a 2.000 (dois mil) dias-multa.

          5.1 – Noções Gerais. Este dispositivo teve como base o art. 13, da Lei 6368/76, referente a mais uma modalidade de tráfico de entorpecente, que embora pareça mais gravosa que a anterior, porquanto voltada para a criação da droga, tem pena bem inferior. Traz como acréscimo as ações nucleares utilizar, transportar, oferecer, distribuir e entregar a qualquer título, além daquelas já previstas na redação antecedente. O tipo pune toda e qualquer conduta que vise à instalação e ao funcionamento de laboratórios clandestinos destinados ao fabrico, preparação, produção ou transformação de substância entorpecente em drogas. Pecou o legislador ao usar a expressão transformação de drogas, pois o criminoso transforma a substância, considerada matéria-prima, em droga.

          5.2 – Classificação doutrinária. Crime permanente nas modalidades possuir e guardar. Crime de ação múltipla ou conteúdo variado e de mera conduta.

          5.3 – Consumação e Tentativa. Consuma-se com a ação nuclear descrita no tipo, independente da fabricação, preparação, produção ou transformação da substância em droga. É possível a tentativa, embora de difícil configuração.


6 – Crimes de associação para o tráfico (art. 35 e parágrafo único).

          Associarem-se duas ou mais pessoas para o fim de praticar, reiteradamente ou não, qualquer dos crimes previstos nos arts. 33, caput e § 1º, e 34 desta Lei:

          Pena - reclusão, de 3 (três) a 10 (dez) anos, e pagamento de 700 (setecentos) a 1.200 (mil e duzentos) dias-multa.

          Parágrafo único. Nas mesmas penas do caput deste artigo incorre quem se associa para a prática reiterada do crime definido no art. 36 desta Lei.

          6.1 – Noção Geral. Crime de concurso necessário ou plurissubjetivo que pressupõe no mínimo dois integrantes, ainda que um seja irresponsável. O crime de associação se distingue do concurso eventual de pessoas que exige um acordo de vontades ocasional e efêmero para a perpetração de determinado crime; a associação pressupõe ajuste permanente ou estável para a perpetração de vários crimes de tráfico de entorpecentes (mínimo dois). Em síntese, para a configuração do crime de associação impõe-se a conjugação dos seguintes elementos: (a) concurso necessário de pelo menos dois agentes; (b) finalidade específica dos agentes voltada ao cometimento de delitos de tráfico de entorpecentes; e (c) exigência de estabilidade e de permanência da associação criminosa.

          6.2 – Revogação. No diploma em estudo não há previsão de aumento de pena para o concurso eventual de pessoas. A Lei 6.368/76 previa no art. 18, III, o acréscimo de um terço. A revogação da causa aumentativa gera efeito ex tunc e atinge processos já julgados.

          6.3 – Classificação doutrinária e concurso de crimes. A associação para o tráfico é crime formal que se consuma com a mera atividade do agente, sendo prescindível o cometimento de crime de tráfico. Por isso, se os agentes efetivamente cometerem um dos crimes previstos no art. 33 ou 34, haverá concurso material de infrações.

          6.4 – Associação para financiamento ou custeio do tráfico de entorpecentes. Novatio legis incriminadora. Incidem nas mesmas penas os agentes que se associarem para financiar ou custear qualquer forma de tráfico de entorpecente prevista nos arts. 33, caput e § 1º, e 34 desta Lei. Se efetivamente financiarem ou custearem haverá concurso material de infrações.


7 – CRIME DE FINANCIAMENTO OU CUSTEIO AO TRÁFICO DE ENTORPECENTES (ART. 36).

          Financiar ou custear a prática de qualquer dos crimes previstos nos arts. 33, caput e § 1º, e 34 desta Lei:

          Pena - reclusão, de 8 (oito) a 20 (vinte) anos, e pagamento de 1.500 (mil e quinhentos) a 4.000 (quatro mil) dias-multa.

7.1 – Objetividade jurídica. A saúde pública.

          7.2 – Sujeitos do crime. Crime comum que pode ser praticado por qualquer pessoa, no pólo ativo. Admite a co-autoria e a participação. Sujeito passivo é a incolumidade pública, o Estado.

          7.3 – Tipo Objetivo. Os verbos-núcleo financiar e custear não são sinônimos. A distinção entre ambos reside quando do emprego da verba pelo empresário do crime. Assim, financiar, crime instantâneo, em regra, tem o sentido de prover o capital necessário para a iniciação ou estruturação de qualquer atividade característica do tráfico de drogas, como, por exemplo, ter em depósito, guarda, fabrico, preparo, produção ou transformação de drogas. Custear, por sua vez, crime eventualmente permanente e habitual, representa o abastecimento financeiro exigível à manutenção de uma ou mais daquelas atividades ilícitas. Ambas as ações estão coligadas à lavagem de dinheiro, bens ou valores em que o agente investe com finalidade de lucro no mercado ilícito de drogas.

          Como tipificar o investidor eventual do narcotráfico que, por exemplo, fez uma única aplicação financeira? Responderá como financiador, a despeito de a empresa criminosa existir e estar em franca atividade. Significa que embora financiar o tráfico seja conduta, ordinariamente, de iniciação, nada obsta que alguém invista esporadicamente sem participar da produção ou do comércio.

          Materialidade e distinção. A materialidade inerente ao investimento para financiamento ou custeio, em regra, precisa ser provada. Por exemplo: transferência de valores entre contas-correntes entre o aplicador e o executor material ou intermediário do tráfico, retiradas expressivas de valores sem a comprovação do destino, movimentação de considerável quantia em conta-corrente, ou ainda, a manutenção de empresas de fachada para "lavar" o dinheiro obtido com a atividade ilícita etc.

          Pune-se quem atua de modo dissociado, destacado da atividade mercantilista, tenha-se claro que o investidor é um e o executor material das ações típicas previstas nos tipos referidos no caput é outro. Nada obsta que o investidor incorra em concurso material de infrações com o agente que, por exemplo, recebe os valores e adquire maquinário para a preparação e fabrico de drogas.

          7.4 – Tipo Subjetivo. É o dolo, consistente na vontade livre e consciente de financiar e/ou custear o tráfico de entorpecentes.

          7.5 – Consumação e tentativa. Na modalidade financiar, o crime é formal, consumando-se independentemente da concretização do resultado almejado. Por sua vez, na modalidade custear, o crime é material, consumando-se com o investimento efetivo de bens e valores na traficância.

          7.6 – Penas. Crime mais gravemente punido. O agente financiador de qualquer modalidade de tráfico de drogas estará sujeito a uma pena privativa de liberdade de oito a vinte anos de reclusão, além de multa de mil e quinhentos a quatro mil dias-multa.

          7.7 – Qualificação doutrinária. Na modalidade financiar é instantâneo, doloso, formal e comissivo. Na modalidade custear é eventualmente permanente, habitual, doloso, material e comissivo.


8 – COLABORAÇÃO COM O TRÁFICO (ART. 37).

          Colaborar, como informante, com grupo, organização ou associação destinados à prática de qualquer dos crimes previstos nos arts. 33, caput e § 1º, e 34 desta Lei:

          Pena - reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos, e pagamento de 300 (trezentos) a 700 (setecentos) dias-multa.

          Crime comum, que pode ser sujeito ativo qualquer pessoa. Tem no pólo passivo, a incolumidade pública. A ação nuclear é colaborar, no sentido de contribuir, cooperar eficazmente para a difusão e o incentivo ao tráfico de drogas com grupo, organização ou associação, na qualidade de informante, como, rotineiramente, vêem-se advogados servindo de pombos-correio para o crime organizado, levando e trazendo informes para os líderes do crime organizado. Importante distinguir a mera colaboração como informante, mero partícipe, da co-autoria praticando uma das ações nucleares previstas no art. 33, caput e § 1º, e 34 desta Lei, quando o agente incidirá no crime de tráfico.

          Inclui-se na descrição legal o olheiro, bem como qualquer outro que atua como informante cooperando para a manutenção da estrutura do grupo, organização ou associação.

          8.1 – Meio de execução. Crime de forma livre que pode ser praticado por qualquer meio, verbal, gestual ou escrito. Afigure-se o exemplo de um policial corrupto que, ciente de ação a ser desencadeada em uma "boca de fumo", envia um e-mail para o responsável pelo negócio ilícito, a fim de mostrar sua "lealdade" e, assim, continuar recebendo uma propina mensal.

          8.2 – Consumação. Consuma-se com a chegada da notícia ao seu destino, de molde a cooperar com a difusão e o incentivo ao tráfico. Por se tratar de crime material, admite a tentativa.

          8.3 – Crítica. Tipo de difícil aplicação prática. O novel diploma pretendeu abarcar toda e qualquer conduta que contribuísse para a difusão do tráfico, criando exceções pluralísticas à Teoria Monista que chegou às raias da incoerência, de vez que, salvo raríssimas exceções, o informante é partícipe ou co-autor do tráfico.


9 – MODALIDADE CULPOSA (ART. 38).

          Prescrever ou ministrar, culposamente, drogas, sem que delas necessite o paciente, ou fazê-lo em doses excessivas ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar:

          Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e pagamento de 50

          (cinqüenta) a 200 (duzentos) dias-multa.

          Parágrafo único. O juiz comunicará a condenação ao Conselho Federal da categoria profissional a que pertença o agente.

          *Infração de menor potencial ofensivo, cabendo todos os institutos despenalizadores da Lei 9.099/95. Competência do Juizado Especial Criminal.

          Trata-se de crime próprio, normalmente praticado por médico, dentista, farmacêutico ou profissional de enfermagem. Enquanto os dois primeiros podem prescrever ou ministrar drogas em geral, os dois últimos somente podem ministrar. Como o tipo atual omite os sujeitos ativos, diferentemente do antigo art. 15 da Lei 6368/76, certamente outros agentes que prescreverem ou ministrarem drogas estarão sujeitos às penas do dispositivo em apreço, como o caso dos terapeutas, nutricionistas, psicólogos e outros que, comumente, receitam medicamentos alternativos para seus clientes.

          Único crime culposo da Lei 11.343/06. Consuma-se na modalidade prescrever, quando a receita chega ao destinatário ou quando, na modalidade ministrar, a substância é introduzida no corpo da vítima.

          Não se olvide que crime culposo inadmite a forma tentada.

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          Duas elementares normativas do tipo residem nas expressões sem que delas necessite o paciente e em doses excessivas ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar. Em ambas as situações, o tipo exige valoração judicial, sob pena de atipicidade da conduta, caso o agente necessite da droga, bem como se não se provar o excesso da dose ou se estiver acorde com o regulamento.

          Em caso de condenação, o juiz deverá comunicar a condenação ao Conselho Federal da categoria profissional a que pertença o agente.


10 – CONDUZIR EMBARCAÇÃO OU AERONAVE SOB O EFEITO DE DROGA (ART. 39).

          Conduzir embarcação ou aeronave após o consumo de drogas, expondo a dano potencial a incolumidade de outrem:

          Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 3 (três) anos, além da apreensão do

          veículo, cassação da habilitação respectiva ou proibição de obtê-la, pelo mesmo prazo da pena privativa de liberdade aplicada, e pagamento de 200 (duzentos) a 400 (quatrocentos) dias-multa.

          Parágrafo único. As penas de prisão e multa, aplicadas cumulativamente com as demais, serão de 4 (quatro) a 6 (seis) anos e de 400 (quatrocentos) a 600 (seiscentos) dias-multa, se o veículo referido no caput deste artigo for de transporte coletivo de passageiros.

          10.1 – Noções Gerais. Novo tipo penal incriminador inspirado no art. 306 do Código de Trânsito Brasileiro (Lei 9.503/97). Trata-se de crime que pode ser praticado por qualquer pessoa habilitada ou não. Vítima é a coletividade. A ação nuclear consiste em conduzir embarcação ou aeronave após a ingestão de substância entorpecente, não exigindo a lei que o agente esteja drogado, mas que exponha a um dano potencial a incolumidade de outrem. Crime de perigo concreto exige que o condutor exponha a segurança de outrem a perigo de dano efetivo, demonstrado no caso concreto; é certo que há entendimentos no sentido de que o crime é de perigo abstrato ou presumido, bastando dirigir sob o efeito de substância entorpecente para tipificar o crime.

          10.2 – Perícia. O art. 269, IX, do CTB prevê que a autoridade de trânsito ou seus agentes, na esfera das competências estabelecidas neste Código e dentro de sua circunscrição, deverá realizar (...) perícia de substância entorpecente ou que determine dependência física ou psíquica. No caso de recusa do agente, a prova testemunhal ou o exame clínico de médico supre a ausência daquela.

          10.3 – Consumação. No momento em que o agente realiza manobra ou condução anormal da embarcação ou aeronave. Não admite a forma tentada.

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Sobre o autor
Jayme Walmer de Freitas

Professor da Escola Paulista da Magistratura e de Pós-Graduação no COGEAE da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Coordenador do 7º Curso de Pós Graduação "Lato Sensu" - Especialização em Direito Processual Penal, da Escola Paulista da Magistratura. Autor das obras Prisão Cautelar no Direito Brasileiro (3ª edição), OAB – 2ª Fase – Área Penal e Penal Especial, na Coleção SOS – Sínteses Organizadas Saraiva vol. 14, pela Editora Saraiva, além de coordenador da Coleção OAB – 2ª Fase, pela mesma Editora. Coautor do Código de Processo Penal Comentado, pela mesma Editora. Colaborador em Legislação Criminal Especial, vol. 6, coordenada por Luiz Flávio Gomes e Rogério Sanches Cunha, pela Editora Revista dos Tribunais. Colaborador em o Tratado Luso-Brasileiro da Dignidade Humana, coordenada por Jorge Miranda e Marco Antonio Marques da Silva, pela Editora Quartier Latin. Colaborador em o Direito Imobiliário Brasileiro, coordenada por Alexandre Guerra e Marcelo Benacchio, pela Editora Quartier Latin. Autor de artigos jurídicos publicados em revistas especializadas e nos diversos sites jurídicos nacionais. Foi Coordenador Pedagógico e professor de Processo Penal, Penal Geral e Especial, por 14 anos, no Curso Triumphus – Preparatório para Carreiras Jurídicas e Exame de OAB, em Sorocaba. Juiz criminal em Sorocaba/SP, mestre e doutor em Processo Penal pela PUC/SP.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FREITAS, Jayme Walmer. Aspectos penal e processual penal da novíssima lei antitóxicos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 1209, 23 out. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/9074. Acesso em: 2 mai. 2024.

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